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Rastros : a constituição do zoológico de São Paulo na imprensa paulistana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

LUÍSA VICTORIA PESSOA DE OLIVEIRA

Rastros: A Constituição do Zoológico de São Paulo na Imprensa Paulistana

Campinas 2015

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LUÍSA VICTORIA PESSOA DE OLIVEIRA

Rastros: A Constituição do Zoológico de São Paulo na Imprensa Paulistana

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Antropologia Social

Orientadora: Prof.ª Dra. Nádia Farage

Este exemplar corresponde à versão final da dissertação defendida por Luísa Victoria Pessoa de Oliveira e orientada pela Professora Doutora Nádia Farage

Campinas 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de novembro de 2015, considerou a candidata Luísa Victoria Pessoa de Oliveira aprovada.

Nádia Farage (IFCH/Unicamp) Paula Cals Brügger Neves (UFSC)

Luiz Cesar Marques Filho (IFCH/Unicamp)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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A Terezita, Adão, Eva, Dingo, Bob, Baboo, Tonico, Tinoco, Nikito, Chica, João, Hudson, Pandora, Teka, Cris, Mãozinha, Bethania, Matheus, Paulinho, Sininho, Colônia, Sansão, Shinta, Júlia, Nina, Rouge, Said, Ceará, Baboo, Peludinho, Zé, Gisele, Daniel e a todos outros animais (com nome e sem nome) da Fundação Parque Zoológico de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

É claro que qualquer trabalho de pesquisa mais aprofundado, como uma dissertação de mestrado, não impacta somente seu autor, mas todas as pessoas que estão à sua volta. No meu caso não foi diferente, mas me surpreendeu, ao olhar para trás, a dimensão do apoio que tive nesses quatro longos anos entre minha entrada no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas até a conclusão deste trabalho.

Meu primeiro e principal agradecimento é para minha mãe: Fátima Colacite Pessoa de Oliveira, que tanto me ajudou a percorrer os meandros de arquivos públicos. Por meio de seu trabalho no Arquivo Histórico de São Paulo, instituição na qual atuou até este ano, ela me colocou inúmeras vezes em contato com pistas documentais que me ajudaram a entender a história dos zoológicos erguidos na cidade.

Além dela, esta pesquisa deve sua concretização a todas as pessoas com quem dividi teto (durante a semana ou aos finais de semana): meu companheiro, Douglas Lambert, meu pai, José António Dias de Oliveira, minha irmã, Lúcia Maria Pessoa de Oliveira, e os queridos Tito Dorium, Inácia Maria e Cacá. Não posso deixar de agradecer também aos outros membros de minha família: meus avós, tios e primos queridos –portugueses e brasileiros.

Também tive a honra de contar com a leitura cuidadosa de alguns capítulos por Ariella Kreitlon Carolino, Ilana Seltzer Goldstein e Felipe Dittrich Ferreira, que tiveram a generosidade inestimável de conceder um pouco de seu tempo para me mostrar algumas lacunas no trabalho (e me ajudar a preenchê-las!).

Outros grandes amigos também me ajudaram como interlocutores: Stella Zagatto Paterniani, Carolina Daffara, Hugo Ciavatta, Luiz Antonio Del Tedesco, Olívia Simões, Camila Midori, Carla Delgado de Souza, Rodrigo Bulamah, Alessandra Tráldi, Izabela Moi, Maurício Puls, Marcelo Almeida, Alexandre Aragão e tantos outros, entre os quais os colegas de minha turma de mestrado e do comitê editorial da Proa: revista de antropologia e arte.

Também agradeço ao diretor do jardim zoológico de Zurique, Alex Rübel, cuja solicitude me surpreendeu e emocionou, quando eu passava por tantas dificuldades em obter informações da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, e aos organizadores da Würzburg Summer School for

Cultural and Literary Animal Studies: Political Zoology, Alexander Kling, Esther Köhring e Roland

Borgards, que me acolheram na Alemanha e me colocaram em contato com outros tantos pesquisadores de uma área ainda incipiente no Brasil.

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Agradeço também a meus colegas da Folha de S.Paulo, em especial aos chefes que permitiram que eu trabalhasse em horários alternativos, em alguns dias da semana, para que pudesse cursar as aulas de mestrado: Izabela Moi, Ana Estela, Fábio Zanini e Silvana Arantes.

Também sou muito grata a Paula Brügger e Luiz Marques, por terem aceitado o convite para fazer parte de minha banca e feito críticas valiosíssimas, assim como a Omar Ribeiro Thomaz, que participou de minha qualificação, e a Heloísa André Pontes, que me orientou na iniciação científica e no início do mestrado. Também agradeço a Márcia Goulart, por toda ajuda da secretaria do PPGAS, e a Cristina Barbosa, da biblioteca do IFCH.

Por fim, agradeço a minha orientadora, Nádia Farage, que, além de ter me guiado intelectualmente, me abriu os olhos para um caminho mais sensível e generoso com “o mundo natural”.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação de mestrado é construir uma história da constituição do zoológico público na cidade de São Paulo, que afinal veio a se tornar a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP) em 1958. Recortando o período que vai, aproximadamente, de 1858 a 1968, a pesquisa aborda sobretudo os debates havidos na imprensa paulistana quanto a coleções zoológicas e sua relevância política e científica. Trata-se, assim, de mapear os atores e respectivos discursos que se confrontam sobre o tema na cena política paulista e nacional, em que a coleção zoológica figura constantemente como índice de civilização do país. Nesse quadro, o trabalho aborda o valor simbólico da categoria animal selvagem, articulada a concepções do nacional, bem como a categoria animal exótico, concebida como índice de uma desejada presença equiparável de São Paulo a outras grandes capitais no cenário internacional. Além disso, o exame da imprensa no período recortado permite depreender as variações em torno da sensibilidade social quanto ao confinamento de animais em zoológicos. Por fim, abordando trajetórias de alguns dos animais hoje pertencentes ao acervo da FPZSP, busca-se apontar dispositivos de velamento e esquecimento que operam na constituição do confinamento em zoo.

Palavras-chave: Jardins zoológicos - São Paulo (Cidade), Animais de zoológico, Animais e civilização, Confinamento (animais)

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ABSTRACT

The aim of this research is to build a history of the arrangement of São Paulo city public zoo, which became Fundação Parque Zoológico de São Paulo in 1958. Analysing the period that goes approximately from 1858 to 1968, this work deals with the discussions appeared on São Paulo press about zoological collections and their political and scientific relevance. In that way, we map the actors and speeches confronting about this subject on the national and local political scene, on which the zoological colletion figures constantly as the country's civilization index. In this framework, the paper discusses the symbolic value of the ‘wild animal’, articulated with a national conception, as well as the ‘exotic animal’, understood as an index of a desired equivalence of São Paulo with other major capitals in the international arena. In addition, the review of the press allows us to infer the variations of the social awareness about the confinement in zoos. Finally, we adress the trajectories of some of the animals that today are part of the FPZSP collection, trying to point out the veiling and forgetting devices that operate in the constitution of zoo confinement.

Key-words: Zoological gardens - Sao Paulo (City), Zoo animals, Animal confinement, Animals and civilization

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LISTA DE IMAGENS

Figura 1: Contato físico entre humanos e animais no zoo de Londres nas primeiras décadas do século XX. ... 20

Figura 2 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (planta com dimensões gerais), fevereiro de 1917. ... 26

Figura 3 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (visão dianteira), fevereiro de 1917. ... 27

Figura 4 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (visão lateral), fevereiro de 1917. ... 28

Figura 5 Propaganda publicada no jornal O Combate de 31/03/1923 sobre o Jardim da Aclimação. ... 48

Figura 6 Propaganda publicada no jornal O Combate de 12/09/1925 sobre o Jardim da Aclimação. ... 48

Figura 7 Propaganda publicada no jornal Folha da Manhã em 06/05/1928 sobre o Jardim da Aclimação. ... 49

Figura 8 Matéria de capa do jornal Folha da Noite de 19/06/1928 contesta a mudança do futuro jardim zoológico público do Jaraguá para a Água Funda. ... 51

Figura 9 Reportagem publicada no jornal Folha da Noite em 21/06/1928 noticia a suspensão do projeto de um zoológico público no Jaraguá. ... 52

Figura 10 Cartum publicado no jornal Folha da Noite em 20/02/1945 em que Juca Pato tenta procurar um divertimento para seu domingo. ... 54

