• Nenhum resultado encontrado

DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA A INTERNET: O MEME EM ARISTÓTELES, TARDE E DAWKINS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA A INTERNET: O MEME EM ARISTÓTELES, TARDE E DAWKINS"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

Edição 23, volume 1, artigo nº 9, Outubro/Dezembro 2012

D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/2309

www.interscienceplace.org - Páginas 157 de 190

DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA A INTERNET:

O MEME EM ARISTÓTELES, TARDE E DAWKINS

1

Ruana da Silva Maciel 2, Gerson Tavares do Carmo 3, Giovane do Nascimento 4

2

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. ruanamcl@gmail.com

3

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. gtavares33@yahoo.com.br

4

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil.

Resumo - O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas

especificidades dos memes, que são compartilhados na internet, relacionando-os com as teorias de Aristóteles, Gabriel Tarde e Richard Dawkins. Pretende-se ainda, problematizar essa “novidade” – os memes – que, se por um lado é questionada em sua irrelevância, por outro, é enfatizada em sua relevância no fortalecimento da opinião pública que se dá pelo fenômeno da imitação, objeto de investigação desde Aristóteles. Logo, a internet deixa de ser apenas um espaço para a aquisição e troca de informações e passa a ser, também, mais um lugar em que se forma opinião pública. Tal questão será abordada a partir de uma revisão bibliográfica centrada, principalmente, nos três autores acima mencionados.

Palavras chaves: Meme; Internet; Opinião Pública.

Abstract – This article aims to presents some specifics of memes, which are

shared on the internet, relating them to the theories of Aristotle, Gabriel Tarde and Richard Dawkins. It’s intended to still discuss this "newness" – the memes – that, if on one side is questioned in its irrelevance on the other, is emphasized in its relevance in the strengthening of public opinion that is given by the phenomenon of imitation, object of investigation since Aristotle. So, the internet is no longer just a space for the acquisition and exchange of information and becomes, well, more a place where public opinion is formed. This issue will be addressed from a literature review focused, primarily, on the three authors mentioned above.

Key words: Meme, Internet, Public Opinion.

1 O presente artigo foi inicialmente apresentado no III Colóquio Interdisciplinar de Cognição e Linguagem – GT Linguagens Tecnológicas e Redes Sociais Digitais em 12 de dezembro de 2012.

(2)

www.interscienceplace.org - Páginas 158 de 190

1. Introdução

O ambiente da internet proporcionou uma maneira diferente de compartilhar e distribuir informações e intensificou a comunicação entre sujeitos sociais ao redor do mundo, em tempo real ou não. Nesse contexto, observa-se uma variedade de suportes e espaços comunicacionais que se multiplicam rapidamente na web.

As redes sociais digitais (facebook, twitter, google+, youtube, Windows Live,instagram etc.) são espaços da internet que propiciam a troca de mensagens entre usuários. Dependendo de seus conteúdos, da quantidade de vezes que são reproduzidas e vistas, as mensagens fazem sucesso, atingem internautas de todo mundo em um curto espaço de tempo e logo estão pautando as conversas cotidianas. Na internet essas mensagens recebem o nome de meme.

Meme é uma palavra originária do termo grego mimeme e que significa imitar. É tudo aquilo que as pessoas compartilham na web através de fotos, vídeos, charge ou texto seja porque é muito bom, muito ruim, engraçado, bizarro, revoltante ou assustador. Um meme pode gerar polêmica, dividir a opinião pública, se tornar notícia nos veículos de comunicação e até mesmo transformar pessoas desconhecidas em ilustres celebridades instantâneas.

Um meme que ficou muito popular no Brasil (578 mil citações em 12 dias só no twitter2) foi o que envolveu a estudante Luiza Rabello, 17 anos, que da noite para o dia ganhou a página das redes sociais, virou destaque nos buscadores de notícia e se tornou o assunto dos posts de milhares de internautas. Tudo começou quando o pai de Luiza, Gerardo Rabello, gravou um comercial recomendando um novo empreendimento imobiliário da Paraíba e disse a seguinte frase: “e é por isso que eu fiz questão de reunir toda a família, menos Luiza que está no Canadá...”. Foi o suficiente para que a frase “menos Luiza que está no Canadá” virasse mania na web e uma expressão amplamente usada pelas pessoas, principalmente, depois que o cantor Lenine a mencionou em um de seus shows em João Pessoa3, tornando-se

2 Disponível em http://topsy.com/s/luiza/tweet?window=m. Acesso em 26/01/2012, após doze dias que o referido comercial foi ao ar, 14/01/2012.

