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Dos efeitos da Procriação Medicamente Assistida no Direito Sucessório

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Ana Catarina da Silva Fernandes

outubro de 2015

Dos efeitos da Procriação Medicamente

Assistida no Direito Sucessório

Ana Cat

arina da Silva F

ernandes

Dos efeitos da Procriação Medicamente Assis

tida no Direito Sucessório

UMinho|20

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Ana Catarina da Silva Fernandes

outubro de 2015

Dos efeitos da Procriação Medicamente

Assistida no Direito Sucessório

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Cristina Dias

Dissertação de Mestrado

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Nome: Ana Catarina da Silva Fernandes

Endereço eletrónico: catarina_fernandes_137@hotmail.com

Título da tese: Dos efeitos da Procriação Medicamente Assistida no Direito Sucessório

Orientadora: Professora Doutora Cristina Dias Ano de conclusão: 2015

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA TESE, APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, ___/___/______

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ii

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais por tudo, mas principalmente pela realização de todos meus sonhos e por todo o apoio e incentivo para levar a bom porto este árduo trabalho. Aliás, por tudo na minha vida.

À Mafalda, por todo o apoio e por ser a melhor das amigas e uma verdadeira irmã de coração, presente em todos os momentos;

À Bi, por toda a ajuda e incentivo na reta final, contribuindo para o aperfeiçoamento desta dissertação;

À Professora Doutora Cristina Dias, por toda a dedicação demonstrada e por todos os sábios conselhos que me deu para chegar até aqui;

Ao meu Patrono, Exmo. Dr. Rui Monteiro, por todas as indicações e conselhos (tão certeiros), pela compreensão e por todo o tempo que me dispensou, permitindo a conciliação do meu estágio da Ordem dos Advogados com esta dissertação, assim como à Dra. Celsa Monteiro;

Pelas colaborações informais prestadas muito gentilmente pelas Ilustres Doutoras Paula Martinho da Silva e Susana Silva;

De forma igualmente importante, quero agradecer ao Cónego Valdemar Gonçalves da Diocese de Braga, por me ter recebido e por me ter falado da posição da Igreja no que respeita ao tema que decidi abordar;

A todos os elementos da minha família que, de uma ou de outra forma, me incentivaram e ajudaram no culminar desta dissertação;

Aos amigos (e colegas) que foram ao longo deste caminho mostrando interesse, dando sugestões e por toda a compreensão durante este trabalho de estudo.

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Resumo

A Procriação Medicamente Assistida, enquanto tema de estudo, implica alguma polémica, principalmente no que respeita às questões jurídicas que a envolve. Porém, é um tema pouco estudado e que merece a inversão desse facto.

Acontece que a legislação portuguesa em torno desta matéria, nomeadamente no que respeita aos efeitos sucessórios, é um pouco omissa. Tentaremos clarificar tais omissões. É notório que ao longo dos anos a aceitação da Procriação Medicamente Assistida no âmbito social e jurídico tem sido crescente, sendo certo que o Direito tem acompanhado a ciência.

Em suma, condensaremos o objeto da investigação a desenvolver, no âmbito da elaboração de dissertação de mestrado, no desígnio de encontrar as respostas possíveis para as seguintes questões: quais os efeitos sucessórios que a Procriação Medicamente Assistida reproduz no Ordenamento Jurídico português? Como se processam tais efeitos? Quais as consequências que acarretam? Com tais questões pretendemos perceber se o nosso Ordenamento Jurídico está preparado para responder de forma atual e conveniente a estas questões, tendo como foco o direito sucessório.

Neste seguimento, torna-se oportuno abordar a questão da Inseminação Artificial

post-mortem, sabendo que esta é uma técnica que utiliza os espermatozoides ou embrião

conservado, por meio de técnicas especiais, após a morte do doador. Tendo em atenção esta definição, como serão resolvidas as questões relativas aos efeitos sucessórios de uma criança nascida através desta técnica é algo que será alvo de análise.

Ultimamente, Portugal tem verificado um acréscimo de discussões sobre os métodos de tratamento da esterilidade e sobre as novas técnicas de procriação assistida, principalmente porque já nasceram crianças graças à Fertilização in vitro. Pretendemos constatar qual a inclinação que o Direito manifesta no que concerne a estas questões: como regula, admissibilidade, quais as tendências e consequências. Estará o Direito a responder de forma atual a uma questão polémica existente há vários anos?

Só depois disto, estaremos em condições de proceder ao estudo da Procriação Medicamente Assistida no âmbito do Direito das Sucessões, percebendo as suas implicações para o casal e para o Direito, analisando a questão de uma perspetiva jurídica e brevemente bioética. Espera-se clarificar deste modo o efetivo alcance dos efeitos sucessórios no que concerne à Procriação Medicamente Assistida.

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v

Abstract

The Medically Assisted Procreation, as an educational theme, involves some controversy, mainly regarding the issues that surrounds it. However, is a little studied topic and it deserves the reversal thereof.

It turns out that the Portuguese legislation surrounding this matter, particularly with regarding the inheritance effects, is somewhat silent. We try to clarify such omissions. It is clear that over the years the acceptance of Medically Assisted Procreation in both social and legal framework has been growing, given that the law has followed science.

In short, the investigation object to develop, in this master thesis in order to find the possible answers to the following questions: what are the succession effects the Medically Assisted Procreation has in the Portuguese legal system? How to handle these effects? What are the consequences they entail? With these questions we intend to understand whether our legal system is ready to respond expectations, focusing on the law of successions.

Following this, it is appropriate to address the issue of Post-Mortem Artificial Insemination, knowing that this is a technique that uses sperm or embryo conserved through special techniques, after the death of the donor. Taking into account this definition, such issues will be resolved to succession effects of a child born through this technique is something that will be studied further.

Lately, Portugal has been a discussion on the rise of infertility treatment methods and the new assisted reproduction techniques, mainly because children have been born thanks to IVF. Which we intend to realize the slope that the law manifests in relation to these issues: how to regulate, admissibility, Trends and consequences. Is the right to respond in order to present a contentious issue which has existed for several years?

Only after this we will be able to proceed to the study of Medically Assisted Procreation under the Law of Succession, realizing its implications for the couple and for the law, examining the question of a legal and briefly bioethical perspective. Expected to be clarified so the effective range of the succession effects regarding the Medically Assisted Procreation.

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vi

Índice

DECLARAÇÃO ... I AGRADECIMENTOS ... II ABSTRACT ... V ÍNDICE ... VI ABREVIATURAS ... VIII

CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO DA PMA ... 3

1. EM PORTUGAL: ... 3

2. ALGUNS ORDENAMENTOS JURÍDICOS ESTRANGEIROS: ... 5

3. TURISMO REPRODUTIVO: ... 8

CAPÍTULO II – A PMA NO DIREITO PORTUGUÊS ... 16

1. APMA NA CRP: ... 16

2. APMA NO CC PORTUGUÊS: ... 22

3. APMA NO CP PORTUGUÊS: ... 23

4. ALPMA: ... 25

5. A CONTROVÉRSIA SUSCITADA PELO ACÓRDÃO 101/2009 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: ... 33

CAPÍTULO III – NOÇÕES FUNDAMENTAIS ... 37

1. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL: ... 37

2. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA: ... 38

3. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA: ... 38

4. FERTILIZAÇÃO IN VITRO: ... 38

5. INJEÇÃO INTRA-CITOPLASMÁTICA: ... 39

6. TRANSFERÊNCIA DE EMBRIÕES, GÂMETAS OU ZIGOTOS: ... 40

7. DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTAÇÃO: ... 40

8. A QUESTÃO DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS: ... 42

CAPÍTULO IV – A PMA NO DIREITO DAS SUCESSÕES ... 47

1. ASPETOS SUCESSÓRIOS DA PMA: ... 47

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vii

3. REPERCUSSÕES SUCESSÓRIAS DA MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO: ... 54

4. QUESTÕES ÉTICAS: ... 60

5. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL POST-MORTEM ... 63

6. O FILHO PÓSTUMO ... 67

7. FILIAÇÃO NA PMA POST-MORTEM ... 70

8. O REGISTO DA CRIANÇA CONSEGUIDA POST-MORTEM ... 74

9. BREVE ANÁLISE AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, 10.ª VARA CÍVEL, DE 29 DE JULHO DE 2014,PROC.1711/13.6TVLSV ... 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 87

