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O ADMINISTRADOR ARISTÓTELES: A PRESENÇA DA SUA FILOSOFIA NA ADMINISTRAÇÃO

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Edição 20, volume 1, artigo nº 5, Janeiro/Março 2012

D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/2005

www.interscienceplace.org - Páginas 71 de 194

O ADMINISTRADOR ARISTÓTELES: A PRESENÇA DA SUA

FILOSOFIA NA ADMINISTRAÇÃO

Marco Aurélio Carino Bouzada1

1

Universidade Estácio de Sá / Rio de Janeiro, RJ. Brasil. marco.bouzada@estacio.br

Resumo – Esse trabalho procura examinar a presença da Filosofia de Aristóteles em assuntos relacionados à Administração de Empresas. A presença de traços de sua filosofia é discutida através de semelhanças e analogias com assuntos da teoria da Administração, na forma de um ensaio teórico envolvendo exames que abordam três temas teóricos: a caracterização de métodos de pesquisa como métodos científicos; o conceito das Inteligências Múltiplas; e os princípios da Administração Científica. O referencial teórico que sustenta a discussão epistemológica apresenta o Sistema Aristotélico, a visão de Aristóteles sobre o Processo de Conhecimento e os três temas teóricos. A discussão aponta para a real existência de uma grande semelhança entre alguns pontos da filosofia aristotélica e certos assuntos da Administração de Empresas.

Palavras-chave: Aristóteles; Métodos de Pesquisa; Inteligências Múltiplas; Administração Científica

Abstract – This work examines the presence of the Aristotle Philosophy in matters related to Business Administration. The presence of traces of his philosophy is discussed through similarities and analogies with issues within Management theory in the form of a essay involving discussions which address three theoretical issues: the characterization of research methods as scientific methods; the Multiple Intelligences concept, and the Scientific Management principles. The theoretical framework that supports the epistemological discussion presents the Aristotelian System, his vision about the Knowledge Process and the three theoretical issues. The discussion points to the real existence of a strong similarity among some points of aristotelian philosophy and some issues within Business Administration. Keywords: Aristotle; Research Methods; Multiple Intelligences; Scientific Management

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1. Introdução

Aristóteles nasceu na Macedônia, em 384 a.C.. Apesar de ter vivido mais do que a média da população na sua época, sua existência não atravessou séculos e durou algo mais que 6 décadas: ele morreu em 322 a.C..

No entanto, a existência de sua obra se propagou até os dias de hoje e exerceu (e ainda exerce) forte influência em diversos campos do conhecimento da humanidade. A Lógica Aristotélica influenciou muitas concepções humanas acerca de diversos aspectos da existência. Sua filosofia como um todo, calcada no Sistema Aristotélico, é uma das mais conhecidas e importantes, dentre as obras de todos os seus colegas de “profissão”.

Apesar de datar de mais de um milênio antes, o Sistema Aristotélico só foi ganhar força no século XIII, com São Tomas de Aquino, e passou de conhecimento proibido à condição de dogma da Igreja. (GATTI, 2005)

Tal sistema de classificação surgiu pela necessidade de abarcar e expressar a realidade de modo organizado e preciso. Para tal, ele buscou a identificação e o estabelecimento de conceitos básicos que orientassem os agrupamentos e as partições do real operado pelo pensamento humano, ou seja, de categorias primordiais. Esse trabalho do filósofo grego, no que se refere à função das categorias na organização e na classificação do conhecimento existente, mostra-se, ainda hoje, como importante objeto de estudo para fundamentar e compreender a teoria da classificação. (ARANALDE, 2009)

O artigo aqui apresentado procura examinar, através de um ensaio teórico, a presença da Filosofia de Aristóteles em assuntos relacionados ao campo da Administração de Empresas. A certeza da influência de sua obra nesse assunto é substituída pela possibilidade de suas concepções terem influenciado a teoria da Administração existente nos tempos recentes. A certeza fica por conta da presença de traços de sua filosofia, que é discutida através de semelhanças e analogias com assuntos da teoria da Administração.

A presença de sua obra na Administração é abordada – nos três exames

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www.interscienceplace.org - Páginas 73 de 194 através de semelhanças e analogias com três temas da teoria:

a caracterização de métodos de pesquisa como métodos científicos; o conceito das Inteligências Múltiplas;

os princípios da Administração Científica.