3 Disponível em

(3)

www.interscienceplace.org - Páginas 159 de 190

em poucos dias assunto de grande repercussão aqui no Brasil e também no Canadá.

A televisão sempre foi uma grande difusora de memes expressões, com a internet essas memes expressões se multiplicam, viram “febre”, e com tantas pessoas conectadas ao mesmo tempo se torna mais fácil disseminar informações, opiniões, comentários, comportamentos e outros. É notório que, na atualidade, qualquer pessoa que tenha acesso à internet pode ver-se no centro do processo desencadeador de um meme ou de um comportamento que será copiado por outras pessoas. Logo, a internet deixa de ser apenas um espaço (porém relevante) para a aquisição e troca de informações e passa a ser, também, mais um lugar em que se forma opinião pública, especialmente entre os nativos digitais4, em sua maioria jovens com acesso regular a internet.

É objetivo deste artigo, portanto, problematizar essa “novidade” – os memes – que, se por um lado é questionada em sua irrelevância, por outro, é enfatizada em sua relevância no fortalecimento da opinião pública que se dá pelo fenômeno da imitação, objeto de investigação desde Aristóteles.

2. A face “irrelevante” dos memes no confronto TV x Internet

Quando escreve a crônica “O poder da irrelevância”5, Zuenir Ventura, nos dois trechos abaixo, oferece oportunidade para abordar o problema, nos quais desqualifica não só fenômeno do meme na internet, mas o próprio meio de divulgação das redes virtuais:

[...] Assim como uma bobagem replicada pode virar notícia, assim também um desacontecimento surge como fato relevante, um brother do BBB pode amanhecer famoso, sem quê nem por quê, ou uma mentira política às vezes ganha ares de verdade. Basta que, jogados na rede, sejam repetidos ou tuitados à exaustão. Como dizia McLuhan nos anos 60, “o meio é a

4 Nativos digitais – expressão criada por Marc Prensky para designar pessoas, em sua maioria jovens, mas não só, “que estão acostumadas a receber informações muito rapidamente. Eles gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar múltiplas tarefas. Eles preferem os seus gráficos antes do texto ao invés do oposto. Eles preferem acesso aleatório (como hipertexto). Eles trabalham melhor quando ligados a uma rede de contatos. Eles têm sucesso com gratificações instantâneas e recompensas frequentes. Eles preferem jogos, mas trabalham sério” (PRENSKY, 2001, p. 2)

(4)

www.interscienceplace.org - Páginas 160 de 190

mensagem”, ou seja, mais do que a forma e o conteúdo, o que importa é o modo como ela é divulgada.

[...] Pouco antes de morrer, José Saramago diagnosticou a “tendência atual para o monossílabo” como forma de comunicação. Ele se referia ao twitter, mas, exatamente, pode-se estender o fenômeno ao meme. A sua previsão é de um pessimismo hilário: “De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”. (grifos nossos)

Como é possível inferir, a partir das expressões grifadas, para o cronista, a internet é cega, irracional, incontrolável, uma força da natureza, em outros termos “burra”.

De forma coerente, continuando a desqualificar o meme, Zuenir, embora não explicite abertamente seu preconceito com relação ao Brasil (em especial o Nordeste) e a juventude brasileira, deixa pistas semânticas reveladoras da desqualificação que mal disfarça à sombra de uma pretensa erudição, sob um verniz de bom humor, sobre a origem do termo meme:

[...] O “caso Luiza” ilustra o fenômeno de consagração da insignificância em que se transformou o meme no Brasil.

[...] O que aconteceu com o meme Luíza foi mais impressionante, porque surgiu na Paraíba e se espalhou pelo país.