MONOGRAFIA ... 87

REVISTAS: ... 90

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viii

Abreviaturas

ADN - Ácido Desoxirribonucleico AR – Assembleia da República Art. – Artigo

CC – Código Civil CP – Código Penal

CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida CNPMA – Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida CRCivil – Código de Registo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa DGPI – Diagnóstico Genético de Pré-Implantação DL – Decreto-lei

IA – Inseminação Artificial

ICSI – Injeção Intra-Citoplasmática FIV – Fecundação In Vitro

LC – Lei Constitucional

LPMA – Lei da Procriação Medicamente Assistida MP – Ministério Público

N.º - Número

OMS – Organização Mundial de Saúde PMA – Procriação Medicamente Assistida P. – Página

Pp. – Páginas

TC – Tribunal Constitucional UE – União Europeia

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1

Questões Prévias

Nos últimos anos, a Europa tem constatado mudanças dramáticas na sua demografia. A reduzida taxa de natalidade em conjunto com o aumento da esperança média de vida, está a causar um significativo aumento da população envelhecida. Estima-se que até 2050 a população envelhecida europeia venha a diminuir cerca de 10%. Mas este número é isso mesmo: uma estimativa.

A infertilidade é definida como a incapacidade de conceber um filho ou de levar uma gravidez até ao devido termo após um ano de relacionamentos sexuais sem o uso de qualquer método contracetivo1.

A OMS já reconheceu que a infertilidade é uma doença que afeta 14% da população2. Por outro lado, as técnicas de PMA já foram responsáveis por mais de três milhões de crianças a nível mundial. Em Portugal, apenas 0,9% dos nascimentos ocorreram graças às referidas técnicas3.

A infertilidade pode acarretar um impacto psicológico muito negativo e, por esse facto, não pode nem deve ser ignorado nem rejeitado. A impossibilidade de conceber e o stress inerente aos tratamentos podem causar sentimentos prejudiciais (v.g. frustração, raiva, perda de auto-estima, ansiedade, entre outros, como até culminar numa depressão). Isto pode agravar-se em casais em que apenas um deles é estéril.

Aliado a isto, surge a pressão familiar e social que perante a falta de filhos de um casal vai questionando o casal sobre a “obrigação” de procriar. Não raras vezes, pensa-se que a Medicina tem solução para tudo e a fertilidade não é exceção.

Frequentemente, os casais inférteis tornam-se ansiosos e depositam toda a sua esperança em técnicas de PMA. Nos serviços públicos, o acesso a estas técnicas é muito insuficiente. Por isso, a grande maioria dos casais recorre ao sector privado para realizar a vontade de terem filhos, fazendo enormes sacrifícios para custear os tratamentos.

1 Sofia GAMEIRO, Sónia SILVA, Maria Cristina CANAVARRO, A experiência masculina de infertilidade e de reprodução

medicamente assistida, in: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S1645-00862008000200006&script=sci_arttext , consultado em: 13/Maio/2015.

2 Cfr. http://www.saudereprodutiva.dgs.pt/upload/ficheiros/i009862.pdf , consultado em: 08/05/2015.

3 A este propósito veja-se a Comunicação do médico e Deputado do Bloco de Esquerda no Colóquio promovido pelo

CNPMA, PMA – Presente e Futuro, em Lisboa, 12/Janeiro/2012, disponível em:

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2

Perante isto, é notório que devido à sua importância e sensibilidade, a PMA suscita várias questões éticas e jurídicas. A problemática das condições de admissibilidade da PMA traz alguma polémica associada.

Atualmente, as técnicas de PMA só podem ser utilizadas mediante um diagnóstico de infertilidade ou no tratamento de doença grave ou riscos de transmissão de doenças de origem genética, infeciosa ou outras.

Então, segundo o CNPMA, as técnicas de PMA são um conjunto de métodos clínicos e laboratoriais entre cujos objetivos se inclui o aumento significativo da probabilidade de um casal infértil conseguir ter um filho. Não são formas alternativas assexuadas de procriação, mas métodos de tratamento de doenças.

Por outras palavras, e de forma mais simples, poderíamos definir a PMA como técnicas de reprodução (assistida) como meio de obter uma gravidez independentemente de atividade coital.

Não nos parece possível conduzir uma análise do tema sem percorrer o leque legislativo português que vem regulando os aspetos jurídicos da PMA, mostrando desse modo a forma como o Direito vê esta temática, revelando a sua inclinação e posição adotada no que respeita à regulação das diferentes técnicas de PMA. Estará o Direito a responder de forma atual e adequada a uma questão polémica existente há tantos anos?

«Não sei porque os pais amam os filhos – embora saiba que é este amor a causa e o sentido da procriação.»4

4 CAMPOS, Diogo Leite de, “A Procriação Medicamente Assistida heteróloga e o sigilo sobre o dador – ou a omnipotência

do sujeito”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, p. 1031 (também disponível em:

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3

Capítulo I – Enquadramento histórico da PMA

1. Em Portugal:

Os conceitos, a ciência, a capacidade de intervenção humana… Tudo está em constante movimento e há vários anos que é frequente a imprensa relatar alguns feitos médico-científicos no que à reprodução humana diz respeito. Surgem frequentemente estudos de todo o tipo nesta área5.

Terá sido Aristóteles no século III antes de Cristo que, pela primeira vez, teorizou o modo de conceber vida humana. Este filósofo defendia que o esperma provinha do sangue e que tinha a capacidade de dar vida ao embrião, o qual se formava no útero por coagulação do sangue menstrual6. Esta teoria subsistiu cerca de 2000 anos.

Entre nós, as técnicas de PMA começaram no Hospital São João – Porto em 19857. Mais tarde, a 25 de Fevereiro de 1987, nasce Carlos Miguel, o primeiro bebé proveta em Portugal, com recurso às novas técnicas de PMA.

Em Portugal, há muitos anos que se procurava regulamentar esta temática. Em 1986, os Estados-Membros foram aconselhados pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa a regularem a matéria8, uma vez que o que estava em causa eram valores humanos que necessitavam de proteção jurídica. Nesta sequência, foi então criada no nosso país uma Comissão que fizesse o enquadramento legislativo das novas tecnologias, presidida pelo Professor Pereira Coelho. Foi proposto ao Ministério da Justiça as técnicas de PMA que deveriam ser regulamentadas, bem como as autorizações que para tal seriam necessárias. Seguindo esta proposta, foi publicado o DL 319/86, de 25 de Setembro, que aludia à IA, focando-se com mais particularidade na questão da inseminação heteróloga (devido a problemas de saúde e ético-jurídicos). Porém, este Decreto-Lei tinha carácter provisório e restritivo. E, de forma expressa, o mesmo nunca chegou a ser revogado, contando apenas com três artigos.