Os dois primeiros exames têm como pano de fundo o Sistema Aristotélico, como poderá ser mais bem verificado na seção de Discussão.

O primeiro assunto pertence à área de Pesquisa em Administração e é analogamente comparado à classificação, concebida por Aristóteles, de somente algumas áreas do conhecimento como ciência.

O segundo faz parte dos atuais fóruns de discussão da área de Organizações e sua semelhança em relação à divisão do conhecimento segundo Aristóteles é discutida.

O último exame é realizado à luz da visão de Aristóteles do Processo de Conhecimento, de fundamental importância para e marcante influência sobre o entendimento do processo cognitivo discutido nos dias de hoje. O próprio termo “cognição”, segundo Silva et al. (2010), tem origem nos escritos de Platão e Aristóteles.

O assunto deste exame está inserido na área de Operações; os princípios são comparados ao conceito de superioridade que Aristóteles atribui à Arte (Técnica) e à Ciência (Teoria) em relação à Experiência.

O referencial teórico que sustenta esta discussão epistemológica apresenta os dois panos de fundo – o Sistema e o Processo de Conhecimento aristotélicos – e, de maneira breve, os três temas teóricos apontados anteriormente.

O cruzamento destes três temas com os dois panos de fundo é discutido, em três subseções, na terceira parte deste artigo, que é encerrado pelas considerações finais do autor. É importante deixar claro, no entanto, que este trabalho não tem a pretensão de procurar uma ligação entre os tópicos, já que cada exame é discutidos de forma isolada.

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2. Fundamentação Teórica 2.1. O Sistema Aristotélico

De acordo com Pessanha (1978), o sistema inserido na filosofia de Aristóteles (extremamente sistemática) constitui uma visão integrada do saber, subdividida em áreas específicas, conforme a figura 1 a seguir esquematiza.

Figura 1 – O Sistema Aristotélico

Conhecimento

prático

produtivo

teórico

física

filosofia primeira

mundo natural teologia .

matemática

Fonte: adaptação de Pessanha (1978)

Mas Granger (1976) sugere que o conjunto de teorias que constituem o Sistema Aristotélico é mais complexo do que parece, envolvendo interações muito diversificadas entre as disciplinas acima indicadas.

Segundo Aranalde (2009), as categorias neste sistema servem de fundamento ao conhecimento das coisas. Elas são os princípios básicos que tornam o conhecimento possível, partindo de uma perspectiva que concebe o mundo como

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www.interscienceplace.org - Páginas 75 de 194 um todo integrado de causas e efeitos, em que as coisas e as suas propriedades essenciais, seus estados, processos e relações podem e devem ser reveladas pelo trabalho intelectual.

Bittar (2003) coloca que o conhecimento teórico, para Aristóteles, pode ser agrupado em 4 níveis, hierarquizados de acordo com a ordem de tratamento dos temas e com a sua especificidade:

1. conhecimento do ser: consiste na filosofia primeira – ou metafísica (que é a própria ciência do ser e representa uma concepção genérica da

realidade) –, na teologia (consideração do ser imóvel, ou causa

primeira, Deus) e na matemática (estudo da realidade abstrata e genérica);

2. conhecimento do ser, em movimento: consiste na física e na astronomia (esta sendo considerada superior, mais “perfeita”);

3. conhecimento do ser, em movimento e vivo: consiste na história natural (ou biologia);

4. conhecimento do ser, em movimento, vivo, sensível e inteligente: consiste na psicologia.

Estes 4 níveis de conhecimento esgotam a ciência enquanto tal, isto é, o saber teórico sobre a realidade. O conhecimento ou habilidade que não está nos 4 itens acima não é considerado ciência, sob o ponto de vista aristotélico. (BITTAR, 2003)

O conhecimento produtivo, segundo este sistema, abrange a estética e as artes produtivas ou criativas, como a poética e a retórica, assim como a dança, a música, o artesanato e a escultura. A argumentação deste tipo de conhecimento difere da demonstração científica (que se baseia em um conhecimento verdadeiro), pois é subjetiva e depende da opinião. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984)

