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Khóra e Ásty nas pólis gregas do Ocidente: o caso de Selinonte

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA

TÍTULO: KHÓRA E ÁSTY NAS PÓLIS GREGAS DO OCIDENTE: O CASO DE SELINONTE

Christiane Teodoro Custodio

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

Orientadora: Profa. Dra. Elaine Farias Veloso Hirata

Linha de Pesquisa: Espaço, Sociedade e Processos de Formação do Registro Arqueológico.

São Paulo 2012

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Agradecimentos

À professora Dra. Elaine Farias Veloso Hirata pela orientação, dedicação, apoio, generosidade e entusiasmo ao longo dos últimos anos. Admiro seu posicionamento intelectual e ético, sou grata pelo aprendizado que transcende a esfera do conhecimento acadêmico por ela transmitido desde que nos conhecemos.

À CAPES pela bolsa de estudo que financiou esta pesquisa.

À professora Dra. Maria Beatriz Borba Florenzano pelas observações e recomendações na qualificação, pelo apoio constante ao longo do desenvolvimento da pesquisa, por tudo o que compartilhou durante as atividades das disciplinas por ela ministradas e no decorrer do desenvolvimento das atividades do LABECA.

À professora Dra. Cibele Elisa Viegas Aldrovandi pelo aprendizado ao longo das atividades desenvolvidas no Labeca, pela presença e contribuições no exame de qualificação, pelo convívio e troca de experiências.

À professora Dra. Adriene Baron Tacla pelos ensinamentos, pelo encorajamento e generosidade ao compartilhar seu conhecimento e experiência.

Ao LABECA (Laboratório de Estudos sobre a Cidade Antiga), pela disponibilização de materiais e acervo bibliográfico indispensáveis para o desenvolvimento dessa pesquisa; pela sua agenda de atividades, sobretudo as discussões teóricas realizadas sistematicamente e de enorme valia para o amadurecimento do aprendizado sobre a arqueologia mediterrânica e a sociedade grega; por propiciar um ambiente de trocas de informações e experiências entre pesquisadores de vários níveis de especialização.

À Emanuelle Santos, grande amiga e interlocutora sobre as questões sobre o pós-colonialismo e estudos culturais.

Aos amigos e companheiros de trajetória acadêmica: Daniela La Chioma Silvestre, Lilian de Ângelo Laky, Regina H. Rezende, Ana Paula Tauhyl, Brian Kibuuka, Camila Côndilo, Isis Ap. Conceição.

Ao Philipp Stockhammer por sua inestimável generosidade ao fornecer sugestões sobre esta pesquisa, bem como por compartilhar material bibliográfico para consulta. Suas ideias originais e seu entusiasmo ao divulgar seus estudos marcaram decisivamente meu trabalho no mestrado em um momento fundamental do desenvolvimento da pesquisa.

À minha mãe, Ana Teodoro e minha família.

Aos meus amigos: Silvânia P. Silva, Leandro Nunes, Márcia Nunes, Patrícia Pinto, Cezarina Xavier, Maria Aparecida Affonso, Jocely Pinel, Anderson Tintino, Eric Duarte e Thamyres Costa.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar o desenvolvimento urbanístico de Selinonte desde a implantação do assentamento colonial em meados do século VII a.C. na costa ocidental da Sicília até o final do século VI a.C. focalizando especialmente a especialização dos espaços que compõem a

khóra e a ásty desta pólis. Interessa-nos sobretudo compreender os

mecanismos de apropriação de territórios e estratégias de reivindicação de soberania de áreas conquistadas mediante projeção de uma paisagem de

poder. As mudanças na inscrição de espaços sagrados da paisagem, a

definição das áreas de habitação e necrópoles e por fim o traçado da malha urbana são os dados materiais fundamentais desta pesquisa. Posteriormente opera-se uma analise que contrasta elementos da urbanística das pólis Mégara Hibléia e Mégara Nisea, tidas como cidades-mãe de Selinonte a fim de compreender possíveis replicações de paisagem urbana e respectiva importância para o desenvolvimento da pólis colonial.

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ABSTRACT

This research aims to analyze the urban development of Selinus in a period that goes from the mid-7th Century BC, with the beginning of the colonial

settlement on the Western coast of Sicily, until the end of the 6th Century BC,

focusing the specialization of the spaces that compound the khóra and the

ásty of this polis. Our main intention is to understand the mechanisms of

appropriation of territories as well as the strategies of sovereignty claim in conquered areas through the projection of a landscape of power. The changes on the inscription of sacred spaces, the urban landscape and the definition of inhabitation and necropolis areas are the fundamental material data of this research. Thereafter, we follow with a contrastive analyses of the poleis Megara Hyblaea and Megara Nisaea, seen as mother-cities of Selinunte, in order to understand possible replications of the urban landscape and its respective importance to the development of the colonial polis.

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ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO...05

CAP. 1 - Espaço e territorialização, paisagens de culto e de poder...11

1.1 Arqueologia do culto. Arqueologia do espaço sagrado...16

1.2 Paisagens sagradas e Paisagens de Poder na Sicilia...28

CAPÍTULO 2 – Os movimentos migratórios da Península Balcânica para o Mediterrâneo Ocidental: Mégara Hibléia e Selinonte...33

2.1 A Colonização Grega do Período Arcaico...33

2.2 O Conceito...38

2.3 A Fundação de uma Apoikia...40

2.4 Expansão Comercial? Aquisição de Territórios?...46

2.5 Colônias primárias, colônias secundárias...53

2.6 Breve histórico da fundação de Selinonte...55

CAPÍTULO 3 – O desenvolvimento urbanístico de Selinonte: Repertório documental e análise das estruturas e da especialização dos espaços 3.1 Introdução...58

3.2 A Organização espacial de Selinonte...59

3.2.1. O território...63

3.2.2. Fase I: ocupação do assentamento primitivo – período proto-colonial, colonial inicial (c. 650 – c. 600 a. C.)...65

3.2.3. Fase II – Implemento da malha urbana, início da monumentalização (600 580 a.C.)...72

3.2.4. Fase III – (580 – 500)...78

CAPÍTULO 4 – Espaço, território e comunidades políticas: uma reflexão a partir das relações urbanísticas entre apoikia e cidades-mãe...84

4.1 - Territorialização a partir da prática de cultos e edificações monumentais...94

CONSIDERAÇÕES FINAIS...100

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...105

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INTRODUÇÃO

Selinonte é uma pólis fundada no século VII a.C. na costa ocidental da Sicília por colonos oriundos de Mégara Hibléia, liderados por um oikista de origem balcânica: Pammilos, de Mégara Nisea. Poucos decênios após a fundação, a comunidade selinontina demonstrava um desenvolvimento extraordinário, imediatamente materializado em seu conjunto arquitetônico que, para muitos autores, é o mais exuberante dentre as cidades do mundo grego. É possível afirmar que a exuberância verificada em Selinonte foi obtida graças ao êxito econômico do qual gozava essa pólis , oriundo, em grande parte, das suas profícuas relações comerciais com comunidades fenício-púnicas e siceliotas. Estudos históricos demonstram que seu posicionamento geográfico, estratégico em uma área do Mediterrâneo em que o contato de comunidades gregas e não-gregas, parece ter sido a tônica das principais rotas marítimas durante séculos, anteriores e posteriores ao tempo de vida desta cidade que padeceu, em 409 a.C., nas mãos de seus antigos parceiros comerciais, os cartagineses.

