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Vista do Análise do romance “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen: a autora, o gênero e as personagens

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Análise do romance “Orgulho e

Preconceito” de Jane Austen: a

autora, o gênero e as personagens

Mariana Melo Cunha Farath

João Francisco Pereira Nunes Junqueira

Graduada em Letras Português/Inglês (2014) pelo Centro Universitário Teresa D'Ávila – UNIFATEA

Doutorando em Estudos Literários na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Araraquara (Bolsista CAPES). Professor do Centro Universitário Teresa D’Ávila – UNIFATEA/Lorena.

Resumo

Jane Austen e sua obra-prima Orgulho e Preconceito apresentam relevante longevidade de sucesso literário. Para muitos críticos, o segredo do romance está na abordagem psicológica, irônica e levemente cômica presentes na obra. Austen situa-se no período de ascensão do romance inglês, dando a este o chamado impulso de modernidade ao tratar de temas cotidianos com sutileza e perspicácia própria. Assim, este artigo tem por objetivo analisar o romance Orgulho e Preconceito de Jane Austen (1775-1817), comparar o romance com os movimentos literários romântico e realista, abordar as principais características de estilo da autora presentes na obra, entender o gênero romance na Inglaterra do século XVIII, levantar os motivos que levaram a obra a ter este longo sucesso e, por fim, destacar o papel das personagens na construção da obra. A pesquisa foi feita por meio bibliográfico. A análise dos dados foi realizada à luz de Ian Watt (1986 e 2010), Sandra Guardini Vasconcelos (2007), Eduino José Orione (2000), René Wellek (1963), Jakobson (1971), E. M. Forster (1974), Thomas Mann (1988) e Antônio Cândido (2002).

Palavras-chave:

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1. INTRODUÇÃO

Jane Austen (1775-1817) é uma das autoras mais importantes da Literatura Inglesa e para seus principais críticos Orgulho e Preconceito (1813) constitui-se em sua obra-prima. Para que haja um melhor entendimento da obra e da autora, é necessário compreender a forma como Austen escrevia, ou seja, seu estilo. Jane Austen surgiu como escritora num momento muito particular da história da Literatura Inglesa, que se destaca pelo surgimento do gênero romance como conhecemos hoje (para os ingleses a chamada novel). Mas a obra se sobressai, ainda, por apresentar aspectos de movimentos importantes da Literatura – Romantismo e Realismo. O principal ponto enfocado pelo presente trabalho é a construção das personagens na busca de demonstrar que a boa recepção da obra advém das personagens envolvidas no enredo.

Muitas dúvidas surgem a respeito da longevidade do sucesso da obra Orgulho e

Preconceito de Jane Austen, uma vez que

o romance completou duzentos anos de publicação em 2013 e até os dias atuais figura entre as obras preferidas pelos leitores britânicos, tanto que inúmeras adaptações foram elaboradas para cinema, teatro, televisão e obras literárias intertextuais. Segundo Lúcio Cardoso (1982, p. 6), “[...] a verdade é que apesar

de tudo, os livros de Jane Austen atravessam os anos, dotados de uma assombrosa vitalidade. É preciso acrescentar que não o fazem como geladas relíquias de uma época desaparecida, como o desejam tantos – mas ao contrário, pelo sabor de sua indestrutível atualidade.”.

Quanto à construção da própria obra, o romance não apresenta muitas inovações técnicas. Contudo, o enredo, o espaço e o

tempo contribuem bastante para a elaboração de suas personagens, que chamam a atenção pela forma como Austen as construiu numa abordagem criativa e de captação psicológica. Vale ressaltar ainda que Jane Austen retrata em sua obra-prima a sociedade de sua época de modo extremamente detalhado, expondo “[...]

a mediocridade das pessoas, hábitos ridículos, a vaidade e a tolice dos nobres e burgueses que permitiam por meio do preconceito a separação entre as classes” (CARDOSO, 1982, p. 5). Outro

ponto de destaque nas obras austenianas e também presente em Orgulho e Preconceito são as heroínas e o universo feminino tratados de forma tão profunda e única pela escritora, como na seguinte passagem do livro (1982, p. 153-154):

[...] Alguma das suas irmãs mais moças já foi apresentada à sociedade, Miss Bennet?

— Sim, minha senhora, todas.

— O quê? As cinco de uma vez? É muito estranho. E você é apenas a segunda! As mais moças já frequentam a sociedade antes de as mais velhas se casarem! Suas outras irmãs são muito moças?

— A mais moça ainda não fez dezesseis anos. Talvez seja um pouco cedo demais para fazer vida social. Mas realmente, minha senhora, acho que seria uma crueldade recusar-lhes a sua parte de distrações e sociedade só porque a mais velha não teve os meios ou a inclinação para se casar mais cedo. As mais moças têm os mesmos direitos aos prazeres da mocidade que as mais velhas. E trancá-las em casa creio que não seria um bom meio de promover a afeição fraternal ou a delicadeza de sentimentos.

Assim, o presente trabalho busca entender os motivos que levaram Jane Austen a ser uma autora tão bem quista pelo público em geral, bem como Orgulho e Preconceito ter sido considerado seu mais importante trabalho.

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Além disso, analisamos a obra a partir do gênero romance na Inglaterra do século XVIII. Outro ponto trabalhado foi a comparação entre o romance e as características dos movimentos romântico e realista, bem como aspectos típicos do estilo da autora como: a crítica social, a ironia, as personagens femininas, as descrições minuciosas, o abundante uso dos diálogos e a utilização de cartas, que também foram utilizadas para construir a obra alvo da análise.

A justificativa do trabalho dá-se pela importância da própria autora para a Literatura Inglesa, Jane Austen foi considerada por muitos críticos a primeira romancista moderna inglesa e a segunda figura mais importante para a Literatura daquele país, atrás apenas de Shakespeare. Austen foi uma figura admirada por outros famosos escritores como Ezra Pound (2006, p. 70): “Se você só lê inglês, comece com Fielding. Aí está um fundamento sólido. Sua linguagem não é nem amarrada nem só ornamento. Depois disso, eu suponho que seria o caso de recomendar a Senhorita Jane Austen. E assim a lista quase termina”e Virginia Woolf (WOOLF apud NEUMANN, 2011, quarta capa): “Jane Austen é a

mais perfeita artista entre as mulheres, a escritora cujos livros são imortais”. Além disso, Cardoso

(1982, p. 7) explica que Orgulho e Preconceito enquanto sua obra-prima configura-se em “[...]

prodigiosa revelação do temperamento de uma romancista. Nada escapa ao seu lúcido olhar, nenhuma fraqueza, nenhum ridículo dessa gente que ela conhecia tão bem”. Contudo, apesar

de toda importância de Austen e seu legado para a Literatura, o material crítico para pesquisa a respeito da autora e de suas obras em língua portuguesa é algo que requer uma busca minuciosa, assim o presente trabalho

pretende também acrescentar positivamente, enriquecendo o acervo crítico sobre a autora em português.

Por tratar-se de um trabalho de revisão bibliográfica, inúmeros autores foram utilizados para embasar a pesquisa, tais como: Ian Watt (um dos principais críticos da autora), E. M. Forster, René Wellek, Jakobson, Eduino José Orione e Antonio Cândido, além de três traduções da obra feitas por Lúcio Cardoso (1982), Jean Melville (2006) e Marcella Furtado (2012) e do próprio romance na língua inglesa original. Também os romances Razão e

Sensibilidade e Emma da autora foram utilizados

para comprovar pontos de vista defendidos. O trabalho foi dividido em cinco capítulos: o primeiro capítulo é sobre a biografia e as características de Jane Austen, que trata de fatos pertinentes e curiosos ocorridos na vida da escritora, bem como técnicas e temáticas empregadas pela escritora em suas obras; o segundo capítulo aborda a ascensão do gênero romance na Inglaterra do século XVIII e suas contribuições para a obra analisada; o terceiro capítulo trabalha a conceituação crítica dos movimentos literários romântico e realista no qual discutiremos em comparação com a obra Orgulho e Preconceito; no quarto capítulo acontece a análise do romance

Orgulho e Preconceito de forma mais específica

e detalhada; o quinto capítulo trata das personagens, ponto de destaque da obra.

