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SINHOZINHO: UMA EXPERIÊNCIA DA RELIGIOSIDADE POPULAR EM MATO GROSSO DO SUL

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Academic year: 2021

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Maria Idelma Vieira D’Abadia**, Layanna Sthefany Freitas do Carmo***

Resumo: A proposta do artigo é analisar a figura religiosa de Sinhozinho, em Bonito-MS, por

meio da devoção e rituais ocorridos durante a Romaria de Nossa Aparecida. Mo-radores da região o reconhecem como “santo” milagreiro. A celebração dessa fes-ta acontece em 12 de outubro, dafes-ta concomifes-tante, as comemorações à padroeira do Brasil. Ambas as devoções ocorrem no espaço rural daquele município. Os devotos se expressam entre pedidos e preces na presença do numinoso. Destarte, estes elementos são analisados a partir da experiência religiosa e de sua inter-relação entre milagres e apegos aos santos pelos seus adeptos, momento que se registram epifenômenos li-gados a fé.

Palavras-chave: Bonito-MS. Sinhozinho. Fenômeno Religioso. Santos Populares.

A

romaria de Nossa Senhora Aparecida-MS compõem-se por diversos momentos que expressam a experiência vivida pelos devotos em suas práticas religiosas, dentre esses, destacam-se as referências culturais, históricas, emocionais e espirituais ligadas ao “santo milagreiro”1 conhecido por Sinhozinho no

município de Bonito-MS. A presença do santo marca a religiosidade popular local relacionada a formação de valores sagrados expressos pelos grupos devotos na criação de rituais (queima de velas, ofertas de flores, caminhadas de fé, celebrações de missas, rezas na capela) praticados em sua homenagem.

SINHOZINHO: UMA EXPERIÊNCIA DA

RELIGIOSIDADE POPULAR EM MATO

GROSSO DO SUL*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 26.05.2019. Aprovado em: 29.10.2019.

** Pós-Doutora em Geografia (UFPR). Docente e pesquisadora do Curso de Licenciatura em Geografia e do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (UEG/CCSEH). E-mail: mariaidelma66@gmail.com *** Mestranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Interdisciplinar em Territórios e

Expressões Culturais no Cerrado (UEG/CCSEH). Bolsista CAPES. E-mail: layannaeste-fanny@gmail.com

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A cultura popular correlacionada à religião promove em determinados lugares a li-gação de pessoas, de acordo com seus feitos, aos santos. Entre os santos cultuados pelos católicos, em Bonito, destacam-se: São João, São Pedro e Nossa Senhora Aparecida. De acordo como mencionado é durante a romaria rural em homenagem a Nossa Senhora Aparecida que se venera Sinhozinho. Os devotos relacionam sua fé, a existência do santo promovendo, assim, a “ro-maria do Sinhozinho” dentro da ro“ro-maria de Nossa Senhora. Os significados coletivos da comunhão experimentada entre as imagens religiosas constituem a experiência com o Sagrado. As imagens simbolizam a confiança dos indiví-duos no poder dos milagres a serem alcançados.

A devoção do povo, que crê, é parte de uma construção inacabada na história dos gru-pos que vivem o catolicismo popular no Brasil. Cabe mostrar nessa discussão a visão de Geertz (1989) quanto à apropriação do homem sendo enigmático em seu meio, por isso mesmo, incompleto, que o leva à necessidade de inter-pretar e compreender seu mundo cultural. As experiências religiosas geram representações simbólicas produzidas por várias percepções pessoais, sociais, sentimentais e discursivas. Isto posto, essas refletem nas crenças em seres espirituais, que fizeram parte da vida cotidiana. Os devotos passam a ser os produtores de cultura, logo, de religiosidades. É nesse contexto que se insere a história e a veneração a Sinhozinho, bem como, se estabelecem as relações simbólicas, rituais e culturais que sustentam esse fenômeno religioso, no in-terior da fronteira oeste do país.

A CONSTRUÇÃO DA DEVOÇÃO EM SINHOZINHO

A experiência humana com o sagrado perpassa a necessidade de se viver o intocável. A construção cultural que se faz sobre Sinhozinho, simbolicamente, é trans-mitida e expressa nos objetos, a ele associados. Os símbolos produzidos de-marcam o lugar onde ocorrem o fenômeno. A vivência materializa-se em ação passível de interpretação tida como inesperada.

Geertz (1989), ao enfatizar a ação humana e sua capacidade de desenvolver ativida-des no universo singular exteriorizado, apresenta como compreensível esse mesmo universo, mas, alude que os agentes culturais, também constroem e apropriam-se dessas ocorrências nos seus aspectos individuais e coletivas. Logo, os efeitos produzidos pelos agentes culturais são relacionados as for-mas que ligam os seres humanos aos venerados sagrados, para muita parcela dos moradores, essa assertiva explica, o mito em questão. Durante a pesquisa de campo, perceptivelmente, a devoção ao “santo milagreiro” pauta-se nas ex-pectativas humanas no campo religioso de se estabelecer vínculos existenciais com o Sagrado, ou seja, com os céus para enfrentar os conflitos rotineiros, em momentos de desalinhos daquilo que é sagrado. Assim, cria-se a proba-bilidade de se produz uma ação interventora no cotidiano. O fiel espera ser recompensado em suas lutas existenciais, por meio de relação de trocas com o santo com quem estabelece confiança. Essas relações foram materializadas

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ao longo dos tempos por relatos ditos, escritos e vivenciados por aqueles que professam a fé nos santos.

