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ENSINO MÉDIO NO BRASIL NO CONTEXTO DAS REFORMAS EDUCACIONAIS: UM CAMPO DE DISPUTAS?

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Educação

V.8 • N.3 • Publicação Contínua - 2020

ISSN Digital: 2316-3828 ISSN Impresso: 2316-333X DOI: 10.17564/2316-3828.2020v8n3p718-736

ENSINO MÉDIO NO BRASIL NO CONTEXTO

DAS REFORMAS EDUCACIONAIS: UM

CAMPO DE DISPUTAS?

LA ESCUELA SECUNDARIA EN BRASIL EN EL CONTEXTO DE LAS

REFORMAS EDUCATIVAS: ¿UN CAMPO DE DISPUTAS?

HIGH SCHOOL IN BRAZIL IN THE CONTEXT OF EDUCATIONAL

REFORMS: A FIELD OF DISPUTES?

Maria Raquel Caetano1

Aline Aparecida Martini Alves2

RESUMO

O artigo versa sobre a Reforma do Ensino Médio no Brasil que revela, numa análise mais aprofundada, o longo percurso histórico das disputas em torno des-se nível de ensino. Busca compreender como a Re-forma do Ensino Médio no Brasil se relaciona com as reformas globais da educação, contribuindo para o diálogo sobre o tema como política pública no atual contexto histórico, político e social. No desenvolvi-mento metodológico, procedemos ao levantadesenvolvi-mento e à análise de fontes primárias (documentos oficiais, institucionais e relatórios) e secundárias (pesquisas e produções já desenvolvidas sobre o tema). Nas considerações, apresentamos que poderá haver con-sequências para a formação dos jovens estudantes do ensino médio e à construção de um projeto socie-tário alinhado ao empresariado.

Palavras-chave

Reformas Globais da Educação. Reforma do Ensino Médio. Reestruturação Curricular. Empresariamen-to da Educação.

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EDUCAÇÃO

Resumen

El artículo trata sobre la reforma de la escuela secundaria en Brasil que revela, en un análisis más profundo, el largo curso histórico de las disputas en torno a este nivel de educación. Busca compren-der cómo la Reforma de la escuela secundaria en Brasil se relaciona con las reformas educativas globales, contribuyendo al diálogo sobre el tema como política pública en el contexto histórico, polí-tico y social actual. En el desarrollo metodológico, se procedió a la encuesta y al análisis de fuentes primarias (documentos oficiales, institucionales e informes) y fuentes secundarias (investigaciones y producciones ya desarrolladas sobre el tema). En las consideraciones, presentamos que puede ha-ber consecuencias para la formación de jóvenes estudiantes de secundaria y la construcción de un proyecto corporativo alineado con la comunidad empresarial.

Palabras clave

Reformas educativas globales; Reforma de la escuela secundaria; Reestructuración curricular; Em-prendimiento de la educación.

Abstract

This article deals with the High School Reform in Brazil that reveal, in a deeper analysis, the long histo-rical course of the disputes around this level of education. It seeks to understand how the High School Reform in Brazil relates to global education reforms, contributing to the dialogue on the subject as public policy in the current historical, political and social context. In the methodological development, we proceeded to the survey and the analysis of primary sources (official documents, institutional and reports) and secondary sources (researches and productions already developed on the subject).In the considerations, we present that there may be consequences for the formation of young high school stu-dents and the construction of a corporate project aligned with the business community.

Keywords

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EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado da pesquisa sobre o Novo Ensino Médio e as consequências para a educação pública. Como parte da pesquisa, a proposta apresenta a relação entre as reformas do Ensino Médio in-troduzidas no Brasil caracterizada pelas alterações curriculares com padronização dos currículos e, con-sequentemente, da avaliação e da supremacia de medidas voltadas ao mercado de soluções educativas.

A educação, historicamente, foi alvo de disputas, destacando-se o Ensino Médio no Brasil no cen-tro dessas disputas. Uma de suas características históricas do Ensino Médio (EM) é a dualidade, ou seja, divisão pautada na “divisão social do trabalho, que distribui os homens pelas funções intelec-tuais e manuais, segundo sua origem de classe, em escolas de currículos e conteúdos diferentes” (NASCIMENTO, 2007, p. 78). Também ficou clara a disputa entre os pioneiros da educação e os con-servadores nos anos de 1930 do século passado, apresentando a divisão entre o ensino profissional, voltado para as camadas populares, e o ensino propedêutico, que garantia o acesso ao ensino supe-rior utilizado principalmente pelos jovens de famílias abastadas.

Da mesma forma, as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012) apresentam que, desde sua origem, sempre houve uma divisão entre aquele destinado à preparação para o ingresso no ensino superior e aquele destinado ao mercado de trabalho. O ensino constituía-se como um meio para alcançar uma dessas finalidades, não sendo visto como um fim, ou seja, a formação básica. A le-gislação passa a compreender que, no processo de escolarização, a educação básica deve oferecer os meios para a construção da trajetória do cidadão. Dessa forma, incorpora – ainda que não cumprindo de imediato – uma nova compreensão sobre as responsabilidades públicas do Estado.