2. BIOGRAFIA E CARACTERÍSTICAS

DA AUTORA

Jane Austen nasceu em 16 de dezembro de 1775 em Steventon, Hampshire, Inglaterra. Austen era a sétima filha de oito, sendo seis homens e apenas duas mulheres. Assim, ela

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e sua irmã, Cassandra, tiveram uma relação muito próxima, considerando-se amigas e confidentes. Filha de George Austen, ministro anglicano, Austen e sua irmã chegaram a ser matriculadas na Reading School (DEUTSCH, 2006, aba), contudo a maior parte de sua instrução deu-se em casa, estudando sob a tutoria de seu pai, sem afastar-se da família. Passou a boa parte de sua vida na região em que nasceu, contudo mudou-se para Bath em 1801, em seguida para Chawton em 1803, por ocasião da morte de seu pai. A propriedade onde viveu em Chawton, acompanhada de sua mãe e irmã, foi cedida por seus irmãos, tendo estes alcançados postos na Marinha inglesa.

Ao contrário de suas obras que sempre tratam da temática amorosa voltada para o casamento, Jane Austen morreu solteira, do mesmo modo que sua irmã Cassandra. Austen viveu uma relação amorosa com Thomas Langlois Lefroy, entretanto, tal relacionamento não resultou em casamento. Ela ainda chegou a noivar com um rapaz mais novo chamado Harris Bigg-Wither, arrependendo-se do enlace rapidamente e voltando atrás em sua escolha (FURTADO, 2012, p. 399).

Como autora, apesar de ter vivido em meio a um pequeno grupo social, composto pela aristocracia rural inglesa, Austen conseguiu material suficiente para compor elaborados personagens de sua obra, sem que sua vida reclusa limitasse seu talento como romancista (CARDOSO, 1982, aba). Começou a escrever ainda na adolescência como forma de divertimento para seus sobrinhos. Suas principais obras são compostas por seis publicações: Razão e Sensibilidade (1811 – chamada a princípio de Elinor and Marianne),

Orgulho e Preconceito (1813 – intitulado

inicialmente de First Impressions e modificado

pela autora após a leitura da frase Pride and

Prejudice no livro Cecilia de Frances Burney), Mansfield Park (1814), Emma (1815), Persuasão

(1818 – com o título inicial de The Elliot) e A

Abadia de Northanger (1818 – também chamado

inicialmente de Susan). Entre suas obras menores e inacabadas constam: Lady Susan (1794-1805), The Brothers (depois intitulado

Sanditon – 1817-1825), Os Watson (1804 –

publicado em meados do século XIX por sua sobrinha Catherine Hubback que terminou a obra e a chamou The Younger Sister), deixou ainda uma produção juvenília (dividida em 3 volumes), uma peça de teatro chamada: Sir

Charles Grandison, or The Happy Man: a Comedy in Six Acts (1793-1800), poemas, registro de

cartas e um romance inacabado que teria o título de Plan of a Novel(FURTADO, 2012, p. 399). Muitos críticos dividem suas obras em duas etapas, uma que engloba Razão e Sensibilidade e Orgulho e Preconceito, romances publicados sob pseudônimo By a Lady, e outra fase a partir da publicação de Mansfield Park, considerada uma etapa mais madura, com um traço maior de serenidade e sabedoria (MELVILLE, 2006, p. 314-315).

Jane Austen já estabelecida como escritora, mas ainda vivendo no isolamento rural, começou a ter um declínio de sua saúde por volta de 1816 (WATT, 1986, p. 180). Até os dias de hoje, não se tem certeza do mal que a arrebatou em 18 de julho de 1817, ainda aos 41 anos, suspeita-se de algumas doenças como Mal de Addison (doença que atinge as glândulas suprarrenais), Linfoma de Hodgkin, tuberculose bovina ou intoxicação por arsênico devido à ingestão de medicamentos para tratamento de reumatismo. A renomada autora repousa atualmente na catedral da cidade de Winchester, último local para onde se mudou

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em busca de tratamento para sua enfermidade. Vale lembrar ainda que para muitos críticos, Jane Austen foi considerada a segunda figura mais importante da Literatura Inglesa depois de Shakespeare e a primeira escritora inglesa moderna, pois deu o impulso de modernidade ao romance inglês (FURTADO, 2012, p. 399).

Com relação às características da autora, podemos partir da ideia de Virginia Woolf (1986, p. 15) que, em artigo presente no livro Jane Austen a collection of critical essays, organizado por Ian Watt, expressa o seguinte pensamento: Jane Austen das grandes autoras é uma das mais difíceis de captar no ato de sua grandeza, ou seja, determinar exatamente o que faz suas obras tão populares é algo um pouco complexo. Deste modo, optamos por selecionar aspectos apontados por seus principais críticos com o intuito de elucidar o estilo da autora. Bonnie Blackwell, em seu artigo Jane Austen: The Critical Reception, diz (2009, p. 37), “She has been subjected to New Critical investigations of irony; she has been put on the couch by Freudians; she has been critiqued for her class consciousness by Marxists; she has been interrogated by disciples of feminism, queer studies, and gender studies.1”.

Já Ian Watt (1986, p. 2) comenta: “If the current view of Jane Austen is that she is first and foremost a critical observer of humanity

who uses irony as a means of moral and social judgment…2” e completa (1986, p. 1):

For, among other things, it would at least have afforded her an opportunity of verifying one of the cardinal postulates of her novels: that our conversations to and about other people are actually unveiling of a more consequential reality, the self; that the ultimate purport of all our pronouncements is unwitting self-definition, an unconscious revelation

of our manners, our passions, our intellectual capacities, and our operative moral values.3

Voltando a Virginia Woolf, a escritora opina que (1986, p. 20), “The discrimination is so perfect, the satire so just, that, consistent though it is, it almost escapes our notice. No touch of pettiness, no hint of spite, rouse us from our contemplation. Delight strangely mingles with our amusement.4”.

Assim, poderíamos extrair destes três teóricos as seguintes características de estilo de Jane Austen: a ironia;o universo feminino; a crítica

à sociedade da época; as descrições detalhadas; os ricos diálogos.

Primeiramente, a ironia é colocada como um dos pontos de destaque das obras de Jane Austen, de acordo com Trilling (1986, p. 124): ela tem a finalidade que empregamos usualmente de dizer algo quando na verdade queremos dizer o contrário. Já em The complete guide to teaching Jane Austen, a ironia é explicada de duas maneiras (2010, p. 18): “Verbal Irony: speech in which what is said is the opposite of what is meant; Dramatic Irony: when the reader or audience understands more about the events of a story than the character in the story5”. Na obra Orgulho e Preconceito, as

tiradas irônicas estão por conta principalmente do narrador, que não faz parte da história, mas sabe de tudo o que ocorre com as personagens, como em (1982, p. 68): “Os parabéns que Miss Bingley

mandou para o irmão pelo casamento próximo foram tudo o que havia de mais afetuoso e insincero”;também há ironia por parte de Mr.

Bennet, conforme a seguinte passagem (1982, p. 338):“Admiro altamente todos os meus três

genros. Wickham, talvez seja o meu favorito, mas acho que acabarei gostando do seu marido tanto quanto do de Jane”; e por parte de

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deixe-me entregue ao deixe-meu próprio destino; talvez, se tiver muita sorte, eu encontre um dia um outro Mr. Collins”. Para entender o sentido irônico das passagens acima, devemos explicar que Miss Bingley era totalmente contrária ao casamento de seu irmão com Jane; que Wickham, dos três genros de Mr. Bennet era quem ele menos gostava, já que o rapaz fugiu com sua filha mais jovem, Lydia, causando transtornos à família; e que Elizabeth relembra do episódio em que recusa a proposta de casamento de Mr. Collins, uma vez que ela considera que ele jamais a faria feliz. Além da ironia, é possível notar um toque de humor que é corroborado por Lalou na seguinte passagem (1955, p. 84): “[...] em todas as suas narrativas admira-se o autodomínio, a clarividência e a nitidez que lembram nossos analistas clássicos, mas se retemperam constantemente com uma ponta de humor bastante britânico”.Assim, percebemos que o estilo de Jane Austen neste ponto parte da ironia para alcançar um tom de humor.