Assim, pode-se corroborar para a análise da figura de Sinhozinho como santo popular. Sabe-se que a religião pode ser inserida nos contextos históricos tanto com linguagens escritas, quanto transmitidas oralmente. Para Koselleck (2011), as histórias construídas com seus termos apropriados, em determinados tempos, são desprovidas de estruturação e registros, e com o passar dos tempos, os termos empregados, tendem a se transformarem, porém mantém certa duração e se repetem na história. Quando se refere aos termos, as histórias construídas em torno da vida de Sinhozinho, pode-se inferir que as explicações no campo mítico se tornam indicações para uma análise escatológica. Sabe que no caso estudado, o “santo” relacionou-se tanto com a vida religiosa da cidade, quanto tornou-se elemento da própria religiosidade local. Nesse sentido, Sinhorzinho é visto como ser histórico e suas experiências no presente são rememoradas nas celebrações de romaria. Há de se considerar que, a produção de diferentes realidades em torno do “santo milagreiro”, pode ser explícita, oculta, interpre-tada ou reinterpreinterpre-tada pelo passado revivido. Os eventos podem ser repetidos e renovados, por meio de concepções criadoras constituídas pelos moradores, visitantes e devotos.

A história de Sinhorzinho insere nos contextos das vivências sertanejas. No processo histórico desdobrado pela colonização, a religiosidade popular também mo-veu o povoamento no interior do sertão (HOORNAERT, 1992; CHAUL, 2010) aflorando várias práticas e mitos que circunscreveram histórias diferenciadas. As expedições mineradoras aos sertões promoveram o estabelecimento dos primeiros arraiais e vilas que chegavam à categoria de cidades. O movimento bandeirista, que data desde meados do século XVI, geraram modificações nos âmbitos econômicos, administrativos e políticos. O Centro-Oeste, nesse his-tórico, marca um ritmo de temporalidade alternado entre a ambição de posse pela coroa portuguesa e sua tentativa de se projetar no espaço.

Exemplos dessas experiências expedicionárias são notados nas medidas burocráticas de controle excessivo através da cobrança de impostos e das punições dos grupos contestatórios no período colonial de acordo com Chaul (2010). As decisões demarcatórias das terras ocupadas no sertão são versadas pelo poder real ao visarem obter para si os recursos da colônia pelo protagonismo dos agentes políticos nas descobertas territoriais. Holanda (1963) já havia desta-cado o projeto colonizador com sentido aventureiro em que o movimento dos bandeirantes esteve projetado ao interesse de se apoderar dos recursos natu-rais e materiais do interior do Brasil.

Os fenômenos culturais em termos religiosos, bem como, as expressões populares presentes em muitos lugares, ainda, são pouco estudados, mas ao reconhecê--los percebe-se a riqueza que permeia, a linguagem, os costumes e as crenças do povo local, esses reafirmam e dão ao lugar, as identidades culturais. Nesse contexto afloram certos aparecimentos de manifestações territorializadas com apelo religioso. Às vezes, esses surgimentos correlacionam-se ao mito, pois

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o mito é uma realidade cultural extremamente complexa [...] Ele relata um aconte-cimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’ [...] É sempre, portanto, a narrativa de uma ‘criação’: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser [...] Os personagens dos mitos são entes sobre-naturais [...] É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje (ELIADE, 2008, p. 11-12).

Assim, os santos populares são considerados esses entes, pois, são capazes de exercer poder sobre os mortais e atuarem em favor de suas lamentações e agradeci-mentos. Assim, os devotos, quando têm seus rogos ouvidos diante da ação dos oragos, alegram-se com o atendimento de suas preces e envolvem-se ainda mais nas ações religiosas. As epifanias presenciadas e vivenciadas pelos fiéis corroboram para que os laços espirituais se fortaleçam, é comum então, doa-ções de recursos pessoais e pagamentos de promessas e votos. Esses vínculos são proeminentes das crises existenciais, em que se buscam as respostas no campo celestial, porém essas geram os conflitos das experiências religiosas. De acordo com Eliade (1992, p. 97),

[...] os conteúdos e estruturas são resultados das situações existenciais imemoriais, sobretudo das situações críticas, e é por essa razão que o inconsciente apresenta uma aura religiosa. Toda crise existencial põe de novo em questão, ao mesmo tempo, a re-alidade do Mundo e a presença do homem no mundo: em suma, a crise existencial é “religiosa”, visto que, aos níveis arcaicos de cultura, o ser confunde se com o sagrado. Conforme vimos, é a experiência do sagrado que funda o mundo, e mesmo a religião mais elementar é, antes de tudo, uma ontologia. Em outras palavras, na medida em que o inconsciente é o resultado de inúmeras experiências existenciais, não pode deixar de assemelhar –se aos diversos universos religiosos. Pois a religião é a solução exemplar de toda crise existencial, não apenas porque é indefinidamente receptível, mas também porque é considerada de origem transcendental e, portanto, valorizada como revelação recebida de um outro mundo, trans-humano. A solução religiosa não somente resolve a crise, mas ao mesmo tempo, toma a existência “aberta” a valores que não são contin-gentes nem particulares, permitindo assim ao homem ultrapassar as situações pessoais e, no fim das contas, alcançar o mundo do espírito.

Os religiosos assumem a sua existência no mundo passando a ser reconhecíveis. Se-jam quais forem os contextos históricos em que se encontra o homem ao crer no supremo, ele se instala perto dos deuses e vê sua origem sagrada por um modo de reconhecimento. Nessa concepção, ocorre a criação do mundo pelo sagrado e há o conhecimento de outros homens religiosos do passado. O in-divíduo se conhece, há o experimentar de si, as suas possibilidades, obtendo experiências racionalizadas ou não.

A aura religiosa do fiel interage com o cosmo. Ela funciona nas devoções e ele forta-lece a experiência entre o todo poderoso, o céu e o tremendum. Para Eliade

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(1992), o inconsciente é onde sobrevive essa força, sendo entendida como onipotente, chegando do alto e criando os lugares no espaço. Invade outro mundo, se agigantando e assim surpreendendo com esses seres. Os devotos almejam a proeza de receber graças. Ele pode ser afastado pelo mal e como reflexo ser surpreendido pelo bem.