Sobre o Novo Ensino Médio, a Lei 13.415/2017 não apresenta mudanças apenas na sua orga-nização; seu conteúdo traz alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação no que se refere à organização curricular e pedagógica do EM. O artigo 36 da LDB passa a ter nova redação, estabe-lecendo que “O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos” (BRASIL, 2016, p.1), a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: linguagens e suas tecno-logias; matemática e suas tecnotecno-logias; ciências da natureza e suas tecnotecno-logias; ciências humanas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional.

Assim, o currículo passará a ter uma primeira parte comum a todos os estudantes, tendo como foco de estudo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a segunda parte, com cinco itinerários formativos que será, segundo o MEC, escolha de cada estudante.

Este artigo tem como objetivo compreender como a Reforma do Ensino Médio no Brasil se rela-ciona com as reformas globais da educação e contribuir para o diálogo sobre o tema como política pública no atual contexto histórico, político e social. Como percurso metodológico, procedemos ao levantamento e à análise de fontes primárias (documentos oficiais, institucionais e relatórios) e se-cundárias (pesquisas e produções já desenvolvidas sobre o tema).

Buscamos seguir ainda as contribuições para análise de documentos e textos de Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 432) que “[�] devem ser lidos com e contra outros, ou seja, compreendidos em sua

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EDUCAÇÃO

articulação ou confronto com outros textos. Tal movimento, [...] com discursos produzidos em outros campos discursivos, demarca um novo terreno de análise”. É a partir dessas reflexões que atentaremos para o movimento da política educacional, incluindo as Reformas Educacionais relacionadas ao Ensino Médio a partir de uma articulação complexa entre a disputa por projetos educacionais, as alterações promovidas pela legislação, o enfoque curricular, a BNCC e as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio.

2 O ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DAS REFORMAS GLOBAIS

As reformas educacionais, em curso no Brasil, como parte de uma agenda global estruturada para a educação (DALE, 2004), redefinem as formas de compreender a gestão da educação e da escola. Isso porque introduzem novos elementos, como a parceria público-privado, a gestão por resultados, o volun-tariado, a filantropia, a terceirização e, também, o que chamamos de formas de privatização, trazendo implicações à educação e à escola. Atualmente, instituições neoconservadoras também vêm atuando no sentido de influenciar o conteúdo das propostas educacionais seja pela militarização das escolas, seja pela elaboração de leis que visam cercear o direito à educação e a seu processo pedagógico.

Em termos das reformas educacionais contemporâneas, “[...] fazem parte de um novo campo so-cial – não como uma história cronológica, mas como a história das transformações das relações ins-titucionais, do conhecimento e do poder [...]” (POPKEWITZ, 1997, p. 113). As reformas por orientação de instituições internacionais estão no epicentro de um processo de mercantilização da esfera públi-ca e, em particular, da esfera edupúbli-cacional, lócus privilegiado para o Estado construir um novo pacto social com novos tipos de formação dos sujeitos.

O ensino médio passa a ser o alvo das instituições privadas mercantis, haja vista que as alterações no currículo e na formação de professores são complexas e as redes de ensino estaduais, responsáveis pela oferta, terão que adequar a estrutura de ensino para dar conta das alterações. Nessa perspectiva, as instituições oferecem todo tipo de produto e serviço educacional desde plataformas digitais, formação de gestores e professores, metodologias, entre outros conforme pesquisas já realizadas por Caetano (2018ª; 2018b), Peroni (2015), Lima (2018) que denunciam processos de privatização da educação e da escola.

Quanto à privatização, usamos o conceito de Lima (2018, p. 130) denominada pelo autor de lato sensu. “Por privatização lato sensu pode-se depreender desde a concessão de escolas a privados, de introdução de lógicas e mecanismos de mercado ou de inspiração mercantil”. Tem sido acompanhada por processos de criação de flexibilização da legislação ou regimes jurídicos híbridos, combinando direito público e direito privado, administração pública e gestão empresarial, “adotando formas com-plexas de impregnação empresarial” (LIMA, 2018, p. 142).

Nesse sentido, pode ocorrer pela instalação de uma série de ferramentas de mercado no próprio fun-cionamento da política pública, bem como pela transferência do desenvolvimento curricular que é um elemento-chave na definição do ensino à iniciativa privada. Também pode estar relacionada à contrata-ção de outros serviços privados nas escolas públicas, como, por exemplo, a formacontrata-ção de professores e de gestores e a contratação de consultorias educacionais, serviços de avaliação, entre outros.

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EDUCAÇÃO

É sob o modo de produção capitalista que existe uma tendência histórica à superação progressiva das fronteiras nacionais no marco do mercado mundial. Wood (2003, p. 8) destaca que “o capital foi capaz de estender seu alcance econômico para muito além das fronteiras de qualquer nação-Estado”. Para a autora, o capital precisa do Estado para manter a ordem e garantir as condições de acumulação. Não há evidência de que o capital global tenha encontrado um instrumento mais eficaz. Portanto, as reformas se tornam um dos meios fundamentais para a privatização da coisa pública.