Diante de tão prodigiosa dinâmica histórica, Selinonte desperta o interesse de um vasto número de especialistas e áreas de estudos. A documentação disponível sobre a cidade é, no entanto, lacunosa (não sendo,aliás, a única dentre as muitas comunidades gregas que carece de um ‘Corpus Documental’ de maior escopo). Muitos esforços foram empreendidos desde o século XIX, quando o sítio começou a ser escavado sistematicamente. Os sucessivos trabalhos arqueológicos se caracterizaram, entretanto, por demasiada ênfase no conjunto arquitetônico monumental que

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foco das pesquisas arqueológicas realizadas em Selinonte tem sido a reconstrução da história topográfica do assentamento.

Contudo, prevalece nas abordagens da maioria dos trabalhos que se dedicam ao estudo desta pólis uma leitura ainda muito arraigada às concepções tradicionais daquilo que se entende por uma pólis grega. Sua origem balcânica, sua transposição para as “bordas” do Mediterrâneo através dos empreendimentos coloniais e consequente helenização de populações bárbaras. Salvo raras exceções e aumento de informações obtidas nos trabalhos de campo, uma narrativa já há muito conhecida é constantemente reiterada em um número considerável de trabalhos.

Por outro lado, um conjunto de arqueólogos da escola italiana começou a se deparar com uma imagem diversa daquela cristalizada desde o século XIX sobre o que seria o mundo grego. Fotografias aéreas e prospecções de superfícies amplas possibilitaram outras perspectivas que trouxeram à tona novas questões no que se refere às dinâmicas sociais que envolviam os muitos assentamentos gregos tidos como coloniais. Dentro dessas novas questões uma das que ganharam força no debate acadêmico é aquela que diz respeito às áreas contínuas exteriores ao núcleo citadino, o interior, o agrós ou, genericamente, o território das pólis gregas. Não obstante, a interpretação daquela empiria se dava tendo como premissa a idéia de que as porções adjacentes do território estavam sob influência do núcleo mais urbanizado, a pólis propriamente dita.

Esta bipartição em termos de cidade e território que automaticamente carregava a noção de submissão/dependência da área adjacente do núcleo urbano tem sido alvo de consistente revisão à luz das evidências e da

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elaboração de novo problemas a respeito dos processos sociais que atuaram na gênese e desenvolvimento da pólis grega. Para não nos determos à este debate, citamos a concepção por nós adotada e que serve de referencial para contextualizarmos o nosso estudo de caso:

“[A pólis] é comunidade dos cidadãos que se distribui no espaço sobre o qual é soberana politicamente e no interior do qual distinguem-se uma área habitacional principal (ásty) e o território (khóra), sede das atividades produtivas primárias (aquelas agrárias). Na pólis, cidade e território são compartilhados pelos cidadãos livres e suas famílias, pelos escravos e pelos estrangeiros1”.

Munidos desta premissa, e do mosaico de fenômenos que caracterizam o período arcaico da história grega: emergência e consolidação da pólis; movimento colonizador e/ou migrações compulsórias e povoamento de extensas áreas geográficas; ampla rede de contatos culturais na área mediterrânica buscamos observar a pólis de Selinonte dentro de uma perspectiva de processo de aquisições territoriais efetuados no sul da Itália e Sicília no período arcaico (séculos VIII a VI a.C.).

A principio o projeto “Khóra e ásty em uma pólis grega do ocidente: o caso de Selinonte” tinha como objetivo primordial compreender a articulação entre essas duas esferas e, em última instância, refletir sobre a natureza daquilo que denominamos pólis grega. No entanto, no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, deparamo-nos com uma profunda discrepância no volume de informação disponível sobre estas duas áreas

1 Esta citação foi extraída do verbete contido no glossário do Labeca (Laboratório de Estudos

Sobre a Cidade Antiga) sediado no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Todos os termos em gregos transcritos ou transliterados daqui em diante adotam

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especializadas da cidade. Notadamente, o repertório documental é mais vasto no que diz respeito a área mais urbanizada, ásty, e seu entorno próximo constituído pelos santuários extraurbanos da colina da Gaggera e da colina oriental. A característica marcante desse levantamento documental é que ele próprio nos conduziu a um exercício de interpretação em etapa ainda anterior ao exame da questão propugnada no projeto. Este percurso permitiu que encontrássemos nos teóricos da geografia, mais precisamente da Geografia Humana, aporte que permitia o encaminhamento das atividades dentro das questões colocadas inicialmente, munidos de um conceito que integra as dinâmicas da comunidade ainda que mais materializadas no registro arqueológico na área urbana, como mecanismos de integralização do território como um todo. Assim, a khóra de Selinonte, o território adjacente de sua ásty são examinados sob uma perspectiva de espaço socialmente construído a partir de processos políticos, simbólicos ou não, materializados na infra-estruturação do espaço.

Assim instrumentalizados, nos voltamos para a documentação observando os elementos integrantes da paisagem territorial de Selinonte sob uma nova perspectiva, colocando em relevo as dimensões e estruturas em seus respectivos processos de implemento do território, não apenas como mera infra-estruturação urbanística, mas como elemento de apropriação do espaço – entendido como elemento flexível, ainda em processo de aquisição – de melhor aproveitamento da topografia, não deixando de lado os aspectos políticos e sociais do contexto da Sicília Ocidental e da própria cidade-mãe, Mégara Hibléia que, a nosso ver, não pode ter sua trajetória político-econômica desconectada da sua apoikia.

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Assim, a presente dissertação encontra-se dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo: “Espaço e territorialização, paisagens de culto e de poder” realizamos uma exposição dos pressupostos teóricos que nos municiam nas etapas de interpretação da documentação cotejada nesta pesquisa. Os conceitos de Ambiente Construído (Amos Rapoport), de Territorialização (Claude Raffestin), Arqueologia do Culto (Colin Renfrew) e Paisagem de Poder (Escola de Pádua, Francesca Veronese) são expostos e concatenados em função da sua operacionalização no decorrer dos capítulos seguintes.

No segundo capítulo: “Os movimentos migratórios da Península Balcânica para o Mediterrâneo Ocidental: Mégara Hibléia e Selinonte” apresentamos uma síntese do estado da arte no que concerne ao complexo processo de transferência de populações ocorrido em época arcaica, bem como as implicações do emprego do histórico conceito de colonização grega e como as fundações de Mégara Hibléia e Selinonte se enquadram neste contexto de notável originalidade.

O terceiro capítulo da dissertação: “O desenvolvimento urbanístico de Selinonte: análise das estruturas e da especialização dos espaços” é composto por nosso repertório documental e respectiva interpretação. Perseguimos o processo de desenvolvimento do assentamento desde as etapas mais elementares de origem de uma cidade: a freqüentação e escolha da área, os primeiros procedimentos de consignação/reivindicação de posse e soberania sobre o espaço, implanto urbanístico e etapas de desenvolvimento da cidade.

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O quarto capitulo: “Espaço, território e comunidades políticas: uma reflexão a partir das relações urbanísticas entre apoikia e cidades-mãe” está estruturado em uma analise comparativa de estruturas urbanas de três pólis: as cidades-mãe Mégara Hibléia e Mégara Nisea (cidade-mãe de Mégara Hibléia e comunidade de origem do oikista de Selinonte, Pammilos). Cotejando estes dados, elaboramos uma reflexão que problematiza a idiossincrasia dos diferentes tipos de apoikias que se desenvolveram no mundo grego e, por fim, retomamos as noções de território e bipartição da pólis em termos de ásty e khóra para concluir propondo uma perspectiva de leitura da cidade grega que, à luz da interpretação de um estudo de caso, parece remeter à noção de unidade e especificidades regionais e cronológicas.

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1 - ESPAÇOETERRITORIALIZAÇÃO, PAISAGENSDECULTO EDEPODER.