No período de 1940, em Mato Grosso, o Distrito de Bonito era habitado por migrantes que residiam em fazendas e criavam gado. Costa (2010) expõe que a ativi-dade pastoril e mineradora foram as principais ativiativi-dades econômicas que marcaram esse período. A análise citada tem como objeto o município de Bonito que era um distrito de Miranda, a autora destaca a vinda de muitas famílias migrantes no início do século XX, a procura de terras devolutas. De acordo com a tradição oral local, no vale do Miranda havia mineiros, paulistas, rio-grandenses que foram atraídos pelas pastagens, roças de sub-sistência, criação do gado e glebas de terra. As atividades agropastoris eram produtivas além do engenho de cana, a fábrica de açúcar, os carros de boi e a produção de mandioca. Produtos eram transportados para os municípios vizi-nhos como Bela Vista, Porto Mortinho, Noiaque e Miranda.

Nessas transições históricas, a evolução dos fatos para 1940, problematiza um con-texto no qual o Distrito ainda se mantinha com atividades do campo e havia a clara necessidade de médicos que pudessem tratar os doentes. Assim, estes passaram a procurar as curas de Sinhozinho, que, com poucos recursos, re-vertia o estado de saúde dos enfermos. O feito foi propagado como um fenô-meno miraculoso.

O fenômeno religioso não só alterou as relações do local, como foi noticiada pela voz do povo, chegando até as autoridades encarregadas de extingui-lo. De acordo com as narrativas locais, Sinhozinho foi aprisionado pela guarda territorial e levado a Ponta Porã, de onde nunca mais voltou à cidade de Bonito, ficando sua força espiritual representada nos milagres narrados e atribuídos a sua pessoa. Sua representação é mantida culturalmente e a de-voção dedicada é vivida de geração em geração. Em conteste a fé popular, discursos são construídos pela igreja e outros segmentos da região afirman-do que Sinhozinho não é oficialmente aceitos pelo catolicismo oficial, e ainda é posto como agente que desvirtua sujeitos dos seus trabalhos, pois no passado aproximadamente 60 a 80 homens, ficavam por vários dias, envol-vidos nas rezas e rituais ocorridos nas capelas2 . Os grupos dominantes do

local resistiram a sua figura, mas os devotos, com fé, desenvolveram o culto à sua imagem. Essa imagem tem um poder santo para os que o acompanham e sentem gratidão pelas suas obras.

Assim, entre 1940 a 1944, Sinhozinho se tornou um fenômeno religioso, sua imagem vinculou-se ao milagreiro de Bonito-MS. No blog Bonito por natureza (LE-ANDRO NETO, 2009), encontra-se o seguinte texto:

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mensageiro Divino. Aqui nesta cidade de Bonito esteve pregando o evangelho de Cristo, e fazendo curas e milagres. Até a própria farmácia não vendia mais as suas drogas, todos que se sentiam doentes, iam ter com ele, o remédio dele era cinza com água, e água fluída, benta, e todos que tinham fé dali já saiam curados, e na capela dele tinha três santas cruzes e ali parava fazendo o sinal da cruz, e assim passava todas as noites rezando, caminho de joelhos, fazendo penitência e fazendo a volta de duzentos metros em círculo, ali ele permanecia sentado, recostado, onde o povo passava na frente dele para receber a benção, e fazendo vários sinais para o alto. Conforme ele deu os sinais, ele ainda virá do ano de 1976 em diante, poderá vir diferente, estamos esperando a sua volta. O mestre apareceu aqui em agosto de 1944, cantando santa cruz de vários lugares, ia a todas as casas que aceitavam a salvação, catequizando o povo, e fazendo curas, só alimentava de frutas, mandioca e peixes.

A postagem ressalta a indicação de um mestre para o seu povo em uma coletividade de experiências com o sagrado. Nessa narrativa há o entendimento de seu retorno como parte dos ditos messiânicos sebastianistas3. Entende-se o seu

apareci-mento como um moapareci-mento sublime e inesperado despertando em alguns da lo-calidade, a ira, em outros a religiosidade. As orações e curas são explicações comuns entre os devotos que vão à capela e se ajoelham diante das imagens dos santos. Outra consideração em questão é a visão de santidade sobre sua figura e seus milagres. Suas práticas são voltadas para o catolicismo, apesar disso, é visto ora como curandeiro pelo povo, ora como messiânico e asseme-lhado a outros santos de conhecimento social. O fenômeno popular discutido, é reinserido em Bonito/MS carregado do potencial sagrado com expressiva carga de valores presentes nos rituais, mas que se manisfesta no consciente e no inconsciente estruturando a realidade cotidiana com o ser venerado. No campo da Ciência da Religião, o sagrado é uma construção do homem

alimen-tando os seus anseios, através da sua capacidade criadora e geradora de va-lores coletivos em seus espaços. Logo, o mesmo homem consegue vivenciar experiências religiosas por meio de suas relações pessoais e sociais com as santidades que lhes capacitam a desenvolver suas expectativas com o mundo e consigo mesmo. Faz-se necessário perceber como um fenômeno religioso pode se manifestar em diferentes ícones representados por santos e santas da igreja e do povo, e ainda sim obter um mesmo poder sagrado entre duas reali-dades distintas. Na concepção de Croatto (2001, p. 141):

Para entender a linguagem religiosa (símbolo, mito, rito), é necessário partir da expe-riência do sagrado que a própria linguagem quer comunicar. Do contrário, trabalha-se sobre termos sem seu correlato na vida. Mesmo que a finalidade da vivência religiosa seja transcendente (por enquanto, o “sagrado”), trata-se de uma experiência humana, própria do ser humano e condicionada por sua forma de ser e pelo seu contexto histó-rico e cultural [...].

