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Reflexões sobre democratização na internet: análise da produção de podcasts no Brasil / Reflections on democratization on the internet: analysis of podcast production in Brazil

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Reflexões sobre democratização na internet: análise da produção de podcasts no

Brasil

Reflections on democratization on the internet: analysis of podcast production in

Brazil

DOI:10.34117/bjdv6n7-081

Recebimento dos originais: 03/06/2020 Aceitação para publicação: 03/07/2020

Juliana de Souza

Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Linguagens, da Universidade Tuiuti do Paraná e Técnica em Assuntos Educacionais no Instituto Federal Catarinense – Campus

Araquari

Endereço: Rodovia BR 280, km 27, nº 5200, caixa postal nº 21 - Araquari/SC. CEP: 89245-000 E-mail: juli_fdr@hotmail.com

RESUMO

Este artigo analisa a mídia podcast,no intuito de verificar até que ponto houve emancipação por parte do público no que se refere à emissão e recepção de conteúdos. Perpassando pelas etapas de elaboração desse veículo de comunicação, é possível afirmar que o podcast exige conhecimento e investimento de quem produz, e não foge da lógica do mercado capitalista. Embora a participação da audiência se faça mais visível, principalmente, a partir da facilitação do acesso à internet, essa atuação não é, necessariamente, um exemplo de democratização das mídias. Uma comunicação horizontal requer um cidadão qualificado, atento não apenas aos sistemas de emissão, mas, também, de recepção e questionador das diversas informações disponíveis. Logo, estudos com posicionamentos extremos e revolucionários devem ser questionados, pois, não refletem os reais desafios dos processos comunicacionais em curso.

Palavras-chave: Podcast, Cultura Digital, Produção de Conteúdo, Reflexão Teórica, Democratização.

ABSTRACT

This study analyses the media podcast, in order to verify to what extent there was emancipation by the audience in relation to broadcast and perception of contents. Following the steps to this mean of communication development, it’s possible to say that it requires knowledge and investment from those who produce it and doesn’t get past from the capitalist market logic. Although audience participation becomes more visible, especially from the easiness of internet access, this performance doesn’t represent an example of media democratization. Horizontal communication requires a qualified individual, careful not only to the broadcast systems, but also to the perception and a critical posture in relation to the amount of information available. Therefore, studies with extreme and revolutionary positions must be questioned, because they don’t reflect the real challenges of current communication processes.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 1 INTRODUÇÃO

Com o surgimento e expansão da cultura digital e, por consequência, das pesquisas acadêmicas na área, muito tem se falado em participação coletiva, ativismo, poder da audiência, e outros tantos termos utilizados, muitas vezes, de forma generalista. Parece haver um “mito moderno do progresso permanente” – conceito cunhado por Erick Felinto (2011) – como se toda a sociedade tivesse acesso e conhecimento para operar a grande variedade de novas tecnologias da informação e comunicação.

Aqui, compreende-se a comunicação como a “mescla de três dimensões: técnica, cultural e social” (WOLTON, 2012, p. 118). Portanto, reduzir os processos comunicacionais aos sistemas técnicos não dá conta da complexa estrutura midiática contemporânea (composta por indivíduos, grupos, empresas, tecnologias, etc.). Assim, o objetivo deste artigo é questionar a fragilidade de reflexão teórica apresentada por alguns estudos no que se refere ao caráter emancipador das novas mídias e a suposta “democratização” advinda, principalmente, da cultura digital.

Para exemplificar a proposta, a mídia escolhida para análise foi o podcast, pois, esse meio de comunicação apresenta, aparentemente, as três leis fundadoras da cibercultura: “a liberação do pólo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais” (LEMOS, 2006, p. 53).

Além disso, a linguagem descontraída no estilo “papo de boteco1” e a produção coletiva, adotada pela maior parte dos podcasts nacionais, faz transparecer uma falsa simplicidade, como se os programas fossem autênticos exemplos do “do it yourself 2”. Ainda que algumas pessoas pensem no podcast como um conjunto de indivíduos quaisquer, palpitando sobre assuntos aleatórios, como nos demais meios de comunicação, há muito trabalho antes e depois da divulgação de cada episódio. Ademais, cumpre ressaltar que a democratização da informação/comunicação é, também, um conflito político, que contempla diferentes interesses, muito além da simples popularização das tecnologias. Possibilitar o acesso aos equipamentos sem se atentar às circunstâncias de sua apropriação, não contribui com os ideais de emancipação e liberdade prometidos.