Acerca das personagens femininas, Silva (2006, p. 213) afirma que na sociedade em que Austen vivia o principal objetivo da mulher era o casamento. Portanto, o universo feminino presente em suas obras gravita ao redor desta temática. Analisando as mulheres em suas obras podemos perceber que existem dois tipos distintos de comportamento: o racional e o emocional. As emocionais, mais românticas, acreditam no matrimônio somente por amor, apesar de alcançarem no final uma união amorosa também finaceiramente vantajosa, como ocorre com Elizabeth Bennet em Orgulho

e Preconceito e Emma Woodhouse em Emma.

Já, as do segundo tipo pertencem a uma classe totalmente oposta à primeira, são as mulheres regidas pela razão e que veem no casamento a única oportunidade de proteção e segurança,

de acordo com o contexto social da época. Este tipo é exemplificado por Charlotte Lucas em

Orgulho e Preconceito e Marianne Dashwood em Razão e Sensibilidade, esta última é romântica

durante a maior parte da história, contudo no fim opta por um casamento conveniente com o Coronel Brandon, por afeição e gratidão, não por amor, mostrando que em sua personagem a razão sobrepôs à emoção.

A crítica social é outro aspecto levantado por vários críticos de Jane Austen, segundo Greene (1986, p. 162):

Slight as this sort of evidence is, it seems to point to one conclusion: that much of the social criticism in Jane Austen’s novels (and there is really a great deal of social criticism in them) is not that of a cool, detached, impersonal observer, but comes from one who is herself deeply and personally involved with the social phenomena which she describes and passes judgment on.6

Em Orgulho e Preconceito é possível verificar a crítica social contra várias situações que ocorriam na Inglaterra contemporânea a Jane Austen. Logo nos dois primeiros parágrafos da obra podemos extrair algumas ideias (1982, p. 7):

É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.

Por pouco que os sentimentos ou as opiniões de tal homem sejam conhecidos ao se fixar numa nova localidade, essa verdade se encontra de tal modo impressa nos espíritos das famílias vizinhas que o rapaz é desde logo considerado a propriedade legítima de uma das suas filhas.

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No primeiro parágrafo, constatamos que a pressão para o casamento não estava direcionada apenas à mulher. Homens solteiros e bem estabelecidos financeiramente também eram aconselhados a procurar uma esposa. Nas linhas seguintes, podemos perceber que existe uma necessidade das famílias em casar suas filhas. Entretanto, encontrar um bom partido era algo difícil, portanto quando surge um bom rapaz, ele é logo disputado pelas famílias que desejam tê-lo como agregado.

Outra questão social refere-se à legislação inglesa da época, mais especificamente ao chamado direito de primogenitura, que no romance é exemplificado pelo fato de as filhas mulheres de Mr. Bennet não terem o direito de herdar a propriedade de Longbourn, após o falecimento do patriarca da família, apenas o parente mais próximo do sexo masculino, no caso Mr. Collins. Mrs. Bennet era irremediavelmente contra tal procedimento, e disse (1982, p. 207): “Eu teria vergonha de herdar uma propriedade que não fosse minha, legalmente”. Apesar do erro de Mrs. Bennet, pois a ação era legal, havia no tom da frase um quê de injustiça, demonstrando o ponto de vista da própria autora sobre a condição inferior das mulheres na sociedade da época.

Mais um ponto censurado por Austen em

Orgulho e Preconceito é a submissão da mulher

em aceitar o casamento como única opção de sobrevivência. Na obra, Elizabeth critica sua melhor amiga, Charlotte Lucas, por aceitar o pedido de casamento de Mr. Collins (1982, p. 118):

— Eu sei o que você está sentindo — replicou Charlotte. — Você está admirada porque Mr. Collins há tão pouco tempo ainda desejava se casar com você. Mas quando você tiver tempo de pensar

sobre o assunto, espero que aprove a minha decisão. Bem sabe que não sou romântica. Nunca fui. Desejo apenas um lar confortável. E, considerando o caráter de Mr. Collins, as suas relações e a sua situação na vida, estou convencida de que tenho as mesmas possibilidades de ser feliz no casamento que a maioria das outras mulheres.

Dentre todas as personagens de Austen em Orgulho e Preconceito, com certeza Lady Catherine de Bourgh é a que mais aprecia a separação de classes sociais, outra situação que é tratada na obra e superada pelo casal protagonista para alcançar a felicidade. Lady Catherine procura Elizabeth Bennet e mostra sua opinião acerca de seu possível casamento com seu sobrinho, Mr. Darcy (1982, p. 315):

[...] uma moça de classe inferior, sem nenhuma importância na sociedade e totalmente estranha à família, ousaria se interpor entre eles, sem nenhuma consideração para com os amigos dele e o seu compromisso tácito para com Miss de Bourgh. Terá perdido todos os sentimentos de delicadeza e de equilíbrio? Não ouviu dizer que desde o seu nascimento ele foi destinado à prima?

E acrescenta (1982, p. 316):

Minha filha e meu sobrinho são feitos um para o outro. Ambos descendem pelo lado materno de uma nobre linhagem. E do lado paterno, de famílias respeitáveis, honradas e antigas, embora sem título. As fortunas de ambos são excelentes. É voz unânime nas respectivas famílias que eles estão destinados um para o outro. E quem pretende separá-los? Uma moça ambiciosa, que não possui nem família, nem relações ou fortuna. Isto pode ser tolerado? Não deve ser e não o será. Se pesasse os seus próprios interesses, não desejaria sair da esfera em que foi criada.

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Seguindo, Scott (Apud WATT, 1986, p. 3) pondera sobre o talento descritivo de Jane Austen: “That young lady had a talent for describing the involvements and feelings and characters of ordinary life, which is to me the most wonderful I ever met with7”.Realmente,

Austen tem o dom de caracterizar tanto o espaço, como ela o faz com Pemberley, a mansão que era residência de Mr. Darcy (1982, p. 219):

Era um grande e belo edifício, situado na encosta de uma colina, por detrás da qual se elevava uma outra série de belas colinas arborizadas. Defronte da casa, corria um riacho de tamanho regular que, represado, formava um pequeno lago. As suas margens não tinham sido adornadas pela mão do homem. Elizabeth ficou encantada. Nunca vira um lugar tão bem dotado pela natureza. Ali, essa beleza natural não fora ainda prejudicada por artifícios de gosto duvidoso. Todos manifestaram admiração.

Quanto descrever as personagens de suas obras, como por exemplo os Bingleys, os Hursts e Mr. Darcy na seguinte passagem (1982, p. 14):

Mr. Bingley era simpático e fino de maneiras. A sua aparência era agradável, os gestos sem afetação. Quanto às irmãs, era visível que se tratava de pessoas distintas. Vestiam-se segundo a última moda. O cunhado, Mr. Hurst, era o que se pode chamar de um gentleman, sem outras características. Mas o amigo, Mr. Darcy, atraiu desde logo a atenção da sala, pela sua estatura, elegância, traços regulares e atitude nobre, e também pela notícia que circulou, cinco minutos depois da sua entrada, de que possuía um rendimento de dez mil libras por ano.

Evans (1984, p. 164) diz: “Quando os autores empregam diálogos e reduzem ao mínimo a descrição, o romance aproxima-se do teatro. O

Orgulho e Preconceito de Jane Austen contém

dialogação essencial para uma peça de teatro [...]”. De fato, os diálogos, às vezes bem longos, caracterizam o romance Orgulho e Preconceito, até mesmo por ser uma obra de ação limitada. A chave da evolução do enredo encontra-se nas conversas travadas entre as personagens. Entretanto, como o próprio Evans afirma o romance aproxima-se do teatro pela dialogação, mas afasta-se quando constatamos que as descrições não são mínimas,mas ricas e detalhadas, contrapondo os diálogos. Apesar disso, Watt (1986, p. 1) acredita que Jane Austen utiliza-se dos diálogos de personagens para revelar o que eles realmente são. Assim, se dizemos que Mrs. Bennet é interesseira, podemos comprovar por meio de suas próprias palavras a respeito de Mr. Bingley, que isto é de fato verdade (1982, p. 7): “Oh, solteiro, naturalmente, meu caro. Solteiro e muito rico! Quatro ou cinco mil libras por ano”. A passagem extraída acima da obra vem ao encontra do seguinte trecho presente no livro Memórias

Póstumas de Brás Cubas (1881) de Machado de

Assis (ASSIS, 2003, p. 42): “... Marcela amou-me por quinze amou-meses e 11 contos de réis; nada menos”. As duas passagens demonstram como existe uma relação entre o amor e o dinheiro.