5 Catherine LABRUSSE-RIOU, “La Filiation et la Medicine Moderne, Revue International de Droit Camparé, 38.º année”, n.º

2, 1986, p. 419.

6 SANTOS, Agostinho Almeida, Procriação Medicamente Assistida – Limites e Valores, Genética e Pessoa Humana,

Colecção “Temas de Bio-ética”, 1991, p. 31.

7 Ana TEIXEIRA, Lucinda CALEJO, Gabriela VASCONCELLOS, Gustavo ROCHA, Maria José CENTENO, Hercília GUIMARÃES,

Recém-Nascidos de Reprodução Medicamente Assistida, In: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/1070/738 , consultado em 30/Outubro/2014.

8 Através da Recomendação n.º 1046 sobre a utilização de embriões e fetos humanos para fins de diagnóstico, terapêuticos,

(14)

4

No ano de 1993, um grupo de trabalho para o estudo da medicina familiar, fertilidade e reprodução humana promoveu a preparação de uma proposta de diploma legislativo para enquadrar a realidade portuguesa acerca da utilização das técnicas e métodos de PMA. Foi elaborado um relatório e programa e, em 1995, o então Ministro da Saúde aprovou-o. Desde essa altura, o legislador tem tentado produzir lei que regule adequadamente a PMA, concretizando-se de forma mais alargada em 2006 com a Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho9.

Em 1997 vários partidos políticos aprovaram um diploma que, de forma mais global, regulava a PMA. Todavia, o Presidente da República que se encontrava em funções naquele ano, o Dr. Jorge Sampaio, vetou o diploma10, fundamentando que não havia amadurecimento suficiente da matéria e que o diploma não se justificava perante a sociedade em que se vivia. Se, por um lado, existiam apoiantes neste sentido, que invocavam argumentos como a falta de amadurecimento da matéria, a inutilidade de qualquer lei pela sua quase imediata desatualização, a inconveniência de criação de um estatuto especial para uma certa categoria de filhos, suscetíveis de serem alvo de discriminação, e a inexistência de acordo quanto a assuntos a disciplinar, por outro lado, os apoiantes da opção contrária invocavam argumentos como a segurança jurídica, o respeito pela ética e pelos direitos humanos.

Em 1999, por exemplo, a Assembleia da República aprovou um decreto que visava regular as técnicas de PMA; este destinava-se a ser promulgado como lei11. Porém, este diploma foi vetado pelo Presidente da República12. Este veto fundou-se no carácter bastante controverso e conflitual no que respeitava à FIV, às técnicas de diagnóstico genético de pré-implantação, da investigação de embriões e da proteção do direito à privacidade.

Posteriormente, em 2008, surge o Decreto Regulamentar n.º 5/2008, de 11 de Fevereiro, que veio regulamentar a LPMA; o Despacho n.º 14788/2008, de 6 de Maio,

9 Tal lei é designada como LPMA. Posteriormente a LPMA veio a ser alterada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro

(muito relevante a nível de contra-ordenações) e ainda regulamentada pelo Decreto-Regulamentar n.º 5/2008, de 11 de Fevereiro (referente maioritariamente a aspetos clínicos, focando nomeadamente os centros autorizados).

10 A este propósito, veja-se a Proposta de Lei n.º 135/VII, que originou o Decreto n.º 415/VII de 1999, o qual veio a ser

aprovado. Quanto ao veto do Presidente da República, este ocorreu em 30 de Julho de 1999, estando publicado no “Diário da Assembleia da República”, II Série, n.º 82, p. 2326.

11 Decreto 415/VII, aprovado pela Assembleia da República a 17 de Junho de 1999; este decreto teve como base a proposta

de Lei n.º 135/VII.

12 Cfr. PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, 3.ª Edição, 2.ª Reimpressão, Lisboa, AAFDL, 2012,

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5

aprovou a Rede de Referenciação de Infertilidade e o Programa de Formação de Infertilidade e criou ainda o Programa Vertical de 12 Milhões de Euros para a requalificação da resposta pública à infertilidade13.

Se 2008 representou um marco importante nesta matéria, 2009 também o foi: aprovou-se a tabela de preços para os tratamentos da PMA com a Portaria n.º 154/2009; aprovou-se um regime excecional de recuperação de listas de espera para técnicas de segunda linha de PMA com o Despacho n.º 10789/2009, de 20 de Abril; e foi criado um regime especial de comparticipações dos medicamentos destinados ao tratamento da infertilidade com o Despacho 10910/2009, de 22 de Agosto14.

A lei que vigora (LPMA) tem definido o que é possível ou não fazer, criando o CNPMA. Este organismo desempenha funções de autoridade reguladora, atribuindo-lhe responsabilidades com o intuito de garantir a legalidade, defendendo princípios éticos, promovendo o desenvolvimento das técnicas de PMA e sugerindo alterações à lei em vigor, de forma a adaptar as necessidades à realidade momentânea, respeitando sempre a vontade daqueles que foram democraticamente eleitos, nunca esquecendo os constantes avanços científicos15.

Consideramos relevante afirmar que as técnicas de PMA regulamentadas pelo quadro legislativo português, não podem em momento algum ser encarados como métodos alternativos/opcionais à reprodução. A nosso ver, deverão ser encarados como métodos complementares ou subsidiários à procriação.

2. Alguns Ordenamentos Jurídicos Estrangeiros:

Para um melhor entendimento da evolução que a temática em análise apresenta, a título de curiosidade tem alguma relevância salientar que a possibilidade de preservar

13

Critérios de Acesso à Procriação Medicamente Assistida, In:

http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/ministerio/comunicacao/comunicados+de+imprensa/criterios+ pma.htm , consultado em: 11/Novembro/2014.

14 Critérios de Acesso à Procriação Medicamente Assistida, In:

http://www.portaldasaude.pt/portal/conteudos/a+saude+em+portugal/ministerio/comunicacao/comunicados+de+imprensa/criterios+ pma.htm , consultado em: 11/Novembro/2014.

15 Salvador Massano CARDOSO, Procriação Medicamente Assistida – papel da entidade reguladora, In:

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6

espermatozoides no frio começou a ser usada entre humanos em 1953, nos Estados Unidos16.

Nos últimos 50 anos, foram inegáveis as evoluções da ciência verificadas no que respeita às tecnologias reprodutivas. Primeiramente surgiu a pílula em 1960. Com este contracetivo o destino da mulher alterou-se, pois deste modo foi-lhe concedido o direito/opção de conceber quando entendesse, havendo assim uma separação entre a sexualidade e a reprodução/filiação.

Corria o ano de 1969 quando a FIV foi conseguida pela primeira vez na espécie humana, por R.G. Edwards17. Porém, o primeiro bebé a nascer através desta técnica (oficialmente) aconteceu a 25 de Julho de 1978 no Oldham General Hospital de Inglaterra. Chama-se Louise Brown18. Com o surgimento da FIV distinguiu-se a sexualidade da procriação, quebrando-se assim, laços genéticos. Hoje Louise é uma mulher casada e com um filho. Depois deste caso, já nasceram várias crianças através deste mesmo método. A verdade é que até hoje Louise Brown é tratada como celebridade19.

Whittingham, em 1972, conseguiu obter o desenvolvimento de embriões de ratos, congelando-os e, posteriormente, descongelando-os. Adaptando este novo método inovador ao ovo humano obtido por FIV, proporcionou a Alan Trounson o nascimento de Zoe, em 1984, na Austrália.