Sem dúvida, não é intenção desta investigação proclamar que as inovações tecnológicas não são benéficas à sociedade, ou que não houve nenhum avanço em relação à crescente participação da audiência nos mais variados meios de comunicação. No entanto, é preciso aprender a pensar a comunicação, questionar as promessas utópicas e refletir verdadeiramente sobre os diversos fatores

1Linguagem coloquial, no formato “conversa entre amigos”. 2 Cultura do “faça você mesmo”.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 presentes no processo comunicacional, no intuito de evitar incorrer em simplificações analíticas que podem resultar em desigualdades ainda maiores.

2 SOCIEDADE EM REDE E O UTÓPICO MUNDO DA CULTURA DIGITAL

É fato que a expansão das novas tecnologias, sobretudo, da internet, vem alterando as estruturas sociais. Hoje, é difícil imaginar uma sociedade desconectada, de modo que a virtualização é essencial nos mais variados segmentos. A popularização dos equipamentos eletrônicos, em especial, dos smartphones, oportunizou a conexão de milhares de indivíduos que antes, em virtude da necessidade de um computador e uma linha telefônica, não tinham acesso à rede.

Apesar disso, somente a possibilidade de estar conectado não garante um cidadão mais consciente nem, tampouco, a igualdade social. Ou, em outras palavras: “O acesso a ‘toda e qualquer informação’ não substitui a competência prévia, para saber qual informação procurar e que uso fazer dessa. O acesso direto não suprime a hierarquia do saber e do conhecimento3” (WOLTON, 2012, p. 85)

O mundo em rede disponibiliza uma infinidade de informações e facilidades que estão à distância de um clique. Contudo, para desfrutar dessas “vantagens” oferecidas pelos serviços on-line é preciso pensar criticamente e aprender a discernir o que, de fato, é vantajoso ao consumidor. Esse bom senso é resultado do letramento digital, que vai muito além da simples alfabetização:

(...) nossos meios de expressão são multimídia e não passam somente pelas letras do alfabeto; trata-se também de ferramentas, aplicações e aparelhos de que podemos nos servir; a web abre-nos um novo universo, é importante compreender essa lógica. O esforço deve, portanto, ser realizado na prática e na cultura. Ele concerne à recepção de informações, à expressão, à utilização das ferramentas e à lógica do sistema em questão (PISANI; PIOTET, 2010, p. 188).

Além do mais, mesmo aqueles que se consideram aptos a usufruir das benesses do universo digital, em muitos casos, suas habilidades estão aquém das alternativas disponíveis: “grande número das pessoas que têm acesso acredita servir-se convenientemente, mas só utiliza uma fração do que poderia lhe ser útil. Os conhecimentos gerais que permitem falar de uma ‘cultura digital’ faltam a essas pessoas, e é isso que as bloqueia” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 188).

Ou seja, na prática, a sociedade ainda é muito menos multimídia do que os mantras libertários asseguram. Porém, continuam a ser propagados os falaciosos discursos acerca do aspecto participativo e emancipador proposto pela cultura digital, como se todas as informações disponíveis gratuitamente fossem verídicas, livres das questões de poder e manipulação, a verdadeira solução

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 para a imensidão de excluídos nessa sociedade de comunicação acelerada. Nesse ínterim, cumpre ressaltar que “Mais informação não leva necessariamente a melhores decisões. (...) Mais informação e comunicação não esclarecem o mundo por si mesmo” (HAN, 2018, p. 105;106)

Nesse sentido, analisando o contexto de forma objetiva, mal conseguimos acompanhar as inovações que surgem de forma incessante. O que antes era novidade, em um curto período de tempo se torna obsoleto e impede a memória coletiva dos novos produtos/serviços. Não há uma relação de correspondência entre os indivíduos e os equipamentos/sistemas, tendo em vista a velocidade com que esses artefatos são reconfigurados:

Quanto mais informação é liberada, mais o mundo se torna não abrangível, fantasmagórico. A partir de um determinado ponto, a informação não é mais informativa [informativ], mas sim deformadora [deformativ], e a comunicação não é mais comunicativa, mas sim cumulativa. (HAN, 2018, p. 106)

O que se observa, então, é uma ruptura, uma vez que esse consumo tecnológico ininterrupto “impede a passagem de um período significativo de tempo no qual o uso de determinado produto, ou combinação de produtos, poderia se tornar familiar o suficiente a ponto de simplesmente integrar o pano de fundo de objetos em nossas vidas” (CRARY, 2014, p. 53). Isso considerando-se a parcela mais privilegiada da população já que, em meio a essas evoluções, milhares de pessoas, em especial as domiciliadas em países subdesenvolvidos, sequer superaram os problemas mais básicos da sobrevivência humana.