Para Aristóteles, o conhecimento prático inclui a ética e a política. A ética é um estudo da virtude, segundo a qual um homem virtuoso é aquele que age com prudência; trata dos relacionamentos no campo pessoal. No campo social, atua a política, que examina o contexto em que o homem virtuoso deve exercer sua virtude. O saber prático distingue-se do saber teórico porque seu objetivo é diferente: o

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www.interscienceplace.org - Páginas 76 de 194 estabelecimento das normas da boa forma de agir, ao invés do conhecimento de uma realidade determinada. (MARCONDES, 1997)

Segundo o filósofo, os tipos de conhecimento são independentes: o fato de uma pessoa ter facilidade nos conhecimentos teóricos não implica em facilidades no conhecimento produtivo ou prático. De fato, é muito difícil o mesmo ser humano dominar todos os tipos de conhecimento. No entanto, este domínio completo (ou quase) é extremamente desejável em uma pessoa e, praticamente, só é atingido pelo estágio mais avançado da nossa espécie: o filósofo. O próprio Aristóteles tinha um profundo conhecimento em todos os campos (tanto que escreveu tratados em todas as áreas). (PESSANHA, 1978)

2.2. O Processo de Conhecimento de Aristóteles

Aristóteles estabelece uma continuidade entre o conhecimento sensitivo e o inteligível, acreditando que o conhecimento se dá na natureza, no mundo sensível. (SOUZA; LEAL, 2008)

Segundo Pessanha (1978), a visão de Aristóteles sobre o processo de conhecimento pode ser representada da forma apresentada na figura 2 a seguir.

Figura 2 – O Processo de Conhecimento de Aristóteles

sensação memória experiência arte (técnica) teoria/ciência

Fonte: adaptação de Pessanha (1978)

Essa visão consiste em um processo linear e cumulativo, no qual cada estágio de certa forma pressupõe o anterior, já que se baseia e depende do conhecimento já obtido. Assim, a sensação, através dos sentidos, nos permite identificar as informações. A memória é imprescindível para que o processo de conhecimento vá adiante, pois só através delas podemos reter os dados sensoriais. (PESSANHA, 1978)

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www.interscienceplace.org - Páginas 77 de 194 propriamente dito. É tipicamente humana e possibilita o estabelecimento de relações entre as informações sensoriais armazenadas na memória; viabiliza associações, conclusões e expectativas, com base na identificação do padrão de repetição e da regularidade dos dados sensoriais; consiste em um conhecimento prático baseado na repetição, o “saber fazer”. (BITTAR, 2003)

A técnica consiste não apenas de um conhecimento prático, mas já da consciência das regras que permitem produzir determinados resultados. Sua causa (dos resultados) pode ser determinada, pois se sabe o “porquê das coisas”. A técnica pode ser ensinada por aqueles que a dominam, que, de modo geral, podem ser considerados superiores àqueles que têm apenas a prática, porque não só sabem fazer, mas sabem o que fazem e por que o fazem daquele modo. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984)

A ciência caracteriza-se como o conhecimento do real em seu sentido mais abstrato e genérico, e de conceitos e princípios; é contemplativa, sem objetivos práticos ou finalidades imediatas (é uma finalidade em si mesma), satisfazendo o desejo (natural) de conhecer do homem, de forma desvinculada da prática. Esta liberdade e gratuidade da ciência garantem sua superioridade, já que ela não é condicionada, nem limitada, nem tampouco direcionada por um fim específico. (MARCONDES, 1997)

2.3. A Caracterização de Métodos Científicos

A pesquisa qualitativa atualmente consiste de um campo interdisciplinar que envolve as ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou paradigmas de análise derivados, dentre outras correntes, do positivismo e do construtivismo social, e adotando diferentes métodos de investigação para o estudo de um fenômeno. (CHIZZOTTI, 2003)

De acordo com Rosen (1991), os construcionistas trabalham muito o contexto existente no assunto pesquisado. Eles se aproximam muito dos dados pesquisados (procurando não analisá-los friamente), entendendo suas nuances e apelam para uma concepção “social” da realidade. Não estão tão preocupados com o rigor e a validade “estatística” dos resultados, nem com sua generalização. Portanto, utilizam uma abordagem interpretativa, leve e subjetiva.