Ao mesmo tempo em que os processos de privatização têm avançado na educação brasileira, as políticas sociais têm sido consideradas “inimigas do governo através de construções ideológicas di-rigidas ao senso comum e sentenciam que as ‘despesas obrigatórias’ nos gastos sociais assegurados pela Carta de 1988 são o principal desestabilizador do equilíbrio fiscal” (FAGNANI, 2017, p. 2). Afir-mam ainda que sem a revisão do pacto social da democratização não haverá solução para a estabi-lidade da dívida pública. “Em última instância, quando deliberam que o País não cabe no PIB, estão dizendo que as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento” (FAGNANI, 2017, p. 3).

Os efeitos dos ataques às políticas sociais no que diz respeito ao financiamento têm como conse-quência os cortes no orçamento para a área. A Emenda Constitucional 95/2016, ao congelar por vinte anos o investimento público na área social, “reserva toda a riqueza produzida para ganhos do capital, constituindo-se na maior agressão às conquistas de direitos da classe trabalhadora desde o fim da escravidão” (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 366), destruindo também o Estado.

É nesse contexto de ajustes fiscais que operam os organismos internacionais como o Banco Mundial (BM). Ao lançar a Estratégia 2020 - Aprendizagem para Todos, o objetivo global a ser alcan-çado era a aprendizagem. A nova estratégia do Banco estabeleceu duas direções a serem seguidas: a reforma dos sistemas de educação dos países a serem assistidos e o desenvolvimento de uma base de conhecimentos de alta qualidade a ser utilizada nessas reformas como é o caso da concessão do empréstimo do BM (2017) para implementação da Reforma do Ensino Médio.

Faz parte dos objetivos do BM aumentar o conhecimento sobre o papel do setor privado na educa-ção e ajudar os países a criar ambientes de política e estruturas normativas que alinhem esforços do setor privado por meio de parcerias estratégicas no nível local e global, visando melhorar os sistemas educacionais. Segundo o Banco, “as entidades privadas são fornecedores importantes de serviços de educação até para as comunidades mais pobres, especialmente em áreas que os governos não chegam” (BM, 2011, p. 20). A estratégia atual coloca maior ênfase na importância do setor privado e apoia, abertamente, o papel das instituições de ensino privadas com fins lucrativos. Ela acredita que o setor privado pode ser benéfico para os pobres (VERGER; BONAL, 2011).

Na Estratégia 2020 do Banco Mundial, há uma relação direta entre financiamento e resultados. Isso alarga o papel do setor privado, adequando as oportunidades de aprendizagem às necessidades da atividade econômica, redefinindo o conceito de qualidade. Por outro lado, favorece a expansão dos provedores privados de educação, “por meio da criação e do aprimoramento das oportunidades de aprendizagem em mercados formais e informais de formação (PRONKO, 2014, p. 108).

Ao analisar as reformas em curso no Brasil, com implicações na retirada dos direitos dos traba-lhadores, no congelamento dos investimentos sociais por vinte anos e no enfoque dado pela

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Estraté-EDUCAÇÃO

gia 2020 na aprendizagem em relação direta aos resultados e à avaliação, podemos declarar que há um movimento de fortalecimento da privatização na educação. De acordo com a Estratégia 2020, os objetivos podem ser alcançados por meio da introdução de incentivos e fórmulas de financiamento competitivos nos sistemas educativos, bem como do aumento da oferta privada com subsídio público, ou seja, a contratação de todo tipo de serviço educacional pelo Estado aos setores do mercado.

É nesse contexto histórico, político e institucional que a Reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/17, foi sancionada em 16 de fevereiro de 2017. Nesse período, a Base Nacional Comum Curricular também foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, que “Institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica” (BRASIL, 2017, on-line).

2 ENSINO MÉDIO NO BRASIL: UM CAMPO DE DISPUTAS

Em estudos realizados, Alves (2019), ao analisar a história da educação no Brasil, constatou que a educação e a escola estão em disputa por grupos distintos e são um importante meio para a propa-gação de ideologias dominantes. São reflexo de um Estado permeado por elitismos, coronelismos e autoritarismos, em que a classe economicamente privilegiada possui a hegemonia quase absoluta.

As políticas educacionais para a formação dos jovens da classe trabalhadora, ainda que secunda-rizadas pelos governantes, tiveram suas trajetórias marcadas pelos interesses do capital. Entre eles, destacam-se: formação de mão de obra de baixo custo para o mercado em expansão, especialmente a partir das primeiras décadas do século XX, em que o processo de industrialização do país se intensifi-cou, reforçando a dualidade estrutural da educação dos ricos, para continuidade dos estudos; formação propedêutica, para pensar a direção da sociedade, versus educação dos pobres, com cursos técnicos e profissionalizantes, como terminalidade dos estudos, a partir de uma visão utilitarista e simplificadora.

Como exemplo, é possível citar a Reforma Gustavo Capanema, também conhecida como Leis Or-gânicas do Ensino (1942-1946). Ela é um marco da dualidade estrutural da educação brasileira, pois “tratava-se de organizar um sistema de ensino bifurcado, com ensino secundário público destinado, nas palavras do texto da lei, às elites condutoras, e um ensino profissionalizante para outros setores da população” (GHIRALDELLI JR, 2009, p. 82, grifo do autor).