Mas, deixando o ceticismo de lado, tentar-se-á analisar o assunto pelo viés mais “positivo” dos apreciadores dos preceitos da cultura digital. Lemos sustenta que:

As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que está em jogo com o excesso e a articulação virótica de informação nada mais é do que a emergência de vozes e discursos, anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media. Aqui a máxima é “tem de tudo na internet”, “pode tudo na internet” (LEMOS, 2006, p. 54).

Sim, é verdade que, hoje, as pessoas podem disseminar suas opiniões “livremente” no ambiente virtual, principalmente, nas redes sociais e em tempo real: “Isso gera um sentimento de liberdade absoluta, até mesmo de poder, de onde se justifica muito bem a expressão ‘surfar na internet’” (WOLTON, 2012, p. 83). Porém, isso demonstra, verdadeiramente, que os “reprimidos” estão sendo ouvidos? Que diferença o ponto de vista de um sujeito qualquer faz para o grande capital, para os conceituados conglomerados de mídia? Que credibilidade têm os links viralizados no Facebook e WhatsApp? Seria essa a definição de isonomia e democratização?

Embora a liberdade de expressão tenha sido potencializada com a internet, a comunicação não se resume à transmissão. Uma publicação com poucos leitores não tem a capacidade de horizontalizar

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 as relações e alterar os jogos hierárquicos em curso. Os grandes veículos de informação têm poder de influência porque detêm as maiores audiências e, por consequência, os melhores anunciantes/patrocinadores.

Logo, a prerrogativa de “mídia do cidadão” apresentada pela cultura digital, “onde cada usuário é estimulado a produzir, distribuir e reciclar conteúdos digitais” (LEMOS, 2006, p. 63), só poderá trazer alguma mudança se essas ações forem compreendidas pelo grande público, para então poder medir forças com estes monopólios. Todavia, até o momento, a preocupação parece estar muito mais direcionada à emissão que à recepção: “com a Net, se está do lado da emissão, da capacidade de transmissão sem reflexão do receptor, que pode ser qualquer internauta do mundo” (WOLTON, 2012, p. 98).

Ademais, esse enfoque na criação parece pressupor que o espectador, antes da popularização da banda larga, era demasiadamente passivo, e que o acesso à participação surgiu com a internet. No entanto, cumpre lembrar que o público, de modo geral, não é passivo, pois está a todo o momento decodificando, interpretando informações. Portanto, “o que houve, de fato, foi sempre um incremento de novos formatos possíveis de interagir” (MARQUIONI, 2016, p. 94).

Buscando-se, novamente, uma visão otimista, agora pelo prisma de Pierre Lévy, o autor atesta que:

Quanto mais os processos de inteligência coletiva se desenvolvem – o que pressupõe, obviamente, o questionamento de diversos poderes –, melhor é a apropriação, por indivíduos e grupos, das alterações técnicas, e menores são os efeitos de exclusão ou de destruição humana resultantes da aceleração do movimento tecno-social. O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva. (LÉVY, 1999, p. 29)

Acredita-se que a Wikipédia, enciclopédia colaborativa que, teoricamente, todos podem editar, pode ser utilizada como exemplo de inteligência coletiva, conforme proposto pelo autor. Contudo, o deslumbramento por esse “usuário produtor” carece de análise. No fundo, esse idealismo de um mundo aberto e de participação horizontal parece mais explorar que emancipar. Mais que um anseio de liberdade, a inteligência/colaboração coletiva pode significar uma oportunidade “para os mais malvados ou menos escrupulosos de fazer trabalhar os voluntários sem ter te pagá-los (ou gratificando-os com uma miséria)” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 182).

Nossa sociedade é capitalista e o mercado sempre visa o lucro. Se o cidadão comum pôde se apropriar dos mecanismos oferecidos pelos meios digitais para ampliar sua voz e articular atividades políticas e sociais, seguramente as grandes empresas já estão alguns passos à frente, como pôde-se observar no caso da Wikipédia. Afinal, “o próprio mercado percebeu que poderia incorporar a

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 colaboração on-line em suas estratégias informacionais, promocionais e de venda” (PRIMO, 2013, p. 17).

Embora o ambiente digital seja parte integrante da sociedade contemporânea e, por certo, existam vantagens para determinados usuários, suas consequências não podem ser ignoradas. Conforme alerta Han (2018, p. 10):

Somos desprogramados por meio dessa nova mídia, sem que possamos compreender inteiramente essa mudança radical de paradigma. Arrastamo-nos atrás da mídia digital, que, aquém da decisão consciente, transforma decisivamente nosso comportamento, nossa percepção, nossa sensação, nosso pensamento, nossa vida em conjunto. Embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez.