[...] a frase “menos Luiza, que está no Canadá”, bordão que se propagou pela internet como se fosse um vírus. Eu disse o bordão? Desculpem, queria dizer meme, o termo da moda lançado em 1976 por Dawkins no seu livro “O gene egoísta”. (grifos nossos)

Na tentativa de uma integração das desqualificações construídas pelo autor, apresentadas de modo explícito, tem-se a seguinte frase:

O meme é uma moda que se pretende nova, jovem, mas é ruim como um vírus e velha como a palavra “bordão”, renomeada em 1976 por Dawkins. No Brasil, por meio do meme Luiza, o fenômeno virtual conseguiu ser transformado no máximo da insignificância porque é coisa de uma geração superficial (juventude) e, impressionante, surgida a margem da desenvolvida Região Sudeste, no Nordeste, na Paraíba.

O equivoco de Zuenir está em considerar o meme Luiza uma onda homogênea, ou que, para os memes em geral, basta ter sido “jogado na rede e repetido a exaustão não importando o conteúdo ou a forma”. Mas como acreditar em Zuenir, se ele próprio usa tradicionais memes preconceituosos, verdadeiras instituições no imaginário popular?

É interessante reparar que autor se vale de memes instituídos e repetidos à exaustão, diga-se fora da rede virtual, para escrever sua crônica: o jovem é

(5)

www.interscienceplace.org - Páginas 161 de 190

irresponsável, irreverente, imaturo; o Nordeste é lugar primitivo, atrasado, de gente pobre e sacrificada pela natureza; “paraíba" é não só nome de um estado nordestino, mas também termo pejorativo para trabalhador braçal e burro; Brasil e brasileiro são sinônimos do mal feito, do “jeitinho brasileiro, do “complexo de vira-lata” e do “narciso às avessas” de Nelson Rodrigues. Memes esses que possuem seus correspondentes conservadores, elitistas, discriminatórios e hierarquizantes: São Paulo é a locomotiva do Brasil, paulista é trabalhador, já o carioca é malandro, o baiano é preguiçoso, o paraíba é burro etc.

Parece então, que na raiz do equívoco de Zuenir está a concepção do que vem a ser um meme, isto porque, apesar de conhecer que “o termo da moda” foi “lançado em 1976 por Dawkins no seu livro O gene egoísta”, optou por reduzi-lo a noção a sinônimo de “bordão” ou talvez preferisse “pré-condição existencial de uma ideia”6

. Excetuando o caráter pejorativo dado por Zuenir, um bordão é um meme, mas um meme não é só um bordão.

Talvez, para o horror de Zuenir, a sua crítica ao meme Luíza não deixa de ser também um meme, quando em quatro de fevereiro, segue a onda do jornalista Carlos Nascimento, que em 20 de janeiro, também desqualifica o meme Luiza, em rede nacional, durante a apresentação do Jornal do SBT. Na ocasião, o jornalista fez seguinte questionamento: “Ou os problemas brasileiros estão todos resolvidos ou nós nos tornamos perfeitos idiotas. [...] uma pessoa que ninguém conhece vira uma celebridade na mídia somente porque o nome apareceu milhões de vezes na internet. Luiza já voltou do Canadá e nós já fomos mais inteligentes”.7

O comentário de Carlos Nascimento por sua vez, parece que discrimina os

6 Em 14/06/2010 a Folha de São Paulo divulgava uma notícia com o título “Internautas transformam ‘Cala Boca Galvao’ em falso single de Lady Gaga”. Nela o repórter “explica” o significado de meme (ver assinalado em negrito no trecho da notícia a seguir):

O jargão "Cala Boca Galvao" (que permanece desde a última quinta-feira (10) como líder do Trending Topics mundial no serviço de microblogs Twitter, quando foi alçado à primeira posição dos assuntos mais comentados do mundo por internautas brasileiros) "virou" o novo single da cantora Lady Gaga, e foi tema de reportagem do jornal espanhol "El País" nesta segunda-feira. Na abertura da Copa do Mundo, os internautas brasileiros criticaram o locutor global Galvão Bueno pelo serviço de microblogs. Durante todo o final de semana, o termo (que também é conhecido como meme, uma espécie de pré-condição existencial de uma ideia) se manteve como líder mundial. Logo recuperava a liderança nos momentos em que foi superado.