Figura 11 Fotografia que acompanhava reportagem no jornal Folha da Noite de 22/10/1959 diz: “A jaguatirica passeia intranquila porque não se sente em seu verdadeiro habitat”. ... 70

Figura 12 Propaganda do Jardim da Aclimação publicada no jornal Diário Nacional de 20/11/1927 chama atenção para o "estranho phenomeno" de um bezerro de sete pernas. ... 77

Figura 13 Propaganda do Jardim da Aclimação publicada no jornal Folha da Manhã em 19/01/1930 estampa foto da “vaca fenômeno, com 7 pernas”. ... 78

Figura 14 Propaganda publicada no jornal Estado de S.Paulo de 20 jan. 1906 sobre exposição no Museu Zoologico com “A onça e o caboclo”... 87

Figura 15 Fotografia do panorama africano do zoológico de Hagenbeck, em Stellingen, na Alemanha, na década de 1920. ... 93

Figura 16 Cartão postal faz representação do panorama nórdico no zoológico de Hagenbeck, em Stellingen, na Alemanha. ... 93

Figura 17 Cartum publicado no jornal Folha da Manhã de 25 de maio de 1948 compara zoo à prisão. ... 99

Figura 18 Reportagem publicada no jornal O Estado de S.Paulo de 16 fev. 1958 sobre a chegada de Cacareco. ... 110

Figura 19 Coluna Panorama, de J. Monteiro, no jornal O Estado de S.Paulo de 16 fev. 1968 fala sobre o chimpanzé Tição, nascido na FPZSP... 112

Figura 20 Texto e foto publicados no jornal O Estado de S.Paulo, em 19 nov. 1966. ... 113

Figura 21 Capa do suplemento Folha Feminina, da Folha de S. Paulo, de 12 mai. 1963. ... 115

Figura 22 Fotografias do Letsatsi La Africa Wild Animals Predator Park presentes seu site oficial, em galeria sobre oportunidades de voluntariado no estabelecimento. ... 123

Figura 23 Ménagerie de Versalhes, projetada por Louis Le Vau, durante o reinado de Luís XIV (1643-1715). Ilustração feita por Pierre Aveline (1656–1722). Imagem sob domínio público. ... 146

Figura 24 Imagem de tela capturada no dia 7 de abril de 2015, às 16h (horário do Brasil, 14h horário local). O canal ao vivo avisa: “Katie, a girafa, não está e voltará em breve”. ... 148

Figura 25 Smithsonian's National Zoo, June 19, 2015 (urso panda) e San Diego Zoo Safari Park, June 21, 2015 (orangotango). Autor: Arko Datto. ... 149

Figura 26 Espaço Abaré, Fundação Parque Zoológico de São Paulo. ... 153

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO I, DIVERTIR E EDUCAR O POVO: DEBATES PÚBLICOS PELA CONSTRUÇÃO DE UM ZOO EM SP ... 16

OS EXEMPLOS DE LISBOA E DO RIO DE JANEIRO ... 16

PREDECESSORES: JARDIM DA LUZ e JARDIM DA ACLIMAÇÃO ... 25

O CONTRAEXEMPLO CARIOCA ... 32

PRESSÕES DA IMPRENSA ... 36

O MÉDICO E O ZOO ... 40

JARDINS AMADORES, ZOO PÚBLICO ... 53

FINALMENTE, O ZOO DE SP ... 59

CAPÍTULO II, ANIMAIS EM ZOOLÓGICO: TRAJETÓRIAS E REPRESENTAÇÕES ... 72

ESTRANHEZA E ESPETÁCULO NO SÉCULO XIX ... 73

SENSIBILIDADE NASCENTE ... 79

HAGENBECK: ZOOS E ETNOSHOWS ... 84

REPRESENTAÇÕES NEGATIVAS ... 96

A VOZ DOS ESPECIALISTAS ... 100

ANIMAIS CÉLEBRES NO ZOO DE SP ... 105

DISSONÂNCIAS ... 116

CAPÍTULO III, POR UMA ZOOGRAFIA ... 120

VISITA AOS MACACOS ... 125

AS FÊMEAS DE HIPOPÓTAMOS ... 133

ALAMEDA LEÃO ... 135

FELINOS e AVES ... 138

GIRAFAS, RINOCERONTES E ELEFANTES ... 140

NO MEIO DO ZOO, UMA SURPRESA ... 151

POLÊMICAS RECENTES... 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 159

BIBLIOGRAFIA ... 163

FONTES PRIMÁRIAS ... 163

FONTES SECUNDÁRIAS ... 167

ANEXO I, QUADRO-RESUMO DAS POSIÇÕES RELATIVAS A ZOOLÓGICOS NA IMPRENSA PAULISTANA ... 174

ANEXO II, IMAGENS DA FUNDAÇÃO PARQUE ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO E DESCRIÇÃO DE RECINTOS ... 189

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INTRODUÇÃO

No ano de 1961, a imprensa anunciou, com alarde, a transação para a vinda da primeira girafa para o zoológico de São Paulo. Chuka, uma girafa de um ano e meio residente no zoológico de Gelsenkirchen, na Alemanha Ocidental, viria para o Brasil em troca de dez onças. O assunto foi muito discutido pela imprensa paulistana, em artigos permeados por indignação e ironia: não era justo que a onça, animal tão brasileiro, valesse tão pouco no mercado internacional de animais. Não se tratava apenas de uma troca entre zoológicos. Estava também em risco o orgulho nacional, o "dos amigos da onça" (Delmiro Gonçalvez, O Estado de S.Paulo, 23 jun. 1961 e M.L., O Estado de S.Paulo, 22 jun. 1961).

O exotismo, afinal, prevaleceu e, apesar das críticas, a transação foi realizada. Depois de 23 dias de viagem, Chuka chegou a São Paulo, onde ocuparia uma área de 400 metros quadrados (O

Estado de S.Paulo, 25 jun. 1961). A girafa foi célebre por alguns meses e, em 1963, chegou a ser

matéria de capa do suplemento infantil que o jornal Folha de S.Paulo acabara de estrear (Folha de

S.Paulo, 8 set. 1963).

Com o passar dos anos, Chuka desaparece dos registros de imprensa e, em 1968, quando de sua morte, seu nome sequer é mencionado: a imprensa viria a se referir, tão somente, à perda da única girafa existente no zoológico de São Paulo em meio a uma nota sobre o fechamento do zoo em dia de eleições (O Estado de São Paulo, 15 nov. 1968).

Meses mais tarde, a morte da girafa, já sem nome, seria lembrada como um “rude golpe” (O Estado de São Paulo, 23 fev. 1969) financeiro e administrativo. A causa foi atribuída a uma pericardite fibrinosa, doença do coração. O jornal não gasta tinta com o assunto, já que a reportagem era sobre como o zoo poderia fomentar o estudo da história natural. Além disso, a diretoria da instituição já estava “trabalhando ativamente” para expor, no lugar de Chuka, um casal de girafas que viria da Bélgica (O Estado de São Paulo, 23 fev. 1969).

A trajetória de Chuka não é isolada. Ao contrário, é exemplar das vicissitudes históricas da constituição do plantel do zoológico de São Paulo, que tem hoje sob sua guarda mais de 3.000 espécimes e é uma das únicas instituições brasileiras, ao lado do Aquário de São Paulo e do Parque das Aves (Foz do Iguaçu), a ser filiada à Associação Mundial de Zoológicos e Aquários (World Association of Zoos and Aquariums).

Esta dissertação oferece uma leitura dos debates presentes na imprensa paulistana que afinal resultaram, em 1958, no estabelecimento dessa instituição sob o nome Fundação Parque

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Zoológico de São Paulo (FPZSP).

Pretendemos demonstrar que representações da animalidade e do exotismo mobilizadas pela imprensa remetem a debates políticos relativos a um projeto de civilização. Nesse quadro, o trabalho aborda o valor simbólico da categoria animal selvagem, articulada a concepções do nacional, bem como a categoria animal exótico, concebida como índice de uma desejada equiparação de São Paulo a outras grandes capitais no cenário internacional.

A trajetória fragmentária e lacunar de Chuka também é exemplar por revelar os dispositivos de velamento e esquecimento que operam no confinamento peculiar em zoológicos.