Poucos anos mais tarde, ocorreu o golpe militar de 1964. Com ele, surgiram novas propostas: uma nova Constituição é inaugurada em 1967, sem trazer grandes rupturas, e sim a presença de interesses políticos já expressos em propostas anteriores; a Reforma Universitária (Lei nº 5.540/68); e a Reforma do Ensino de 1º e 2º Graus (Lei nº 5.692/71) (VIEIRA, 2008), com a profissionalização compulsória no 2º Grau.

Onze anos depois, a Lei nº 5.692/71 é alterada pela Lei nº 7.044/82, eliminando a obrigatoriedade da oferta de habilitações profissionais pelas escolas, criadas pela lei anterior. Para Freitag (1987, p. 41 apud VIEIRA, 2011, p. 163-164), as razões do fracasso da reforma do ensino de 1º e 2º Graus teriam sido decorrentes de vários fatores.

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EDUCAÇÃO

Um deles certamente foi o total despreparo humano e ideológico das escolas para assu-mirem a tarefa que a lei autoritariamente impusera (nenhuma das categorias envolvidas nesse processo de reforma educacional tinha sido consultada). Faltavam instalações ofi-ciais, professores preparados para profissionalizarem as crianças e adolescentes, assim como não havia recursos financeiros nem foram feitos esforços devidos para canalizar recursos e tornar funcional tal proposta. (Grifo nosso).

Após o frutífero período de abertura democrática na década de 1980, o país entra na década se-guinte sofrendo fortes influências externas. Essas são advindas das políticas neoliberais dos países centrais da Europa e dos Estados Unidos, por meio da economia e das políticas ditadas pelos organis-mos multilaterais (Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico etc.), que passam a influenciar diretamente a educação brasileira.

O Estado trabalha como mediador dos interesses entre capital e trabalho e passa a ser o culpado pela crise, pois, segundo os capitalistas, gastou demais com as demandas sociais e é permeável às pressões das camadas populares (PERONI, 2006). Assim, com o pretenso diagnóstico do Estado em cri-se, os capitalistas precisam se reorganizar e, para tanto, propõem estratégias para sua superação, que redefinem o papel do Estado e se materializam nas políticas, trazendo profundas consequências para as políticas sociais. São eles: neoliberalismo, Terceira Via, reestruturação produtiva e globalização3.

Os defensores do neoliberalismo propõem o Estado mínimo para as políticas sociais, com a diminui-ção do poder das instituições públicas, mas Estado máximo para o capital, por isso é necessário racio-nalizar os recursos e privatizar, pois a democracia atrapalha o livre andamento do mercado, tornando-se necessário diminuir o poder de pressão da população (PERONI, 2006). Quanto mais se precariza o servi-ço público, mais se busca o serviservi-ço privado. E a lógica de mercado como parâmetro de qualidade acaba definindo o conteúdo das políticas. Questões de formação humana integral, omnilateral, são substi-tuídas por formação para o mercado de trabalho e “objetivos como justiça social sendo gradualmente convertidos em objetivos de eficiência e racionalidade de mercado” (HARVEY, 2005, p. 77).

Com o advento das reformas propostas pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as políticas para o ensino médio ratificam o desejo dessa corrente ideológica de mercadificação de tudo (HARVEY, 2005). Assim, as propostas do Ministério da Educação, alinhadas com as orientações dos organismos multilaterais, objetivavam a redefinição da identidade do ensino médio em uma dimen-são de contemporaneidade e modernidade, isto é, dotá-los de flexibilidade e diversificação necessá-rias à articulação com o atual estágio do conhecimento científico e do processo produtivo; dar-lhe uma nova terminalidade, na qualidade de momento de consolidação e aprofundamento da educação básica, e orientar uma reforma curricular centrada na pedagogia das competências (BUENO, 2000).

Para tanto, em 17 de abril de 1997, foi exarado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso o Decreto nº 2.208/97, que teve efeito perverso de consolidação da fragmentação entre educação geral e formação profissional e o “aligeiramento desta última e seu vínculo imediato a objetivos estritos do

3 Neste momento, foco no neoliberalismo e na Terceira Via, que têm o mesmo diagnóstico de crise e propõem a diminuição do papel do Estado na esfera pública. Podemos citar a reforma do ensino médio (Lei 13.415/2016), que será desenvolvida posteriormente na tese de doutoramento.

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EDUCAÇÃO

mercado [...] acentuando um quadro de exclusão social e educacional, sobretudo, para jovens e adul-tos trabalhadores” (SHIROMA; LIMA FILHO, 2011, p. 728), na medida em que restabelece o dualismo estrutural de separação educação/trabalho. O Decreto nº 2.208/97 contradiz as especificações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) promulgada um ano antes.

Com as eleições presidenciais, em 2002, assume o cargo de Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), filiado ao Partido dos Trabalhadores, trazendo esperança de rupturas es-truturais com o sistema capitalista por parte dos movimentos sociais e grande parte da classe traba-lhadora. No entanto, é importante considerar que a entrada no sistema capitalista coloca uma série de restrições e ajustes ao sistema que limitam a consolidação de práticas de rupturas com a lógica mercantil. O fato é que este governo se consolidou com forte tendência desenvolvimentista e de na-tureza modernizante, não havendo mudanças estruturais com o sistema. O que houve foram ajustes às recomendações dos organismos internacionais “cuja lógica se sustenta na modernização que tem como marca histórica a expansão do capital” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2011, p. 625).