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www.interscienceplace.org - Páginas 78 de 194 Os positivistas, por sua vez, mantêm uma distância maior em relação aos dados. Estes são tratados com mais frieza, porém com muito mais rigor; a validade e a generalização são preocupações presentes. Utilizam questionários e técnicas quantitativas para achar as causas dos fenômenos e procurar explicá-los. Conseguir prevê-los no futuro é o objetivo principal. A abordagem usada é a objetiva. (ROSEN, 1991)

2.4. Inteligências Múltiplas

O conceito de Inteligências Múltiplas procura modificar a concepção existente sobre

inteligência. Os testes de QI – que visam medi-la – se baseiam nas capacidades

lógicas e/ou lingüísticas dos examinados e são capazes de prever o desempenho escolar futuro de uma criança, mas não predizem de maneira satisfatória o desempenho numa profissão depois da instrução formal. (TRAVASSOS, 2001)

A idéia do conceito de Gardner (1995) é criar uma visão muito diferente de inteligência; uma visão que permita entender um violinista ou um atleta como inteligentes nas suas atividades. Na visão tradicional, eles não são considerados como tal, mas é importante tentar entender o que lhes permite conseguir feitos espantosos.

Travassos (2001) coloca que a teoria das inteligências múltiplas faz crer que a competência cognitiva humana é mais bem descrita em termos de um conjunto de capacidades, talentos ou habilidades mentais, chamados de “inteligências”. Todos os indivíduos normais possuem cada uma dessas capacidades em certa medida; eles diferem no grau de capacidade e na natureza de sua combinação. Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado ambiente ou comunidade cultural.

A teoria de Gardner (1995), então, elenca 7 inteligências (que serão descritas

mais adiante), a partir de capacidades (candidatas à “inteligência”) que são

universais na espécie humana e que cumpram todos ou a maioria de uma série de requisitos:

 ser valorizada em um ou mais ambientes culturais;

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www.interscienceplace.org - Páginas 79 de 194 aprendizado – em indivíduos talentosos do que em indivíduos normais;

 ser influenciada por danos cerebrais;

 estar presente em populações excepcionais (prodígios, idiotas-sábios e

crianças autistas);

 ser capaz de ser codificada num sistema de símbolos.

As 7 capacidades que puderam ser selecionadas por Gardner (1995) como “inteligências genuínas”, por satisfazerem a maioria dos critérios acima, foram:

Lógico-matemática: capacidade de resolver problemas lógicos, de

uma maneira rápida;

Lingüística: capacidade de se expressar bem;

Musical: capacidade de ouvir e entender melodias e de tocar

instrumentos musicais;

Corporal-cinestésica: capacidade de controlar o movimento corporal,

no sentido de expressar uma emoção, jogar um jogo ou criar um novo produto;

Espacial: capacidade para perceber o mundo visual e espacial de

forma precisa;

Interpessoal: capacidade de conhecer bem e prever o comportamento

de outras pessoas frente a certas circunstâncias;

Intrapessoal: capacidade de se conhecer bem e prever o seu próprio

comportamento frente a certas circunstâncias.

2.5. Administração Científica

O princípio básico da Administração Científica, proposta por Taylor (1911) com o intuito de aumentar a eficiência das fábricas, consiste na divisão de trabalho entre a gerência e os trabalhadores. A abordagem proposta por ele atacou os antigos sistemas de administração, onde a responsabilidade de execução do trabalho de cada operário lhe era entregue, e ele deveria fazê-lo como melhor entendesse, quase sem auxílio e orientação da gerência.

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O argumento da Administração Científica – que busca substituir este critério

individual do operário por métodos científicos – afirma que a ciência que estuda a

ação dos trabalhadores é tão vasta e complicada, que o operário é incapaz de compreendê-la, sem a orientação e auxílio dos chefes, quer por falta de instrução, quer por capacidade mental insuficiente. (MERLO; LAPIS, 2007)

Para que o trabalho possa ser feito de acordo com leis científicas, é necessário um aperfeiçoamento científico do trabalhador e uma melhor divisão de responsabilidades: os chefes (supervisores, gerentes), cujo dever, na Administração, é incrementar esta ciência, devem também orientar e auxiliar o operário. A administração superior deve planejar o trabalho que será executado, de modo que este possa ser feito pelos operários – depois de atividades preparatórias – da forma mais eficiente, mais rápida e melhor. (TAYLOR, 1911)

3. Discussão

3.1. A Caracterização de Métodos Científicos

Uma das discussões mais polêmicas no fórum acadêmico da Administração atual gira em torno da classificação de alguns métodos de pesquisa como científicos ou não. Essa polêmica pode ser entendida através da dicotomia: construcionistas x positivistas.