Ainda que o encarceramento de animais esteja presente em toda a produção capitalista, como em criadouros, laboratórios e abatedouros, o zoológico representa um tipo único, que se apresenta como empreitada científica para a educação do cidadão urbano, oferecendo-lhe uma visão da natureza exótica e, por outros meios, inacessível. Hoje, ainda, o zoo arroga-se a função de conservação da fauna ameaçada.

Neste trabalho, procuramos desnaturalizar o processo simbólico que aproxima fisicamente e ao mesmo tempo distancia socialmente animais no zoológico, tornando-os não individuados, mas apenas exemplares de espécies –portanto, facilmente substituíveis. Sob o discurso científico, o dilema do olhar, já discutido por Derrida, é acirrado: no zoo, ver é a prática fundamental, sem que a resposta do animal importe além do espetáculo.

Compreender esses processos de velamento, de esquecimento e de desindividuação também é a intenção deste trabalho.

A PESQUISA

A ideia desta pesquisa surgiu em 2012, durante uma disciplina ministrada na pós-graduação em Antropologia Social, por Nádia Farage, sobre os diferentes projetos históricos de natureza. Nesse sentido, esta dissertação se articula a outros trabalhos orientados pela professora que buscam compreender as diferentes modalidades da exploração animal, assim como dissidências, em contextos urbanos e industriais (Dias, 2009; Paulino, 2009; Christol, 2015; Campos de Carvalho, 2015; Moreira, 2015; entre outros).

No cenário internacional, a temática “animal studies” e, mais recentemente, “critical animal studies” ganhou força nos últimos anos, principalmente na história, na literatura e na filosofia, com a criação de periódicos especializados, programas de pós-graduação e, principalmente, o reconhecimento de outras linhas de pesquisa mais bem estabelecidas. Pude testemunhar esse

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movimento em 2013, ao ser aceita para a Würzburg Summer School for Cultural and Literary Animal Studies: Political Zoology, na Alemanha, que reuniu, por uma semana, pesquisadores da área, e ao participar do workshop "Anomalies/Delinquencies", coordenado por Harald Neumeyer (Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg, Alemanha) e Antonia Eder (Karlsruhe Institute of Technology, Alemanha), na mesma ocasião. Tive, assim, oportunidade de estabelecer relações acadêmicas com pesquisadores da área, alguns dos quais também trabalhavam com zoológicos no cenário europeu.

As fontes primárias para o trabalho histórico presente na dissertação foram artigos e crônicas publicados na imprensa paulistana. Foram consultados os acervos on-line dos jornais O

Estado de S. Paulo (acervo.estadao.com.br) e Folha de S. Paulo (acervo.folha.com.br), além da

hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (hemerotecadigital.bn.br), que permite buscas no Correio

Paulistano e n' A Província de São Paulo, entre outros periódicos. Quando surgiam dúvidas sobre o

conteúdo dos textos por eventuais problemas na digitalização das páginas, as informações eram rechecadas no Arquivo Público do Estado de São Paulo ou na Biblioteca Mário de Andrade.

O recurso à imprensa se deu por dois motivos. O primeiro, por questões práticas. O acervo documental da própria FPZSP não está acessível ao público nem parece estar organizado, à diferença de seus congêneres europeus. Aliás, devo registrar, com os devidos agradecimentos, a inestimável colaboração do diretor do jardim zoológico de Zurique, Alex Rübel, que me enviou cópias de toda a correspondência trocada por Heini Hediger, figura de enorme influência na arquitetura contemporânea de zoológicos, com diferentes autoridades envolvidas com o zoológico de São Paulo entre 1954 e 1970. Além disso, apesar de apresentar um quadro limitado, a imprensa oferece indícios das sensibilidades, tanto prevalentes quanto dissidentes, sobre o confinamento de animais em zoos.

A data de início do recorte temporal deu-se pela primeira menção encontrada na imprensa julgada pertinente para a pesquisa, a saber, o relato publicado em outubro de 1858 no Correio

Paulistano sobre um elefante do zoológico da Antuérpia (na Bélgica) que feriu um visitante que, de

acordo com o redator da notícia, havia tentado enganar o paquiderme. Já a data de fim assinala a morte prematura da girafa Chuka, que, como vimos, apesar de toda pompa recebida quando em sua chegada, teve seu fim noticiado com indiferença.

Por fim, parte das informações presentes no terceiro capítulo foi obtida por meio do sistema SIC.SP (Sistema Integrado de Informações ao Cidadão - www.sic.sp.gov.br).

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SÚMULA DOS CAPÍTULOS

No primeiro capítulo, recuperamos uma linha histórica, até hoje desconhecida, das iniciativas e dos debates para a criação de um zoo paulistano, enfatizando-se os motivos e as justificativas apresentados ao longo dos anos em defesa dessa instituição, que só veio a se concretizar em 1958, com a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP). Como ficará claro, a existência de um zoológico foi entendida recorrentemente como indicador da “modernidade” e da “civilidade” de espaços urbanos. Como tal, passou a ser essencial para que São Paulo pudesse se advogar a chancela de “civilizada” e se sentisse equiparada a outras grandes capitais mundiais.

Já no segundo capítulo, foram analisadas as representações feitas na imprensa dos animais confinados nessas instituições bem como as variações de sensibilidade frente a eles. Foi possível notar que o entendimento dos animais como capazes de agência, ou seja, de intencionalidades, sentimentos e ação, não necessariamente implicava em uma condenação à instituição zoológico. Ainda assim, ao longo das décadas, ganhou força o discurso de que o cativeiro deprecia e entristece os animais, entrando em constante tensão com outro, respaldado por “autoridades científicas”, de que tais críticas não passavam de um ignorante antropomorfismo.

Por fim, no terceiro capítulo, essa discussão foi trazida para o presente, com uma breve apresentação sobre o funcionamento atual da FPZSP. Tanto o comportamento do público como de parte dos animais cativos são analisados. Também, na medida do possível, foi recuperada parte da trajetória de alguns dos animais no zoo. A polêmica envolvendo a morte de mais de cem deles, entre 2004 e 2005, assim como seus desdobramentos (ao que tudo indica, infrutíferos), também foram abordados.

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CAPÍTULO I,

DIVERTIR E EDUCAR O POVO: DEBATES PÚBLICOS PELA

CONSTRUÇÃO DE UM ZOO EM SP

Em maio de 1876, o Grande Circo Chiarini montou sua tenda no Largo de S. Bento, região central da cidade de São Paulo. Dentre as suas principais atrações, estava uma "collecção zoológica" com "feras muito raras e nunca vistas n'este paiz" (A Província de São Paulo, 5 mai. 1876). A propaganda do espetáculo prosseguia: o público estaria diante de criaturas "dignas do mais minucioso estudo zoológico, neutralisando o recreativo com o instructivo".

Passados mais de noventa anos –da data de publicação do anúncio até 1968–, essa ideia permaneceu surpreendentemente intacta. A exposição de animais, durante todo o período, continuou sendo justificada por ir além do divertimento, sendo uma forma de expansão do conhecimento e de instrução das massas. Como tal, um empreendimento digno de uma cidade –São Paulo– que buscava ser reconhecida como em progresso e civilizada.

O objetivo deste capítulo é recuperar informações históricas, traçando assim uma linha do tempo, hoje desconhecida, das iniciativas e dos debates na cidade de São Paulo para a criação de um zoológico público. Para isso, foram consultados os acervos digitalizados dos jornais O Estado de

S.Paulo, Folha de S.Paulo, Correio Paulistano, entre outros, desde o período disponível para consulta

no site da Biblioteca Nacional (1858) até 1968, ano da morte da girafa Chuka, quando a FPZSP já detinha um plantel relativamente consolidado.

OS EXEMPLOS DE LISBOA E DO RIO DE JANEIRO

Não foram encontrados registros do século XIX que apontassem a existência, mesmo que amadora, de uma área pública voltada à exposição de animais na cidade São Paulo1. No entanto,

1Emerlinda Pataca (2006:270-272) menciona o que parece ser a primeira coleção de animais no Brasil, no Rio de Janeiro. Criada em 1784 por Luís de Vasconcelos e Sousa, a Casa de História Natural, popularmente conhecida como Casa dos Pássaros, abrigava e preparava para as longas e insalubres viagens ultramarinas os animais, principalmente aves, destinados à realeza de Portugal. Localizado no Passeio Público, no aterro da Lagoa do Boqueirão, o espaço ficava sob o comando de Francisco Xavier Cardoso, também conhecido como Xavier dos Pássaros. Há também relatos na imprensa sobre um zoológico pertencente à Corte brasileira, no Rio de Janeiro, desde 1888:

Está no Jardim Zoologico da côrte e foi apanhada ha poucos dias nas mattas de Villa Isabel uma grande cobra que mede dous metros de comprimento e tem um grande papo. Pessoas competentes não sabem a que familia de ophidios pertence esse reptil, tão differentes são as suas fórmas. É um animal raro e que deve ser estudado pelos entendidos (Correio Paulistano, 28 dez. 1888, grifo nosso).