A relação entre o espaço e as sociedades humanas é hoje um tema de destaque na pesquisa arqueológica e vem sendo abordado por estudiosos de várias correntes teóricas2. Destacaremos aqui

aqueles que identificam no chamado espaço construído uma via de comunicação entre grupos sociais hegemônicos ou poderes institucionalizados e os demais grupos de indivíduos integrantes de uma sociedade.

Neste sentido, tomaremos de início, como referência conceitual de nosso estudo sobre os usos do espaço em Selinonte, a definição de “ambiente construído”3, elaborada por Amos Rapoport (1982). Trata-se,

segundo o próprio autor, de um conceito abstrato, que designa o conjunto dos produtos da atividade humana de construir.

Este conceito é revelador de características dos seres humanos, indivíduos ou grupos, observados a partir da formatação de determinados lugares. Assim, o ambiente construído constitui uma manifestação cultural, onde são materializados traços de organização e aspectos cognitivos de uma sociedade. Além de revelador, o ambiente construído também molda o comportamento humano, constituindo, inclusive, uma forma de comunicação não-verbal (Rapoport 1982: 17 e ss.).

2 Vale lembrar, como precursora, a Spatial Archaeology nascida na segunda metade do

século XX em ambiente acadêmico britânico e, de início profundamente influenciada pelos estudos da geografia locacional (esfera de estudos voltada para a organização do território em função da alocação dos recursos e de uma racionalidade voltada para o mínimo dispêndio de energia) e da ecologia.

3 Dentre os ambientes construídos estão inclusos toda a sorte de edifícios, casas, templos,

abrigos que protegem e definem atividades que os homens realizam, bem como o traçado no sítio, fruto da ação humana, pontos de referência, intervenções na paisagem natural,

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Assim, ao estudarmos os ambientes construídos, estamos interessados em descobrir como uma sociedade cria seus ambientes, como estes são sentidos, compreendidos e apropriados, e como as pessoas têm seu comportamento influenciado por eles. Neste sentido, “o espaço não pode ser interpretado como uma espécie de cenário sobre o qual são projetadas as ações do ser humano, mas como criação do homem sendo pelo homem completamente permeado e, na análise do mundo grego, o conceito de territorialidade é indissociável da noção de espaço definido politicamente, ou seja, de um espaço ligado ao homem e à sua identidade política”. (Veronese, 2006: 1). No caso de Selinonte, há que se avaliar a complexidade de uma fundação secundária – uma “subcolônia” de Mégara Hibléia pólis de origem balcânica – realizada em território de ocupação não grega e nas proximidades de colônias fenícias como Mótia.

Acreditamos que a discussão deve começar pelo conceito de “território”. Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, seja pela aproximação etimológica com terra-territorium, logo, possui sentido de dominação (jurídico-política) da terra, ao mesmo passo que, para aqueles que ficam alijados da terra há o sentido de dominação por exclusão – aqueles que são impedidos de entrar, usufruir. Por extensão, para aqueles que têm o privilégio de usufruí-lo, o território assume sentido positivo e, por conseguinte, de apropriação.

Desta feita, território está intimamente associado à idéia de poder. Não apenas o tradicional poder político mas assume sentido concreto de dominação (posse) e sentido simbólico (apropriação). Lefebvre (1986)

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apresenta um quadro conceitual que distingue apropriação de dominação, o primeiro sendo um processo mais simbólico, carregado de marcas do “vivido”, do valor de uso, o segundo mais concreto, funcional e vinculado ao fator de troca:

“O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois ele implica “apropriação” e não “propriedade”. Ora, a própria apropriação implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e uma prática. Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é dominado pelos “agentes” que o manipulam tornando-o unifuncional, menos ele se presta à apropriação. Por quê? Porque ele se coloca fora do tempo vivido, aquele dos usuários, tempo diverso e complexo”. (Lefebvre, 1986:411-412)

Disto depreendemos que o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”. O território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica. Segundo Lefebvre, dominação e apropriação deveriam caminhar juntas, ou melhor, a segunda deveria prevalecer sobre a primeira. Para este autor o território é um espaço-processo, um espaço socialmente construído, um “espaço feito território” através dos processos por ele denominados de apropriação (que começa pela apropriação da própria natureza) e dominação (os processos sociais ali desenvolvidos).

Assim, o território e os processos de territorialização devem ser distinguidos através dos sujeitos que efetivamente exercem poder, que

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controlam os espaços e consequentemente os processos sociais que os compõem; são enfatizadas, portanto, as relações sociais enquanto relações de poder.

Nesta mesma perspectiva o geógrafo Claude Raffestin estabelece a distinção entre espaço e território. Para este autor o espaço geográfico é um substrato onde o território é criado, o que lhe permite propor uma definição que acentua o caráter político do território:

“É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator “territorializa” o espaço”. (Raffestin 1993: 143).

Assim, o território constitui um espaço que resulta das ações sociais, medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites, fronteiras, construções e modificações do meio. Neste sentido o território é:

“[...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder” (Raffestin 1993: 144).

Nesta perspectiva, para a compreensão do território faz-se necessário enfatizar o poder exercido por pessoas ou grupos. Poder e território, embora autônomos, terão de ser enfocados conjuntamente para a compreensão do

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território. Este poder é relacional, pois está arraigado em todas as relações sociais.

Os atores sociais buscam controlar um espaço visando atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos (Sack 1986: 6). Logo, além de incorporar uma dimensão política, a territorialidade diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está “intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar”. Sack afirma que:

“A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico através do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado”. (1986:219).

Assim, o território é, ao mesmo tempo e em diferentes contextos, funcional e simbólico, pois as sociedades exercem domínio sobre o espaço tanto para realizar funções quanto para produzir significados. O território é funcional enquanto recurso, proteção ou abrigo; fonte de recursos naturais que variam em importância de acordo com a sociedade vigente.

Para Raffestin, “um recurso não é uma coisa”, a matéria em si, ele “é uma relação cuja conquista faz emergir propriedades necessárias à satisfação de necessidades (1993: 8). Como meio para atingir um fim (p. 225) não é uma relação estável, pois surge e desaparece na história das técnicas e da conseqüente produção de necessidades humanas.

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objetivos de territorializacão nas mais diversas formações sociais: a) abrigo físico, fonte de matérias-prima ou meio de produção; b) identificação ou simbolização de grupos através de referentes espaciais (p. ex. fronteira); c) disciplinarização ou controle através do espaços (inclusão, exclusão, pertencimento); d) construção e controle de conexões e redes (fluxos de pessoas, mercadorias, intercâmbio cultural).

Dentro deste quadro de complexidade e multiplicidade inerente à noção de território, aqui expostos de maneira rápida, consideramos que podemos avançar no estudo sobre a pólis de Selinonte, conforme os objetivos já expostos.

Arqueologia do culto. Arqueologia do espaço sagrado

Ao efetuarmos o levantamento dos dados arqueológicos a fim de buscar compreender as relações entre a khóra e ásty de Selinonte nos deparamos com um quadro que só poderia receber o devido tratamento interpretativo à luz de duas linhas interpretativas que têm se mostrado profícuas nos estudos de arqueologia mediterrânica nas últimas décadas: a chamada “Arqueologia do Culto” e a “Paisagem de Poder“. Afinal, como observaremos nos capítulos que seguem, os processos de territorialização efetuados pela comunidade selinontina são sobremaneira imbricados com a esfera da religião e com a manipulação de símbolos projetados em uma determinada paisagem. Isso nos levou a buscar nos referenciais propugnados por Colin Renfrew e Francesca Veronese elementos que subsidiassem nosso trabalho.