O aspecto central da polêmica discussão mencionada acima consiste na classificação dos métodos qualitativos de pesquisa. A corrente construcionista da academia defende a definição dos métodos qualitativos como métodos científicos.

Seus “rivais” procuram derrubar essa tese, apoiados no argumento da falta de objetividade e de rigor dos métodos qualitativos. Eles atacam também o aspecto não-preditivo destes métodos, assim como sua impossibilidade de generalização e natureza interpretativa; afirmam, inclusive que estes métodos de pesquisa não merecem espaço nas publicações acadêmico-científicas, por não se tratarem de ciência.

Assim como os positivistas, Aristóteles só considera ciência o conhecimento que for verdade, e se manifestar de forma exata. A subjetividade presente no

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www.interscienceplace.org - Páginas 81 de 194 conhecimento produtivo é análoga à presente nos métodos qualitativos. O fato de não lidar com uma realidade determinada aproxima o conhecimento prático dos métodos de pesquisa qualitativos. Dessa forma, estes métodos, assim como os conhecimentos prático e produtivo do Sistema Aristotélico, recebem o rótulo de “não-ciência”, por não terem o aspecto de conhecimento objetivamente verdadeiro.

3.2. Inteligências Múltiplas

Para exemplificar a satisfação dos critérios apresentados no Referencial Teórico, será tomada a Inteligência Musical. Ela é claramente valorizada em vários ambientes culturais. Também é uma característica inata: pessoas talentosas musicalmente sentem que vão tocar bem um instrumento ao ouvir o seu som, antes mesmo de qualquer treinamento, porque estão biologicamente preparadas para tal. Ocorre a perda da capacidade musical, ocasionada por danos no hemisfério direito do cérebro, onde estão áreas responsáveis pela percepção e produção da música. Crianças-prodígio apresentam um desenvolvimento musical precoce; autistas conseguem tocar maravilhosamente um instrumento musical, mas não conseguem falar. O sistema de símbolos da música pode ser visualizado na notação presente nas pautas.

As duas primeiras inteligências (lógico-matemática e linguística) são consideradas na concepção tradicional: os testes de QI procuram testar as capacidades de expressão e de resolver problemas. A proposta desta teoria é estender o escopo para as sete capacidades acima.

Segundo a teoria, essas múltiplas faculdades humanas são independentes em um grau significativo. Isto pode ser compreendido através da observação das populações excepcionais (por exemplo, o caso das crianças autistas citadas na descrição da Inteligência Musical; ou o de idiotas-sábios, com grande capacidade lógico-matemática e incapazes em outras faculdades) e de conseqüências de danos cerebrais (algumas lesões pontuais prejudicam apenas uma ou duas das capacidades de uma pessoa, deixando as outras “intactas”).

No entanto, não se quer dizer que na idade adulta as inteligências operam isoladamente. Na verdade, exceto em indivíduos anormais, as inteligências sempre

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sofisticação – envolverá uma fusão de várias delas. Mesmo um papel

aparentemente simples, como tocar um violino, transcende à simples inteligência musical. Tornar-se um violinista bem sucedido requer destreza corporal-cinestésica e as capacidades interpessoais de relacionar-se com uma audiência e de escolher um empresário.

A importância desta teoria para a Administração (em especial para o assunto Recursos Humanos, na área de Organizações) reside no auxílio que ela pode fornecer para as empresas entenderem e explorarem os talentos de seus funcionários. Assim, é de suprema importância avaliar a combinação particular de capacidades que pode destinar o indivíduo para uma determinada posição vocacional ou ocupação.

Assim como esta teoria, Aristóteles afirma que os conhecimentos e habilidades humanos são independentes. Sua frase “Se és sábio, ensina; se és prudente, governa.” sugere a independência entre os conhecimentos teórico e prático: ou se domina um ou se domina o outro. Da mesma forma, a teoria das Inteligências Múltiplas propõe esta independência, que pode ser observada em autistas (que dominam somente uma habilidade, sendo totalmente inaptos nas outras) ou através de danos em regiões específicas do cérebro.