Uma reportagem de 1965 sobre a ilha de Guanabara (O Estado de S. Paulo, 22 out. 1965) também menciona a existência de uma pequena coleção de animais organizada pela imperatriz Leopoldina depois da Independência do Brasil.

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algumas notas publicadas em jornais no período deixam transparecer o desejo (e a cobrança) de criação de uma coleção zoológica em praças e parques da cidade:

O jardim da Luz é botanico, ou zoologico?

Se é zoologico deve ter toda a casta de insectos assim como cavallos e burros, e pasto para todos estes indivíduos...Ora, ali não ha pasto (salvo se os bancos de relva pódem supprir esta falta); logo é botanico.

Ora, se é botanico deve ter flores para os animaes comerem e cheirarem. (grifos no original,

Diario de S.Paulo, 21 fev. 1866)

Em 1880, José Luciano Barbosa2 doou para o jardim público da cidade (atual Jardim da Luz), por meio de A.B. Quartim3 “duas avez aquáticas muito bonitas, que vão ser as primeiras habitantes do lago, e seu vistoso ornamento” (A Província de São Paulo, 4 jan. 1880). O jornal sinalizou a esperança de que a doação fosse o início de um empreendimento colecionista mais ambicioso: “As duas avez enviadas ao passeio valem egualmente a indicação de que alli desde já seria possível ir formando alguma cousa que tivesse ares de um jardim zoologico”.

A pequena coleção pareceu ter alcançado algum sucesso4 . Tanto é que, em 1884, a imprensa denunciou atos de "vandalismo" contra os pássaros dali, como quebra de asas e corte de pernas:

Os selvagens que praticam aqueles brutaes gracejos sabem esconder-se, e apenas o que não conseguem é deixar de provar que ainda são abundantes em nossa população os typos que representam a triste e atrazada civilisação desta santa terra bragantina (A Província de São

Paulo, 2 mai. 1884, grifo do autor).

A ideia de que somente uma cidade em progresso e cujo povo tivesse civilidade reunia as condições necessárias para conservar e fazer prosperar um zoológico viria à tona em diversos momentos.

Ainda assim, é preciso entender por que ocorria a defesa da construção de um zoo em São

O historiador Felipe Magalhães (2011:22) menciona um zoológico no Rio de Janeiro, na década de 1860, de propriedade de um comerciante português:

Na década de 1860, José Antonio Alves Souto teria organizado um jardim zoológico em sua chácara localizada na rua Monte Alegre, quase na esquina com a rua do Riachuelo (Gerson, 2000:333). De acordo com Renascença, “o Souto” seria um negociante português que com muito trabalho teria conseguido fazer fortuna no Brasil. Tendo construído um “belo palacete” no endereço acima, decidiu organizar nos terrenos de sua propriedade um jardim zoológico. Lá teria reunido “muitas e variadas espécies, dos mais interessantes animais do globo”, inclusive um elefante (Magalhães, 2011:22).

2Provável membro da elite paulistana, já que aparece como um dos diretores de um incipiente museu provincial em São Paulo em 1877, que mais tarde foi extinto (Moraes, 2009:sp).

3Antônio Bernardo Quartim (1822-1888) trabalhou na construção de diversas obras públicas na cidade e na administração do Jardim Público (Campos, 2008:sp).

4Dirá o jornal: "Desde o tempo da administração do sr. Laurindo de Brito, o jardim publico tomou uns certos tons de jardim zoologico, sendo aproveitado o tanque central para a aclimação de jaburús, saracuras, gansos marrecos, etc." (A

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Paulo. Mais do que isso, o que se entendia e se esperava de um zoológico quando se advogava por um. Uma hipótese é que a imprensa paulistana –representando, bem como se dirigindo às camadas letradas– construiu a concepção dessa instituição (e sua importância), entre outras influências, ao acompanhar os sucessos e fracassos de outras cidades –no caso, do Rio de Janeiro e de Lisboa– na elaboração e na concretização de seus próprios projetos. Ou seja, alguns dos argumentos que apareceriam em debates na imprensa sobre a necessidade (ou inutilidade) de construção de um zoo em São Paulo foram elaborados em contraste a esses dois casos citados.

Com o sugestivo título “Lição que nos serve”, Ramalho Ortigão5 escreveu para A

Província de S.Paulo, em abril de 1883, um extenso elogio à comissão formada para a construção de

um zoológico na capital portuguesa. O argumento do autor é interessante por defender o caráter recreativo do zoológico como porta de entrada para a “curiosidade intellectual” da população. Assim, ainda que o zoológico pudesse ser planejado apenas para fins lúdicos, para Ortigão, inevitavelmente ele também traria importantes melhoramentos “intelectuais e morais” para o povo. Um resultado que, para o escritor, era até mesmo mais importante do que o uso dos zoológicos para “estudos da biologia e da zoologia comparada” por especialistas:

A sabida importância de um jardim zoologico para os altos estudos da biologia e da zoologia comparada, as quaes, depois de Darwin, se tornaram a base experimental de toda a philosophia da natureza, torna-se um valor secundario perante os estímulos de curiosidade intellectual e de moralisador e nobilitante prazer intelligente, que essa instituição é chamada a exercer no espírito do povo (Ramalho Ortigão, A Província de São Paulo, 4 abr. 1883, grifo nosso).

Ortigão defendeu esse argumento listando exemplos de instituições formais de ensino construídas pelo governo português que fracassaram ao não conseguir convencer e seduzir a população para sua importância instrutiva. “O povo não sente a necessidade de aprender", explicou. Assim, o zoo seria importante por fazer uma ponte entre o prazer e o aprendizado intelectual:

A instrução fecunda para um povo não é a que os governos lhe abonam, mas sim a que elle de per si mesmo solicita (...) A curiosidade intellectual não desperta sinão pelo exercício das faculdades postas em movimento por uma solicitação de prazer, e ninguém entre nós tem pensando em crear os prazeres do espírito popular (Ramalho Ortigão, A Província de São

Paulo, 4 abr. 1883).

Mais do que proporcionar o avanço intelectual de uma população ansiosa por diversão, a existência de um zoo na capital portuguesa também responderia, segundo o jornalista, a uma tendência observada em outras “capitaes da Europa”, que já tinham construído seus próprios zoos e que concretizavam um ideal de civilidade e urbanidade que pequenas e médias cidades, tais como

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São Paulo, aspiravam um dia alcançar.

O zoológico de Lisboa abriu suas portas no dia 29 de maio de 1884, no parque S. Sebastião da Pedreira. A inauguração foi vista, antes de tudo, como um avanço civilizatório: "Hein! Isto representa inquestionavelmente mais uma conquista que a civilização alcançou sobre a inercia ignorante e rotineira d'esta Lisboa", celebrava a Província de São Paulo em 19 de junho de 18846.

As reportagens da época eram otimistas quanto ao futuro do zoo. Já na inauguração, que contou com a presença da família real (dom Luiz, dom Fernando e dom Augusto), 2.500 pessoas visitaram o local (Província de São Paulo, 19 jun. 1884), que expunha bois de diferentes raças, ovelhas, cães (Província de São Paulo, 23 jun. 1884), "boa variedade de aves, um bando apreciavel de macacos, e conjunctamente –excentricidade para um amador, si o houvesse–, algumas feras: por exemplo, dous ursos e um lobo, alguns javalis e javardos”. Os preferidos do público pareciam ser “dous camellos [que] vão já fazendo as delícias das crianças, deixando-se montar com uma passividade melancolica" (A Província de São Paulo, 19 jun. 1884).

O trecho sobre os camelos chama a atenção. Em primeiro lugar, nele subentende-se que o empreendimento zoológico da época não era apenas a satisfação do olhar, mas, sim, a satisfação de outros sentidos, como o toque. As pessoas podiam encostar nos animais e mesmo, como diz o trecho, montá-los. Outra descrição do mesmo dia, e sobre os mesmos animais, confirma: "No meio do pinhal estavam os camellos; o macho andava apparelhando com uma cadeirinha dupla, sobre um xairel de velludo carmesim, com franjas" (A Província de São Paulo7, 23 jun. 1884).