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processo dialético de superação/transformação. A origem da arqueologia cognitiva é um bom exemplo disto. Na década de 1980 surgiu o enfoque processual-cognitivo. A própria nomenclatura é reveladora de que antes de uma oposição ao processualismo, os processuais-cognitivos buscavam ampliar o campo da tradicional arqueologia processual (ou processual-funcionalista), dando especial atenção aos aspectos sociais e cognitivos.

Descrevendo a arqueologia processual-cognitiva como uma “nova síntese”, Renfrew e Bahn (1993) apontam que esta continua dentro da corrente principal, qual seja, a arqueologia processual. Entretanto, não se contenta em meramente descrever, mas objetiva explicar as sociedades do passado e seus respectivos aspectos cognitivos. Mantém a importância da generalização dentro de sua estrutura teórica e o papel de não apenas formular hipóteses, mas também de contrastá-las com os dados.

É uma marca da arqueologia processual-cognitiva a consciência das conquistas que a arqueologia processual legou à Arqueologia, bem como seus arqueólogos são cônscios das influencias que receberam de outros desenvolvimentos teóricos, dos quais a arqueologia marxista é um exemplo. Mas antes de nos determos em nosso estudo de caso é preciso fazer algumas considerações sobre a escola pós-processual, que está em constante debate – às vezes embate – com os arqueólogos processuais cognitivos.

Primeiramente é preciso destacar que desde a década de 1960 havia certo descontentamento por parte de alguns arqueólogos que desconfiavam do enfoque demasiado funcionalista da arqueologia processual. Composta de arqueólogos que vão dos moderados aos hiper-relativistas, a escola

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pós-processual, cujo expoente é o arqueólogo Ian Hodder, abrange diversas tendências teóricas, advindas da sociologia, do estruturalismo, da semiótica, da filosofia, do marxismo entre outros. Dentre as suas características consideramos pertinente sublinhar sua ênfase nos significados simbólicos que, segundo postulam, variam e se destacam de diversas formas dependendo do contexto cultural. Enfatiza também o significado cultural adquirido pela cultura material que determinada sociedade produziu e utilizou. Também tem o mérito de trazer para a Arqueologia a discussão de questões de caráter histórico, derivados das propostas da Nova História.

Não é bem este o caminho adotado pelos arqueólogos processuais-cognitivos, embora empreendam também estudos dos aspectos cognitivos. Primeiramente, a idéia de ruptura com o processualismo não coaduna com os objetivos da arqueologia cognitiva preconizada por eles. É preciso lembrar que Colin Renfrew faz uma importante ressalva quanto a este caráter de verticalização dos estudos das estruturas de pensamento de uma sociedade dentro do próprio processualismo, daí resulta a nomenclatura processual-cognitiva (Renfrew, 1994: 4).

A origem da arqueologia cognitiva remonta ao final da década de 1960, quando o arqueólogo Colin Renfrew iniciou seus questionamentos à tendência excessivamente materialista da arqueologia naquela época, advogando a necessidade de empreender estudos sobre os aspectos cognitivos para que se pudesse alcançar um entendimento mais acurado das sociedades, bem como o potencial explicativo da Arqueologia para estas questões. Para este autor as fontes disponíveis para os estudos cognitivos do passado careciam de uma metodologia arqueológica

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adequada. Ele defendia, portanto, a real possibilidade de se interpretar aspectos da religião ou padrões comportamentais de uma cultura.

O arqueólogo consciente de que não poderia se limitar à critica teórica, posto que qualquer análise que não se sustentasse em estudos de caso é sujeita a ser rechaçada, percebeu que era necessário fundamentar suas proposições empreendendo um estudo de caso.

A Arqueologia não se faz sem uma teoria e uma metodologia apropriadas para os seus objetivos, ou seja, uma interpretação consistente do passado, uma abordagem criteriosa e frutífera dos vestígios materiais. Daí a necessidade de construir uma teoria que permita a compreensão do registro arqueológico. A arqueologia dialoga com várias áreas do conhecimento, mas não é subalterna à nenhuma delas; para lidar com o dado arqueológico é necessário, portanto, um método arqueológico A arqueologia, e mais especificamente, a arqueologia cognitiva necessitavam de corpo teórico e metodologias próprias apropriadas.

Diante deste quadro, Renfrew desenvolveu um escopo metodológico e uma argumentação em defesa dos estudos cognitivos em arqueologia empreendendo o estudo de caso a partir dos trabalhos de escavação realizados no santuário de Philakopi, sítio localizado na ilha de Melos, nas Cíclades. A elaboração da metodologia para este estudo tornou-se um aporte fundamental para os estudos arqueológico-cognitivos posteriores, e literatura indispensável no campo da Arqueologia. Desde que foi publicado, na década de 1980, até os dias de hoje é referencia nos estudos e debates sobre arqueologia e religião. No prefácio e no capítulo um, “The Archaeology of Cult” e “Towards a Framework for the Archaeology of Cult

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Practice” Renfrew, expõe a metodologia que vem sendo adotada até hoje por estudiosos da religião em Arqueologia (Renfrew, 1985: 1-26).

Nas palavras de Colin Renfrew “Arqueologia cognitiva é o estudo dos modos de pensamento de sociedades passadas (e às vezes de indivíduos dessas sociedades) baseado nos restos materiais sobreviventes. Como arqueologia ambiental ou arqueologia social é uma parte do empreendimento mais largo de arqueologia: o estudo do passado humano inteiro” (Renfrew, 1993 p. 248). Veremos agora como os postulados deste arqueólogo foram sistematizados em um estudo de caso.

Renfrew postula que o ponto de partida para qualquer análise do universo religioso de uma sociedade deve sempre ser o reconhecimento da existência do elemento ritual. Em outras palavras, a pergunta inicial não deve ser "Que tipo de culto era realizado" e sim "Era realizado algum tipo de culto?". É necessário empreender um reconhecimento meticuloso do caráter do sítio, como critério para se obter a objetividade do estudo. A esfera do cognitivo e, inserido neste, as questões de caráter religioso -possui suas especificidades. O que leva o arqueólogo a problematizar mais uma questão: como identificar um contexto cognitivo-religioso?

A religião, segundo Renfrew, se constitui em ações e condutas humanas que pressupõem a existência de uma crença, assim como o desejo de agradar o poder divino dominante. "Ela impõe um marco de crenças que se refere a seres ou forças sobrenaturais ou humanas que transcendem o mundo material cotidiano". A religião também pode ser entendida como uma instituição social, reafirmando as idéias coletivas e contribuindo para a composição da personalidade do grupo. A religião é,

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ainda, um importante elemento de poder: é comum os lideres manipularem as crenças para sua própria finalidade.

A religiosidade, indiscutivelmente, é um aspecto fundamental para o conhecimento das sociedades. Entretanto, o estudo da prática religiosa impõe dificuldades aos arqueólogos. É importante considerar que nem sempre a atividade cultual tem expressão na cultura material e, quando tem, esta pode estar imbricada em outras atividades cotidianas, dificultando sua diferenciação. Além disso, por pertencer ao âmbito da superestrutura, a expressão da religiosidade na cultura material é indireta, intermediada por símbolos. Isso significa que, mais importante que verificar o valor utilitário dos objetos, é compreender seu valor simbólico e a partir deste tentar atingir o universo mental das sociedades.

O que impõe uma outra importante consideração: como identificar o símbolo sem conhecer a cultura, uma vez que este é um produto cultural? Tal questionamento abre espaço para um círculo vicioso: se existe a necessidade de conhecer a cultura para interpretar o símbolo, como utilizá-lo no processo de análise de uma sociedade mal conhecida? Foram essas as dificuldades que levaram o autor a sistematizar uma teoria e de uma metodologia específica para o estudo da religiosidade a partir da documentação arqueológica.