Mas, em relação à década de 1990, “o diferencial de hoje situa-se na ênfase ao desenvolvimento e na maior abrangência e organicidade das políticas de alívio à pobreza; também, pela opção de pro-gramas de atendimento a demandas reprimidas no campo educacional” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2011, p. 633), comprovado no segundo ano do governo Lula, quando é exarado o Decreto nº 5.154/04, que revoga o de nº 2.208/97 e reestabelece a possibilidade da organização curricular integrada da educa-ção geral com a educaeduca-ção profissional durante o ensino médio4. Esse processo, marcado por disputas de concepções, propõe a articulação entre trabalho, cultura, ciência e tecnologia, que devem cons-tituir os fundamentos sobre os quais os conhecimentos escolares sejam assegurados na perspectiva de sua universalização com qualidade (SHIROMA; LIMA FILHO, 2011, p. 728).

Após os dois mandatos de Luís Inácio Lula da Silva e uma disputa eleitoral muito acirrada, as-sume o poder sua aliada e afilhada política, Dilma Rousseff (2011-2014). Ao se reeleger para o segundo mandato (2015-2016), com a coligação Com a força do Povo (PT/PMDB/PSD/PP/PR/PROS/ PDT/PCdoB/PRB), os partidos que saíram derrotados das urnas, juntamente com os dissidentes do governo, dentre eles, o do vice-presidente Michel Temer (MDB), promoveram um golpe jurídico, parlamentar e midiático, provocando o impedimento de Dilma e a assunção do vice-presidente ao poder em 31 de agosto de 2016.

Em 23 de setembro de 2016, menos de um mês depois de assumir a Presidência da República, Mi-chel Temer promulga a Medida Provisória 746/2016, que modifica a LDBEN 9.394/1996 e reformula o currículo do ensino médio. A Medida Provisória lançada tem força de lei e provoca uma série de dis-cussões no campo acadêmico e educacional. Mônica Ribeiro (2017) ressalta que uma reformulação no EM não pode ser apenas curricular, pois é preciso pensar nesta amplitude de elementos: “a for-mação dos professores; as condições do trabalho docente; a estrutura física e material das escolas; políticas de assistência ao estudante [...]. Colocar a reformulação do EM somente no currículo é um reducionismo, uma simplificação” (SHAW, 2016, on-line).

4 O que significa que a formação básica e profissional acontece numa mesma instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas únicas (RAMOS, 2011, p. 775).

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EDUCAÇÃO

Ribeiro e Ferreti (2017, p. 397) identificam que a reforma curricular está ligada às questões de ordem pragmática, tais como a adequação a demandas econômicas e de mercado, a melhoria do desempenho dos estudantes nas avaliações em larga escala, ou, ainda, a contenção do acesso à educação superior por meio da profissionalização. Essas propostas estão vinculadas a pessoas e grupos da iniciativa privada que, certamente, usufruem de grandes vantagens com a implementa-ção da reforma, disputando recursos públicos por meio de parcerias público-privadas para a forma-ção técnica e profissional (LDBEN, Art. 36, V).

Outrossim, em 15 de dezembro de 2016, como já abordamos na seção anterior, foi promulgada a Emenda Constitucional 95/2016, que limita os gastos públicos por vinte anos, visando a um suposto equilíbrio fiscal. É importante destacarmos que poucos meses depois de outorgar uma reforma edu-cacional que, necessariamente, precisa de investimentos maciços para a sua realização, o mesmo governo institui um rígido mecanismo de política de austeridade, cortando gastos que, na prática, inviabilizam a realização de tal reforma na sua totalidade.

Por outro lado, na busca por implementar o Novo Ensino Médio nos estados, em 17 de julho de 2017, o Ministério da Educação (MEC) divulgou a solicitação de apoio financeiro ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD). Os eixos de apoio à reforma são: formação de professores, construção de currículos e estudos de viabilidade das redes, sendo que 221 milhões de dólares irão para o Programa para Resultados (PFORR) que serão medidos por indicadores acordados entre o MEC e o banco e 21 milhões de dólares para assistência técnica que deverá oferecer servi-ços de consultorias especializadas (BRASIL, 2017). Portanto, temos uma lei que cria um regime de austeridade fiscal para as políticas sociais por vinte anos e por outro a contratação de empréstimo milionário para implantar o Novo Ensino Médio.

Conforme Documento do Banco Mundial, o Novo Ensino Médio será apoiado pelo instrumento de financiamento de Programas por Resultado do Banco Mundial (PFORR), junto com um componente de Assistência Técnica (TA), que usará a modalidade de Financiamento de Projeto de Investimen-to (IPF). O objetivo do Programa é fortalecer a capacidade das secretarias estaduais de educação para implementar o Novo Ensino Médio e aumentar o índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB) em escolas de ensino médio em tempo integral selecionadas.