Não é um episódio isolado. Diversas fotografias de zoológicos dos séculos XIX e início dos XX representam os animais tendo contato direto com os visitantes8.

6 Este texto parece ter sido escrito por um correspondente do jornal em Lisboa, talvez até mesmo Ramalho Ortigão. 7 Trata-se da reprodução de uma reportagem do jornal lisboeta Seculo, datada de 29 de maio de 1884.

8 Hoje a prática ainda existe em alguns locais, mas é condenada e alvo de denúncias, caso do zoológico de Luján, em Buenos Aires, suspeito de dopar animais, principalmente os felinos, para que visitantes tirem fotos com eles (Bloom, 2014).

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Figura 1: Contato físico entre humanos e animais no zoo de Londres nas primeiras décadas do século XX.

Da esquerda para a direita, em sentido horário:

(1) Garotas da escola Middleborough passeiam em camelo, em 1935. Fonte: http://ageofuncertainty.blogspot.com.br/2010/11/jolly-day-out-in-london.html

(2) Homem oferece, com a boca, biscoito para girafa, em 1933. Imagem consta no livro "Decades of the 20th Century—1930s", de Nick Yapp. Fonte: https://www.tumlr.com/search/vintage%20giraffe#

(3) Garoto (Christopher Robin Milne)alimenta o urso Winnie com leite condensado, em 1926. Fonte: http://lamaruniversitypress.com/the-history-of-the-bear-with-very-little-brain/ (4) Grupo passeia nas costas do elefante Jimbo (nascimento desconhecido - 1903), sem data. Fonte:

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Em segundo lugar, é interessante notar a observação de que os camelos tinham um comportamento passivo e melancólico. Mesmo a movimentação nas jaulas dos primatas no zoo de Lisboa não foi vista como simples expressão de alegria. A hilaridade é dos visitantes, não dos macacos, que brigam entre si e correm uns sobre os outros:

O que mais chamava a attenção do público eram as gaiolas dos macacos. A principal, bastante alta, tem grande quantidade daquelles animaes que estão em constantes momices, saltando dos troncos das árvores para os trapezios e argollas, correndo uns sobre os outros em engraçadas luctas e provocando pelos seus tregeitos a hilariedade dos visitantes (A Província

de São Paulo, 23 jun. 1884).

Como veremos em outros casos, no segundo capítulo, quando os autores (raramente) se expressavam sobre os sentimentos dos animais no zoológico, estes sempre eram percebidos não pela alegria, mas pela melancolia, pela raiva e pela nostalgia.

Apesar dessas observações negativas, parecia existir a crença de que um bom planejamento e uma boa disposição de jaulas seriam suficientes para suprir o desgosto dos animais. Ainda sobre o zoo de Lisboa, pontuou-se, por exemplo: "O local é magnifico, e n'aquelle vasto recinto todo coberto de arvoredos (...), os pobres animaes prisioneiros não terão ao menos a nostalgia da verdura e da sombra” (A Província de São Paulo, 19 jun. 1884).

Ainda que o novo empreendimento tenha sido saudado, ele não prosperou. Pouco mais de um ano após a inauguração, em novembro de 1884, A Província de S.Paulo já criticava o zoológico de Lisboa pela "absoluta deficiência de specimens zoológicos, não havendo alli em exposição completa uma só família animal" (C.V., A Província de São Paulo, 18 nov. 1884)9. Em junho de 1885, o jornalista Carrilho Videira fez uma dura crítica, acrescentando à falta de diversidade de animais o despreparo para resguardar a coleção do inverno e as jaulas "acanhadas":

Uma girafa que alli havia morreu, bem como outros animaes, ignaramente sacrificados, durante a quadra dos grandes frios, em acanhadissimos espaços. As jaulas dos cães e demais animaes são extremamente acanhadas, algumas têm apenas um metro de largura e tres de fundo, o que enregela o animal e o mata, por não poder mover-se à vontade e harmonizar a circulação necessária (Carrilho Videira, A Província de São Paulo, 10 jun. 1885).

O fracasso do zoológico, para o jornal, poderia ser demonstrado pela queda do número de seus visitantes. Nos seis primeiros meses de 1885, a média foi de 602 entradas por dia; no ano anterior, de 770 (A Província de São Paulo, 5 set. 1885).

Em dezembro de 1885, reportou-se que a falta de "capacidade administrativa e intelectual" da "burguezia argentária da capital" de Lisboa responsável pelo zoo havia levado a um

9O jornal só assina com as iniciais do correspondente, mas provavelmente se trata de Carrilho Videira, como poderá ser deduzido a partir de outros textos, desta vez assinados.

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pedido de subsídio ao governo. Tal fracasso, o jornal explicou, deu-se exatamente por seus criadores terem feito do parque mais um espaço lúdico do que um lugar que respondesse ao "fim real" da instituição: "Pretenderam transformar aquelle esplendido parque, verdadeiro jardim de acclimação, em circo de arlequins, palhaçadas e comesainas, porque para o fim real da instituição não tinham capacidade de o adaptar" (A Província de São Paulo, 19 dez. 1885). Apesar de fazer a crítica, o artigo não respondia qual era então a finalidade “real” do zoo, embora se possa deduzir, a partir do comentário feito dois anos antes por Ramalho Ortigão, de que seria a instrução do povo.

Em 1887, como resultado direto da "incapacidade dos directores", parecia iminente o fechamento do zoológico de Lisboa:

[A] imprensa clama que os animaes morrem de fome, agoniando os visitantes que ainda entram alli.

Desde que vimos à frente de tão brilhante empreza uns nomes de enfatuados e fatuos capitalistas e doutores, desde que vimos o rumo que tomavam os trabalhos que realisavam no formoso parque e jardim, edificando casinholas bonitas, sem commodidades para os animais a que os destinavam, concluimos que ia morrer esta tão útil empresa; que o publico tão bisarramente coadjuvou, em quanto não viu desvarios.

Os jornaes que dantes elogiavam estes já agora se lamuriam e censuram o que tem ocorrido (Carrilho Videira, A Província de São Paulo, 30 jan. 1887).

O zoo lisboeta não chegou a fechar suas portas nessa época, como é possível descobrir por outras fontes. No entanto, o caso lisboeta figura como um exemplo de fracasso acompanhado de perto pela imprensa paulistana. As consequências e influências do episódio podem ser difíceis de delinear. No entanto, é prudente crer que tenham existido. O mesmo no caso do zoológico do Rio de Janeiro, que enfrentou outra sorte de problemas, mas nem por isso, também, teve suas atividades encerradas.

Em 1874, o Diário de S.Paulo publicou um ofício em defesa da construção de um zoológico no Rio de Janeiro, voltado ao lazer dos homens e ao estudo dos animais, que pudesse equiparar a capital a outras “cidades das nações civilizadas”. A autoria do documento era de José Fernandes da Costa Pereira Júnior (também conhecido como Visconde do Bom-Retiro), presidente do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. O texto tinha como destino o Ministério da Agricultura.

No ofício, o Visconde do Bom-Retiro defendia um zoológico não com animais estrangeiros, que necessitariam ser aclimatados ao clima brasileiro, mas "antes um lugar de exposição, criação e tratamento de animaes de nossas florestas, que ali possão ser vistos e facilmente estudados, e servirem ao mesmo tempo de (sic) augmentar o recreio publico, que hoje presta o Jardim Botanico" (Luiz Pedreira do Couto Ferraz, Diario de S.Paulo, 6 set. 1874, grifo nosso). Dessa forma,

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argumentava o visconde, não haveria altos custos para a compra de animais (já que, ele explicava, muitos haviam sido oferecidos de graça para o empreendimento) nem para a manutenção do parque em si, que poderia contar com a renda de serviços oferecidos dentro do próprio zoo.

É isto o que mais me anima na insistencia que faço a respeito deste assumpto, por me parecer que é tempo de irmos realizando este e outros melhoramentos de semelhante genero, de que ha tantos annos gozão não só as grandes capitaes, mas até pequenas cidades das nações civilisadas, que aliás não dispoem dos elementos que tem o Brasil (Luiz Pedreira do Couto Ferraz, Diario de S.Paulo, 6 set. 1874, grifo nosso).