Outro recurso bastante empregado por Austen é a utilização de cartas, apesar de escrever numa época já após o período dos romances epistolares, as cartas ainda aparecem em suas obras, possivelmente como resquícios deste período mais antigo e também por ser uma forma popular de comunicação na época. As cartas aparecem em variadas extensões, curtas como as trocadas entre Mr. Collins e Mr. Bennet, longas como as correspondências entre Mr. Darcy e Elizabeth, e esta e Mrs. Gardiner. Comparando as cartas de Orgulho

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e Preconceito e as do romance epistolar de

Choderlos de Laclos, Relações Perigosas (1782), considerado uma das obras-primas do gênero, podemos ver obviamente a diferença na estrutura, uma vez que Relações Perigosas é unicamente composto por cartas. Contudo, existem pontos que convergem as duas obras quanto ao conteúdo das cartas: há confissões, a ponto de quem as escreve tratá-las como um diário e ao interlocutor como seu confidente. E muito do que é dito nas epístolas são de grande importância para a evolução da narrativa. Analisando Relações Perigosas, surgem importantes revelações nas cartas, porém devemos considerar que a obra é constituída somente por trocas de correspondências. Já em

Orgulho e Preconceito, se nos atentarmos para

as cartas, devemos destacar a enviada por Mr. Darcy a Elizabeth, logo após ela recusar casar-se com ele. A partir das revelações que Darcy faz naquele papel, Elizabeth começa a repensar sua atitude em relação ao rapaz, fato este que é de fundamental importância para o desenrolar da história. Outros recursos utilizados por Jane Austen em suas obras acabam se entrelaçando: a simplicidade dos temas, que encontra, nas relações familiares ou em pequenos núcleos, material suficiente para elaborar uma boa história; o tom de naturalidade empregado pela autora, que ajuda a compor melhor a verossimilhança de suas obras; a delicadeza das relações amorosas de suas personagens, que apesar de não viverem relações físicas conseguem com pureza expressar o verdadeiro amor, de forma emotiva.

2. O ROMANCE INGLÊS

O romance inglês teve seu surgimento e crescimento com a ascensão da classe burguesa (classe média) no século XVIII, período este em que o racionalismo surge ligado à mudança de poder da nobreza e da aristocracia para a burguesia. Como os burgueses precisavam se aprimorar culturalmente, encontraram nos livros, mais precisamente nos romances, uma forma de instrução, aumentando consequentemente o número de leitores. Todavia, estes novos leitores queriam ler obras que retratassem a vida deles, não livros que falavam sobre nobres e aristocratas, assim surge o romance – novel (SILVA, 2006, p. 175).

Primeiramente, para entendimento do termo “romance” (vindo do inglês novel) relacionado ao gênero iniciado no século XVIII, devemos recapitular algumas ideias de Alexander Meirelles da Silva presentes no livro Literatura Inglesa para brasileiros (2006, p. 174). O autor inicia explicando que precisamos distinguir romance e novel, pois ambos em português têm a tradução de romance. Ele continua ainda caracterizando os dois gêneros: o romance tem sua origem no latim romanice, possui como herói um homem com qualidades fantásticas, não se preocupa por descrever a realidade, apresenta elementos fantásticos ou extraordinários, está relacionado a temas aventureiros, heroicos e míticos; já a novel advém do italiano novella, tem como herói um homem comum, possui uma detalhada descrição da realidade, apresenta elementos do cotidiano, sua temática está voltada para situações diárias, enfocada em problemáticas sociais ou pessoais. Portanto, a obra Orgulho e

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Preconceito de Austen é certamente uma novel,

pois tem como protagonistas (herói e heroína) um casal comum, sem poderes especiais ou dons fantásticos; apresenta preocupação em descrever minuciosamente a sociedade e os costumes da época; a obra narra elementos cotidianos de famílias típicas da Inglaterra do século XVIII, assim como a temática discute situações simples como o casamento, com foco em problemas sociais: o tratamento limitado dado à mulher e também questões pessoais, a exemplo do conflito vivido por Elizabeth Bennet durante toda a narrativa.

Ian Watt em sua obra A ascensão do

romance (2010, p. 9-36) destaca três principais

autores precursores do gênero romance (novel) no século XVIII: Defoe (1660-1731) de

Robinson Crusoé, Richardson(1689-1761)de

Clarissa e Fielding(1707-1754) de Tom Jones.

Ele argumenta ainda que existe uma possível relação entre o surgimento do gênero romance e a sociedade na qual ele surgiu, e que para entendermos melhor esta ligação devemos nos restringir as características do novo gênero. Sendo assim, o romance rompe com a ficção antiga e o realismo é a palavra-chave para entendermos esta ruptura. Este realismo é caracterizado como: “procura retratar todo o tipo de experiência humana” (2010, p. 11) e complementado com: “o romance coloca de modo mais agudo que qualquer outra forma literária – o problema da correspondência entre a obra literária e a realidade que ela imita” (2010, p. 11). Havia na época também um cuidado em substituir a experiência coletiva pela individual, como ponto decisivo para expressar a realidade e em oposição ao tradicionalismo dos universais. O romance tem a função de buscar ser fiel a experiência humana, recusando enredos tradicionais.A

partir do romance, algumas estruturas ficcionais sofreram mudanças. O enredo passa a ser mais específico, por exemplo, quando os novos romancistas optaram por não utilizar mitos, lendas ou outras fontes literárias passadas em suas narrativas. As personagens, o tempo e o ambiente também mereceram maior atenção, principalmente quanto à sua forma de apresentação. As personagens passam a ser chamadas por nomes próprios comuns para a época. As histórias eram contadas baseadas em uma relação causal (algo acontecido no passado é o motivo da ação presente) e há uma preocupação com a evolução do personagem no curso do tempo (WATT, 2010, p. 23). O espaço está relacionado intimamente ao tempo para “colocar o homem inteiramente em seu cenário físico” (2010, p. 29). Quanto à linguagem utilizada pelo gênero romance, Watt afirma (2010, p. 32-33):

Parece, portanto, que a função da linguagem é muito mais referencial no romance que em outras formas literárias; que o gênero funciona graças mais à apresentação exaustiva que à concentração elegante. Esse fato sem dúvida explicaria por que o romance é o mais traduzível de todos os gêneros.

Logo, o romance preocupa-se em ser uma narrativa plena e verdadeira da experiência do indivíduo, propiciando ao leitor informações mais detalhadas acerca das personagens envolvidas na história, assim como a situação em que está inserida no tempo e espaço.

Devemos ressaltar somente que de acordo com as palavras de Watt (2010, p. 34-35):

[...] o realismo formal obviamente não passa de uma convenção; e não há razão para que o relato da vida humana apresentado através dele seja mais

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verdadeiro que aqueles apresentados através das convenções muito diferentes de outros gêneros literários. Na realidade a impressão de total autenticidade do romance pode suscitar certa confusão quanto a esse aspecto: e a tendência de alguns realistas e naturalistas de esquecerem que a transcrição fiel da realidade não leva necessariamente à criação de uma obra fiel à verdade ou dotada de permanente valor literário [...].

Assim, apesar da tentativa de ser uma imitação fiel da realidade, o romance surgido na Inglaterra do século XVIII não é de fato real, é uma imitação, uma convenção, mesmo mostrando vantagens típicas do gênero. O que torna o romance a forma literária que mais aproximou a ficção e a realidade (WATT, p. 35).

Retomando a situação histórica do novo gênero, devemos observar uma parcela importante da sociedade inglesa do século XVIII, as mulheres (WATT, 2010, p. 45). Addison apud Watt (2010, p. 46) afirma:

Há algumas razões pelas quais o estudo se adapta melhor ao mundo feminino que ao masculino. Primeiro, porque as mulheres dispõem de mais tempo livre e levam uma vida sedentária [...] Existe outra razão para que sobretudo as mulheres de posição se dediquem às letras, ao saber, porque seus maridos geralmente não são versados nelas.