7 Disponível em:

(6)

www.interscienceplace.org - Páginas 162 de 190

bordões que não são disseminados pela TV. Ricardo Hofstetter8 em seu artigo de opinião “A relevância da irrelevância” é quem deixa essa “pista” para os leitores mais atentos aos movimentos de disputa entre esses dois veículos de comunicação, a TV e a Internet:

[...] afinal esse mesmo tipo de irrelevância sempre se manifestou em personagens e bordões de programas de humor que caem na boca do povo, da mesma forma que a Luiza caiu. Basta lembrar bordões mais antigos como “aí vareia”, “brasileiro é tão bonzinho”, “não precisa explicar, eu só queria entender” ou os mais recentes como “te conheço?” e “tô bandida”. Para mim, a grande diferença é que mudou o veículo de comunicação que deu relevância a essa nova irrelevância. Dessa vez não foi a TV e sim a internet a divulgar e disseminar o irrelevante.9

Como se vê, na questão do memes que emergem e se propagam na rede virtual, parece que não é a irrelevância do assunto que é relevante, conclusão de Hofstetter com a qual concordamos.

A face “genética” dos memes na propagação da cultura

Em “O gene egoísta” (1976), o etologista e zoologista Richard Dawkins publica a teoria do “Darwinismo cultural”. Segundo tal teoria, a cultura humana se reproduz, da mesma forma que os genes se reproduzem para garantir a sobrevivência do homem sobre a terra, através dos memes, um gene cultural batizado por Dawkins a partir da abreviação da palavra grega “mimesis”, que significa imitar.

Richard Dawkins, diz que “um meme é uma unidade de informação que se propaga de mente em mente”. O termo popularizado na internet é uma referência às pessoas, vídeos, imagens e quaisquer outros arquivos que tragam consigo uma ideia ou conceito que se populariza entre centenas de pessoas.

Para explicar como ocorre a formação do meme, Dawkins faz um paralelo entre o gene biológico e o gene cultural (o meme). Enquanto gene cultural, o meme assume características de um replicador, unidade de transmissão cultural, ou unidade de imitação. Da mesma forma que um gene se reaplica de corpo em corpo, os memes se propagam de cérebro em cérebro num processo que o autor chama,

8 Ricardo Hofstetter é escritor e roteirista de TV e teatro.

9 Trecho do artigo de opinião “A relevância da irrelevância” escrito em 06/02/2012 por Ricardo Hofstetter em seu blog . Disponível em http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=492&mes=2&ano=2012. Acesso em 10/05/2012.

(7)

www.interscienceplace.org - Páginas 163 de 190

num sentido amplo, de imitação. Dawkins ilustra a situação com o seguinte exemplo: Se um cientista ouve ou lê uma ideia boa ele a transmite a seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e conferências. Se a ideia pegar, pode-se dizer que ela se propaga, espalhando-se de cérebro a cérebro (DAWKINS, 1976, p. 123).

Nesse sentido, Dawkins afirma que os memes se replicam por imitação e, assim como os genes, alguns são mais bem sucedidos do que outros. As qualidades que vão medir o valor de sobrevivência entre os memes são as mesmas dos genes: a longevidade, fecundidade e a fidelidade da cópia. A longevidade depende do tempo que um meme é capaz de durar, já a fecundidade depende da quantidade de vezes que este meme é citado, repetido ou difundido.

Se o meme for uma ideia científica, sua difusão dependerá de quão aceitável ela é para a população de cientistas; uma primeira estimativa de seu valor de sobrevivência poderia ser obtida contando o número de vezes que ela é citada em revistas científicas em anos subsequentes. Se for uma melodia popular, sua difusão pelo "fundo" de memes poderá ser avaliada pelo número de pessoas que a assobiam nas ruas. Se for uma moda de sapato feminino, o memeticista de população poderá usar estatísticas de vendas de lojas de sapatos. Alguns memes, como alguns genes, conseguem um sucesso brilhante em curto prazo ao espalharem-se rapidamente, mas não permanecem muito tempo no "fundo". As canções populares e os saltos finos são exemplos destes. Outros, tais como as leis religiosas judaicas, poderão continuar a se propagar durante milhares de anos, geralmente devido à grande durabilidade em potencial dos registros escritos (DAWKINS, 1976, p. 124).