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Demonstra-se a presença do indivíduo como portador de uma ação que produz não só acontecimentos culturais através dos rituais e símbolos, mas reforça uma atuação engajada e revezada pelos protagonismos que encontram no sagrado uma fonte idealizadora de suas causas e apropriações materiais de objetos simbólicos. Ele experimenta, cria e recria as condições para suas aspirações celestes e terrenas.

Os símbolos (cruz, água benta, imagem de Nossa Senhora e capelas) são referen-ciados com elementos materiais e mais do que isso, são transformadas por seus sentidos polissêmicos, assumem-se como linguagem dessa comunicação com o sagrado, eles são partes imprescindíveis da experiência religiosa, como pondera Croatto (2001). Os sentidos dos símbolos presentes nos momentos hierofânicos na/da presença de Sinhozinho reforçam o mito em Bonito/MS. A imagem física de Sinhorzinho foi representada por roupas de tons claros, cabelos compridos e loiros, olhos azuis e pele clara, que se comunicava por gestos e ainda escondia seu braço esquerdo. A imagem mental do Sinhozi-nho configura-se no imaginário popular e se fortalece com a descrição de um milagreiro sem registros oficiais que possam revelar a sua origem e o seu desaparecimento no território sul mato-grossense, diante dessas descrições da realidade reitera-se o mito.

A influência desse fenômeno na crença local é mantida na aparição dos testemunhos que ainda sobrevivem, nos dias atuais, amalgamando a vida e o culto à Si-nhorzinho. Isto posto, observa-se que a subjetividade das descrições sobre a sua vivência perpetua o sentido do sagrado, não só na tessitura de um segui-mento que aceita os seus ensinasegui-mentos, mas, também pela presença de todo o conjunto simbólico que o rodeia. Ainda no imaginário, Sinhorzinho é dado pela imagem de um homem simples que se destacava pelos seus milagres, andava com seus carneiros, deixando suas cruzes e curando doentes ao longo de sua jornada pelo município de Bonito.

A sua imagem ainda permite uma associação a de São João Batista, bem como a de Antônio Conselheiro e outros beatos que desempenharam suas lideranças en-tre as comunidades e povoados, por onde passavam e viviam. Grande parte desses ícones religiosos deixa marcas simbólicas vistas nos objetos deixados, como as cruzes, os rosários e outros pertences que ajudam a construir tempos e espaços sagrados, pois as imagens, os arquétipos e os símbolos mediante suas vivências e valorizações constituem-se em boa parte, os estilos culturais. A devoção de Sinhorzinho a Nossa Senhora Aparecida atraiu outros devotos à capela. Ao introduzir a imagem da santa, as devoções se entrelaçaram e se alteraram, um denso amálgama se faz entre esses seres venerados. Nessa relação, às expressões de linguagem religiosa se emaranharam: o símbolo se manifesta, o rito se faz. Segundo Croatto (2001, p. 350), “o rito reforça a eficácia sacra-mental que o mito já tem e o mito especializa o sentido do rito e ambos atuam como modelos da ação humana”. Para o autor, o rito é coletivo e socail, vivido por um conjunto de gestualidades religiosas (adoração e sacrifício). Ainda acrescenta Croatto (2001, p. 350):

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O conjunto de valores simbólicos da ação ritual, acima exposto, reforça o valor opera-tivo do rito em termos de eficácia sacramental: como repetição de uma ação divina pri-mordial (narrado no mito, agora recitado e “atuado”), considerada como instauradora de uma realidade, o rito não pode deixar de “recriar” aquele acontecimento originário. O ser humano religioso sente que na ação ritual, algo “é produzido”. Ainda mais: o que é feito no rito não é uma ação humana, mas dos Deuses, e por isso deve ser eficaz, criadora como a ação relatada no mito correspondente.

No rito como posto pelo autor, ocorre um efeito dado pela ação dos Deuses para o homem religioso. O acontecimento está no ato em que a criação divina opera no sentido da prática religiosa. Nesse momento, o ritualismo oferece segurança para quem está na estrutura dessas experiências humanas. Croat-to (2001) identifica o ciclo de vida, (nascimenCroat-to, maturidade, patrimônio, morte) ou da natureza (ano novo, semeadura, colheita), nas fases com seus ritos particulares. O valor simbólico desses fenômenos reflete a reposição de energias e sentidos.

Ainda reforçando essa perspectiva, o autor em tela entende a experiência humana como relacional, além de associá-la à natureza e ao outro, a medida em que o viver humano passa a ser intersubjetivo. A busca é uma característica do ser em sociedade aspirando um novo caminho, uma vida melhor, a saúde e as metas que possam ser e cumpridas, conforme refere o autor. Para outra visão deste entendimento recorre-se a Eliade (2008), pois para o autor, os fatos sagrados são manifestos por hierofanias. Essas mudam seus significados com o tempo e com o grupo, mas são absorvidas pela experiência religiosa. O sujeito simbo-liza o seu o mundo externo. Considera-se que essas exteriorizações, segundo Eliade (1992), estão no inconsciente do ser humano onde o sagrado trans-cende o mundo comum, viabilizando o sobrenatural nos espaços reveladores dessa força. Na trajetória de vida do santo estudado, essa relação associa-se aos construtos descritos no período de sua vivência e morte.