Sandra Guardini Vasconcelos, em seu livro

A formação do romance inglês, considera a

mulher inglesa do século XVIII de uma forma mais abrangente do que Addison, chamando-as de: “leitorchamando-as, protagonistchamando-as ou autorchamando-as” (2007, p. 124). A teórica completa dizendo que o universo feminino no que se refere à sociedade era muito restrito, uma vez que a mulher não detinha direito algum a bens, por exemplo, assim como via no casamento a única

opção de sobrevivência; um ponto bastante controverso na época era o casamento por amor versus o casamento por conveniência, com predominância pelo amor, pois fortalecia a família e permitia certa ascensão social (da burguesia para a aristocracia); a questão da feminilidade também foi discutida, já que os romances do século XVIII foram considerados modelos de conduta para as mulheres, que deveriam ser virtuosas e de boa moral; por fim, importantes autoras são citadas, pelas suas críticas à situação da mulher: Charlotte Lennox, Fanny Burney, Elizabeth Inchbald, Charlotte Smith e Mary Wollstonecraft (2007, p. 124-142). Watt pontua que nos romances de Austen as mulheres são reflexos do crescimento delas no segmento literário; e sugere que as escritoras são mais sensíveis para retratar as relações entre as personagens, pois ocupavam uma posição vantajosa na época da ascensão do romance (2010, p. 319). James apud Watt (2010, p. 319) argumenta que: “As mulheres são observadores delicados e pacientes; por assim dizer farejam de perto a textura da vida. Sentem e percebem o real com uma espécie de tato pessoal, e suas observações são registradas em milhares de obras deliciosas”. Ao analisarmos a construção do feminino e a obra de Orgulho

e Preconceito de Austen, percebemos uma

relação muito próxima. Primeiramente, porque a obra foi escrita por uma mulher e tem uma mulher como protagonista. A condição social da mulher como alguém inferior ao homem é empregada hipoteticamente em Orgulho e

Preconceito, considerando uma possível morte

de Mr. Bennet e desamparo de sua esposa e cinco filhas, uma vez que as mulheres não detinham o direito de herdar os bens de família; contudo esta situação ocorre, de fato, em

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obrigadas a deixar sua residência por ocasião da morte do patriarca da família. A questão da mulher como leitora também surge na narrativa de Orgulho e Preconceito, papel este desempenhado pelas personagens de Elizabeth e Mary. O debate sobre casamento por amor e o casamento por conveniência, acaba por ser o tema central da obra, já que Elizabeth recusa a proposta de casamento de Mr. Collins e depois de Mr. Darcy justamente porque não os ama e é contra o casamento por conveniência; com o desenrolar da narrativa, este fato é totalmente alterado, mostrando a prevalência do amor, quando Mr. Darcy consegue com suas ações conquistar o amor de Elizabeth, que alcança a ascensão social pelo casamento com um membro da aristocracia. Quanto à virtuosidade e boa moral da mulher, podemos levantar a passagem da fuga de Lydia, que rompe com o que determinava a sociedade da época, ao fugir com Wickham. Para esta sociedade, ela passa a não seguir a conduta virtuosa e moralista imposta às mulheres, assim tem como única reparação para seu ato, casar-se com o militar. Este arranjo só é alcançado graças ao dinheiro que Darcy dá a Wickham para que elese case com ela. Mas, com este acordo,ela torna-se vítima de seu próprio ardil, pois também rompe com a ideal predominante na época, que era o casamento por amor, sentimento que não havia na relação entre Wickham e Lydia.

3. CONCEITUAÇÃO CRÍTICA: O

ROMANTISMO E O REALISMO

Para críticos que optam por enquadrar autores em determinadas estéticas literárias, Jane Austen passa a ser um complexo enigma. Há quem a considere romântica e outros realista (SILVA, 2006, p. 213). Austen escreveu durante o período considerado romântico (século XIX) na Inglaterra, que ocorre após o neoclássico (século XVIII) e antes do realista (século XIX), contudo em sua obra podem ser observadas características dessas três estéticas (SILVA, 2006, p. 213). Wellek (1963, p. 221) acredita que na Inglaterra o realismo foi uma continuidade do romance inglês surgido no século XVIII com Henry Fielding (1707-1754, autor de Tom Jones) e Samuel Richardson (1689-1761, escritor de obras como Pamela, A História

de Sir Charles Grandisone Clarissa). Assim, ao

analisarmos o romance Orgulho e Preconceito, optamos por selecionar as duas principais estéticas apontadas como características de Jane Austen: o romantismo e o realismo.

O romantismo deve muito de seus ideais ao filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e a publicação em 1754 de seu Discurso

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (ORIONE, 2000, p. 10). Todavia,

a estética romântica mesclou este pensamento a outros pensadores alemães e ingleses durante os séculos XVIII e XIX (ORIONE, 2000, p. 43). Do movimento romântico podemos levantar um conceito chave: a idealização, aplicado a três situações narrativas: o tempo, o espaço e as personagens (ORIONE, 2000, p. 39-41).

Quanto ao tempo, a idealização está relacionada ao passado, o tempo “ido” representava um período de maior felicidade do que o presente, seja ele biográfico (infância)

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ou histórico (períodos como a Idade Média). No romance Orgulho e Preconceito, verificamos que tal procedimento não existe, uma vez que o tempo trabalhado é contemporâneo às personagens e evolui em direção progressiva, ou seja, vai para o futuro não para o passado.

Já no que se refere ao espaço, podemos notar que a idealização ocorre voltada para a natureza. Nesse aspecto, podemos afirmar que, de fato, esta característica é apresentada na obra de Jane Austen. Primeiramente pela seguinte passagem (1982, p. 45) dita por Mrs. Bennet: “— Não vejo em que Londres tenha tão grande vantagem sobre o campo, exceto quanto às lojas e lugares públicos. O campo é muito mais agradável, não é, Mr. Bingley?”e é completada pelo diálogo travado entre Lady Catherine e Elizabeth (1982, p. 153): “[...] Sua mãe devia ter levado vocês todas as primaveras para a cidade, para tomar lições. — Minha mãe não faria objeção a isto, mas meu pai detesta Londres.”Ao lermos o romance, percebemos que existe uma preferência pelo chamado campo, que é o interior da Inglaterra, o cenário principal é a zona rural: Hertfordshire, Kent e Derbyshire, enquanto Londres, que representa o urbano, é praticamente refutado pelas personagens principais. A natureza também aparece como cenário se observamos o exterior de Rosings Park e Pemberley (seus campos e jardins) e os bosques que circundam a propriedade de Longbourn, local este, onde Darcy declara seu amor por Elizabeth nas páginas finais do romance. Se considerarmos que a idealização da natureza no romantismo ocorre para que haja uma relação de confidência entre a personagem e a natureza, onde esta última representa um refúgio, podemos destacar o trecho em que Elizabeth parte em viagem com seus tios para Derbyshire, buscando

um local para se distrair num momento bastante reflexivo de sua personagem. Esta passagem também caracteriza o chamado escapismo típico do romantismo, situação em que a personagem romântica diante de uma realidade de inconformidade, acaba por optar pela fuga ao invés de enfrentar o problema. Elizabeth realiza essa manobra e depois a reverte, primeiro ela foge numa viagem devido à angústia de não saber a veracidade das palavras de Mr. Darcy em sua reveladora carta, contudo ela volta para seu lar ao tomar conhecimento do escândalo causado pela fuga de Lydia e Wickham.