Não só Pereira Júnior sonhava com um zoo carioca. Em dezembro de 1882, a Companhia Villa Isabel10, propriedade do comendador João Batista Viana Drummond, demonstrou interesse em construir uma avenida, um "palácio permanente de exposição" e um jardim zoológico "entre Villa Isabel e o princípio da rua do Senador Eusebio" (A Província de São Paulo, 30 dez. 1882).

Em agosto de 1884, segundo Magalhães (2011), aconteceu a primeira consulta à Câmara Municipal da Corte do Rio de Janeiro para a fundação do zoo por parte de Drummond, que já então, com perspicácia empresarial, pedia a isenção de impostos por prazo indeterminado para o empreendimento e o bloqueio, por 30 anos, de quaisquer outros zoológicos concorrentes (Magalhães, 2011:24-25).

A construção do zoo foi autorizada em poucas semanas, com uma pequena modificação do tempo de monopólio do parque, de 30 anos para 25 anos (Magalhães, 2011:27). Magalhães lista algumas das cláusulas contratuais acordadas entre Drummond e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entre as quais estava a obrigação (1) de que os animais deveriam ser distribuídos no zoo “de acordo com a melhor classificação, guardando no tratamento as prescrições higiênicas aconselhadas pela ciência” e (2) de que deveria ser adquirido o maior número de espécies animais possível, “principalmente daquelas raras e estranhas ao país, de modo a que o estabelecimento possa competir com os melhores desse gênero” (2011:27).

A Província de São Paulo noticiou a autorização para a construção do zoológico de Vila

Isabel em outubro de 1884 (A Província de São Paulo, 26 out. 1884). Neste ponto, temos algumas pistas sobre como o pedido feito pelo Visconde de Bom Retiro, dez anos antes, havia sido respondido. Ao permitir que Drummond construísse um zoológico na cidade, o governo impôs uma condição: "Esta clausula não obstará a fundação do jardim zoológico que o Imperial Instituto Fluminense de

10Companhia de Ferro Carril de Villa Isabel, que prestava serviços de transporte de bonde na então capital federal do Brasil (Gazetinha, 24 fev. 1882). A perspicácia empresarial de Drummond é ressaltada pelos autores que estudaram sua trajetória, segundo Magalhães (2011). Um exemplo: para se chegar ao zoológico de Vila Isabel, era necessário tomar como transporte os bondes da companhia do empresário.

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Agricultura projecta, nem dos que para o futuro outras instituições semelhantes ou o Estado pretenderem estabelecer" (A Província de São Paulo, 26 out. 1884). Esta ressalva foi a única mencionada pelo jornal, que silenciou sobre os outros pontos do contrato.

Poucos meses depois, o jornal O Paiz divulgou mais detalhes sobre a planta do zoo planejado por Drummond. Segundo a nota, o terreno do parque teria as seguintes dimensões: 450 m (rua do Bom Retiro)11 X 440 m (rua Santa Izabel12) X 682 m X 684 m e conteria

rios, lagos, aquariums, bosques, pontes e cascatas; terá edifícios apropriados para aves, animaes quadrupedes e reptis, notando-se entre outras, cujos perfis ainda não estão levantados, as vivendas dos macacos, duas casas para animais pacificos, um pombal, viveiros de passaros, aves, jaula para ursos e para animaes ferozes, casas para veados, para faizões, e diversas outras (A Província de São Paulo [reproduzindo artigo do jornal O Paiz], 11 jan. 1885).

O jornal fez imenso elogio ao criador da ideia, João Drummond:

Este novo e importante melhoramento para a nossa população, que tanto procura e frequenta os arrabaldes da cidade na estação calmosa, é devido a iniciativa do sr. commendador João Baptista Vianna Drumond, presidente da companhia ferro-carril Villa Izabel, o qual ha muito tempo se desvela pelo estabelecimento de tão útil jardim, que ao mesmo tempo servirá para estudo e para recreio (A Província de São Paulo [reproduzindo artigo do jornal O

Paiz], 11 jan. 1885).

Em julho de 1888, ocorreu a inauguração oficial do zoológico (Magalhães, 2011:30), que prosperou expondo animais que surpreendiam por, como os camelos de Lisboa, ter caráter quase “circense”. Tal se vê claramente pela divulgação na imprensa da morte de Bosco, elefante comprado de um circo (Companhia Irmãos Carlo) pelo zoo e conhecido por ser bem adestrado, tocando música e trabalhando "por cima das garrafas" (Correio Paulistano, 20 ago. 1893).

Ainda segundo Magalhães (2011:29), os animais do zoológico do barão de Drummond eram classificados seguindo a divisão ferozes e pacíficos: “A jaula para os ferozes seria construída com pedra, cal e barras de ferro, sendo os pacíficos ‘convenientemente guardados’”. Essa divisão pode corresponder a uma divisão entre selvagens e domésticos. Com o passar dos anos, os zoológicos parecem ter se concentrado somente na categoria de ‘selvagens’, provavelmente por seu maior apelo ao público. Já o doméstico só comparecerá quando anômalo, caso da vaca de sete pernas do jardim da Aclimação, como veremos em um próximo capítulo.

A prosperidade do zoo do Rio de Janeiro, no entanto, logo foi minada pela criação de um divertimento popular que desmentia o caráter higienizador e educativo do empreendimento: o jogo

11Provavelmente a atual rua Barão do Bom Retiro. 12Provavelmente a atual rua Visconde de Santa Isabel.

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do bicho. Antes de abordar esse assunto, no entanto, examinaremos as tentativas malogradas do estabelecimento de zoológicos privados em São Paulo no período.

PREDECESSORES: JARDIM DA LUZ e JARDIM DA ACLIMAÇÃO

O primeiro registro encontrado na imprensa que menciona a intenção de se construir um zoológico na cidade de São Paulo data de fevereiro de 1885. O assunto surgiu durante discussão na Câmara Municipal sobre um pedido, feito pela Associação Commercial e Agricola de São Paulo, para a concessão, pela municipalidade, de um terreno contíguo ao Jardim Público (Jardim da Luz) para a criação de um palácio da indústria, que serviria para exposições agrícolas e industriais. Em meio ao debate, o vereador Araújo Costa disse que não era alçada da municipalidade conceder logradouros públicos, mas que a Câmara poderia reencaminhar a demanda para o órgão competente, acrescentando um pedido de cessão de um terreno para um jardim zoológico no mesmo local, "Ficando assim esta importante capital com mais uma instituição de incontestável utilidade" (Correio Paulistano, 20 fev. 1885, grifo nosso).

Três anos mais tarde, é noticiada a proposta, feita por Alberto Loefgreen à Assembleia Legislativa Provincial, de transformar o Jardim Público em um jardim zoológico e botânico (A

Província de São Paulo, 4 mar. 1888). A Província de São Paulo foi categórica. Embora a ideia fosse

considerada boa, o jornal não via vantagem em "destruir o que existe no nosso jardim público para adaptá-lo" a outro fim. A construção de um zoo no local demandaria a derrubada de árvores, o que, para o periódico, era uma perda enquanto abundavam pela cidade terrenos baldios. Em outras palavras, o jornal se opunha não à construção de um zoo, mas, sim, à construção de um no Jardim da Luz.

No entanto, em abril do mesmo ano, a Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo deu seu aval à conversão, ficando assim o Jardim da Luz autorizado a cultivar e criar "productos da flora e fauna da província". Vale sublinhar, a autorização seria para espécies nativas, não de animais estrangeiros. Assim avaliou a Assembleia: "Da realisação dessa idéa só vantagens possam resultar para a provincia, que ahi terá um lugar de instrucção onde se tornará conhecido sua exhuberante riqueza natural" (Correio Paulistano, 14 abr. 1888, grifo nosso).

Permissão concedida, a coleção foi discreta, sendo aparentemente ignorada pela imprensa. O único registro encontrado sobre o assunto data de 1942, quando um texto da Folha da Noite relembrou diversas tentativas de construção de um zoo na cidade de São Paulo, mencionando a existência temporária de uma coleção de herbívoros no Jardim da Luz, incluindo uma ema que comia moedas dadas pelos visitantes e uma coleção de macacos que, de tão “sem-vergonha”, teve que ser

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transferida para local menos público (Folha da Noite, 23 mar. 1942).