Sinhorzinho é narrado como um homem que viveu no anonimato sem identificação, e invocado como uma exemplaridade de atitudes que continuam sólidas no pensamento popular e desafiadoras pelos atores aos quais se oporiam per-manentemente a sua prática religiosa. Ele abriu algumas passagens para a vivência dos religiosos no período compreendido entre (1940-1944). Inclui-se evidenciá-lo como um ser diversamente reelaborado, imagético e destemido que andava pelas fazendas e nos lugares subjetivados, quando a população vivenciou suas manifestações sagradas. As ilustrações de sua vida coletiviza-da colaboram nas narrativas históricas interpretando um caso existente como inusitado para o contexto histórico da década de 1940. As suas histórias são aceitas e nesse intercurso passam a serem respeitadas. Seus costumes e suas aproximações com o catolicismo são pronunciados sobre uma rotina não re-presentada na totalidade, porque a realidade é bem ampla, apesar de a sua história começar popularmente no ano pronunciado.

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Ao descreverem sua morte como um evento trágico pela tortura dos policiais que lhe prendeu e o violentou4 por fazer milagres para o povo, ao impossibilitar os

comerciantes de vender suas drogas medicinais, passou a ser imortalizado no discurso popular e diante disso, cultuado como um ente espiritual entre os vi-vos. Falava com as pessoas e depois desaparecia. Muito de seus gestos sociais são intraduzíveis pela linguagem comum e a sua força geradora de milagres descrita como um homem do bem, o edifica como incomum pela sua sabe-doria, onde grupos informam que ele portou-se com um sermão pertencente a esse mundo. Vida e morte são dois fatos biológicos conectados ao passado misterioso desse agente transferindo-o a um roteiro da sua existência. Mesmo quando desapareceu, sua ligação com os devotos não foi rompida do cenário de devoção.

A sua imagem foi sendo cultivada até o ponto de materializar sua experiência na his-tória da cidade. As vivências de Sinhozinho em 1940, são explícitas como marcadoras dessas relações religiosas, onde a sua pessoa entra em cena, antes de ser uma santidade. Depois se torna intercessora de outros santos, tanto nas fases da sua vida quando vivo, quanto da sua morte na elevação de um outro plano espiritual, além de ser uma espiritualidade superior aos outros homens em um período em que os padres se passaram como figuras quase inexisten-tes na história do contexto desse fenômeno, em vista dos diversos poderes religiosos que foram sendo atribuídos a Sinhozinho. Em decorrência dessa religiosidade se constituiu a romaria a Sinhozinho.

A ROMARIA DE SINHOZINHO EM BONITO-MS

Sinhozinho é lembrado por fazer remédios, alimentos, profetizar, benzer e castigar os de-sobedientes. Entre outras menções, Sinhozinho é venerado como santo do povo e em outras inclinações, que não suprime o caráter construtivo dos seus devotos, pode ser considerado como fundador da romaria que celebra Nossa Senhora Aparecida. O agente é um dos construtores da devoção popular manifestada na capela que foi, pouco a pouco, ampliada e ocupada por inúmeros indivíduos. Os seus fiéis iam a pé ou a cavalo. Atualmente foi redimensionada e tornada uma tradição religiosa do município de Bonito. As imagens santas do sujeito reli-gioso estão espalhadas na capela entre vivos, mortos, ex-votos, orações e velas. Sinhozinho só entrava em templos católicos e construía capelas, fincando uma cruz nas fazendas por onde passava com seus acompanhantes. A igreja, narrada na lin-guagem do povo, era feita de bacuri e os seguidores auxiliaram-no a erguê-la, assim como auxiliaram a erguer outras, utilizando tabuinhas5, como era comum

naquele tempo.

As devoções prestadas a Sinhozinho e Nossa Senhora Aparecida, marcam a religio-sidade popular dos catolicismos praticados em Bonito/MS. Ao remeter a ro-maria do Sinhozinho, entende-se antes de qualquer evidência, que esse per-sonagem popular é um agente ajustado nas imagens mentais experimentadas por seus viventes nos cenários ofertados a um ritual religioso. É conservado

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por uma função comunitária de fé e tem uma devoção que se manifesta desde 1940, tomada como referência sólida com seu legado passado de geração para geração. A romaria é celebrada com regras próprias em um círculo de devoção e nessas colaborações é compartilhada entre vivos, mortos cultuados e santos expressivos dentro de uma recriação pluralizada e imaginada.

Os valores religiosos de milagres, modos pessoais de ser e feitos extraordinários dos sertanejos são algumas das várias expressividades dos que frequentam e vi-vem a religiosidade popular. Durante a romaria, o povo venera a imagem re-ligiosa do Sinhozinho como santo popular revezando a fé e a adoração com a imagem de Nossa Senhora Aparecida, essa partilha do espaço não coloca em oposição as imagens das santidades, mas se promove a valorização, socializa-ção e a sacralizasocializa-ção dos santos através do fenômeno religioso.

A devoção religiosa a esse sujeito místico e religioso produz uma transignificação dos símbolos e ritos praticados sobre os objetos que são usais no evento ou em outras datas. As narrativas remontam ao início da década de 1940, quando a primeira estrutura de sua capela foi concretizada e instituída com material de madeira coberta com palha. Os seguidores antigos reconhecem esse local asso-ciado a capelinha do Mimoso. Segundo os depoentes, Sinhozinho plantou um cruzeiro dentro do lugar e lhe fundou com a ajuda do proprietário das terras e de outros homens que andavam em orações e núcleos coletivos, lhe auxiliando no que fosse preciso como erguê-la para fins de orações, novenas e ritos, no intuito de promover as suas vivências com os seguidores neste contexto. O fenômeno religioso iniciado por Sinhozinho chegou até a prática da romaria.