O autor estabelece como primeira etapa do trabalho o reconhecimento dos elementos arqueologicamente verificáveis que permitam a identificação de um contexto cultual em um determinado sítio. Estes elementos devem ter um caráter universal, ou seja, não poderia ser válido para uma cultura específica, mas para as sociedades humanas de

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uma maneira geral. Os "indicadores arqueológicos" do ritual, segundo Renfrew, estariam divididos em quatro categorias: elementos ou espaços que atuem como focos de atenção, com o objetivo de atrair o cultuante; elementos que enfatizem o local como uma zona limítrofe entre o universo secular (humano) e o universo sagrado (divino); elementos que representem o transcendente - a entidade cultuada - ou que sejam simbólicos deste; elementos que indiquem participação do fiel, já que um ato religioso pressupõe a existência de uma relação entre o humano e o divino intermediada pelos ritos.

Elaboramos uma síntese dos principais "indicadores arqueológicos do ritual" de acordo com Renfrew: 1) É comum o ritual ocorrer em locais com características naturais diferenciadas (como cume de montanhas, grutas ou florestas) ou em edifícios reservados para funções sagradas (templos, igrejas). Nestes locais podem ser encontradas instalações arquitetônicas específicas (altares, bancos), bem como objetos a serem utilizados durante o ritual. 2) Os rituais podem implicar tanto em exibição pública quanto em eventos altamente reservados. Por conseguinte, tal caráter estará refletido na organização arquitetônica do local. Instalações como pias e fontes também são elementos comuns, sendo que seu propósito no contexto ritualístico seria manter a pureza do ambiente. Um dos indicadores mais importantes é a presença de estátuas e outras representações simbólicas das divindades cultuadas. 3) Gestos de adoração, largamente utilizados durante os cultos, podem se refletir na iconografia. É comum encontrarmos objetos utilizados para induzir a experiência religiosa nos fiéis, como instrumentos musicais e recipientes

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para drogas ou bebidas alcoólicas. Sendo o sacrifício (humano ou animal) algo comum em contextos ritualísticos, podemos encontrar objetos ou estruturas arquitetônicas associadas a essa prática. Os votos podem estar presentes sobre a forma de oferendas, desde alimentos (que podem ser queimados em um altar ou consumidos durante o ritual) até os mais variados tipos de objetos. 4) Além dos indicadores acima o estudioso também deve atentar para um outro indício, tradicionalmente característico da expressão religiosa: a utilização reiterada de símbolos, ou seja, dos elementos que indique a presença do transcendente. Como exemplos, o próprio autor elenca: a cruz em ambientes cultuais das religiões cristãs ou, no caso especifico do contexto do Mediterrâneo Antigo, nos sítios minóicos, a constante presença do machado duplo.

A análise destes elementos compõe o vigamento do corpo teórico-metodológico desenvolvido por Colin Renfrew, a partir do qual surgiu a linha teórica denominada pelo próprio estudioso de Arqueologia Processual Cognitiva. Os estudos cognitivos vêm sendo utilizados em pesquisas arqueológicas referentes aos mais variados contextos. Afinal, como afirmou o próprio Renfrew, a compreensão de qualquer sociedade passa obrigatoriamente pelo entendimento de seu universo cognitivo.

Cuidadosamente, o autor abre o diálogo com os críticos processualistas, levantando ponto a ponto a efetiva possibilidade de a Arqueologia empreender estudos cognitivos. Buscou um conceito de religião apropriado para os objetivos de pesquisa arqueológicos. Apontou para o fato de que a Antropologia dispõe de dados empíricos que a Arqueologia não pode dispor e, diante deste quadro, salientou a

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necessidade do arqueólogo explicitar os signos e a iconografia, uma vez que estes podem oferecer indicações do significado do sistema de crenças; ou seja, a arqueologia cognitiva busca compreender qual a função do símbolo em uma sociedade e não o seu significado em si (como almejam os pós-processualistas). Renfrew é enfático quanto à importância de compreender os símbolos em seu contexto específico.

Quanto ao sistema dedutivo, o autor mostra-se confiante no procedimento de busca de correlatos indicadores do contexto religioso. É grande a ênfase dada para a importância dos achados isolados não poderem ser considerados o cerne da interpretação arqueológica, a base da metodologia proposta por Renfrew reside na recorrência dos achados e sua devida contextualização dentro do sítio/sistema.

Como já foi dito, os primeiros capítulos da publicação sobre os trabalhos em Phylakopi constituem uma manual de arqueologia cognitiva, aplicável para estudos da religião e da mente humana, não é, portanto, restrito a uma aplicação na arqueologia do Mediterrâneo Antigo.

Cabe aqui um sintético balanço sobre o estudo de caso de Phylakopi e o eixo central da escola processualista-cognitiva ou, arqueologia cognitiva. Acreditamos que, em virtude ter sido o trabalho precursor deste ramo de conhecimento ele está totalmente harmonizado com as proposições teórico-metodológicas da arqueologia cognitiva. Os trabalhos em Philakopi, em Melos, nas Ilhas Cíclades permitiram uma melhor compreensão do papel do rito dentro da sociedade. Aquela generalização da “grande deusa” corrente nos estudos do mediterrâneo que atribuíam a existência de um culto único em diversas regiões pode ser questionada a luz de observação sistemática

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do contexto arqueológico. Por volta de 1.400 a.C. o santuário supracitado continha uma série de achados de figurinhas de terracota, masculinas e femininas. As práticas de culto evidenciavam semelhanças com os cultos praticados na Grécia Micênica do continente. Foi possível alcançar uma melhor consciência sobre Melos e o restante das ilhas Cíclades, que não estavam isoladas tampouco eram meras receptoras de influências culturais, nem partes subordinadas de um sistema maior. As ilhas devem ter seus estudos aprofundados sistemas econômicos e políticos regionais, e não isoladamente. Assim, as civilizações minóica e micênica, embora partilhassem elementos em comum, não compunham uma sociedade homogênea. Mais uma vez, destacamos a importância do contexto dos achados, dos correlatos, e da busca da compreensão da função dos símbolos e do papel do rito na sociedade, características marcantes da arqueologia cognitiva e que são totalmente identificáveis nos trabalhos sobre o santuário de Phylakopi.

Consideramos pertinente enfatizar a oposição à arqueologia pós-processual no que concerne a busca da função do signo x significado do símbolo, uma das clivagens entre a arqueologia processual-cognitiva e a arqueologia pós-processual. Os processualistas-cognitivos raramente reivindicam recuperar o significado em qualquer senso total -o que algo significava para a sociedade de origem- mas sim elucidar como símbolos específicos eram usados em um contexto particular. Não é possível para o arqueólogo recuperar o pensamento das pessoas do passado, pode-se, com métodos apropriados, aspirar a apreender como eles pensaram. Isto envolve o estudo do funcionamento dos sistemas simbólicos do passado,

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algo que tem mais espaço na análise semântica. Renfrew (1993) acredita que futuramente este pode ser um ponto de convergência entre a metodologia processual-cognitiva e a metodologia dos pós-processuais -desde que este último se aparte do excessivo relativismo do qual ainda se vê tão imbricado.

Renfrew critica a idéia de se separar a arqueologia cognitiva de outras formas de conhecimento do passado, algo que considera artificial e inapropriado diante da unidade das coisas em uma sociedade, uma vez que pensamentos e ações humanas são inseparados (1993: 250).