Quanto às personagens, selecionamos algumas características citadas por Orione (2000, p. 41) no que se refere ao herói romântico: beleza, força e sentimentalismo (associado ao amor, como também a amizade e o apego à tradição). Comparando Mr. Darcy a estas qualidades, notamos que, na própria obra, beleza e força são conferidas a ele quando o narrador o descreve como um homem que se destacava, atraindo a atenção dos demais. Já no que se refere ao sentimentalismo, observamos uma evolução no protagonista da obra. Mr. Darcy é inicialmente tido como alguém reservado, pouco acessível quanto a seus sentimentos, mas com o desenrolar da narrativa passa a ser um homem mais receptivo, tanto que declara seus mais profundos sentimentos amorosos para Elizabeth. Como amigo, ele é extremante fiel e cuidadoso com seu amigo Bingley, correndo o risco de perder de uma vez por todas o amor de Elizabeth. Quanto ao apego à tradição, podemos considerar que inicialmente Mr. Darcy veste uma máscara social que é imposta pela sua importante posição, mas de acordo com o decorrer das ações, ele revela-se (pelo menos para Elizabeth) um homem que

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demonstra mais seus sentimentos. Ou seja, ele vive um conflito entre o “ser” e o “parecer”, no final optando pelo “ser” para conquistar Elizabeth. A heroína romântica é qualificada como bela, contudo o próprio Mr. Darcy inicialmente não considera Elizabeth uma beldade (1982, p. 15):

— Jamais eu seria tão exigente — exclamou Bingley; — palavra de honra, eu nunca encontrei tantas moças interessantes na minha vida... E você está vendo que algumas são excepcionalmente belas!

— Você está dançando com a única moça realmente bonita que existe nesta sala — disse Mr. Darcy, olhando para a mais velha das irmãs Bennet.

— Oh, ela é a mais bela moça que já vi na minha vida, mas bem atrás de você está uma das suas irmãs, que é muito bonita e agradável. Deixe-me pedir ao meu par que o apresente a ela?

— Qual? — perguntou ele, voltando-se e detendo um momento a vista em Elizabeth até que, encontrando-lhe os olhos, desviou os seus e disse, friamente: — É tolerável, mas não tem beleza suficiente para tentar-me. Não estou disposto agora a dar atenção a moças que são desprezadas pelos outros homens. É melhor você voltar ao seu par e se deliciar com os sorrisos dela, pois está perdendo tempo comigo.

Contudo, Orione (2000, p. 41) afirma que os protagonistas também apresentam beleza e força moral e espiritual. Neste ponto encaixa-se Elizabeth Bennet, ela é uma personagem com uma enorme fibra moral e forte personalidade.

No que se refere ao casal protagonista, segundo Orione (2000, p. 43), existe uma relação de vassalagem entre o homem e a mulher, que está associado ao período medieval e ao feudalismo. Portanto, partindo desta ideia, podemos pontuar duas situações: a ascensão social, que no caso de Orgulho e Preconceito está

voltada para Elizabeth, não para Mr. Darcy; e das ações praticadas por Mr. Darcy – ajuda a Lydia e Jane – com o intuito de conquistar o amor de Elizabeth, ou seja, ele faz tudo o que está em suas possibilidades para desfazer as más impressões iniciais concebidas por ela a respeito dele.

O movimento realista veio com o intuito de se contrapor aos ideais românticos (ORIONE, 2000, p. 98). O amor é um exemplo de como são divergentes as posições românticas e realistas: as histórias românticas são de amor, as realistas de desamor; os desfechos das narrativas no romantismo são felizes, no realismo são infelizes; as personagens femininas românticas encontram no casamento a felicidade, já as realistas fogem do casamento e vivem situações adversas até culminar em sua morte (ORIONE, 2000, p. 98). Se aplicarmos estas ideias à obra Orgulho e Preconceito, concluímos que o livro de Austen está totalmente inserido no movimento romântico.

Contudo, devemos considerar outros aspectos. Evans (1984, p. 189) fala do realismo presente na intriga central de Orgulho e

Preconceito, Blackwell (2009, p. 41) afirma

que o realismo austeniano é uma de suas principais características técnicas e completa adjetivando-o de realismo psicológico. Para entendermos o que estes dois teóricos estão falando, precisamos voltar às ideias de Watt que divide o realismo do romance inglês surgido no século XVIII em dois: de avaliação, ligado a Richardson e Defoe, e de apresentação, relacionado a Fielding. O realismo de avaliação trabalha a intensidade e seriedade moral; busca por uma sabedoria responsável nas relações de seus personagens; enfatiza a verdadeira compreensão da realidade humana, sem enganos; opera não

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somente através de comentários diretos, mas realiza avaliações em sequências organizadas dentro de um significante contraponto de cenas que geralmente refletem ironicamente sobre outras; implica em avaliação e implicitamente aprovação de julgamento moral dos participantes; é aplicado a todas as formas de literatura; está ligado ao discurso; apresenta menor preocupação com o texto e a formação da resposta emocional e julgamentos do leitor do que ao valor detalhado dentro do mundo imaginado (SCHWARZ, 1986, p. 113-115). Já o realismo de apresentação refere-se a problemas mais restritos e técnicos; está especificamente relacionado ao romance; está ligado ao conteúdo, matéria-prima da narrativa, assim como ao enredo; apresenta um espectro de possibilidades de elaboração do enredo (SCHWARZ, 1986, p. 113-115). Em suma, nas palavras de Vasconcelos (2007, p. 27): o realismo de avaliação passa pelas preferências do autor e pela verossimilhança da obra, como na seguinte passagem de Robinson Crusoé(1719) de Daniel Defoe (1972, p. 8): “Em meio às minhas angústias e ao medo à tempestade, pensei que Deus me castigava por ter abandonado meu lar e não ter dado ouvidos aos prudentes conselhos de meu pai e às súplicas de minha mãe”. Neste trecho Defoe seleciona tratar do tema religião, mais precisamente o puritanismo, em que o pecador era punido por violar as regras de conduta impostas por Deus, esta maneira de pensar também era verossímil, se pensarmos no contexto sócio-religioso da época. Enquanto, o realismo de apresentação é definido como uma série de procedimentos narrativos, a partir de materiais disponíveis (VASCONCELOS, 2007, p. 27). Isto é o que ocorre em Tom Jones (1749) de Fielding, na passagem a seguir (1971, p. 147): “Mas, para voltar à nossa história, posto que

Jones não tivesse manifestado intenção de ofender [...]”. Vemos, então que há certo diálogo do narrador com o leitor, o que exige um pouco mais do leitor para compreensão da obra.

Contudo, Schwarz (1986, 1986, p. 113-115) argumenta que não é possível separar estes dois conceitos, pois eles ocorrem praticamente de forma simultânea; que todaapresentação éseleção e organização, eseleção e organizaçãosão inevitavelmenteos modos deavaliação; que o realismodeapresentação erealismodeavaliaçãosão termosabrangentes parauma ampla variedade defunções e efeitos; e de queo termo realismo como ummodo de percepção é essencial parao desenvolvimentodo romanceInglês. Assim, quando Watt (2010, p. 318) diz que “Austen conseguiu conjurar numa unidade harmoniosa as vantagens do realismo de apresentação e do realismo de avaliação” entendemos que em

Orgulho e Preconceito, ela consegue combinar

os dois termos de maneira agradável. Portanto, muito do que está em Orgulho e Preconceito é real para a sociedade inglesa do século XVIII: as posições socias e familiares no que diz respeito à sua riqueza e status, os problemas femininos relacionados ao casamento, as atitudes e comportamentos dos personagens em si, a linguagem e tratamento trocados pelos personagens – tudo é verossímil, realismo de avaliação. No entanto, alguns procedimentos na narrativa são coincidentes demais para serem verossímeis, e são empregados como artífices pela autora com um propósito de que a obra apresente um produto final mais elaborado, realismo de apresentação. Este uso equlibrado dos realismos empregado por Austen pode ser exemplificado no seguinte fragmento (1982, p. 341-342): “Caro senhor: Venho incomodá-lo mais uma vez com participações. Elizabeth será

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em breve a esposa de Mr. Darcy. Console Lady Catherine como puder. Mas, se estivesse em seu lugar, ficaria do lado do sobrinho. Ele tem mais a dar. Seu sinceramente, etc”. Em referência ao realismo de avaliação, a autora, por meio de Mr. Bennet, avalia e censura o comportamento claramente interesseiro de Mr. Collins. E quanto ao realismo de apresentação, Austen utiliza de recursos técnicos como no caso, a carta e a ironia, para “tornar interessante o que realmente devia ser monótono” (MANN, 1988, p. 19). A autora resolve o problema dos realismos, empregando em suas obras um meio termo dos dois conceitos, aplicados de forma indissolúveis.