Ao manifestar as crenças, os devotos continuaram prevalecendo em orações e peregrinações até o momento atual. Atualmente, à capela fica localizada na fazenda Estrelinha. Nos relatos de Theodorico de Góes Falcão (s/d), Sinho-zinho era devoto da imagem de Nossa Senhora Aparecida. A mesma santa é a padroeira dessa capelinha. A dinâmica desse espaço do Sinhozinho é arti-culada por visitas, celebrações e rezas onde se manifesta o rito da romaria. No local os devotos deixam flores, objetos de santos, orações esses elementos dão as significações da crença. A influência das práticas do Sinhozinho como fenômeno religioso perpassa a ideia de Croatto (2001), como resultante da produção de símbolos e da reprodução dos aspectos culturais que se articulam nas relações ligadas a explicações sagradas e as expressividades gestuais das vivências populares. O santo de uma comunidade tem uma experiência devo-cional e por isso, ele é revestido de rituais simbólico e cultural. O Sinhozinho faz o papel de fundador da sua capela, elegendo a padroeira, mas apesar disso, reveza outros papéis religiosos. Desse modo, sua santidade não segue um pa-drão individual fixo ordenado de valores, é plural.

No dia 12 de outubro, o dia da missa oficial à Nossa Senhora Aparecida, no turno da manhã, quando o espaço é ocupado e visitado por um conjunto signi-ficativo de pessoas com diversas faixa-etárias, condições econômicas, do próprio município e de outras cidades com interesses e propósitos reli-giosos nem sempre plenamente católicos. O padre local forneceu algumas

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informações sobre essas crenças em Sinhozinho, ao reforçar que a devoção é irreversível e inalterável para os devotos quanto a interrupção da romaria do Sinhozinho. O trajeto dos romeiros até a capelinha se inicia por volta da meia noite feito por uma rota com velas e lanternas e seguem cantando, rezando e crendo na intercessão dos santos de confiança. Nos caminhos direcionados até o espaço, os romeiros alternam os seus motivos internos, onde pagam suas promessas.

A peregrinação nessa data inicia-se com uma procissão realizada para Nossa Senhora Aparecida, segundo a depoente F.R. (maio 2014):

[...] no dia 12 de outubro e no dia 23 pro dia 24 de junho tem uma reza lá na capela. Dia 23 pro dia 24 é mais famílias que tão ali de quem mora no entorno. No dia 12 de outubro acontece essa reza, a gente sai daqui da cidade por volta de umas três, quatro horas da manhã. Vai a pé até lá pra agradecer, pra fazer um pedido e assim com muitas fotos, é muleta, cabelo de pessoas que conseguiram alguma graça e aí elas deixam lá. E aí, geralmente as pessoas também levam, é frutas, balas, porque vai muita criança, né, então aí como uma forma de confraternização mesmo, né, que é esse encontro.

Quanto ao percurso dos peregrinos que caminham até a capela em jornadas subjetivas e ao mesmo tempo se relacionando com os santos, é perceptível nas narrativas haver um revezamento de fiéis com suas orações e suas promessas nas quais variam de ano, santo e pedidos. As pessoas pagam promessas para Nossa Senhora Aparecida e pedem graças para o Sinhozinho. Passam a conhecer a história do Sinhozinho e se aproximam dos objetos que estão dentro da capela. Surge assim uma força na qual mistura o objeto, a gestualidade, ao direcionamento do povo, nas rezas de seus seguidores, na espiritualidade, nos intercessores e na afetividade de todos os que conviveram com seus ensina-mentos religiosos pelo apreço.

Segundo Brandão (1985), é um contato sensível sendo consciente e inconsciente da lembrança fluindo em tempos sociais até mesmo no devaneio poético e afetu-oso daquilo que se toca fundo no espírito e liberta as maneiras de sentir e ser. O depoente N. C. (outubro 2017) relatou sobre as santidades:

o milagre que eu recebi bem, que eu tava mau demais. Eu perdi minha mãe, perdi meu pai, mas só que na idade, né. Então, fiquei tipo assim, um passarinho. Sabe aquele pas-sarinho, assim. Sem rumo, volto todo dia 12 por promessa, faz promessas para os dois, faz reza, quem tiver junto, a minha fé de Deus [...].

No depoimento, o senhor O. P. (outubo 2017), devoto do Sinhozinho, narra algumas das suas enunciações após ser indagado sobre a devoção de Sinhozinho com Nossa Senhora:

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E Nossa Senhora Perper do Socorro sempre tava citando. E ele dizia muito assim pelas mímicas. Atendei o reino de Deus pelo seu filho Jesus amado. Não deixe de crer em Nos-sa Senhora Aparecida e quem está a seu lado que é NosNos-sa Senhora Perper do Socorro com a Nossa Senhora de Fátima! Que veio ao mundo pra avisar os pastorinhos para que o povo reze o terço quantas vezes possa. Isso tudo é da história sagrada.

As indicações apontam um homem religioso ao despertar a religiosidade e são notó-rias tanto no passado, quanto no presente. A imagem está entre os relatos e as ilustrações públicas na internet com os romeiros que vão até a capela. Estar entre outros santos canonizados é um sentido de igualdade no qual edifica-se e sacramentaliza-se o culto popular. Sua linguagem e gestualização entre as autonomias dos viventes se entrelaçam. Sinhozinho é um santo ao qual não se ausenta dos seus imaginários simbólicos em uma localidade, mas se sustenta. O local não é fechado por uma definição acabada, pois o sagrado transcen-de na força das transcen-devoções. As virtutranscen-des transcen-desses santos se manifestam entre as capelas, cruzeiros, túmulos, diferentes cidades e estados, oficializados e não oficializados. Incorpora o discurso de pessoas e se vincula nas almas que se dizem milagrosas ultrapassando o símbolo como objeto.