Na sociedade atual, o progresso da ciência e da técnica é de tal forma rápido que, “o que ontem era impossível, hoje é realidade e amanhã estará ultrapassado”20

. Para que os avanços científicos sejam comprovados, frequentemente as técnicas utilizadas são primeiramente testadas em animais. E, a transposição de técnicas científicas aplicadas a um animal para o Homem é um processo rápido. Desde que o processo científico satisfaça uma procura real e existente, o interregno entre o êxito da ciência à

16 Cfr.

http://jus.com.br/artigos/20022/a-filiacao-e-o-direito-sucessorio-dos-filhos-havidos-por-inseminacao-artificial-e-fecundacao-in-vitro-homologas-post-mortem-frente-ao-codigo-civil-brasileiro-de-2002 , consultado em: 16/Novembro/2014.

17 Graças ao seu contributo no desenvolvimento da PMA, este ilustre recebeu pouco tempo mais tarde um Prémio Nobel da

Medicina.

18

Após o nascimento de Louise Brown, o Governo inglês, em 1981, instalou o Committee of Inquiry into Human Fertilization abd Embriology que estudou com mais afinco o assunto da FIV durante três anos, findo os quais, foi publicado o Warnock Report.

19 V.g., no Brasil aquando o inicio das comemorações do projeto “FIV 30 anos – Celebrando a Vida”, em 07/11/2007,

Louise Brown esteve presente e a sua imagem foi uma constante nos blocos de notícias televisivas e mesmo em jornais.

20 Cfr. Parecer C.C. 96/2010 SJC do Instituto dos Registos e Notariados, disponível em:

http://www.irn.mj.pt/IRN//sections/irn/doutrina/pareceres/civil/2010/p-c-c-96-2010-sjc/downloadFile/file/CC96-2010.pdf?nocache=1336048963.7 , consultado em: 22/Junho/2015.

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7

rentabilidade veterinária será manifestamente curto, isto é, levará apenas alguns (poucos) anos até atingirem o almejado sucesso21.

Já em 1973 a IA aplicada em Humanos podia ser efetuada em bancos de esperma congelado.

Os conhecimentos adquiridos através da biologia da reprodução permitiram recomendar intervenções na medicina humana. Tais propostas deram um novo alento aos casais que não conseguiam atingir a almejada gravidez. Era como se de um momento para o outro, fosse possível romper com uma fatalidade bíblica.

Desta forma, surgiram novas técnicas de PMA que nascem da impossibilidade técnica de encontrar respostas para um drama (antigo): a impossibilidade de ter filhos22.

Na Alemanha o Benda Report de 1985 originou a Lei de defesa dos embriões que vigora desde Janeiro de 199123.

Em 1990 nasce a primeira criança através do diagnóstico genético de Pré-Implantação24.

Em 1992, na Bélgica, a injeção intra-citoplasmática registou o seu primeiro sucesso.

Atravessando a fronteira, em Espanha a Ley n.º 14/2006, de 26 de Maio, mantendo o que já se verificava na lei anterior25, admite que toda e qualquer mulher maior de 18 anos, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual (art. 6.º, n.º 1, da referida lei) pode usufruir das técnicas de PMA26. A este propósito, Vera Lúcia Raposo refere que a designação de marido foi substituída ao longo da mencionada Ley em várias normas, por cônjuge para que fosse possível abarcar a hipótese de recorrerem a estas técnicas casais homossexuais27.

21

Cfr. Luís Manuel Moreira de ALMEIDA, A medicina moderna da procriação no Direito da Família e de Sucessões,

disponível em: http://www.geocities.ws/apn_notarios/BERLIM1.htm , consultado em: 14/Agosto/2014.

22 Luís Manuel Moreira de ALMEIDA, A Medicina Moderna da Procriação no Direito de Família e Sucessões, trabalho

apresentado no XXI Congresso da União Internacional do Notariado Latino, Berlim, de 28 de Maio a 3 de Julho de 1995;

Disponível em: http://www.geocities.ws/apn_notarios/BERLIM1.htm , consultado em: 17/Agosto/2014.

23 Cfr. Daniel SERRÃO, Livro Branco. Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica, Ministério da Ciência e do

Ensino Superior, Lisboa, 2003, p. 6.

24 Natália Oliva TELES, Diagnóstico Genético Pré-Implantação – Aspectos Técnicos e Considerações Éticas, In:

http://actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/viewFile/1417/1006 , consultado em: 30/Outubro/2014.

25 Ley n.º 35/1988, de 22 de Novembro, a qual foi a primeira lei a tratar da matéria da PMA em Espanha.

26 Cfr. Sandra Marques MAGALHÃES, “Aspectos sucessórios da Procriação Medicamente Assistida Homóloga Post

Mortem”, Coimbra Editora, Abril de 2010, p. 39.

27 Cfr. Vera Lúcia RAPOSO, «Comentário à recente lei espanhola de reprodução assistida”, in Lex Medicinae, n.º 6, ano 3.º,

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8

Já no Brasil, não existe uma lei formal que regule o assunto. O mais próximo que existe de tal é a Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal da Medicina que consagra que toda a mulher capaz pode recorrer a técnicas de PMA28. Parece-nos tratar-se de uma lacuna na lei, uma vez que na maior parte dos Ordenamentos Jurídicos existe uma consagração expressa de quem pode beneficiar das técnicas em causa e que condições devem os beneficiários das técnicas de PMA cumprir para o fazer. Parece-nos notório que se trata de uma lacuna legal, pelo que mais tarde ou mais cedo deverão existir alterações neste sentido, de forma a aproximar o seu quadro legal com os outros Ordenamentos existentes.

O sistema legal do Reino Unido e a lei Alemã demonstram posturas ético-jurídicas muito afastadas uma da outra, especialmente no que concerne ao embrião constituído por fertilização ovacitária exterior ao corpo da mulher, criando algum desconforto no plano europeu e originando uma discórdia que está longe de encerrar29.

O esforço/movimento para criar Comités de Ética nos países europeus surge como consequência da crescente capacidade de intervenção da biologia e medicina sobre os Seres Humanos, com especial atenção para a transplantação de órgãos e para a transferência para o útero de embriões conseguidos fora do corpo da mulher. O primeiro Comité foi criado em 1983 em França tendo sido designado como Comité Consultatif National d’Éthique pour les Sciences de La Vie et La Santé, que produziu logo um parecer sobre a procriação artificial. Este exemplo foi seguido por vários países europeus, nomeadamente Espanha e Alemanha. Com exceção do Reino Unido, todos os Comités criados produziram pareceres sobre a PMA30.

3. Turismo Reprodutivo:

Os direitos reprodutivos são entendidos como direitos humanos que derivam do reconhecimento de que todas as pessoas têm o direito a fazerem as suas opções de forma livre de discriminação, coerção ou violência. Destaca-se a título de exemplo o direito de, livre e responsavelmente, determinar o momento e o número de filhos31.

28 Cfr. http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/1992/1358_1992.htm , consultado em: 02/Novembro/2014.

29 Cfr. Daniel SERRÃO, Livro Branco. Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica, cit., p. 6.

30 Cfr. Daniel SERRÃO, Livro Branco. Uso de Embriões Humanos em Investigação Científica, cit., p. 6.

31 Cfr. André Gonçalo Dias PEREIRA, “Um Direito da Saúde para a Europa?”, Debater a Europa – Periódico do CIEDA e do

CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20, n.º 2/3 Janeiro/Dezembro 2010 semestral), in:

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9

Atualmente existe uma considerável variedade de leis nos diferentes países que regulam esta temática. Além disso, hoje em dia verifica-se uma grande facilidade no que respeita às deslocações de país para país (facilidade mais notória entre países da UE), uma vez que vigora o Princípio da Livre Circulação. Estes dois factos aliados originam o fenómeno do Turismo Reprodutivo.