A operação total possui um desembolso estimado de US$ 1,57 bilhões em seis anos, dos quais US$ 1,54 bilhão são do Programa apoiado pelo PforR, financiado por meio de transferências orçamentárias fiscais para os Estados e R$ 29 milhões em assistência técnica, financiado pelo Banco (fonte externa). O financiamento do Banco do componente PforR seria de US$ 221 milhões, cerca de 15% do total (BM, 2017, p. 4).

Ainda não temos pesquisas sobre a aplicação desse empréstimo, mas a nova legislação abre a possibilidade de parcerias entre as redes públicas e organizações/fundações ou com o sistema privado para a oferta de componentes curriculares do ensino médio. Recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) podem ser usados para essas parcerias. Essa possibilidade já existe em redes de ensino públicas que usam recursos do Fundeb para pagar consultorias para projetos em áreas como gestão, forma-ção de professores, entre outros.

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EDUCAÇÃO

3 REFORMAS NO ENSINO MÉDIO, BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E DIRETRIZES

CUR-RICULARES DO ENSINO MÉDIO

A atual reforma do Ensino Médio, expressa na Lei 13.415, 16 de fevereiro de 2017, promoveu alte-rações drásticas na proposta da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nessa etapa da Educação Básica. Con-forme Ferreti, o Ensino Médio no país é responsabilidade de cada estado da federação e sua estrutura e organização curricular decorre de políticas estabelecidas no âmbito nacional. A aprovação da Reforma do Ensino Médio, que inclui a BNCC e as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, legitimou, por meio da legislação, profundas alterações curriculares, alterando a Lei 9394/96, pela Lei nº 13.415/17. As novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio versam basicamente sobre a divisão do currículo por itinerários formativos e a certificação de atividades com vistas à integralização curricular.

No contexto das mudanças trazidas pela legislação do novo ensino médio, compreendemos, as-sim como Apple (2006), que o currículo não é somente um documento impresso das instituições de ensino, mas um documento que reflete todo um complexo de relações sociais de um determinado momento histórico (APPLE, 2006). Portanto, o currículo se constrói a partir das escolas, das suas relações com a comunidade e da cultura local. Não pode ser um documento prescritivo e pensado de fora para dentro da escola. Essa crítica à Reforma do EM e à BNCC não podem ser consideradas menores, mas um eixo principal das alterações trazidas por um conjunto de sujeitos que não vivem o dia a dia da escola e que impacta nos princípios condutores da gestão democrática como autonomia, democratização do ensino e, especialmente, a participação.

Na busca por compreendermos as alterações na legislação, apresentamos a Lei 13.415/2017 e os principais eixos que impactam na reestruturação do currículo do Ensino Médio.

Quadro 1 – Eixos da Reforma do Ensino Médio e as principais alterações

Eixos Alterações

Carga Horária Mínima Anual

A carga horária anual do ensino médio deverá ser progressivamente ampliada de 800 para 1.400 horas. No prazo máximo de 5 anos, a partir de 2 de março de 2017, os sistemas de ensino devem oferecer pelo menos 1.000 horas. A ampliação da jornada escolar se relaciona com a meta 6 do PNE (Brasil. Lei nº 13.005, 2014), que busca o aumento da oferta de

educa-ção em tempo integral.

Componentes Obrigatórios do Currículo

Obrigatoriedade de estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia, trazida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – (Brasil, 2017, art. 35-A, §2º). Desse modo, foi mantida a revogação do inciso IV, art. 36 (conforme redação da Lei nº 11.684/2008) que exigia o ensino obriga-tório de filosofia e sociologia no ensino médio. Deixa de existir a obrigato-riedade legal de oferta dessas disciplinas para haver uma obrigatoobrigato-riedade

de estudos e práticas serem incluídos na BNCC, que foi homologada pelo Ministério da Educação (MEC) em 14 de dezembro de 2018.

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EDUCAÇÃO

Eixos Alterações

Carga Horária da BNCC do Ensino Médio

Serão reservadas até 1.800 horas para o conteúdo comum e obrigatório da BNCC nos três anos de ensino médio, o que corresponde a 60% do total; as demais horas correspondem à parte diversificada e flexível do currículo e serão preenchidas conforme a área de conhecimento de interesse do aluno

e a oferta da escola (Brasil, 2017, art. 35-A, §1º e §5º)

Itinerários Formativos

Foram estabelecidos cinco itinerários formativos do ensino médio: a) lin-guagens e suas tecnologias; b) matemática e suas tecnologias; c) ciências

da natureza e suas tecnologias; d) ciências humanas e sociais aplicadas; e) formação técnica e profissional. A oferta de diferentes arranjos curricu-lares se dará conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino (Brasil, 2017, art. 36, caput). É possível ao sistema de ensino compor itinerário formativo integrado (Brasil, 2017, art. 36, § 3º) e ao aluno concluinte do ensino médio cursar mais um itinerário, caso haja

vaga (Brasil, 2017, art. 36, § 5º).

Educação a Distância

A Lei 13.415 (Brasil, 2017) previu a possibilidade de os sistemas de ensino firmarem convênios com instituições de educação a distância de notório reconhecimento (Brasil, 2017, art. 36, § 11). Na Lei 13.415 (Brasil, 2017) vem previsto o uso da EaD para o ensino médio, utilizando-se um termo bem vago para garantir a qualidade do ensino ofertado pela instituição parceira, qual seja notório reconhecimento. Traz ainda nos incisos do §11

do art. 36 uma série de formas de comprovação desse notório reconheci-mento, que incluem experiência, oferta de cursos, realização de estudos;

contudo, não configura parâmetro suficientemente preciso e específico para essa avaliação.