Posto isso, esses homens do sertão desencadeiam uma força poderosa regida entre es-ses espaços como lugares incomuns, vertendo à materialização. O indivíduo é escolhido, por isso há algo de inusitado e secreto, o que o torna diferenciado de outros homens não desprovidos das mesmas graças. Além desses persona-gens participarem da santidade, também se beneficiam ou podem estabelecer um contato mais intimidador e interativo. É perceptível como a invocação de Sinhozinho é encontrada entre as imagens dos santos reconhecidos pela igreja, algumas replicadas logo mais à vista, mas todas elas correspondendo a outras religiosidades espelhadas entre o artesanato, a ornamentação, poder e a materialização objetual.

Nessas descrições é verificável que tanto a religiosidade quanto o termo popular refle-tem-se em um círculo entre o território, o homem e a santidade. A santidade se torna uma junção entre ter, entre ser e mostra-se como o devoto atua em seus cultos através desses apontamentos ao articular-se com vivos e mortos. A produção de significado extrapola os limites materiais e humanos. Essas ideias são

sen-tidas e são aceitas pela vontade na qual a realidade seja semeada pela esperança entre os crentes. A teologia é estudada na crença popular. Esta se espalhou pelas cidades, pelos desconhecedores da cultura letrada e nos universos partilhando a religiosidade em comum. O inesperado vem a ser um evocativo de ação entre os santos. Essa discussão é feita por Soares e Pinto (2015), que, em uma abordagem antropológica, constroem o relato etnográfico da santidade da santa italiana. A narração da experiência mítica e o efeito de cura nos relatos dos devotos abor-dam o fenômeno milagroso no perfil ao qual se destaca uma revelação. O seu viés teológico mostra como os homens mantém um contato com o sagrado e com o milagre sendo resinificado ao ato do devoto se relacionar com o santo.

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os entrevistados relataram casos de curas de doenças. São narrados exemplos de milagres, como a cura do crupe em uma menina desenganada pelos médicos, em 1940. O milagre teria se dado por meio de uma novena feita por Sinhozi-nho. A sobrevivente era viva até data de produção do documentário. Em outros exemplos, houve a cura de uma senhora com problema nos olhos. Na beira do rio, o beato fez as benzeções, jogou água nos olhos da doente e a curou.

Esses fenômenos miraculosos são narrados por pessoas com linguagem simples e entre alguns exemplos, com poucos recursos. Na confirmação de ser ou não ser um santo determinado pela autoridade da Igreja, não se extingue o poder popular na narrativa do extraordinário e não se exclui os incluídos da história que vem à tona pelo povo entre suas devoções. As romarias criadas aos fenômenos religiosos justificam a sua vivência, a morte e, sobretudo a sobrevivência do santo popular. O narrador responde aos seus desejos e elabora a coletividade muito além dos limites

culturais. Os fenômenos religiosos acontecem sem haver um planejamento do lugar, de explicação, de época e se manifesta no sagrado, entre as famílias e nos grupos sociais.

Na tese de doutorado de Jurckervicks (2004), a devoção e a religiosidade popular his-toricamente se manifestaram de maneira espontânea e de forma racional no âmbito do sagrado como elemento estruturante. A autora narra o evento das romarias religiosas e pessoas queimando velas na manifestação do fenômeno religioso Maria Bueno em Curitiba. Em seu em torno, devotam a gratidão. Nos apontamentos da sua tese constrói-se a expressão do povo com uso de flores, fitas, votos, placas, peças e votos no geral.

Com isso, a sacralidade é explicada na tese de Jurckervicks (2004) pela ação dos mártires visionários, os considerados fazedores de milagres, dotados de fé para atender os mais necessitados. Em termos históricos, os votos de caridade e a peregrina-ção dos grupos religiosos evoluíram para chegar à consciência de que a religio-sidade é histórica nos cultos populares. Visualizando uma santidade de virtudes cultuadas e privilegiando o espaço do fenômeno religioso, vemos nesse percur-so a transformação da categoria de santidade popular ao longo dos séculos. Nessa linha reflexiva, a santificação é um processo histórico respaldado no período

medievalista, citando as cerimônias públicas, novenas, trezenas, rezas, roma-rias, procissões, alegoroma-rias, cultos piedosos e a intervenção dos portugueses nos oratórios, capelas, altares, casas e no catolicismo doméstico. Entre o clero regular e o misticismo, Jurckeviscks (2004) também mencionou em seu estu-do que a fé tem um sentiestu-do que se sobressai nas igrejas, nas preces e no que a pesquisadora diz ser como uma corrente poderosa para resolução dos proble-mas. Baseada em um referencial teórico, dissertando as práticas populares e a religiosidade como um todo, a sua avaliação se pauta na interação do fiel com o santo sendo ele na posição de oficioso ou oficial.

Em Bonito, Sinhozinho é cultuado como um ser sagrado. Mas ideias em torno dele provocam vários dilemas e acirraram a intensidade das devoções. Os gru-pos religiosos se expressam eventualmente, tanto pela religiosidade popular quanto institucional. Esses seres dignos de homenagem são venerados pelos

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seus caminhos e por um cotidiano coletivo em que as pessoas vão a espaços religiosos e preenchem esses locais com suas orações, história humana, plu-ralidade dos sujeitos e uma consagração, personificando o agente religioso, professando o futuro, a paz, o amor e a união de um Deus provedor de graças. A intercessão à imagem sagrada para quem vivencia a experiência com os segredos di-vinos proporciona o deslocamento das pessoas, sentimentos e principalmente a fé dos devotos no sobrenatural como uma interação simbólica e ritualística sobre os objetos religiosos. Nesse sentido, a imagem/estátua que reproduz a figura de Sinhozinho como santo está posta próximo ao altar de Nossa Se-nhora Aparecida na capelinha construída por ele, na zona rural de Bonito, e é visitada frequentemente por devotos.