O autor admite se sentir inseguro quanto à terceira qualidade dos replicadores: a fidelidade da cópia, pois os memes não parecem replicadores de alta fidelidade. Assim como os genes, os memes são falhos no sentido de manter a originalidade da cópia, serão sempre replicados com algum tipo de alteração.

Cada vez que um cientista ouve uma idéia e transmite-a a outra pessoa ele provavelmente muda-a bastante. [...] Os memes estão sendo transmitidos a você sob forma alterada. Isto é bastante diferente da qualidade particulada, do tipo tudo-ou-nada, da transmissão dos genes. Parece que a transmissão dos memes está sujeita à mutação contínua e também à mistura (DAWKINS, 1976, p. 124).

Os memes também se multiplicam e se organizam através de complexos de

memes. Dawkins usa como exemplo a organização de uma igreja, com sua

arquitetura, rituais, leis, música, tradição como um conjunto coadaptado estável de

memes.O autor utiliza a fé como outro exemplo de complexo religioso de memes: [...] significa confiança cega, na ausência de evidência, ou mesmo diante dela. A história de São Tomé é narrada não para que o admiremos, mas

(8)

www.interscienceplace.org - Páginas 164 de 190

para que possamos admirar, por comparação, os outros apóstolos. Tomé exigiu evidência. Nada pode ser mais letal para certos tipos de memes do que a tendência a procurar evidência. Os outros apóstolos, cuja fé era tão forte que não precisavam de evidência, nos são apresentados como dignos de serem imitados. O meme para a fé cega garante sua própria perpetuação pelo recurso inconsciente simples de desencorajar a indagação racional.

A fé cega pode justificar qualquer coisa. Se um homem acredita em um deus diferente, ou mesmo se ele utiliza um ritual diferente para adorar o mesmo deus, a fé cega pode decretar que ele deve morrer - na cruz, na fogueira [...] Os memes para a fé cega possuem seus próprios métodos implacáveis de se propagarem. Isto vale tanto para a fé religiosa cega como para a fé patriótica e política (DAWKINS, 1976, p. 126).

Outra vantagem que os memes possuem em relação ao gene é a de se replicar mais rápido. Não estão limitados apenas a palavras, expressões ou ao domínio linguístico, são capazes de se propagarem em aspectos comportamentais como a moda, atitudes humanas e formas verbais de se expressar.

3. A face microssocial dos memes na opinião pública

É Gabriel Tarde quem se ocupa de entender o fenômeno do meme frente às massas e o indivíduo. Para se aproximar das especificidades da opinião pública sob a ótica dele é preciso, antes, explicar a concepção de público para este autor. De acordo com Tarde (2005), não existe palavra em grego nem em latim que corresponda ao que se entende por público, há apenas palavras que servem para designar o povo, a multidão, a assembléia dos cidadãos, o corpo eleitoral etc. Na antiguidade, os escritores só lidavam com auditórios, em salas alugadas para leituras públicas. Desse modo, o autor considera que a formação do público supõe uma evolução mental e social mais avançada do que a formação de uma multidão.

O público surge então, após a invenção da imprensa, no século XVI, quando o pensamento passou a ser transportado à distância. Como exemplo, Tarde (2005) diz que a leitura cotidiana e simultânea da Bíblia foi uma novidade de incalculável efeito, que deu àmassa uniforme de seus leitores a sensação de formar um novo corpo social separado da igreja. O público se destacou sob o reinado de Luiz XIV e era composto por uma pequena elite de “homens de bem” que liam a gazeta mensal e livros escritos para um pequeno número de leitores, que se reuniam em Paris. Na segunda metade do século XVIII surge o público político que

(9)

www.interscienceplace.org - Páginas 165 de 190

absorve os demais públicos, literário, filosófico e científico.

[...] até a Revolução, a vida do público tem pouca intensidade por si mesma e só adquire importância pela vida de multidão, à qual ainda está ligada, através da animação extrema dos salões e dos cafés.