A qualidade de dominar mais de um tipo de conhecimento é tanto apreciada por Aristóteles quanto tida como imprescindível, segundo a teoria, no exercício de um papel cultural adulto na sociedade, sugerindo o funcionamento combinado das habilidades (ou conhecimentos ou inteligências).

A analogia entre o Sistema Aristotélico e a teoria das Inteligências Múltiplas fica ainda mais evidente através do agrupamento destas últimas segundo os tipos de conhecimento do sistema:

teórico: inteligência lógico-matemática (física, matemática), espacial

(geometria, astronomia) e parte da interpessoal (psicologia);

produtivo: inteligência lingüística (retórica, poética), musical (música) e

corporal-cinestésica (dança);

prático: inteligência intrapessoal (ética) e a outra parte da interpessoal

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3.3. Administração Científica

A abordagem da Administração Científica valoriza a ciência, ao invés do empirismo e faz uso de algumas ferramentas, como a padronização de instrumentos e de métodos e o estudo de movimentos e tempos.

A própria denominação da abordagem de Taylor – Administração Científica – faz referência ao último estágio do processo de conhecimento de Aristóteles: a ciência. Esta abordagem propõe a intervenção e influência de pessoas (chefes, gerentes, supervisores) que já atingiram um estágio superior de conhecimento (técnica) no trabalho de outras pessoas (operários) que estão em um estágio anterior (experiência).

Os operários concebem associações entre inputs e outputs e tiram conclusões acerca dos padrões de repetição, construindo sua experiência, que lhes fornece expectativas sobre o resultado dos processos. Desta forma, eles detêm o conhecimento prático e “sabem fazer”.

Os chefes entendem o porquê das coisas; eles não conhecem apenas o aspecto prático, mas têm consciência das regras que permitem produzir determinados resultados; eles dominam a técnica, que deve ser ensinada aos operários; eles são considerados superiores, porque não têm apenas a experiência (sabem fazer), mas porque conhecem a técnica (sabem o porquê de fazer daquele modo).

Isto faz supor que talvez a abordagem devesse se chamar Administração Técnica. O que ocorre é que, em um campo tão aplicado e tão pouco puro como a Administração, a técnica e a ciência acabam se confundindo. Com efeito, o critério

individual dos operários deve ser substituído por métodos científicos. Esta ciência –

a que estuda a ação dos trabalhadores – não pode, segundo a Administração

Científica, ser compreendida pelos operários, por insuficiência de capacidade mental. Isto é semelhante ao próprio “elitismo” presente na filosofia – que afirma ser o conhecimento supremo (a ciência, a filosofia) um privilégio de poucos, os filósofos.

Outro aspecto que aproxima a Administração Científica do último estágio do processo de conhecimento de Aristóteles (a ciência, desvinculada da prática) é a desvalorização do empirismo. Além disto, segundo a abordagem de Taylor, os

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www.interscienceplace.org - Páginas 84 de 194 chefes devem assumir o duplo papel presente no meio acadêmico, em relação à ciência:

 pesquisa – devem procurar incrementá-la, através de pesquisas a

novas técnicas de administração da produção;

 ensino – devem transmitir a técnica aos operários.

As semelhanças em relação aos dois últimos estágios do processo de conhecimento de Aristóteles e a própria fronteira tênue entre estes dois estágios em campos aplicados como a Administração sugerem que talvez a abordagem em questão devesse ser chamada de Administração Técnico-científica.

4. Considerações Finais

Como pôde ser examinado através dos três ensaios apresentados neste texto, existe uma grande semelhança entre alguns pontos da filosofia aristotélica e certos assuntos da Administração de Empresas.

A nomeação de apenas alguns campos de conhecimentos como científicos,

segundo Aristóteles (GRANGER, 1976; PESSANHA, 1978; PADOVANI;

CASTAGNOLA, 1984; MARCONDES, 1997; BITTAR, 2003; ARANALDE, 2009), se assemelha à discussão acerca da cientificidade dos métodos qualitativos de pesquisa (ROSEN, 1991). A independência entre estes campos de conhecimento é similar à independência entre as habilidades proposta na teoria das Inteligências Múltiplas (GARDNER, 1995), assim como o entendimento que eles(as) não funcionam isoladamente em um ser humano.