No Arquivo Histórico de São Paulo, documentos oferecem mais indícios do funcionamento de uma pequena coleção zoológica no Jardim da Luz. Em março de 1917, foi apresentado à Prefeitura um orçamento do engenheiro Manuel Labater para a construção de uma jaula para um casal de onças no local. O trabalho fora realizado a pedido da Diretoria Geral à Diretoria de Obras da cidade, da qual Labater era funcionário. No entanto, o valor orçado (3.671$000) foi considerado muito alto pela chefia, e as onças, ao que tudo indica doadas à municipalidade, foram encaminhadas ao Jardim da Aclimação.

O mesmo processo contém uma planta do recinto projetado, o que permite visualizar o espaço que então era considerado suficiente para abrigar dois animais de grande porte. Trata-se de uma jaula coberta com 11,4 m2 (3m X 3,8m) dividida em duas partes. A primeira seria o local efetivamente de exposição, de 4,5 m2 (1,5m X 3m) e a um metro de altura a partir do solo. A segunda parte, fechada, era azulejada e deveria servir, suponho, para a alimentação e repouso dos animais. Não há espaço reservado à vegetação ou a qualquer indício do que hoje é chamado de “enriquecimento ambiental”.

Figura 2 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (planta com

dimensões gerais), fevereiro de 1917. Fonte: Arquivo Histórico de São Paulo

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Figura 3 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (visão dianteira),

fevereiro de 1917.

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Figura 4 Projeto do engenheiro Manuel Labater para jaula de onças no Jardim da Luz (visão lateral),

fevereiro de 1917.

Fonte: Arquivo Histórico de São Paulo

Outro documento, de 31 de janeiro de 1921, pede autorização para despesas com animais mantidos no Jardim da Luz, listando espécimes e alimentação: 12 macacos (pão, leites e bananas), 13 veados (milho, quirela e farelo), 1 águia (carne), 3 seriemas (peixes), 3 gaviões (idem), 2 garças (idem), 3 gralhas (idem), 2 araras (milho, quirela, verdura), 3 patos "commum" (idem), 1 cisne (idem), 1 pato crespo (idem), 4 marrecos (idem), 3 mutuns (idem), 22 gansos (idem), 18 saracurus (idem), 15 jacus (idem), 18 pavões (idem) e 20 marrequinhos (idem). Também estão listados os gastos para "os pombos do Belveder" (milho) e os "passarinhos do bosque da Avenida Paulista" (farelo e quirela), além de uma "besta" (milho, farelo e ferraduras), que deveria trabalhar no local13 (Diretoria Geral/Diretoria de Hygiene, 1920, MS).

Apesar da presença desses animais, o Jardim da Luz não chegou a ser considerado o

13O gasto de alimentação de todos esses animais, para o período de um ano, era de 437$650, ou seja, muito menor que o preço orçado para a construção do recinto das onças anos antes.

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primeiro zoológico da cidade, título que foi concedido somente anos mais tarde ao Jardim da Aclimação, fundado em outubro de 1890 por particulares sob o nome Companhia do Jardim de Acclimação, Zoologico e Botanico de São Paulo. Em uma pequena nota, o Correio Paulistano saudou a empreitada: "O objetivo ligado a esta empreza é muito interessante, pois tende a explorar um fim que certamente coaduna-se com o desenvolvimento progressivo desta terra" (Correio Paulistano, 25 out. 1890, grifo nosso).

Nos primeiros dias de janeiro, foi publicado na imprensa, na íntegra, o estatuto da empresa14, presidida pelo médico Carlos José Botelho. Já em seu primeiro artigo, o objetivo dos empresários foi apresentado de forma clara: “Crear e [ilegível] em terrenos suburbanos um parque ou jardim para acllimar, fazer reproduzir e expor especies animaes e vegetaes” (Correio Paulistano, 1 jan. 1891, grifo nosso). Todos os 43 acionistas15 também estavam listados, assim como os incorporadores: Carlos José Botelho, Alberto Lofgren (sic) e Francisco Ramos de Azevedo.

Já em seu primeiro ano de existência, a companhia adquiriu terrenos –um de 476.178 metros quadrados e outro de 61.273 metros quadrados– tanto para a revenda quanto para a construção

14 A inspiração do empreendimento, já expressa por seu nome, era o Jardin d'Acclimatation, em Paris, criado em 1860 pelo imperador Napoleão III. O local respondia às demandas da Société Impériale Zoologique d’Acclimatation, cujo objetivo era criar um jardim que favorecesse a introdução, adaptação e domesticação de espécies animais. Intenções, portanto, sobretudo de ordem prática, como deixou claro Isidore Geoffroy Saint-Hilaire, um dos seus idealizadores:

Não queremos criar um segundo Jardin des Plantes. Este belo estabelecimento está bem onde está e não é preciso um segundo. É um outro estabelecimento e essencialmente diferente, apesar de alguns pontos comuns, sobre o que podemos chamar de fronteiras comuns. É um jardim zoológico de uma nova ordem que nós iremos criar em Bois de Boulogne. É a reunião de espécies animais que podem dar com vantagem sua força, sua carne, sua lã, seus produtos de todos gêneros à agricultura, à indústria, ao comércio ou ainda uma utilidade secundária, mas muito digna, que podem servir à nossa recreação, ao nosso prazer como animais de ornamento, de caça ou de reconhecimento de algum tipo (citado em Jardin da Acclimatation, 2015, tradução nossa).

No original:

Nous n’avons pas à créer un second Jardin des Plantes. Ce bel établissement est bien où il est et il n’en faut pas un second. C’est un autre établissement et essentiellement différent, malgré quelques points de rencontre, sur ce qu’on peut appeler leurs frontières communes. C’est un jardin zoologique d’un ordre nouveau que nous avons à créer au Bois de Boulogne. C’est la réunion des espèces animales qui peuvent donner avec avantage leur force, leur chair, leur laine, leurs produits de tous genres à l’agriculture, à l’industrie, au commerce ou encore d’utilité secondaire, mais très digne qu’on s’y attache, qui peuvent servir à nos délassements, à nos plaisirs, comme animaux d’ornement, de chasse ou d’agrément à quelque titre que ce soit (citado em Jardin da Acclimatation, 2015).

15Eram eles: Marquez de Tres Rios, Conde do Pinhal, Candido Franco Lacerda, Joaquim Franco de Camargo, Justiniano de Mello Oliveira, Dr. Elias A Pacheco e Chaves, Dr. Elias Fausto P. Jordão, Dr. Fermiano de Moraes Pinto, Coronel Antonio Proost Rodovalho, João de Oliveira Guimarães, João A. Garcia, Antonio Augusto Corrêa, Carlos Correa Galvão, Joaquim Pinto & Comp., Pedro Egydio Souza Aranha, Aguiar & Irmão, José Ignacio de Camargo, D. Rozalina de Queiroz Aranha, D. Antonia de Queiroz Aranha, Dr. Alberto A. de Oliveira, Dr. José E. Arruda Botelho, Dr. Francisco Maria de Mello Oliveira, Boaventura D. Pereira de Barros, Commendador Manoel Carlos Aranha, Dr. Henrique de Almeida Regadas, Viúva Oliveira & Filhos, Dr. Manoel Pessoa de Siqueira Campos, Camps & Comp., Guilherme Ralston, Luiz Berrini, Domingos del Dero, Dr. Augusto Cincinato A. Lima, Antonio Carlos de Arruda Botelho, Dr. José Manoel da Fonseca Junior, Conselheiro Antonio Moreira de Barros, Carlos Teixeira de Carvalho, Dr. Carlos José Botelho, Bento Ferraz do Nascimento, Dr. Alonso Goaynaz da Fonseca, Antonio Alves Pereira de Almeida, Luiz Galvão Correa, Dr. Manoel Netto de Araujo (Correio Paulistano, 1 jan. 1891).

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do futuro parque. Algumas obras começaram a ser empreendidas: "Para iniciar a acclimação de alguns animaes e dar um começo de vida ao Jardim, despendemos em cercos, revolvimento de terra, plantações de forragens, encommenda de gado bovino e lanigero, construção de um estabolo etc” (Companhia Jardim de Acclimação, Zoologico e Botanico de S.Paulo, Correio Paulistano, 27 mar. 1892). No mesmo ano, dois homens que trabalhavam no parque, recentemente demitidos por Carlos Botelho por terem pedido aumento de salário, entraram no jardim durante a noite e mataram a tiros e a punhaladas duas emas (A Província de S.Paulo, 4 ago. 1892), vingando-se do ex-patrão. Além de explicitar a presença de relações conflituosas de trabalho que refletiam no trato com os animais, a notícia, ao mencionar as duas emas, mostra a intenção do local de se tornar um ponto de exposição de animais exóticos.