Da Revolução data o verdadeiro advento do jornalismo e, por conseguinte, do público, de que ela foi a febre de crescimento. [...] o que o passado jamais havia visto, é esse popular de jornais, avidamente devorados, que eclodem na época (TARDE, 2005, p. 11).

Para Tarde (2005), o público se forma a partir de três invenções mutuamente auxiliares: tipografia, estrada de ferro e telégrafo. O público é indefinidamente extensível e à medida que se estende, sua vida particular torna-se intensa, contribuindo, assim, para que o público seja o grupo social do futuro (TARDE, 2005, p. 14). Depois de definido o que vem a ser o público, segundo as concepções tardianas, é possível adentrar no conceito de opinião, a partir das considerações de autor.

Segundo Tarde (2005), na palavra opinião, confundem-se duas coisas que estão misturadas: a opinião propriamente dita, conjunto dos juízos e a vontade geral, conjunto dos desejos. O autor se atém a opinião descrita na primeira acepção e diz que ela não deve ser confundida com outras duas parcelas do espírito social, que são a tradição e a razão.

A tradição é um resumo condensado e acumulado do que foi a opinião dos mortos. A razão é entendida pelo autor como sendo os juízos pessoais de uma elite que se isola e se retira da corrente popular a fim de represá-la ou dirigi-la. Os indivíduos de uma nação, antes de ter uma opinião geral, têm a consciência de possuir uma tradição comum e se submetem a uma razão julgada superior.

A opinião, segundo Tarde, foi o último ramo do espírito público a se desenvolver e também o mais apto a crescer, à custa da tradição e da razão. Porém, as três forças, mesmo sendo divergentes em suas causas e efeitos, contribuem juntamente de forma desigual e variável para formar o valor das coisas. E “o valor é bem diferente conforme seja antes de tudo questão de costume, questão de moda ou questão de raciocínio” (TARDE, 2005, p. 61).

Definido a opinião, Tarde diz que:

[...] é um grupo momentâneo e mais ou menos lógico de juízos, os quais, respondendo a problemas atualmente colocados, acham-se reproduzidos

(10)

www.interscienceplace.org - Páginas 166 de 190

em numerosos exemplares em pessoas do mesmo país, da mesma época, da mesma sociedade (TARDE, 2005, p. 63).

Tarde acredita ser essencial que cada uma das pessoas que participam desse processo tenha consciência mais ou menos clara da similitude dos juízos que emite com os juízos emitidos pelos outros e para que essa consciência de semelhança de idéias exista entre os membros da sociedade é preciso que haja a manifestação da palavra, pela escrita ou pela imprensa de uma idéia, a princípio individual e em seguida generalizada.

A transformação de uma opinião individual numa opinião social, “na opinião”, foi devida à palavra pública na Antiguidade e na Idade Média, à imprensa nos dias de hoje, mas em todas as épocas e acima de tudo às conversações privadas [...] (TARDE, 2005, p. 63).

A opinião não é única, há sempre duas em confronto diante de cada problema que se coloca, ou seja, os assuntos dividem a opinião pública. Porém uma das duas é capaz de, rapidamente, eclipsar a outra por irradiação mais rápida e mais brilhante. O livro e em seguida o jornal formaram um vínculo nas milhares de opiniões separadas. “A imprensa, sem saber, ajudou a criar o poder do número e a diminuir o do caráter, se não o da inteligência” (TARDE, 2005, p. 66). Coube à imprensa, tendo chegado à fase do jornal, tronar nacional os acontecimentos locais que antes permaneceriam desconhecidos além de um raio limitado.

[...] mas são os jornais que inflamam a vida nacional, que excitam os movimentos de conjunto dos espíritos e das vontades em suas flutuações grandiosas cotidianas. Ao invés de buscar seu interesse próprio na atualidade concreta dessas informações, como o jornal, o livro procura interessar-se antes de tudo pelo caráter geral e abstrato das ideias que oferece. [...] (TARDE, 2005, p. 74/75).