Formação Técnica e Profissional

A Lei 13.415 (Brasil, 2017) dispõe que a formação técnica e profissional é um dos cinco itinerários formativos do ensino médio (Brasil, 2017, art. 36, caput). Para a sua oferta, os sistemas de ensino poderão incluir vivências práticas de trabalho e realizar parcerias com setor privado (Brasil, 2017,

art. 36, § 6º). Ensino Médio Noturno

Os sistemas de ensino irão dispor acerca da oferta da educação de jovens e adultos e do ensino noturno regular conforme as condições do educando

(Brasil, 2017, art. 24, §2º).

Língua Estrangeira

A oferta de língua inglesa, a partir do sexto ano do ensino fundamental, passou a ser obrigatória, retirando-se a opção de escolha pela comunidade

escolar de qual língua estrangeira obrigatória poderia ser ofertada (Brasil, 2017, art. 26, §5º). Poderão, contudo, ser ofertados outros idiomas, em ca-ráter opcional, preferencialmente o espanhol (Brasil, 2017, art. 35-A, §4º).

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EDUCAÇÃO

Eixos Alterações

Profissionais da Educação Básica

Foram incluídas pela Lei 13.415 (Brasil, 2017) duas novas categorias de profissionais da educação básica, a saber: a) profissionais com notório saber reconhecido pelos sistemas de ensino, para ministrar, exclusiva-mente na formação técnica e profissional, conteúdos de áreas afins à sua

formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada; b) profissionais graduados com complementação pedagógica (Brasil, 2017,

art. 61, IV e V). Fonte: Pesquisa elaborada por Maciel (2019) e organizado pelas autoras.

O quadro acima apresenta as principais mudanças a partir das quais serão reformulados os currí-culos, alinhados à BNCC e as Diretrizes Curriculares do EM.

Retoma-se o contexto de uma agenda globalmente estruturada da educação (DALE, 2004), que con-siste no predomínio de processos de padronização da educação e sinaliza uma redefinição do que se entende por educação. O que está� em questão é a própria concepção de currículo, simplificado, estan-dardizado, focado em matemática e português, com processos padronizados de testagem de resultados, garantidos por uma gestão focada nos resultados, indicado pelo próprio Banco Mundial ao conceder o empréstimo ao Brasil. O currículo escolar, nessa perspectiva, não é uma escolha de cada comunidade local, mas um padrão global sobre o que é necessário ensinar e aprender mediados por interesses es-cusos aos da formação humana integral. A formação geral dos estudantes é reduzida e não ampliada.

A Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018 do CNE, que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, é um caso emblemático. Ao apresentar a exposição de motivos para sua aprovação, Eduardo Deschamps, então presidente do CNE e presidente da Comissão Bicame-ral da BNCC do EM, após a saída de Cesar Callegari, em 2018, expressou que, ao analisar a Lei nº 13.415/2017 e seus impactos na oferta do ensino médio no Brasil, foram identificadas 14 normas ou pareceres do CNE que necessitavam de adequações ao texto legal.

Entre estes documentos encontram-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Para revisar este documento a Comissão realizou ao longo de quase dois anos diversas reuniões com especialistas, pesquisadores, professores, estudantes e enti-dades que trabalham com o ensino médio colhendo sugestões para a elaboração de um novo texto para as DCNEM. Desta forma, após este intenso processo, a Comissão do Ensino Médio apresenta em consulta pública eletrônica para contribuições da sociedade brasileira a proposta das DCNEM, elaborada pelo Relator da Comissão, Conselheiro Rafael Lucchesi.

O relator das DCNs do Ensino Médio foi Rafael Lucchesi, empossado em 2016 no CNE, Diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e diretor-superintendente do Serviço Social da Indústria (SESI). Nesse contexto, a educação profissional passa a ser central para as mudanças propostas na reforma do ensino médio, ligadas aos projetos do sistema produtivo. Em entrevista a Marina Kuzuyabu, em 14

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de fevereiro de 2019 para o site da Revista Educação, ao justificar a questão da evasão no EM, diz que é maior entre os alunos de baixo nível socioeconômico, que comumente largam os estudos para trabalhar, e entre aqueles que estudam à noite. “Estes poderão estudar até 30% dos conteúdos a distância, con-forme as novas DCN. No período diurno, o limite será de 20%. A carga de 80% a distância será permitida apenas na Educação de Jovens e Adultos (EJA)” diz o conselheiro. Ainda, conforme Lucchesi,

[...] a adoção do EAD foi necessária para garantir aos alunos o direito de escolher, no mí-nimo, entre dois itinerários. Considerando que mais de 60% das cidades têm apenas uma escola de ensino médio, seria perfeitamente cabível supor que, nestes locais, os alunos terão apenas um itinerário à disposição, dos cinco existentes (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profis-sional). No entanto, com o EAD os alunos terão a oportunidade de cursar até 50% do itinerário escolhido em outra escola (KUZUYABU, 2019, on-line).