4. O ROMANCE ORGULHO E

PRECONCEITO

O romance Orgulho e Preconceito (1813) narra a história de amor entre Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy, relacionamento este que apresenta complicações até chegar a seu final feliz. A obra inicia-se com a chegada de Mr. Bingley com sua família (irmãs e cunhado) e Mr. Darcy ao condado de Hertfordshire para uma temporada na propriedade de Netherfield. No baile promovido em honra aos novos visitantes da localidade, acontece o primeiro encontro entre Elizabeth e Darcy e ambos demonstram desgosto recíproco. Com o desenrolar da história, a família de Elizabeth recebe a visita de um primo, Mr. Collins, que inicialmente deseja propor casamento a Jane, irmã mais velha de Elizabeth. Esta ideia é logo descartada por ele, pois Mrs. Bennet o convence que Elizabeth seria uma melhor opção, uma vez que Jane já se encontrava prestes a firmar um compromisso com Mr. Bingley. Elizabeth declina da proposta de Mr.

Collins, porque não acredita no casamento por conveniência, mas sua amiga Charlotte aceita o pedido do rapaz e eles mudam para Kent. Durante a passagem dos Bingley e Mr. Darcy por Hertfordshire, Elizabeth conhece um rapaz chamado Wickham, que já era relacionado a Darcy anteriormente; ele conta mentiras a Elizabeth a respeito de Darcy, o que faz a moça acreditar que Darcy é um homem esnobe e orgulhoso. Um tempo depois, Elizabeth vai visitar Collins e Charlotte em Kent, lá conhece a propriedade de Rosings Park e sua dona, Lady Catherine de Bourgh. Durante esta estadia, Elizabeth reencontra Darcy, que é sobrinho de Lady Catherine; ele passa a interessar-se pela forte personalidade de Elizabeth, a ponto de lhe propor casamento, mesmo elencando uma série de desvantagens nesta união. Elizabeth convencida da intervenção de Darcy contra a união de sua irmã Jane com Bingley, também contra Wickham e mesmo contra sua família, nega o pedido do rapaz. Resolvido a conquistar o amor de Elizabeth, Darcy deixa uma carta justificando seu comportamento e passa a tentar reparar seus erros. Algum tempo depois, Elizabeth viaja com seus tios, os Gardiners, para Derbyshire e acaba por visitar Pemberley, a residência de Mr. Darcy, e, por consequência, encontra-se novamente com o rapaz. Durante esta visita, a moça percebe qualidades antes não vistas em Darcy. Esta viagem é interrompida, quando a irmã mais jovem de Elizabeth, Lydia, foge com Wickham. De volta à sua casa, Elizabeth fica sabendo por meio de Lydia que Darcy ajudou-a em seu casamento com Wickham. Jane também fica noiva de Bingley, graças à intervenção de Darcy. Elizabeth passa a desconfiar que Mr. Darcy está por trás de todos estes fatos e ao questioná-lo, o rapaz confessa que fez tudo

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porque a ama. Convencida de seu amor e também apaixonada por ele, Elizabeth aceita a proposta de casamento do rapaz e passa a viver em Pemberley.

No que se refere ao enredo, o romance inicia-se com a chegada dos Bingley e de Mr. Darcy a Hertfordshire, novas relações são travadas e Elizabeth e Darcy desgostam-se mutuamente. Com o desenrolar da história, os protagonistas reencontram-se em Kent, local onde acontece o clímax da narrativa, quando Elizabeth recusa a proposta de casamento de Darcy. A partir daí, ocorrem algumas transformações na trama, Darcy muda seu comportamento para conquistar Elizabeth e esta acaba por reavaliar sua opinião a respeito do rapaz. Por tratar-se de um romance romântico, o desfecho é o final feliz dos protagonistas. Por isso, Silva (2006, p. 213) afirma: “Apesar de trabalhar com tramas previsíveis, limitadas e de foco estreito, Austen era capaz de utilizar um estilo refinado e meticuloso para explorar um tema universal: o lugar do ser humano dentro da família e da sociedade”.

Quanto à temática, Watt (2010, p. 317) explica que tanto Austen quanto Fanny Burney optaram por seguir o estilo de Richardson, abordando conflitos domésticos e a vida cotidiana, e Fielding, sendo mais distante do material narrativo e avaliando-o numa perspectiva cômica e objetiva. Assim, podemos verificar na obra que o casamento é o tema central da narrativa, algo comum para a sociedade da época.

O espaço no romance é predominantemente rural: Hertfordshire (Longbourn, Lucas Lodge e Meryton), Derbyshire (Pemberley e Lambton) e Kent (Hunsford e Rosings Park), compõem basicamente os cenários do romance. Rosings Park é descrita em (1982, p. 146):

Mas de todas as vistas de que o seu jardim, o condado ou o reino inteiro se podiam gabar,nenhuma se podia comparar com a vista de Rosings descortinada através das árvores que bordejavam o parque, quase defronte da sua casa. Era um belo edifício moderno, bem situado numa elevação.

O urbano é indicado apenas por algumas passagens em Londres como em (1982, p. 137-138):

Jane tinha estado uma semana em Londres sem ver Caroline e sem ter notícias dela. Explicava o fato, no entanto, supondo que a sua última carta de Longbourn para a amiga se extraviara. “Minha tia”, continuou ela, “vai amanhã para aqueles lados da cidade. E eu terei a oportunidade de visitar Grosvenor Street”.

O tempo na obra é linear em quase toda sua totalidade, apresentando marcações de tempo, como em (1982, p. 138):

Passaram-se quatro semanas e Jane nem uma só vez o viu. Tentou persuadir a si mesma de que não o lamentava. Mas não podia continuar cega às intenções de Miss Bingley. E depois de esperar em casa todas as manhãs durante quinze dias, recebendo todas as noites novas desculpas, finalmente a visitante apareceu.

Entretanto, existem passagens na narrativa, principalmente nas cartas, em que o passado se mescla ao presente na trama, com o intuito de explicar certos pontos ao leitor (1982, p. 182):

Mr. Wickham é o filho de um homem muito respeitável, que durante muitos anos geriu todos os bens da propriedade de Pemberley; a fidelidade com que sempre se desincumbiu das suas funções mereceu naturalmente a gratidão do meu

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pai. E para com George Wickham, que era o seu afilhado, meu pai se mostrou sempre generoso, dedicando-lhe uma grande afeição. [...]Quanto a mim, há já muitos anos que comecei a pensar de maneira diferente a respeito dele.

Outro ponto relacionado ao tempo, que devemos ressaltar, é que a narrativa ocorre num período de aproximadamente um ano, como observamos na seguinte passagem, já quase no fim da história (1982, p. 234):

No momento em que os outros estavam conversando, Bingley observou para Elizabeth, num tom que denotava uma certa mágoa, que há longo tempo não tinha o prazer de vê-la. E, antes que ela pudesse responder, acrescentou: — Faz mais de oito meses. Não nos vemos desde o dia 26 de novembro, quando estávamos todos dançando juntos em Netherfield.

A situação histórica da época é excluída do romance Orgulho e Preconceito, o que é corroborado por Wellek (1963, p. 220) quando este diz: “[...] Jane Austen, de cujos romances não podemos nem suspeitar da existência da Revolução Francesa ou das guerras napoleônicas [...]” e por Sena (1963, p. 234):

Ela própria tinha consciência do carácter aplicadamente miniatural da sua obra romanesca, escrita numa das épocas mais nacional e internacionalmente agitadas da História britânica, cujas vicissitudes são deliberadamente excluídas [...]

O narrador do romance é em terceira pessoa onisciente, opinativo e irônico como em (1982, p. 14): “[Darcy] Era o homem mais orgulhoso, mais desagradável do mundo. E todos pediram a Deus que ele nunca mais voltasse”. O foco narrativo está em Elizabeth, podemos observar isto pela mudança de opinião que o narrador

evidencia em concordância com aprotagonista, nas seguintes passagens da trama (1982, p. 14): “[Darcy] era orgulhoso, permanecia afastado do grupo e parecia impossível de contentar”, início da obra, quando Elizabeth desgostava de Mr. Darcy; e “Darcy, no entanto, suportou tudo aquilo com uma calma admirável. Ouviu até com serenidade as palavras de Sir William Lucas, que o cumprimentou por ter conquistado a mais bela jóia do país [...]” (1982, p. 342), desfecho do romance, quando Elizabeth já está apaixonada por Mr. Darcy.