O turismo reprodutivo está a crescer na Europa, graças à procura manifestada por casais inférteis. Falamos de Turismo Reprodutivo quando um casal se desloca de um país/jurisdição onde uma técnica de PMA não é autorizada para outro onde não existem restrições nesse âmbito. Grande parte dos casos verificam-se devido a doações de gâmetas.

A Itália e a Alemanha32 são dos países mais restritivos no que concerne à PMA. Então, os casais que não encontram a legislação pretendida no seu país, procuram países com pouca ou nenhuma legislação nessa área. Os principais destinos de Turismo Reprodutivo são Espanha, Estados Unidos, África do Sul e México. Por exemplo, em Itália, quando se trata de PMA, só se considera mãe quem de facto dá à luz. Se estivermos perante um caso de barriga de aluguer, essa terá que assinar um termo de adoção e mesmo com tal termo, poderá haver contestação judicial33.

Espanha é vista quase como um paraíso do turismo reprodutivo. As principais razões para tal prendem-se com a existência de uma boa relação qualidade-preço e a garantia de anonimato. A grande maioria dos cidadãos que se deslocam a este país são oriundos de Itália (cerca de 75%), França e Reino Unido. Compreendemos que as legislações mais restritivas sejam mais frequentes em países cujas técnicas de PMA são financiadas pelo serviço de saúde de cada país, onde existe um controlo da capacidade do serviço34.

32 A este respeito, veja-se a lei alemã: Embryonenschtzgesetz de 13 de Dezembro de 1993.

33 Veja-se a Lei que regula a PMA em Itália (Norme in matéria di procreazion medicalmente assistida, Legge 19 de

Febbraio 2004, n.º 40), disponível em: http://www.salute.gov.it/imgs/C_17_normativa_454_allegato.pdf , consultado em:

17/Agosto/2015.

34 Cfr. SÁNDOR, Judit, A retórica legal em torno da reprodução, disponível em:

https://books.google.pt/books?id=H6bjCQAAQBAJ&pg=PA26&lpg=PA26&dq=como+funciona+o+turismo+reprodutivo+em+espa

nha&source=bl&ots=oV6l7ZP8lq&sig=K3GOdrFKaeNI71v2PqpValBFCZ0&hl=pt-

PT&sa=X&ved=0CDkQ6AEwBWoVChMIiqrd9J-wxwIVxl4UCh3bIg36#v=onepage&q=como%20funciona%20o%20turismo%20reprodutivo%20em%20espanha&f=true , consultado em: 17/Agosto/2015.

(20)

10

Mesmo em países onde as técnicas de PMA não são patrocinadas pelos sistemas de saúde esses ordenamentos são muitas vezes procurados pelos casais inférteis, onde as clínicas de infertilidade tornam-se mais rentáveis devido a essa procura35.

Em França, desde há muito que a “mercantilização” do corpo é vedada pelo Ordenamento Jurídico francês. Nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do CC francês, “(…) o corpo não pode ser objeto de direitos patrimoniais”. Nesse Ordenamento Jurídico, em caso de conflito de maternidade, prevalece o princípio de que a mãe é aquela que dá à luz36, sendo a maternidade legalmente estabelecida pelo parto, e não pela transmissão do património genético37. Além disso, em França a PMA apenas pode ser utilizada com o intuito de cumprir fins terapêuticos e por casais heterossexuais38.

Note-se que às vezes uma simples alteração na regra do anonimato é capaz de alterar toda a dinâmica da reprodução transnacional, por exemplo, em 2004 a Regulamentação 1.511 do Human Fertilization39.Assim, desde Abril de 2005 a doação

de óvulos e esperma do Reino Unido não pode ser anónima. Desta forma, os dadores são obrigados a fornecer a sua identificação com o intuito de preservar o direito da criança conhecer as suas origens40.

Também no Brasil este fenómeno tem aumentado. São dois os principais fatores para este aumento: as mais de 100 clínicas especializadas nas técnicas de PMA e o baixo custo para recorrer ao procedimento41.

35 Cfr. SÁNDOR, Judit, A retórica legal em torno da reprodução, disponível em:

https://books.google.pt/books?id=H6bjCQAAQBAJ&pg=PA26&lpg=PA26&dq=como+funciona+o+turismo+reprodutivo+em+espa

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36 Cfr. Art. 341.º do CC francês.

37 Cfr. SILVA, Flávia Alessandra Naves, «Gestação de substituição: direito a ter um filho», Revista de Ciências Jurídicas e

Sociais, vol. I, n.º 1, 2011, pp. 52-54.

38 Cfr. SÁNDOR, Judit, A retórica legal em torno da reprodução, disponível em:

https://books.google.pt/books?id=H6bjCQAAQBAJ&pg=PA26&lpg=PA26&dq=como+funciona+o+turismo+reprodutivo+em+espa

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39 Esta regulamentação começou a vigorar a 1 de Julho de 2004.

40 Cfr. www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1908ffe453edcfd0 , consultado em: 27/Agosto/2015.

41 In:

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Quanto à maternidade de substituição, esta é permitida no Brasil, desde que não existam valores monetários envolvidos e que a mulher que suporte a gravidez seja familiar da mãe, até ao segundo grau de parentesco, como resulta do exposto na Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina42.

Espanha é cada vez mais procurado neste sentido, sendo apelidado como “Meca do Turismo Reprodutivo”, uma vez que oferece sol, praia e procedimentos de fertilização com alta taxa e sucesso43. Estima-se que cerca de 20 000 mulheres na Europa cruzem a fronteira em busca do sonho da maternidade; desse número entre 35% e 40% recorrem a Espanha. Além disso, nos últimos anos, as clínicas espanholas têm registado um aumento de pacientes oriundos de países não europeus, incluindo o Brasil. No cerne desta situação está, como já salientamos, as leis menos restritivas. Contudo, neste país as “barrigas de aluguer” são expressamente proibidas, sendo tais contratos considerados inválidos, podendo originar uma volta entre 10 000€ e 1 000 000€. Deste modo, a mulher que cede o seu útero não tem obrigação de entregar a criança aos pais nem sequer de os indemnizar44. Todavia, à semelhança de França, também em Espanha prevalece o princípio de que a pessoa que dá à luz é a mãe da criança, sendo a maternidade determinada pelo parto45.

Além de ter restrições mínimas e acesso ao tratamento, Espanha tem como grande vantagem o stock relativamente abundante de óvulos de mulheres mais jovens. Este é um fator muito relevante para as mulheres que pretendem engravidar perto dos 40 anos46.

Um exemplo da discrepância entre os procedimentos da PMA constata-se em casos como o congelamento de embriões, doação de óvulos e a seleção embrionária para a prevenção de doenças genéticas. Estes métodos são proibidos na Alemanha e na Itália,

42

Dispõe a Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina: ”VII – Sobre a gestação de substituição (doação temporária do útero) – As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na dadora genética. 1 – As dadoras temporárias do útero devem pertencer à família da dadora genética, num parentesco até ao segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. 2 – A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.”

43

In: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/09/120821_turismo_reproducao_espanha_ru.shtml , consultado em:

16/Dezembro/2014.

44 In:

http://cnaf-familia.org/index.php?option=com_content&view=article&id=6472:diploma-final-sobre-barrigas-de-aluguer-adiado-mais-uma-semana--mas-com-aprovacao-a-vista&catid=43:revista-a-imprensa&Itemid=60&lang=en , consultado em: 10/Setembro/2015.