Embora exista referência a uma possível inauguração do parque (Correio Paulistano, 19 abr. 1893), o relatório do terceiro ano da companhia, publicado em 1894 pela imprensa, fez apenas menção, como rendimentos do negócio (que ainda não era lucrativo), “a venda urbana de leite, porém, mais tarde, esta poderá ser augmentada com a venda de animaes, de aves, de productos de horticultura, pecicultura, arboricultura, floricultura etc.” (Companhia Jardim de Acclimação, Zoologico e Botanico de S.Paulo, Correio Paulistano, 8 ago. 1894)

Parecia então, que a exposição de animais não era uma das atividades do Jardim de Aclimação –embora estivesse prevista, no estatuto da empresa, como uma de suas atividades. Essa hipótese é corroborada por um artigo d’O Estado de S.Paulo de 1895 que criticava a falta de um jardim zoológico na cidade. O jornal argumentava que a lei que criou o Museu do Estado (Museu Paulista, conhecido como o Museu do Ipiranga) previa a construção de um zoo nas dependências da instituição quando chegasse o momento oportuno. Sendo assim, o Estadão cobrava o Legislativo para que a obra fosse realizada:

Consignada e votada essa verba depois dos necessarios e faceis estudos preliminares, e executando esse artigo da lei, o bairro do Ypiranga ficará sendo o mais interessante de S.Paulo, e nossa capital aumentará com ele o seu brilho de cidade moderna e a sua importância de capital rica (O Estado de S.Paulo, 12 fev. 1895, grifo nosso).

Trata-se da primeira menção que relaciona diretamente o valor simbólico da capital, sua relevância e sua afirmação de modernidade com a presença de um jardim zoológico.

De fato, a associação entre a presença de um zoológico no espaço urbano e a afirmação de prestígio de uma cidade não foi exclusividade de São Paulo. Ritvo (1996) descreve como o zoológico de Londres funcionava, mais do que para propósitos científicos, para inflar o orgulho nacional da população britânica, principalmente em comparação aos territórios coloniais:

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Qualquer britânico poderia sentir orgulho da capacidade superior de seus concidadãos de manter tantas espécies exóticas em confinamento, manipulá-las e estudá-las para que fossem mais bem compreendidas e apreciadas do que foram pelos povos que viveram entre elas por milênios.

Em resumo, manter animais exóticos em cativeiro era um atraente símbolo do poder humano em geral e, dependendo da origem e do destino dos animais, um símbolo do poder britânico (Ritvo, 1996:50, tradução nossa16).

O domínio simbólico dos animais, no entanto, não se restringia àqueles exóticos. No caso específico de São Paulo, Nelson Aprobato Filho mostrou como todo um corpo de leis municipais promulgadas na segunda metade do século XIX e início do século XX visou responder aos anseios do poder público pela modernidade ao controlar as espécies animais domésticas e sinantrópicas que viviam na cidade (2006:113). Os carros de bois foram proibidos nas principais vias, assim como o trânsito de suínos e a circulação de cachorros não registrados.

Houve segregações e ocultações de elementos indesejados –não só, mas também de animais– para a construção de uma nova imagem de São Paulo. Um exemplo foi a mudança dos nomes das ruas da cidade. Em 1912, por exemplo, o prefeito Raymundo Duprat transformou a via Estrada das Boiadas em Rua Rio de Janeiro. Também a Rua do Gado, na Vila Clementino, foi rebatizada como Rua Doutor Diogo Faria em 1929. Segundo Aprobato Filho, esses não são casos isolados, mas exemplos de um processo mais amplo de “obliteração de um passado ‘não muito honroso’” em que animais e homens se misturavam:

Mais do que simples e corriqueiras mudanças de nomes, prática para todos há muito conhecida e deveras utilizada, as duas Leis representavam também, para a história da cidade de São Paulo, de seus habitantes e de seus animais, algo mais profundo, significativo e complexo do que a primeira vista pode parecer. Mais do que homenagens, elas simbolizavam, sutilmente, uma ocultação. Mais do que instituírem permanências, elas buscavam realçar novas atitudes e ao mesmo tempo embaciar antigas práticas. Mais do que eternizarem nomes, o objetivo era criar modernas imagens (2006:116).

No Rio de Janeiro, Farage (2013) demonstra como o modelo sanitarista, do início do século XX, transformou vacas, porcos, cachorros e outras espécies de coabitantes a intrusos no espaço urbano. Segundo a autora, é plausível que a antiga proximidade social entre homens e animais impedisse que espécies comestíveis fossem vistas como simples commodities e que espécies sinantrópicas, como ratos, como simples transmissoras de doenças. Com a expulsão dos animais da

16 Trecho no original:

Any Briton could take pride in the superior competence of fellow citizens able to maintain so many exotic species in confinement and to manipulate and study them, so that they were better understood and appreciated than by the peoples who had lived among them for millennia.

In summary, keeping exotic animals in captivity was a compelling symbol of human power in general and, depending upon where the animals came from and where they were kept, a symbol of British power (Ritvo, 1996:50).

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cidade e o fortalecimento do discurso médico-sanitarista, por outro lado, abriu-se espaço para toda uma reformulação dessa relação e novos significados passaram a ser atribuídos aos animais.

Ou seja, tanto Aprobato Filho quanto Farage mencionam uma compartimentalização do espaço urbano pela modernidade que enfatizou e fortaleceu a divisão entre homens e animais, os quais, quando domésticos e sinantrópicos, passaram a ter sua circulação controlada e restrita a espaços bem delimitados, tais como matadouros (Dias, 2009) e laboratórios de pesquisa (Farage, [201-]a). Esta pesquisa busca demonstrar que, nesse mesmo movimento, os animais selvagens e exóticos também foram dispostos em um lugar delimitado e controlável na nova configuração urbana: o zoológico.

O CONTRAEXEMPLO CARIOCA

É provável que a construção de um zoológico público em São Paulo tivesse ocorrido anos antes se os elogios a esse tipo de empreendimento não fossem eclipsados, a partir de 1895, por notícias sobre o "imoral", "escandaloso" e "da pior espécie" jogo do bicho no Rio de Janeiro. A prática, segundo o historiador Felipe Magalhães (2011), teria começado em julho de 1892 e vale a pena ser recordada.

Em setembro de 1890, Drummond havia pedido à Câmara Municipal do Rio de Janeiro autorização para explorar dentro do zoológico jogos lícitos. Esta seria uma forma de auxiliar o pagamento das despesas do zoo, que vinha então sendo sustentado pelo valor das entradas e por uma subvenção anual do governo de 10 contos de réis (Magalhães, 2011:32). Em outubro de 1890, as autoridades deram seu aval à ideia, posta em prática, ao lado de vários outros “divertimentos”, como o boliche, em julho de 1892, conforme descreve Magalhães:

Ao comprar o ingresso de entrada para o Jardim Zoológico, o visitante passaria a receber um ticket. No bilhete estaria impressa a figura de um animal. Pendurada num poste a cerca de 3 metros de altura, próxima ao portão de entrada do parque, havia uma caixa de madeira. Dentro desta ficava escondida a gravura de um animal, escolhida pelo Barão [de Drummond] dentre uma lista de 25 bichos que ia da avestruz à vaca, passando pela borboleta e pelo jacaré. Neste domingo [3 de julho de 1892] às 5 horas da tarde a caixa seria aberta pela primeira vez e todo o público presente poderia afinal, descobrir o animal encaixotado e saber se teria direito ao prometido prêmio de 20$000, vinte vezes o valor gasto com a entrada para o zôo. Na hora marcada, o Barão dirigiu-se até o poste, revelou a avestruz e fez a alegria de 23 sortudos visitantes (2011:20).

Em poucos dias, a venda de tickets para o jogo extrapolou os limites do zoológico (e a visita ao parque) e se espalhou pela capital, “contando com o apoio de pequenos comerciantes e de um imenso exército de vendedores ambulantes que percorriam as ruas da cidade vendendo a sorte e o azar” (Magalhães, 2011:37). Antes permitido pela municipalidade, o jogo passou a ser visto já em

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