A separação do conceito de “saber fazer” do conceito de entender o funcionamento, presente no Processo de Conhecimento de Aristóteles (PESSANHA, 1978; PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984; MARCONDES, 1997; BITTAR, 2003; SOUZA; LEAL, 2008) em muito lembra a divisão de trabalho sugerida por Taylor (1911), na Administração Científica.

No entanto, é difícil afirmar que o famoso filósofo tenha influenciado algumas teorias da Administração. Será que Taylor tinha consciência do Processo de Conhecimento de Aristóteles e usou suas idéias para conceber os princípios da

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www.interscienceplace.org - Páginas 85 de 194 Administração Científica? Será que a divisão da inteligência humana em diferentes e independentes capacidades, presente na teoria das Inteligências Múltiplas, foi baseada nos subdivisões do conhecimento do Sistema Aristotélico? São questões sem resposta!

O fato é que a filosofia é a própria concepção da realidade e consiste na maneira como as pessoas enxergam as coisas e a vida. Muitas vezes, ela está tão presente no cotidiano e na maneira de pensar de cada um, que as pessoas não se dão conta dela, quase como se fosse inerente ao indivíduo. O Iluminismo trouxe toda uma base filosófica clássica (grega, principalmente) para as concepções da civilização ocidental.

Por isso, é possível que as idéias de Aristóteles tenham atravessado os séculos e ido parar no subconsciente e na percepção de cada um, despercebidamente. Dessa forma, as idéias de Aristóteles (e de outros filósofos)

podem acabar influenciando – indireta e subconscientemente – as idéias de outras

pessoas.

O importante é que a comunidade acadêmica tenha esta consciência. E saiba que o estudo da filosofia, portanto, pode promover maneiras de se vislumbrar técnicas futuras dentro do campo da Administração de Empresas ou de outras áreas do conhecimento humano. Desta forma, espera-se que este trabalho venha a estimular outros autores interessados no tema a prospectarem novas semelhanças/analogias de forma que a pesquisa epistemológica ganhe mais corpo no meio acadêmico. Outra motivação para um estudo futuro poderia ser a procura da ligação entre os temas norteadores deste trabalho (que foram discutidos de forma isolada).

Referências

ARANALDE, M. Reflexões sobre os sistemas categoriais de Aristóteles, Kant e Ranganathan. Ciência da Informação, v. 38, n. 1, p. 1-19, 2009

BITTAR, E. Curso de filosofia aristotélica: leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Barueri: Manole, 2003.

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www.interscienceplace.org - Páginas 86 de 194 desafios. Revista Portuguesa de Educação, v. 16, n. 2, p.221-236, 2003

GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

GATTI, S. Análise de uma ação didática centrada na utilização da história da ciência: uma contribuição para a formação inicial do docente de física. Tese (Doutorado em Educação). Campinas: UEC, 2005.

GRANGER, G. La théorie aristotélicienne de la science. Paris: Aubier Montaigne, 1976.

MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

MERLO, A.; LAPIS, N. A saúde e os processos de trabalho no capitalismo: reflexões na interface da psicodinâmica do trabalho e da sociologia do trabalho. Psicologia e Sociedade, v. 19, n. 1, p.1-12, jan-abr. 2007

PADOVANI, U., CASTAGNOLA, L. História da Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1984.

PESSANHA, J. Aristóteles (volume 1): Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

ROSEN, M. Coming to terms with the field: understanding and doing organizational ethnography. Journal of Management Studies, v. 28, n. 1, p.1-24, jan. 1991 SILVA, C; HONÓRIO, L.; DINIZ, M.; ALMEIDA, S.; CARIELO, A.; SILVA, V. O estudo

da cognição e da metacognição como base para o desenvolvimento de novas técnicas de ensino-aprendizagem. Revista Digital, v. 14, n. 142, p.1-10, mar 2010

SOUZA, K; LEAL, C. A Pesquisa como Processo de Conhecimento entre os Egressos do Curso de Educação Física. In: Congresso de Educação do Sudoeste Goiano, 24., 2008, Jataí. Anais... Jataí: UFG, 2008.

TAYLOR, F. The Principles of Scientific Management. New York: Harper Bros., 1911.

TRAVASSOS, L. Inteligências Múltiplas. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 1, n. 2, p.1-13, 2001

Imagem

Figura 1 – O Sistema Aristotélico

Referências

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