45 Cfr. Ley n.º 35/88.

46 In: www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/09/120821_turismo_reproducao_espanha_ru.shtml , consultado em:

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o que leva a que casais oriundos destes países viajem para o Reino Unido, Espanha ou Bélgica, onde o uso destas técnicas é permitido47.

Manuel Ardoy48 considera que a expressão “Turismo Reprodutivo” não corresponde à realidade, pois este fenómeno trata de técnicas médicas que ajudam a resolver problemas de saúde, como a infertilidade. Ardoy admite que Espanha é bastante procurada por vários motivos: a qualidade técnica, a relação desta com o preço e rigorosa legislação que garante a confidencialidade. No que concerne a Itália, a proximidade territorial é um motivo de peso. A abertura legal que permite o uso de gâmetas (espermatozoides e óvulos) de dadores anónimos é muito valorizada pelos estrangeiros49.

O turismo reprodutivo ou até a questão da maternidade de substituição (vulgarmente designada de “barriga de aluguer”) que começa a surgir em países exóticos, como a Índia ou Rússia, é perigoso, podendo gerar graves implicações devido às condições em que as mulheres são recrutadas e tratadas durante o processo50.

Este fenómeno acarreta problemas: quando os pais regressam aos seus países deparam-se, por vezes, com a recusa do reconhecimento legal das crianças nascidas em consequência do “turismo reprodutivo”.51

Se esta recusa se verifica devido ao facto de a criança ter nascido graças a técnicas proibidas no país dos seus pais, não nos parece que seja assegurado o superior interesse da criança, pois ela deveria ver reconhecido o seu direito à cidadania, tal como todas as crianças.

Neste seguimento, concordamos com Storrow: não concordamos nem defendemos a recusa que pende sobre determinados países (mais conservadores?) que dificultam o reconhecimento das crianças que nascem graças a estas técnicas, prejudicando quem não se consegue defender, ou seja a criança que nasce. Deste modo, não assentimos com a “criação” de uma nova categoria de crianças: as “não legítimas ou tradicionalmente concebidas” e as “não legítimas ou artificialmente concebidas”, isto porque crianças são

47

In: www.dw.de/união_européia-se-preocupa_com_turismo_reprodutivo_a_3521300 , consultado em: 23/Dezembro/2014.

48 Presidente da Associação Espanhola para o Estudo da Biologia da Reprodução.

49 In: http://paisefilhos.pt/index.php/actualidade/noticias/5262-espanha-paraiso-do-turismo-reprodutivo , consultado em:

20/Novembro/2014.

50 In: http://bebes.kazulo.pt/10190/barriga-de-aluguer---sera-a-solucao.htm , consultado em: 20/Novembro/2014.

51 Cfr. STORROW, Richard F., Assisted reproduction on treacherous terrain: the legal hazards of cross-border reproductive

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crianças e não podem nem devem ser diferenciadas em função das condições em que foram concebidas52.

Em Portugal, o MP já levantou várias vezes processos de averiguação oficiosa da paternidade. Isto verifica-se quando uma mulher solteira tenta no registo civil registar o filho, não indicando nenhum nome como sendo o do pai da criança. Contudo, em via de regra, quando o dador é anónimo o processo acaba por ser arquivado53.

Na Índia já existem cerca de 350 clínicas espalhadas por todo o país. Esta realidade existe sobretudo porque os preços para a prática de turismo reprodutivo são mais baixos, mas também porque todo o processo que envolve a prática é pouco controlado e relativamente seguro. São aceites casais do mesmo sexo, pais solteiros e mulheres demasiado ocupadas para dar à luz.

Além disso, mulheres indianas “emprestam” o seu útero como quem se candidata a um emprego. Para muitas destas mulheres, levar a cabo a gestação de um filho de outrem é algo natural, tal como se falássemos de uma profissão qualquer54.

O Governo indiano pretende regulamentar esta “indústria” estando já agendada uma discussão parlamentar para debater este assunto. Esta proposta pretende limitar a idade de uma mãe de substituição (35 anos), limitar para cinco as gravidezes por mulher, obrigação de os pais provarem que a criança que vier a nascer terá cidadania no país de origem e ainda as clínicas serão proibidas de fornecer ou de tomar conta das mães de aluguer durante a gravidez55.

Segundo a lei portuguesa não é permitido recorrer à maternidade de substituição. Mas tal como já referimos, o mesmo não se passa no estrangeiro. A Grécia é o país da UE com legislação mais complexa sobre o assunto, apresentando um enquadramento jurídico sobre os direitos da parturiente e do casal contratante. Na Bélgica, por exemplo, a maternidade de substituição não é proibida, mas o contrato não tem efeitos jurídicos e no registo de nascimento da mãe consta o nome da mulher que deu à luz. Já no Brasil, para ser levada a cabo esta prática a parturiente tem de ser da família, isto é, até ao

52Cfr. STORROW, Richard F., Assisted reproduction on treacherous terrain: the legal hazards of cross-border reproductive

travel, cit., p. 540.

53 In:

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/inspeccao-da-saude-investiga-clinica-suspeitade-ter-feito-inseminacao-artificial-em-mulher-solteira-1623424 , consultado em 20/Fevereiro/2015.

54 Cfr. SILVA, Flávia Alessandra Naves, «Gestação de substituição: direito a ter um filho», Revista de Ciências Jurídicas e

Sociais, cit., pp. 52-53.

55

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segundo grau de parentesco da mulher que contratou, mas neste país a prática tem de ser solidária e não onerosa56.

O CNPMA demarca-se da ideia de existir turismo reprodutivo em Portugal. Por exemplo, em 2011 surgiram notícias que davam conta que por 100 000€ mulheres portuguesas se tornavam barrigas de aluguer. Logo o CNPMA emitiu um comunicado esclarecendo em que consiste esta prática e assegurando legalmente que se trata de um crime e atestando que sendo o organismo competente para acompanhar as técnicas de PMA (na qual se insere a maternidade de substituição, vulgarmente designada de barriga de aluguer), não tem conhecimento da existência de “barrigas de aluguer” enquadrados na questão de turismo reprodutivo (nem de natureza idêntica) em Portugal57.

A questão da maternidade de substituição está a ser estudada pelo Parlamento, mas é motivo de divisão entre os vários partidos58. Isso acontece devido à fragilidade do tema: em que termos poderá ser permitida em Portugal, que infrações à lei poderão ocorrer, são questões inerentes à divisão verificada no seio dos vários partidos. De facto, todo o cuidado é pouco para evitar qualquer inconstitucionalidade.

Hoje em dia, as vertentes do turismo reprodutivo são “inovadoras”. A título de exemplo, vejamos o turismo reprodutivo através da internet59: no conforto do seu lar em Portugal, uma pessoa poderá comprar gâmetas masculinos através da internet. Esses gâmetas chegarão por correio dias depois. Aqui os gâmetas são tratados como mercadoria. Os preços dos gâmetas não serão todos iguais, pois tendo em conta os atributos físicos do dador mais caro serão. As próprias mulheres candidatam-se virtualmente para levarem a cabo uma gestação por conta de outrem. Para tanto, frequentemente ressalvam qualidades físicas, nomeadamente altura, cor de pele, cor de olhos, entre outras características físicas60.