No caso dos memes, não é necessário que haja a intervenção de nenhuma esfera governamental ou midiática para que se tornem conhecidos, publicados e compartilhados, é preciso apenas que o público se aproprie de suas especificidades e os façam notórios no ambiente virtual. Do público virtual emana a opinião, que segundo Gabriel Tarde (2005), foi criada pelo jornal, sendo “uma única e imensa multidão, abstrata e soberana (...)”. Nesse sentido, é no mínimo curioso reconvocar as ideias de Tarde para nelas observar a visão de futuro, quando escreve em 1901 sobre a “opinião e as massas”, marcadamente o trecho em negrito:

[...] Poder enorme, apesar de tudo e que irá crescendo necessariamente. Pois a necessidade de harmonizar-se com o público de que faz parte, de pensar e agir no sentido da opinião, torna-se tanto mais forte e irresistível

(11)

www.interscienceplace.org - Páginas 167 de 190

quanto mais numeroso o público, quanto mais grandiosa a opinião e quanto mais frequentemente essa própria necessidade for satisfeita. Não

devemos, pois surpreender-nos de ver nossos contemporâneos curvarem-se tanto ao vento da opinião que passa, nem concluir daí,

necessariamente, que seu caráter debilitou-se. Quando os álamos e os carvalhos são derrubados pela tempestade, não é que tenham se tornado mais fracos e sim que o vento tornou-se mais forte” (TARDE, 2005).

Considerando, com Tarde, que os laços sociais são a “reflexão de uma atualidade” e que “o que é reputado como de „atualidade‟ [...] é tudo o que inspira atualmente um interesse geral, mesmo que seja um fato antigo” (TARDE, 1893 /2005, p. 4-5) é que “não devemos, pois surpreender-nos de ver nossos contemporâneos curvarem-se tanto ao vento da opinião que passa”. Isto é, a força da opinião das massas presente nas redes sociais da internet na atualidade foi prevista por Gabriel Tarde há um século.

Para Tarde a crença e desejo norteiam toda a sua teoria, que busca mostrar que esse é um movimento do humano de dentro para fora, e não de uma sociedade exterior para o seu interior. Para o sociólogo francês oitocentista, os compostos plurais destas duas unidades entrecruzam-se constantemente no mundo social. Os seres que compõem o universo são aproximáveis na medida em que suas crenças e desejos podem ser transmitidos a outros homens. Tarde nomeia a força de conformação de crenças e desejos nos indivíduos sociais de imitação.

A imitação, portanto, é o direcionamento das crenças e desejos de um indivíduo que se assemelham aos desejos e crenças de outros e assim sucessivamente. Para Gabriel Tarde, essa é única forma possível de se explicar a “dinâmica” da sociedade, oposta àquela defendida por Émile Durkheim, ao final do XIX, época em que sua teoria ainda não poderia ser assimilável pelos cânones da academia vigente.

4. A imitação na antiguidade clássica

É no mínimo curioso perceber que a imitação já fora objeto de observação por parte de Aristóteles, mas ainda não “vasculhado” pelas Ciências Sociais e Humanas das últimas décadas. Reconvocá-lo neste artigo tem esse sentido de provocação científica, principalmente quando se sabe que a tese da imitação como elemento propagador da cultura humana de Gabriel Tarde foi levada ao ostracismo desde o debate acadêmico deste com Émile Durkheim no final do século XIX. Até quando

(12)

www.interscienceplace.org - Páginas 168 de 190

essa descoberta feita há séculos ficará encoberta pelos cânones das Ciências? Aristóteles ocupa-se do fenômeno enquanto processo de aprendizagem exclusiva do homem. Segundo o filósofo, a tendência para a imitação é instintiva no homem, se inicia já na infância e é através dela que os seres humanos adquirem os primeiros conhecimentos e experimentam prazer. A colocação do autor pode ser observada em um comportamento tipicamente infantil, que é quando as crianças imitam pessoas que lhes são próximas, como os pais e professores, por exemplo.

De acordo com Aristóteles (2003) a imitação é realizada segundo três aspectos: os meios, os objetos, a maneira. Os seres humanos contemplam com satisfação as representações mais exatas dos objetos que não conseguem olhar, pois a contemplação os instrui e os induz a discorrer sobre cada uma (...). Nos primórdios, os homens mais aptos para os exercícios de imitação foram criando a poesia, através de ensaios improvisados (ARISTÓTELES, 2003). As epopeias ilustram muito bem este aspecto destacado por Aristóteles, pois eram criadas, memorizadas e replicadas através da oralitura.