Na coletânea “The Ancient Mind: elements of cognitive archaeology" de 1994, editada por Colin Renfrew e Ezra Zubrow, vários autores fazem um balanço do potencial dos estudos cognitivos e do avanço das pesquisas arqueológicas neste campo. O próprio Renfrew aponta que os estudos da religião abriu caminho para análises de estilo representacional e outros estudos muito frutíferos (Renfrew, 1994: 47-54).

Contudo a arqueologia cognitiva foi muito rechaçada nos anos 80, em grande medida em virtude do acentuado relativismo dos arqueólogos pós-modernos, por vezes mais preocupados em se colocar como críticos dos processualistas. Estes são criticados até mesmo pelos processuais-cognitivos. Ainda assim, é fato constatado que os pós-processuais têm oferecido um olhar renovado para os aspectos simbólicos e cognitivos, apresentado resultados bastante úteis para a disciplina. Desta constatação Renfrew pondera que existe sim uma tendência das duas “escolas” convergirem, especialmente quanto os pós-processualistas deixar de priorizar o relativismo em sua agenda. O campo da arqueologia cognitiva é

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muito vasto, e sua metodologia tem sido aplicada nos mais variados estudos, do período pré-sapiens até o período com escrita. O campo é bastante profícuo para os estudos dos períodos históricos, ainda que seja necessário calibrar a teoria e a metodologia para que seja empreendida a articulação das fontes materiais e fontes textuais de forma consistente; além de um aprofundamento das pesquisas sobre a comunicação não-verbal. Estes pontos podem funcionar elementos de confluência entre arqueólogos processuais-cognitivos e pós-processualistas.

Robert Preucel editor da coletânea “Processual and Postprocessual

Archaeologies: Multiple Ways of Knowing Past” publicada em 1991 chama a

atenção para o debate promovido pelos pós-processualistas sobre a natureza da disciplina: seria ela uma ciência humana ou natural? Também é um elemento constante nos diversos artigos desta edição a ênfase na multidisciplinaridade que caracterizam o campo da Arqueologia, e o importante contributo das mais variadas áreas de conhecimento para o avanço das pesquisas e da reflexão interna da Arqueologia. Também é tido como elemento agregador desta profunda reflexão que tem ocorrido nos últimos anos o grande volume de informações, ou dito de outra forma, o acúmulo de conhecimento que a Arqueologia dispõe.

Inquestionável, no entanto, é o fato de que, se formos discorrer sobre tendências atuais em arqueologia, a tônica constitui da propensão ao diálogo entre as várias “escolas arqueológicas” e a busca de uma pertinente articulação entre proposições teórico-metodológicas a um determinado objeto de estudo. A tendência não é de exclusão entre as diferentes “arqueologias”, mas sim de articulação e debate, como propiciadores de

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avanços para a Arqueologia como um todo.

Paisagens sagradas e Paisagens de Poder na Sicilia.

No contexto do Ocidente grego, a aquisição territorial consistiu em uma importante expressão de poder. Conquistas seguidas sucessivamente de alargamentos denotavam prestigio porque um vasto território era clara expressão de “riqueza política” da apoikia. No território conquistado, os lugares de culto eram justificados em parte pela colonização, porque constituíam símbolos que garantiam o exercício do controle do novo território. Neste processo de aquisições, o santuário/as áreas de culto representam símbolos de aquisição territorial.

Para abordarmos essas especificidades de projeção e territorialização e contexto mediterrânico selecionamos um trabalho que tem repercutido significativamente no tocante às proposições metodológicas para as pesquisas sobre religião e paisagem social na Grécia de época arcaica, trata-se da meritória tetrata-se da arqueóloga italiana Francesca Veronetrata-se intitulada Lo

Spazio e la Dimensione del Sacro, Santuari Greci e Territorio nella Sicilia Arcaica (2006).

Em uníssono com os teóricos da geografia humana, F. Veronese (2006) propõe uma interpretação onde o espaço não apenas é um cenário, mas criação do homem e, no mundo grego, definido politicamente, realidade física e objetiva que reflete características dos grupos humanos que o culturalizaram, transformando-o, atribuindo-lhe significados precisos,

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construindo e infra-estruturando, num processo em que o espaço é transformado em lugar e, por fim, em paisagem (Veronese, 2006: 20).

No contexto colonial, as áreas de culto são definidas não apenas como o lugar de veneração da divindade, mas como um meio em que o homem grego manifestou, em terras estrangeiras, a posse do território e sua superioridade frente a realidade encontrada (Veronese, 2006: 35-36). Assim, a autora empreende um levantamento sistemático dos vestígios de atividades cultuais nos territórios das apoikiai fundadas no período arcaico. Tal escolha documental decorre da definição que ela emprega para o elemento sagrado, qual seja, um instrumento de comunicação ideológica e de controle político imprescindíveis na dimensão identitária do mundo grego (Veronese, 2006: 35). O recorte cronológico (séculos VIII ao V a.C.) compreende o período de formação da pólis, das experimentações arquitetônicas, do desenvolvimento de mecanismos que permitiam obter equilíbrio político e do reconhecimento do grego quanto ao seu pertencimento a uma identidade étnica precisa, mediante o relacionamento com sociedades etnicamente distintas. A autora argumenta ainda que neste fértil período também ocorreu o movimento

apoikistico, que deflagrará o interesse pelas zonas internas onde as

sociedades indígenas estavam aglutinadas (Veronese, 2006: 24). Desta feita, as áreas de culto revelariam os aspectos macroscópicos de helenização da ilha. A edificação de lugares de culto distantes dos centros urbanos, dispersos no meio do campo, caracterizados às vezes por edifícios sagrados imponentes ou por modestos depósitos votivos, além de serem manifestações de religiosidade, também expressam a intenção de deixar

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sinais tangíveis no território, sejam eles de superioridade política e cultural ou de controle sobre o território (Veronese, 2006: 24).

O estudo analisa as áreas sagradas urbanas, suburbanas e extra-urbanas para verificar se a projeção do sagrado materializada no território responde a critérios de natureza sociopolítica (Veronese, 2006: 26). Para caracterizar, nas diversas áreas da Sicília, as possíveis paisagens do sagrado realizadas em contexto indígena, a autora realiza um levantamento sistemático dos variados tipos de lugares de culto estruturados no período (templo, sacello, altar, depósitos votivos) e em cada pólis da ilha (Veronese, 2006: 81-83). A documentação é organizada em fichas organizadas em quatro macro sessões em que constam os seguintes tópicos: localização do santuário em relação à pólis; localização geográfica atual no município; contexto geomorfológico; coordenadas IGM e UTM; quota; descrição das evidências arqueológicas; materiais e técnicas construtivas; materiais votivos; divindade titular; datação; classe de grandeza; e bibliografia. O conjunto das fichas é denominado “universo de referências” e está disponibilizado no corpo do texto ao final do capítulo correspondente a cada pólis.

A partir da análise crítica dos dados a autora expõe suas hipóteses conclusivas. Veronese discorre acerca das matrizes étnicas das colônias e respectivas macroáreas culturais, definindo quatro macroáreas na ilha: 1) eubóica, composta por Himera, Zancle, Naxos, Catânia e Leontino; 2) megarense, composta por Mégara Hiblea e Selinonte; 3) coríntia, composta por Siracusa, Heloro, Acre, Casmene e Camarina; 4) ródio-cretense, composta por Gela e Agrigento. Gráficos e modelos tridimensionais

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enriquecem a explanação da autora e revelam aspectos da paisagem do sagrado em cada uma destas macroáreas.