No mercado da reprodução existem riscos que não podem ser ignorados. Recentemente foi noticiado que um jovem gay de 26 anos tinha contribuído para o nascimento de dez bebés de nove mulheres diferentes no espaço de treze meses. Para

56 Cfr. http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=31&did=152793 , consultado em 11/Maio/2015.

57 Cfr. http://www.cnpma.org.pt/Docs/ComunicadoMaternidadeSubstitucao.pdf , consultado em 11/Maio/2015.

58 Cfr. https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36675 , consultado em

01/Outubro/2015.

59 Cfr. www.surrogatefinder.com , consultado em: 27/Agosto/2015.

60 Cfr. Ana Carolina Pedrosa MASSANO, «Baby Business: a indústria internacional da “barriga de aluguel” sob a mira da

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tanto, as redes sociais demonstram grande importância neste processo: através do grupo público61 “Sperm Donors” no Facebook, que atualmente conta com cerca de 3000 membros, é possível recorrer a um dador de esperma para prosseguir o desejo de ter filhos. Somos da opinião que a prática deste tipo de doações diretas, sem qualquer tipo de assistência médica especializada, é muito perigoso, uma vez que não há forma de saber se o esperma que foi doado contém ou não alguma doença sexualmente transmissível.

61

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Capítulo II – A PMA no Direito Português

1. A PMA na CRP:

No âmbito constitucional, podemos invocar sobre o tema a que nos propusemos tratar, algumas normas.

Em 1997 a CRP sofreu uma alteração, tendo sido aditada a alínea e) do n.º 2 do art. 67.º62, passando assim a estar o Estado incumbido de regulamentar a PMA, salvaguardando a dignidade da Pessoa Humana.

Ora, se pensarmos numa família, a falta de filhos é frequentemente vista como algo não tão natural. Por outro lado, a não utilização dos métodos médicos e científicos para atingir esse projeto familiar, não é tão observada deste modo, encarando-se não raras vezes os casais que recorrem a técnicas de PMA com alguma estranheza e discriminação. Assim, a proteção do carácter natural da família, isto é, a prossecução de um projeto parental que inclua ter filhos, é importante, mas ainda mais fulcral que isso será o respeito pela sua autonomia na qual cabem a esfera da sua vida íntima e do seu direito à personalidade, que aliás é intocável.

Queremos através do exposto neste ponto da dissertação, deixar claro os valores constitucionais envolvidos na temática que nos propusemos abordar. Assim, mais importante do que prosseguir o desejo a construir uma família, será levar avante a autonomia pessoal de cada um, na qual cabe o seu direito à personalidade. Sem o respeito por estes direitos, não é viável levar a cabo o projeto parental de cada casal, enquanto família.

Diz-nos o art. 36.º, n.º 1, da CRP, que todos os cidadãos têm o direito de constituírem família. Mas, neste caso, coloca-se em causa a admissibilidade das técnicas de PMA, isto porque a nossa Lei Fundamental não menciona a possibilidade de recorrer a técnicas de PMA com o intuito de ter filhos, uma vez que esta hipótese contrasta com a essência da sociedade conjugal, a qual tem como base a integração psico-física do homem e da mulher, isto é, conciliar enquanto casal ideais, culminando frequentemente com o objetivo de ter filhos (neste caso, em princípio levando a cabo a relação sexual) dando deste modo continuidade à família.

62

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No mesmo sentido, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram as questões abordadas no art. 36.º da nossa Lei Fundamental problemáticas, referindo que “(…) problemático é saber até que ponto é que o direito a ter filhos envolve um direito à inseminação artificial heteróloga (com esperma de terceiro) ou à gestação por «mãe de aluguer», afigurando-se , contudo, que a presente disposição constitucional só poderá oferecer algum subsídio para a questão em conjugação com os princípios da dignidade da pessoa humana e do Estado de direito democrático , que garantem simultaneamente a irredutível autonomia pessoal, bem como os seus limites (…)”63

.

De facto, a nossa lei no que concerne ao acesso a técnicas de PMA é ainda um pouco omissa.

Cremos que este artigo ao dedicar quatro dos seus sete números à filiação sugere que o direito a constituir família tem subjacente o direito de estabelecer vida em comum, o direito ao casamento e o direito a ter filhos. Assim, este último direito enunciado está intimamente relacionado com o direito a constituir família, apesar de não ser um elemento essencial ao conceito de família. No mesmo sentido, defendem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, plasmando que “(…) isso compreende tanto a liberdade de procriação (não havendo lugar para interdições de procriação, limites ao números de filhos e esterilização forçada, que de resto não seriam compatíveis com a dignidade da pessoa humana e a autodeterminação pessoal que lhe é inerente), como o direito a uma paternidade e maternidade consciente e responsável (…)”64.

Face ao exposto, defendemos e acreditamos que o art. 36.º da CRP é uma tentativa de eliminar obstáculos à maternidade/paternidade. Contudo, é omisso quanto à admissibilidade de novas técnicas científicas, nomeadamente com recurso à PMA. Acreditamos que a jurisprudência e a Lei ainda têm um caminho a percorrer no sentido da modernidade, até porque hoje em dia a evolução científica e tecnológica é uma constante.

Mas quando a incorporação da ideia de ter filhos com o relacionamento físico não é atingido através de práticas diversas da relação sexual física, não será considerado “contra natura”? Cremos que não. Aquele artigo da CRP vem conferir a todos os cidadãos o direito a contrair matrimónio e a procriar, sendo que nesta segunda alusão,

63 Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, 4.ª ed.

Revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 367.

64 Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, 4.ª ed.

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muitas vezes, ela só é viável por meios médico-científicos, isto é, através de técnicas de PMA65.

É necessário ter presente que este direito a procriar acarreta duas dimensões distintas, trazendo em simultâneo um direito positivo e outro negativo. Como direito negativo, o direito a procriar significa que todos têm o direito a reproduzir sem terem a interferência de mais ninguém (sendo que esta dimensão acarreta o direito a não procriar); já numa dimensão positiva, o direito a procriar supõe um direito à assistência na reprodução. Neste caso, poderia colocar-se a questão se do direito à reprodução, no que respeita à dimensão de assistência à procriação, fazem parte as técnicas de PMA66.

Constatamos que a nossa CRP não prevê um direito a procriar absoluto ou ilimitado com recurso às técnicas de PMA, mantendo excluídas as famílias monoparentais.

Não é possível descartar a ideia de que as várias técnicas de PMA visam o nascimento de uma criança, quando pela via natural não seria atingível. Proteger o carácter natural da família é importante, mas respeitar a sua autonomia é fundamental67.

Desta forma, é de analisar o art. 26.º da CRP, na parte em que tutela o direito à reserva da intimidade da vida privada. Tal direito, pode e deve ser entendido como um direito a recorrer aos meios de PMA sem que o Estado ou a lei intervenham. No entanto, compreende-se que a dimensão da privacidade não pode excluir uma intervenção pública e prévia, no sentido de definir em geral a forma como poderão ser aplicadas as diversas técnicas de procriação.

Quer o direito a constituir família, quer o direito à reprodução, são direitos que não se confundem, porquanto o direito a constituir família apresenta um espectro mais amplo e rico de sentido do que o direito à reprodução, o qual pode ser apreciado como um dos vários corolários daquele. Note-se que o titular do direito a constituir família não tem de ser obrigatoriamente titular de um direito reprodutivo; contudo, o titular do direito reprodutivo será necessariamente titular do direito a constituir família.

A este propósito, torna-se relevante salientar que este artigo tem servido também para apoiar os direitos reprodutivos, sobretudo o direito à não reprodução (como o é o

65 Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005,

p. 399.