Para Aristóteles a imitação é de tal forma uma tendência humana natural que junto ao gosto da harmonia e do ritmo, o permite explicar que serão essas tendências que levarão pouco a pouco “os seres humanos mais aptos por natureza para os exercícios foram aos poucos criando a poesia, por meio de ensaios improvisados” (2003).

5. Considerações finais

Como visto no recorte histórico deste trabalho, o fenômeno do meme não é produto advindo da atual era da internet, mas sim uma característica que intensifica a imitação entre os indivíduos. O que diferencia os memes da atualidade dos memes de outrora é a velocidade com que estes são disseminados e o meio em que se propagam. Se antes, para se tornarem populares, os assuntos deveriam ser apresentados, primeiramente, pelos jornais e pela TV, hoje é preciso apenas que sejam veiculados na internet e tenham a aderência dos internautas.

(13)

www.interscienceplace.org - Páginas 169 de 190

A internet potencializou a reprodução instantânea dos memes sem a necessidade de intervenção de uma instância governamental ou comunicacional. Assim, como dito por Tarde, não é de se surpreender que os contemporâneos curvem-se tanto ao vento da opinião que passa (TARDE, 2005). É a força dessa opinião, emanada do público, que faz com que o gene cultural se espalhe e ganhe, momentaneamente, destaque entre os temas cotidianos, exigindo que os meios comunicacionais os acompanhem. Isso faz com que um meme vire notícia. Assim, o

meme, que ganha corpo no meio social é, como vimos em Tarde, a conformação de

crenças e desejos nos indivíduos sociais, que se tornam aproximáveis na medida em que transmite seus conhecimentos para outros homens.

A imitação liga a antiguidade clássica aos nossos dias atuais, como mostra Aristóteles ao afirmar que a imitação é instintiva do homem, a internet apenas potencializou e reformulou a forma de imitar.

Referências:

ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Clareth, 2003.

CLAIR, Ericson Saint. Comunicação e Diferença: Opinião Pública Molecular,

Contágio Social e Tecnologias de Virtualização. In: 1° Encontro da

Uleppic-Brasil – Economia Política da Comunicação: Interfaces Sociais e Acadêmicas do Brasil. Niterói, 2006.

DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Oxford University Press, 1976.

PRENSKY, Marc. Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. De On the Horizon NCB University Press, Vol. 9 No. 5, Outubro 2001. Tradução de Roberta de Moraes

Jesus de Souza UCG. Disponível em:

http://crisgorete.pbworks.com/w/file/fetch/58325978/Nativos.pdf. Acesso em: 05/12/2012

TARDE, Gabriel. A Opinião e as massas. Martins Fontes. São Paulo, 2005. TARDE, Gabriel. Leis da Imitação. Rés-Editora, Ltda. Portugal, 1985.

Referências

Documentos relacionados

Ambas as versões do dinheiro analisados em relação à oposição tipológica entre teranga e business emergem protagonistas de alguns dos agenciamentos (CALLON, 2013) que

& LOY J966 que trabalh.aram com raças PSI e Quarto de Milha de cinco a dezenove meses de idade com raçao completa peleti zada e com a mesma ração na forma farelada, obtendo um

Creo oferece as funcionalidades que você precisa para criar as formas, superfícies e estéticas precisas para seu desenho. Libere sua criatividade e mostre seus

A combinação dessas dimensões resulta em quatro classes de abordagem comunicativa, que podem ser exemplificadas da seguinte forma: interativo/dialógico: professor e

Recife, 23 de janeiro de 2017 Alexandre Augusto Bezerra Secretário-Geral do Ministério Público. Promotorias

The purpose of this study is to recognize and describe anatomical variations of the sphenoid sinus and the parasellar region, mainly describing the anatomy of

Estes três eventos envolvem contas de resultado (Demonstração do Resultado) e contas patrimoniais (Balanço Patrimonial).. O resultado apresentado em nada difere das

A Psicologia, por sua vez, seguiu sua trajetória também modificando sua visão de homem e fugindo do paradigma da ciência clássica. Ampliou sua atuação para além da