Este trabalho tornou-se nos últimos anos uma referência nos estudos arqueológicos sobre a sociedade grega arcaica em contexto colonial por ter sido realizado com o emprego de procedimentos inovadores para os propósitos de uma pesquisa sistemática sobre a religião e espacialidade nas pólis gregas ocidentais, através do levantamento e análise rigorosa de dados geomorfológicos, além da tradicional correlação entre as evidências materiais e textuais, propondo uma complexidade ainda maior do que até então se observava, no que concerne às funções das áreas de culto e da própria religião grega no período arcaico.

Em síntese, neste capítulo buscamos reunir instrumentos de análise e conceitos teóricos que pudessem orientar nosso olhar e nossa investigação sobre a ocupação humana do espaço selinontino em época arcaica. Nessa trajetória foi possível avaliar que, como nos ensina Veronese, ”o espaço é uma realidade permeada pelo homem, ou melhor, é uma realidade palimpséstica que se gera progressivamente das interações entre homem e ambiente, homem e homem, entre ambiente e ambiente” (2006: 621) o que exige, portanto, uma observação atenta deste dinamismo constante. No caso específico do Ocidente grego arcaico analisar a ordenação do espaço nos obrigará a analisar elementos fundamentais do ambiente construído que são as paisagens sagradas e seu simbolismo dirigido a várias audiências (públicos?): os habitantes de cada pólis,seus vizinhos gregos e não gregos (populações locais, fenícios e cartagineses). Da paisagem sagrada seria possível vislumbrar o que foi designado pelos pesquisadores italianos de

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“iconografia do poder”? Ou seja, um “complexo multiforme de signos ou

sinais que se projetam no território sugerindo probabilisticamente a especifica organização sócio-política?” (Veronese, 2006: 49).

2 - OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS DA PENÍNSULA BALCÂNICA PARA O

MEDITERRÂNEO OCIDENTAL: MÉGARA HIBLÉIAE SELINONTE.

A Colonização Grega do Período Arcaico

A sociedade grega é notadamente caracterizada pela mobilidade de sua população praticamente ao longo de toda a sua história. É possível

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observar em diversos destes movimentos alguns aspectos muito mais característicos da migração do que, propriamente, da colonização. Os gregos estabeleceram-se em terras que se estendiam da Ásia Menor até a Península Ibérica, incluindo as costas do Mar Negro, o Norte da África, o sul da Itália e a Sicília. O contato entre gregos e as culturas locais propiciou tanto a troca de informações, como o enriquecimento cultural de todas as partes. O Mediterrâneo e seus arredores foram o palco de intensas interações culturais e materiais na Antiguidade.

Entretanto, no início do século VIII a.C, os gregos passaram a fundar assentamentos permanentes e independentes que reproduziam estruturas de suas comunidades de origem. Este processo de estabelecimento de novos assentamentos, denominados apoikiai pelos próprios gregos, foi denominado pela historiografia como “A Colonização Grega”³.

Fig. 1: Mapa da Colonização grega do período arcaico - In: http://www.selinunte.net/mediterr.jpg

Ainda que a discussão que tematiza a “colonização grega” seja profícua, visto que o tópico vem sendo amplamente debatido nos últimos anos, consideramos importante retomar rapidamente alguns pontos básicos sobre o tema a fim de, num primeiro momento, nos posicionarmos a respeito

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e para, posteriormente, apresentarmos alguns novos argumentos que vêm sendo acrescentados à discussão, como,por exemplo, o uso do conceito de mediterranização proposto por Ian Morris (2003).

Em artigo publicado em 2003, Morris critica a abordagem do Mediterrâneo antigo que denomina Mediterranismo, presente, por exemplo, na obra Corrupting Sea (2000), de Horden e Pourcell e insere no debate o conceito de Mediterranização, entendido como um instrumento analítico mais apto a tratar o dinamismo que caracterizou as interações sistemáticas entre as sociedades mediterrânicas em todas as épocas. Partindo dos pressupostos de Morris, colocamos uma questão: a expansão das populações helenas dos Bálcãs para o Mediterrâneo Ocidental partir do século VIII a.C. poderia ser analisada como uma fase de intensificação da

Mediterranização da área, após a curta retração que se seguiu à

desintegração do sistema palacial micênico?4. Nesta mesma linha de análise,

o uso de Mediterrâneo como um conceito heurístico trouxe, em seu bojo, tanto a crítica do uso de categorias de análise como centro e periferia como o estímulo a abordagens que destacam a conectividade, a interação e a troca vez da hierarquização nas relações entre as sociedades mediterrânicas. O conceito de redes começa, então, a ser experimentado, constituindo-se em uma perspectiva que acentua o dinamismo característico das relações entre as sociedades do Mediterrâneo antigo (Malkin, 2005).

Sincronicamente, enquanto a Grécia balcânica passava por um processo de emergência de uma forma original de organização – a pólis – alguns grupos se destacavam (ou eram destacados) destas para fundar

43 Elaine Hirata, “Território e identidade em sítios de ocupação grega na Sicília :desenhando

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assentamentos em território distante, levando consigo referências que seriam fundamentais no decorrer de sua constituição e desenvolvimento, como a religião, as formas de associação política e suas instituições e, por extensão, uma forma especifica de se apropriar do espaço de forma especializada5.

Dito de outra forma, ainda que as pólis estivessem em desenvolvimento nas comunidades de origem, elas constituíam a principal referência para estas novas comunidades, sendo copiadas naquilo que possível e pautando relações que não eram caracterizadas por domínio ou dependência, mas por um tipo muito especifico de complementaridade (Lepore 1973; Malkin 2001, 2002).

No entanto, é preciso relembrar e frisar que os gregos não estavam se dirigindo ao desconhecido nem a uma terra desocupada. Aquilo que os próprios gregos vieram a denominar como Magna Grécia, ou seja, os territórios habitados por gregos no Sul da Itália e a Sicília não eram uma novidade para os viajantes do século oitavo a.C. As apoikias – literalmente, a “casa longe de casa” – não resultavam de incursões pioneiras se considerarmos não só os contatos dos micênicos com o sul da Itália e Sicília -arqueologicamente comprováveis e que, muito embora rarefeitos após o desaparecimento do sistema palacial, nunca foram interrompidos por completo6 (Etienne, 2000; Malkin, 1998) -, como o que as escavações

arqueológicas recentes no Ocidente Grego revelam: situações de coabitação entre gregos balcânicos e populações não gregas em épocas que precedem

54 É arqueologicamente verificável que desde os primórdios das fundações percebe-se com

suficiente clareza que havia um padrão de assentamento comum, que consistia na divisão do terreno em três esferas: dos vivos, dos mortos, dos deuses, o que foi incorporado ao desenvolvimento urbanístico das pólis gregas.

65 No final do século XI e no século X, grupos saídos da Grécia balcânica migraram para se

fixar nas ilhas do Mar Egeu e na costa oeste da Ásia Menor, onde estabeleceram doze cidades. Precocemente os micênicos estabeleceram assentamentos ao redor do

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as fundações “oficiais”, que é o caso de Metaponto e Gela dentre outros (Carter, 2006, Procelli, 2003). O mito da “terra vazia” acomoda, no imaginário grego, a posse de uma terra já ocupada e aparece nas “ narrativas coloniais” que eram contadas e recontadas muito tempo depois das fundações terem ocorrido, estabelecendo uma memória destes eventos que é um produto cultural, uma construção social. (Dougherty,1993).