Problematizamos essa questão no sentido de que a educação a distância precisa de alta tecno-logia para que se efetive, embora o documento não cite que recursos serão necessários para imple-mentar a Educação a Distância (EAD) tendo em vista a dimensão territorial do país. Para Orlandi (2018,p.40) “o texto cita que a educação a distância pode ser realizada desde que tenha suporte tecnológico digital e pedagógico apropriado, o que dá a entender que não precisa ser online”. Con-corda o autor que se trata de uma medida para aumentar o número de alunos que concluem o en-sino médio no Brasil (SAMPAIO, 2018, on-line). Para nós, é uma oportunidade para as instituições que vendem todo tipo de serviço educacional na área.

O Ensino Médio passa a ser o meio com que o empresariado visa formar a classe trabalhadora e as novas formas de organização do trabalho produtivo para um mercado já precarizado pela atual reforma trabalhista. Ao se manifestar contra a Reforma do EM o Fórum Nacional de Educação Popular (FNEP), representando 13 entidades, lançou o Manifesto do qual trazemos alguns excertos:

[�] esse conjunto de ações possui em comum um modus operandi autoritário e carregado de arbitrariedades, marcado pela ausência de amplo debate com a sociedade em assunto que a afeta diretamente, sobretudo aos mais de 10 milhões de jovens em idade de cursar esta etapa da educação básica.

[...] vêm a público manifestar seu repúdio às ações do Conselho Nacional de Educação no que diz respeito ao ensino médio e alerta, uma vez mais, aos governantes deste país, para as consequências desastrosas dessas medidas que atingem o âmago da formação da juventude brasileira (ANPED, 2018, on-line).

Destaca-se ainda, no manifesto, a fragilização do sentido do ensino médio como “educação bási-ca” proposto pela LDB em 1996, uma vez que ser educação básica pressupõe uma formação comum, contrariada pelo modelo com base em itinerários que sonega aos estudantes o acesso ao conjunto das áreas do conhecimento (ANPED, 2018). Para as entidades, o financiamento da oferta privada com recursos públicos significa, além de privatização stricto sensu, que o governo federal e os governos

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distrital e estaduais terceirizarão o que é de sua responsabilidade constitucional. O ensino médio é parte constitutiva da educação básica e precisa cumprir a função de contribuir para o desenvolvimen-to pleno dos estudantes (ANPED,2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir este artigo, em que constam resultados parciais da pesquisa sobre o Novo Ensino Médio, consideramos que o tema como política pública no contexto das reformas educacionais é caracterizado pelas alterações curriculares com propostas de padronização dos currículos e, conse-quentemente, da avaliação. Ao longo dos estudos percebemos a supremacia do mercado e o possível esvaziamento dos princípios democráticos que constam no aparato legal brasileiro para a educação.

O que está em disputa é um novo projeto societário, com um novo projeto educacional baseado na produtividade para o mercado, esvaziando o conteúdo político-pedagógico do currículo. O mercado passa a ser o parâmetro de qualidade, eficiência e eficácia para a educação pública a partir das de-mandas globais e do Banco Mundial.

O novo ensino médio, como está sendo amplamente publicizado na mídia, nada tem a ver com a formação humana integral defendida consistentemente por intelectuais das instituições de pesquisa que tecem fortes críticas aos formuladores da proposta “pela insistência na sua vinculação aos inte-resses da economia capitalista, atribuindo a essa etapa da formação de jovens um caráter fortemente instrumental, mais do que de formação humana em sentido amplo” (RIBEIRO; FERRETI, 2017, p. 401). Ou seja, é uma política educacional que, já de antemão, demonstra fortes indícios de que trará gran-des retrocessos à sociedade, em detrimento dos pequenos avanços obtidos a partir dos anos 2000.

Consideramos de fundamental importância a continuidade da pesquisa sobre a temática da im-plantação do Novo Ensino Médio nos sistemas estaduais e nas escolas, visto a relevância social que este nível de ensino representa para a construção societária e a necessidade de (re)construção da trajetória histórica, teorização da prática e produção de novas sínteses.

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Recebido em: 10 de Janeiro de 2020 Avaliado em: 5 de Abril de 2020 Aceito em: 5 de Abril de 2020

1 Doutora em Educação – UFRGS; Mestre em Educação – PUC-RS; Professora na Educação Profi ssional: Ensino Médio Integrado, Especialização e Mestrado em ProfEPT – IFSUL; Pesquisadora das relações entre o público e o privado na educação, gestão educacional e formação de professores na educação básica e profi ssional e do GPR-PPE – UFRGS e a Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação – Unicamp; Coordena a pesquisa sobre Gestão Democrática – IFSUL. E-mail: caetanoraquel2013@gmail.com

2 Mestra em Educação – UNISINOS-RS; Especialista em Gestão Educacional; Pedagoga; Professora na FACCAT/ RS na disciplina de Legislação e Políticas Educacionais e na rede estadual de ensino do estado do RS e na rede municipal de Gravataí-RS; Foi formadora regional no Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio – MEC/SEDUC. E-mail: alinealvesprofessora@outlook.com

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