A verossimilhança, que é explicada por Candido como (2011, p. 75): “[...] princípio da possibilidade de comparar o mundo do romance com o mundo real (ficção igual a vida)” e é incrementado por Jakobson (1971, p. 120-121) relacionando-a ao conceito de realismo, como uma imitação da realidade, algo figurativo e convencional, e exemplificado pela pintura que apesar de reproduzir um cenário, não passa de uma reprodução, não é realmente a paisagem captada. No romance Orgulho e Preconceito, a verossimilhança é algo bastante presente, para mostrarmos melhor esta característica no livro, destacaremos a pesquisa Jane Austen

and the Peerage8de Greene (1986, p. 154-155).

O teórico argumenta existir relação entre os nomes e sobrenomes das personagens austenianas e famílias nobres e importantes da Inglaterra do século XVIII, recurso este aplicado pela escritora com o intuito de dar maior veracidade a suas obras:

But when one looks closely into the names that she chooses, one runs into certain interesting “coincidences” that seem to throw light not only on Jane Austen’s technique as a novelist but also on her milieu and her social attitudes...

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One great family connection of northern England seems in particular to have caught Jane Austen’s fancy. The major character in her novels who possesses the highest social standing is probably Fitzwilliam Darcy, Esquire, of Pemberley Hall, Derbyshire: “one of the greatest personages in the land”, Mr. Collins describes him. [...] In his edition of the Novels R. W. Chapman has noted incidentally that Darcy’s name combines those of two great Yorkshire families— the D’Arcys, Earls of Holdernesse, whose title became extinct in 1778, and the Fitzwilliams, Earls Fitzwilliam.9

Quanto ao título, especula-se que a frase

Pride and Prejudice10presente no livro Cecilia de

Fanny Burney, possa ter inspirado o segundo título da obra analisada (GREENE, 1986, p. 155), uma vez que o romance foi inicialmente intitulado de First Impressions11(FURTADO,

2012, p. 399). Independentemente dos dois títulos escolhidos, se considerarmos First

Impressions, existe uma referência ao primeiro

encontro entre Elizabeth e Darcy, em que notamos um episódio de ódio à primeira vista, e como as primeiras impressões podem ser enganosas; já se optarmos por Pride and

Prejudice, percebemos de um lado o orgulho

de Darcy, “que revela uma preferência quase bramânica para as distinções de casta” (EVANS, 1984, p. 189), e de outro lado, o preconceito de Elizabeth pelos mais abastados (1982, p. 217):

Elizabeth ficou embaraçada. Não tinha nenhum interesse em ver Pemberley e foi obrigada a manifestar a pouca disposição que sentia. Declarou que estava cansada de ver grandes casas. Depois de percorrer tantas, não encontrava mais nenhum prazer em belos tapetes ou cortinas de cetim.

O romance apresenta um tamanho razoável e é dividido em sessenta e um capítulos pequenos. Os capítulos têm aspecto semelhante: começam por pequenas introduções por parte do narrador, intercalados por diálogos e intervenções do narrador.

C. S. Lewis, em seu artigo A Note on Jane

Austen12 (1986, p. 25-34), levanta pontos em

comum entre quatro heroínas de Austen: Elizabeth Bennet de Orgulho e Preconceito, Emma Woodhouse de Emma, Marianne Dashwood de Razão e Sensibilidade e

CatherineMorland de A abadia de Northanger. Todas as quatro moças passam pelo que o teórico chama de desilusão ou despertar, que nas narrativas torna-se um divisor de águas no enredo e no comportamento das heroínas. A passagem selecionada por Lewis em Orgulho e Preconceito (1982, p. 187-190):

Quanto ao seu caráter real, mesmo que tivesse meios para isto, Elizabeth nunca sentira o desejo de fazer investigações a respeito. A sua figura, a sua voz, os seus modos haviam sido suficientes para que ela lhe atribuísse todas as virtudes.[...] Ela se lembrava perfeitamente de toda a conversa que tivera com Mr. Wickham, na primeira noite, em casa de Mr. Philips. [...]Compreendia agora, de súbito, toda a impropriedade que havia naquelas confidências a uma pessoa estranha, e espantou-se de nunca haver pensado nisto antes. Viu a indelicadeza daquela exibição e a incompatibilidade entre as suas afirmações e a sua conduta. [...] Elizabeth sentiu uma grande vergonha de si mesma. [...] “Como foi mesquinha a minha conduta!”, exclamou ela, “eu que me orgulhava tanto do meu discernimento [...] que tantas vezes desdenhei a generosa candura da minha irmã, e gratifiquei a minha vaidade com inúteis e censuráveis desconfianças. Como é

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humilhante esta descoberta! Mas como é justa esta humilhação! Eu não poderia ter agido mais cegamente se estivesse apaixonada! Mas a vaidade, não o amor, foi a minha loucura! [...] cortejei a parcialidade e a ignorância e expulsei a razão. Até este momento eu não conhecia a minha verdadeira natureza”.

Assim, logo após receber a esclarecedora carta de Mr. Darcy, Elizabeth passa a ver seus erros e numa reflexão sobre seu comportamento em relação ao rapaz, começa a perceber seus erros. Esse processo de autoavaliação é continuado durante a visita dela a Pemberley e concluído quando Elizabeth toma conhecimento das ações de Darcy para ajudar suas irmãs Jane e Lydia.

5. AS PERSONAGENS

As personagens são o ponto de destaque do romance Orgulho e Preconceito. Austen é muito talentosa na elaboração de suas personagens, o que é corroborado por Burgess (1996, p. 209), quando ele afirma: “O interesse primordial de Jane Austen está nas pessoas, não nas ideias, e seu êxito reside na apresentação meticulosamente exata das situações humanas, no delineamento de personagens que são efetivamente criaturas vivas, com defeitos e virtudes, tal como na vida real”.

Para Antonio Candido (2011, p. 53-55), existe uma relação indissolúvel entre enredo e personagem, pois este último é quem dá vida à narrativa. Contudo, a personagem só adquire significado dentro de um contexto. Neste ponto surge um problema: como pode um ser fictício ter vida? A resposta é também dada por Candido (2011, p. 55): “Podemos dizer, portanto, que o romance se baseia, antes de mais nada,

num certo tipo de relação entre ser vivo e ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste”. A partir das ideias de E. M. Forster, Candido (2011, p. 63) explica as diferenças básicas entre o que Forster chamou de o Homo fictus (as personagens) e Homo sapiens (nós, seres humanos reais): “[...] vive segundo as mesmas linhas de ação e sensibilidade, mas numa proporção diferente e conforme avaliação também diferente”. Assim, o Homo fictus ao contrário de seu equivalente real, come e dorme pouco, vive intensamente as relações humanas, principalmente o amor; ele pode ser conhecido mais plenamente. Aí entramos em mais uma questão: o real e o fictício. As pessoas reais, assim como as fictícias, têm uma descrição fragmentada, ou seja, ao olharmos para elas não podemos ter ideia do que elas estão pensando, por exemplo. Este recurso de uma discrição incompleta é vivido por nós sem termos outra opção, enquanto na ficção é parte da criação das personagens (CANDIDO, 2011, p. 58).

Ainda nas palavras de Candido (2011, p. 60-61), a partir da ascensão do romance no século XVIII, houve uma mudança de enredos complicados e personagens simples, para enredos mais simples e personagens mais complexos. Johnson (CANDIDO, 2011, p. 61-62), no século XVIII, divide as personagens em duas categorias que ele denominou: “personagem de costumes” e “personagens de natureza”. As personagens de costumes estão ligadas a Fielding, são mais divertidas e mais bem compreendidas por um observador superficial; apresentam traços distintivos e marcados; passam por um processo de caricatura; são cômicos, pitorescos, demasiadamente sentimentais ou trágicos; na visão dos escritores, estão mais embasados no

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