Uma questão ainda hoje muito debatida pelos especialistas diz respeito às motivações para estes empreendimentos, dentre os quais são destacadas a procura por bens desejáveis como o metal, o comércio realizado com as outras sociedades que também habitavam as terras mediterrânicas, ou ainda a busca de uma expansão territorial ocupando espaços que originalmente eram habitados por populações não-gregas. Em alguns casos é possível afirmar que estes fatores poderiam, inclusive, estar interligados. As “narrativas coloniais”, em geral, apontam para situações de crise cívica, obrigando o abandono das áreas de origem por parte da população (Dougherty, 1993: 8-9).

Desde que os helenistas se puseram a refletir sobre a colonização grega, muitas têm sido as teorias que procuram tecer um quadro explicativo que possa explicar a complexidade deste fenômeno. Este assunto tem sido alvo de inúmeros debates nas últimas décadas, e sua reescrita está sendo operada. Se por um lado as pesquisas arqueológicas revelaram uma quantidade significativa de novos dados relativos aos períodos mais recuados da sociedade pré-grega e grega nas ultimas décadas, por outro temos um consistente questionamento dos conceitos equivocadamente empregados

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nos estudos sobre o tema, dado que as informações que obtivemos não permitem compreender nenhum tipo de ação imperialista empreendida por pólis gregas antes do quinto século a.C., o que é sugerido ao empregarmos as palavras colônia/colonização ao nos referirmos a este fenômeno histórico (De Angelis 2003; Tsetskhladze 2006: xvi-xvii; e ss.; Whitley Apud Tsetskhladze, 2001: 125).

Assim, ao longo das próximas páginas, buscaremos apontar as especificidades daquilo que tem sido denominado como Colonização Grega e como os autores tem debatido alguns paradigmas deste fenômeno. Nosso intuito principal é o de estabelecer um quadro geral que nos permita, nas etapas posteriores da pesquisa, compreender a natureza dos assentamentos gregos fundados na Magna Grécia e na Sicília ao longo do período Arcaico, ,em especial, Selinonte, nosso caso de estudo.

O conceito

O termo colônia, usado para denominar os assentamentos fundados por gregos no período Arcaico, assim como o termo colonização, empregado para qualificar o processo de estabelecimento de assentamentos em território estrangeiro, tem sido objeto de numerosos debates entre os mais variados estudiosos. A terminologia não pode ser negligenciada quando acarreta em uma série de distorções na interpretação de uma sociedade. Especialistas têm alertado para a necessidade de se respeitar a acepção singular da palavra no que diz respeito aos estudos sobre a antiguidade greco-romana;

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vivendo longe de suas comunidades de origem, estabelecendo-se em territórios estrangeiros (Tsetskhladze, 2006).

A colonização grega está intimamente implicada na fenomenologia do colonialismo europeu moderno (Dietler 1995: 91 Apud Owen 2005: 12). Os estudos mais antigos foram influenciados pela experiência colonialista da Europa Moderna, ocorrida entre os séculos XVI e XIX. Especialmente o sentido anglófono da palavra colonial, oriundo desta mesma experiência, tem sido questionado nos estudos sobre a antiguidade. O termo colonial, nesta acepção, carrega uma forte noção de imperialismo, o que não existiu na sociedade grega antes do século V a.C. De acordo com Purcell colonização é uma categoria em crise no estudo do Mediterrâneo Antigo, entretanto Tsetskhladze sugere que o termo está em crise em si. Apesar das críticas, o termo continua sendo empregado em estudos sobre a antiguidade. Este autor argumenta ainda que negar colonização nos estudos não é um caminho, mas que parece razoável dar continuidade ao uso do termo com a devida explicitação que se quer extrair da palavra (Tsetskhladze 2006: 28). Owen também adverte que o problema não está no emprego da analogia como procedimento, mas sim na imposição de modelos históricos específicos (Owen 2005: 18).

Dentre tantos estudos e autores que questionam o uso do termo colonização (De Angelis 1998, 2003; Tsetskhladze 2006: 28 e ss.; Whitley apud Tsetskhladze 2001: 125 Owen 2005; Osborne 1998; Shepperd 1993, 1995) Irad Malkin, em especial, não apenas chama a atenção para a impropriedade do uso do termo visto que este remete ao contexto imperialista do século XIX, mas também observa o fato de muitos historiadores e

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arqueólogos rejeitarem a noção de fundação do empreendimento colonizador dos gregos antigos, o que elimina a relevância da cidade-mãe neste contexto. Sendo assim, o autor defende a perspectiva de que a colonização foi um processo, não um evento, e que, neste sentido, uma colônia deve ser entendida em termos mais neutros, como o estabelecimento de um

assentamento. Essa nos parece a forma mais apropriada de compreender a

natureza destes assentamentos e daqui por diante, é com essa acepção que estaremos trabalhando quando nos referirmos as pólis coloniais, ainda que usemos os termos colônia, cidade ou pólis (Malkin 2002: 196).

E para que possamos compreender melhor a natureza de uma destas fundações, vejamos adiante o que é, em sua essência, uma apoikia, e como se dava o vínculo com a sua respectiva cidade-mãe.

A fundação de uma Apoikia.

O primeiro ato de qualquer fundação constitui um ato religioso. E a relação entre a colônia e a cidade-mãe está constantemente perceptível na atribuição de uma tradição religiosa e de um culto central.

Antes de qualquer incursão rumo ao longe, o ato se dá na própria localidade de origem do futuro novo assentamento: a escolha de um oikista7 -seguida da consulta ao oráculo do Santuário de Apolo em Delfos. Em seguida, ocorre a associação entre os indivíduos que participarão do empreendimento, e essa associação também é religiosa. Não podemos nos

76 Geralmente o oikista era escolhido pela comunidade de origem, não raro destacado de

grupos aristocráticos e diretamente ligado aos grupos dirigentes da sociedade. No caso das pólis secundárias, como veremos adiante, havia a possibilidade do oikista ser escolhido dentre os membros da comunidade de origem da pólis que destacará um grupo para colonizar, como ocorrido na fundação de Selinonte, cujo oikista Pammilos não foi escolhido dentre os cidadãos de Mégara Hibléia, sua metrópole, mas sim de Mégara Nisáia,

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esquecer de reiterar nossa localização cronológica: estamos no início do século oitavo a.C., período em que a pólis enquanto conjunto de instituições e associação comunitária cidadã ainda está em embrionário desenvolvimento; o que significa que o papel da religião, mediadora da participação/exclusão nos cultos e ritos é fundamental para imbuir um conjunto de pessoas da noção de pertencimento ou não a um grupo, ou a um tipo de empreendimento. O Estado, as instituições políades mais políticas em sua essência, foram criações posteriores à associação religiosa na organização da sociedade grega, sendo derivada desta, e nunca em toda a sua existência foi possível dissociar uma da outra. É um axioma para qualquer helenista o fato de a religião e a política estarem profundamente imbricadas na organização políade.

Depois da escolha do oikista e das pessoas que participariam da expedição, tomavam-se as providências mais prementes: obtenção dos meios de navegação, suprimentos... (Monedero 1993: 103). O local para onde o oikista conduzirá o grupo havia sido apontado pelo oráculo délfico, cabendo a ele, com a sanção do deus, cumprir o seu papel de líder da expedição garantir o sucesso da fundação, o que significava, entrementes, reproduzir a comunidade de origem para onde estavam rumando, tornando possível sua fixação em território estrangeiro e a prosperidade do mesmo.

Uma vez estabelecidos, estavam totalmente desligados de qualquer vínculo político com a sua cidade-mãe. É essencial distinguir este tipo de pólis, a apoikia, de qualquer outro tipo de fundação em território estrangeiro. A apoikia, como dito anteriormente, é uma “casa longe de casa”, não há nenhuma intenção por parte da cidade-mãe de exercer qualquer tipo de ação

Referências

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