66 Cfr. DUARTE, Tiago, In vitro veritas? – A procriação medicamente assistida na Constituição e na Lei, Coimbra,

Almedina, 2003, p. 66

67 Cfr. CARDOSO, Augusto Lopes, «Procriação humana assistida», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 51 n.º I (1991);

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direito à interrupção voluntária da gravidez). A título de exemplo, referenciamos uma decisão do TC, o qual entendeu, através do Acórdão n.º 288/98, de 17 de Abril68 que “o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, englobando a autonomia individual e a autodeterminação e assegurando a cada um a liberdade de traçar o seu próprio plano de vida, designadamente quando associado ao direito a uma maternidade consciente, terá a virtualidade de avalizar uma eventual opção legislativa no sentido da exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez “69. Todavia, neste acórdão, defende-se que este direito “não implicará o reconhecimento de que a mulher tem inteira liberdade de controlar a sua própria capacidade reprodutiva (um direito constitucional a livremente abortar)”.

Verificando o cerne deste artigo, constata-se uma omissão no que respeita à reprodução artificial, pois cremos que a CRP não acompanhou as evoluções neste sentido, pelo que a esfera da vida privada deveria contemplar a hipótese de, em sede familiar, ser possível recorrer às técnicas e PMA para concretizar um projeto parental sem que isso exponha de modo algum a intimidade da sua vida privada enquanto família. Isto levanta algumas dúvidas, pois se entendermos existir uma proibição da reprodução artificial, tal proibição não é pura, mas sim resultado de uma omissão. Se assim for, a proibição abrange a criação, desenvolvimento e utilização de tecnologias que levem à produção de “outros seres” e é neste âmbito que surgem as técnicas de PMA. É crucial perceber que a dignidade da Pessoa Humana e a garantia da sua identidade genética não são postas em causa pelas técnicas de reprodução assistida70.

Citando JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “(…) a garantia da dignidade pessoal e a garantia da identidade genética do Ser Humano não são inconstitucionalmente postas em causa pelas práticas de fertilização artificial e de reprogenética (…)”, demonstrando que o exposto não constitui nenhuma ameaça para a constitucionalidade da nossa Lei Fundamental71.

68 Este acórdão está disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980288.html , consultado em:

17/Agosto/2015.

69 Note-se que atualmente, a interrupção voluntária da gravidez já não punível.

70 Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, cit., pp.

458-474.

71 Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, cit., p.

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Partindo do pressuposto que o direito à identidade genética é parte integrante (e indispensável) à identidade pessoal, defendemos que o direito à identidade genética segue o mesmo regime constitucional do direito à identidade pessoal.

A proteção concedida por este artigo é simultaneamente individual e geral, uma vez que também pretende proteger a identidade genética da espécie humana. Esta norma não é mais do que um reconhecimento constitucional de, pelo menos, uma das conclusões a que os participantes na Convenção de Oviedo72 tinham chegado, isto é, a necessidade de proteção do bem que é a identidade genética, individual e geral (falamos enquanto bem da espécie humana) face aos constantes avanços da ciência e tecnológicos73. Consideramos, por isto, que este normativo da CRP foi a primeira medida portuguesa para dar aplicação à Convenção de Oviedo74.

Na nossa opinião, o art. 26.º da CRP parece-nos demonstrar que a garantia da identidade genética está na proibição da reprodução artificial do mesmo genoma humano (abrangendo também a clonagem), na proibição da utilização das novas tecnologias para a produção de “outros seres”, como seres híbridos ou utopias, na proibição de práticas de manipulação genética tendentes à criação de seres humanos sem sexo ou hermafroditas, e na proibição do eugenismo (modificação genética de um embrião com o intuito de obter determinadas características que se consideram desejáveis para aquele casal).

O art. 67.º da CRP vem garantir à família a efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal de todos os membros que a compõe. Se considerarmos que a procriação é um aspeto fundamental para a realização pessoal do casal, parece óbvio que o Estado tem a obrigação constitucional de permitir e facilitar o acesso aos novos meios de PMA. Neste seguimento, a LC n.º 1/97 veio acrescentar a alínea e), impondo deste modo ao Estado a regulamentação da procriação assistida. O facto de

72 Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina. Esta Convenção foi assinada em 1997 e começou a vigorar em

Portugal em 2001. Entre outros pontos, prevê que compete a cada país autorizar, ou não, a pesquisa em embriões excedentários (que adiante analisaremos).

73 A este propósito, veja-se o art. 1.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina: “As Partes na presente

Convenção protegem o ser humano na sua dignidade e na sus identidade e garantem a toda a pessoa, sem descriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina. Cada uma das Partes deve adotar, no seu direito interno, as medidas necessárias para tornar efetiva a aplicação das disposições da presente Convenção”.

74 Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, cit., p.

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existir esta consagração constitucional do direito a ter filhos vem resolver a questão da admissibilidade constitucional da PMA75.

Aquele normativo da Lei Fundamental vem justificar que o Estado, através do legislador, disponibilize as estruturas necessárias à procriação assistida aos casais heterossexuais, tendo em conta que dispõem de condições para exercer uma maternidade/paternidade conscientes76. Porém, está na hora de rever esta questão, visto que aos olhos da sociedade (e da lei) já são admitidos casamentos entre casais do mesmo sexo, sendo que também estes casais são suscetíveis de exercer uma maternidade/paternidade responsável e consciente, tendo igualmente o direito a constituir uma família sadia e feliz. Contudo, esta questão acarreta alguma polémica, pois cremos que a Lei parece esquecer-se que heterossexuais ou homossexuais são plenamente capazes de serem pais na verdadeira aceção da palavra: são inteiramente competentes para amar e cuidar de um filho, tendo os homossexuais o mesmo direito de construírem uma família. Isto faz-se notar desde logo no facto de, atualmente, ser possível um casal homossexual casar, mas não se passar o mesmo em relação à possibilidade de adotar77.

Aliás, a Lei n.º 3/84, de 24 de Março, seria já uma concretização do exposto, mostrando que o Direito português manifestou desde cedo uma posição favorável ao reconhecimento do progresso da ciência e dos métodos comprovados que caibam na designação de PMA. Todavia, reconhece e estimula apenas a IA, ainda que não distinguindo a IA homóloga da heteróloga78.

Verifica-se, assim, que a CRP demostra uma interpretação que pode ser até favorável à admissão das novas técnicas de procriação assistida, fruto da omissão que nos permite formular as nossas próprias conclusões. Porém, não podem ser descurados

75

Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa – Comentada, Volume I, cit., pp.

854-861.

76 Cfr. DUARTE, Tiago, In vitro veritas? – A procriação medicamente assistida na Constituição e na Lei, cit., p. 52.

77 Com a Lei 9/2010, de 31 de Maio, o art. 1577.º do CC, passou a dispor o seguinte: “Casamento é o contrato celebrado

entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”, prevendo e autorizando desta forma, casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Todavia, o n.º 1 do art. 3.º da Lei 9/2010 deixa expresso que: “As alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adoção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge”, e o n.º 2 do mesmo artigo, sem deixar qualquer margem para dúvidas, dispõe que: “Nenhuma disposição legal em matéria de adoção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior”. Com isto, constata-se que a Lei nada opõe ao casamento homossexual mas, no que respeita à adoção, esta continua a ser apenas permitida a casais heterossexuais.

78 A este respeito, veja-se a título de curiosidade o art. 9.º, n.º 2, da referida Lei, o qual expressa que é tarefa do Estado

aprofundar o estudo e a prática da IA como forma de suprimento da esterilidade. Não nos podemos esquecer que esta Lei é de 1984, o que demonstra que desde cedo a Lei portuguesa procurou modernizar-se.

Referências

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