Nesse sentido, podemos inferir dos apontamentos de Alves (1984), a compreensão do símbolo como construto humano, sendo este um agente que consegue dar significação para as coisas. A criação dos objetos e o sentido que eles ganham com a transformação do ausente em presente é um dos principais aspectos em que a religião se imprime como uma teia desses símbolos, dos desejos que neles são depositados e logo significados e ressignificados, permitindo haver uma transformação do objeto comum para o sagrado.

As duas referências religiosas mencionadas anteriormente, Nossa Senhora Aparecida e Sinhozinho, são fortalecidas na romaria do mês de outubro, cuja data do dia 12, reúne frequentadores próximos e distantes, no município de Bonito, e de diversas faixas-etárias que visitam o local para cumprirem suas promessas ou fazerem novas depois de se revigorarem com as caminhadas até a fazenda Estrelinha, próxima ao rio Mimoso.

Por isso, são fenômenos religiosos no intermédio de um encontro, uma reza ou mesmo o compartilhar de alguma história, muitas vezes, em família, individualmente, ou com seus acompanhantes. No site Bonito Informa (BLOG PREFEITURA MUNICIPAL DE BONITO, 2014), há uma divulgação do ritual religioso que se refere ao ano de 2014:

Uma multidão, estimada pela organização em mais de mil pessoas, esteve presente a celebração da Romaria do Sinhozinho, que aconteceu neste último domingo (12). Mui-tos devoMui-tos começaram sua romaria ainda sob a luz da lua, e bem antes do sol nascer já era grande a multidão que caminhava em profundo silêncio em direção à capela do Sinhozinho. E por volta das 08 hs da manhã, foi rezada uma missa campal em ação a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Já era grande o número de fiéis do Sinhozinho, que faziam suas orações, ascendia velas e cantavam, emocionando a todos os presentes. Muitas pessoas pagaram suas promessas por graças alcançadas. Foi o caso de A.L.M., uma senhora de 50 anos, que recentemente foi curada de um câncer de mama. “Em primeiro a fé, e a crença em Deus e Nossa Senhora, e depois nos médicos que me curaram. Hoje vim agradecer a cura, e durante todo o trajeto da romaria, senti a presença de Deus”, Comentou muito emocionada.

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Ao exposto remonta-se a Croatto (2001), quando menciona que o ritual é uma ação dos deuses e se repete nos cultos entre as gerações viventes. A festa de romaria é a ruptura do tempo comum, sendo uma expressão religiosa na qual cada grupo se relaciona com o seu Deus. O ritual dentro de uma visão cultural produz os ges-tos, danças e narrativas vividas pelos seus participantes. Por tudo isso, os santos são cultuados e o divino se manifesta em caráter comunitário e participativo. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem de Sinhozinho, no espaço onde se encontra a imagem consagrada como padroeira do Brasil e seus inúmeros devotos – Nossa Senhora Aparecida, é confrontada pela força simbólica e ritualística desse fenômeno religioso. A existência desse agente religioso é ressaltada entre os materiais que avivam a sua imagem como santo do município, passando por constantes discursos e transformações que se reafirmam. Os materiais que formam sua personalidade são ressignificados pelos agrupamentos culturais e religiosos.

O sagrado está ligado a experiência com o transcendente e sua manifestação se repete ano após ano no ritual da romaria, na representação das esculturas, estampas e banners de Sinhozinho, traçando um ser venerado e adorado entre os que lhe seguem com orações, peregrinações e preces que reforçam sua passagem por Bonito. Dessa passagem ocorreu a imbricação com a devoção a Nossa Senhora Aparecida trazendo uma certa simbiose de culto que é tolerada pela Igreja, pois o poder sagrado que perpassa as duas imagens torna-se comunicá-vel e equilibrado na experiência religiosa. Essa experiência é expressa pelas invocações, pela valorização e, sobretudo, pela ação do homem como ser que sente, externaliza e socializa com os demais. A importância desses fenômenos religiosos para a sociedade é uma essência poderosa na religiosidade popular. SINHOZINHO: AN EXPERIENCE OF POPULAR RELIGIOSITY

IN MATO GROSSO DO SUL

Abstract: This article proposes an analysis of the religious figure Sinhozinho, in Bonito,

mu-nicipality located in Mato Grosso do Sul, through devotion and rituals that occurred during the Pilgrimage of Nossa Senhora Aparecida. Residents of the region recognized him as “Holy” miracle worker. The celebration of this party takes place on October 12, the same day of the celebrations to the patron Saint of Brazil. Both devotions occur in the rural space of this municipality. Devotees express themselves between requests and prayers in the presence of the numinous. Thus, these elements are analyzed from the religious experience and their relationship between miracles and appeals to the Saints by their adherents, when the epiphenomena linked to the faith are recorded.

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Notas

1 Várias explicações são dadas pelos moradores antigos da cidade, que outrora (década de 40) conheceram Sinhozinho e o tinha como um profeta, chamando-o de Mestre. Devido seu desaparecimento repentino e a permanente crença em seus feitos milagrosos, ganha adeptos que promovem momentos de venerações a ele, como santo, além da relevância dada aos milagres alcançados pelos devotos, principalmente, aqueles relacionados a cura de enfermidades.

2 De acordo com os depoimentos informais da população local, Sinhozinho construí cerca de 12 capelas na região. Essas capelas eram pequenas, feitas de folhas de buriti, onde ele rezava e fazia seus rituais de curas a quem o procurava, a última capela construída por Sinhozinho, é atualmente o local da romaria de 12 de outubro.

3 DVD produzido pelos moradores de Bonito, no ano de 2005, comercializado na Casa de Memória Raída (Bonito- MS).

4 De acordo com a narrativa local ele foi degolado, esquartejado e jogado no rio próximo ao povoado, desaparecendo de vez da região no ano de 1944.

5 Pequenas tábuas de madeiras para fazer paredes e às vezes coberturas das capelas.

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