Assim, mesmo com as recentes possibilidades de projeção e interação proporcionadas pelas novas tecnologias, o mercado parece seguir seu curso: com ampla capacidade de adaptação, o grande capital se reinventa, e as ideologias libertárias precisam ser cuidadosamente repensadas, inclusive ao que se refere à utilização de nossos dados pessoais para criação de publicidade personalizada (mas esta é uma questão para outro momento).

Em vista dos exemplos aqui brevemente elencados, é possível observar que “a mundialização do acesso à rede não significa de maneira nenhuma uma repartição mundial mais equitativa das riquezas técnicas ou humanas” (WOLTON, 2012, p. 121). Afinal, as vantagens do digital favorecem tanto a ação da oposição quanto do mercado. Portanto, não parece plausível refletir sobre comunicação utilizando-se de ideias inquestionáveis. Um raciocínio pertinente sabe reconhecer a força dos novos atores sociais sem, contudo, descartar as diferenças de interesses e poderes envolvidos.

3 AFINAL, TODOS PODEM PRODUZIR UM PODCAST?

Como mencionado na parte inicial deste trabalho, analisar-se-á a mídia podcast a fim de perceber até que ponto houve uma emancipação por parte do público em relação aos processos comunicacionais e, também, indagar-se-á sobre a democratização na produção e recepção de conteúdos. Para exemplificar as questões abordadas, utilizar-se-á, principalmente, o livro “Podcast: guia básico4”, escrito por Leo Lopes5, que descreve o passo-a-passo para “qualquer cidadão” produzir o seu próprio podcast. Conjuntamente, serão utilizados exemplos de alguns podcasts brasileiros.

4 Como o livro já está esgotado nas livrarias, utilizou-se a versão digital, que não traz a paginação. Dessa forma, as

referências foram feitas informando-se autor e ano).

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 O número de podcasts disponíveis tem crescido de forma considerável em escala global: “em julho de 2013, a Apple anunciou que a iTunes Store bateu a marca de 1 bilhão de inscritos em mais de 250 mil podcasts únicos, que produziram mais de 8 milhões de episódios em mais de 100 idiomas diferentes” (LOPES, 2015). Entretanto, não parece que este meio de comunicação seja uma amostra da cultura do it yourself, considerando-se todo o trabalho necessário para criação de um único episódio, conforme será exposto a seguir.

Independente do estilo do programa, existem cinco etapas básicas que estão presentes na elaboração dos podcast produzidos, exclusivamente, para consumo virtual. São elas: produção, gravação, edição, publicação e distribuição. Cada uma dessas etapas será apresentada de forma concisa, pois, o intuito aqui não é instrumentalizar o leitor para a produção de um podcast, mas sim, embasar a discussão proposta.

Antes de iniciar a produção, alguns fundamentos norteadores precisam ser definidos: público, tema, formato, linguagem, participantes, pauta, periodicidade e hospedagem. Tais especificações são essenciais para a criação e manutenção dos programas.

Assim, primeiramente, é necessário estabelecer um público, isto é, um perfil de ouvinte que se deseja alcançar. A definição da audiência, além de influenciar nas demais etapas de produção, de igual modo, qualifica o podcast enquanto meio de comunicação: “a existência de uma mídia

remete sempre à existência de uma comunidade, a uma visão das relações entre escala individual e escala coletiva e a uma determinada representação dos públicos6” (WOLTON, 2012, p. 98).

A respeito dos conteúdos, os criadores podem optar por temas relacionados a um único assunto ou de variedades. O primeiro modelo pode ser exemplificado pelo Rapaduracast, fundado por Jurandir Filho em outubro de 2006, o podcast traz ao debate assuntos relacionados ao mundo cinematográfico: filmes, diretores, adaptações, trilha sonora, premiações, etc. Referente aos programas que preferem dialogar sobre temáticas diversificadas, acredita-se que o Mupoca7 é um exímio representante. Alternando entre temas que vão desde mobilidade urbana a divagações futurológicas de Luciano Hulk, o podcast é conhecido como o espírito livre da família B98. Além de debater questões relacionadas à tecnologia, atualidades, comportamento e variedades, produtores e ouvintes tentam descobrir o que é “Mupoca”.

O próximo item a ser pensado é o formato. Ainda que o Nerdcast9 seja tido como exemplo, não há um estilo padrão para se fazer um podcast. Os programas podem ser desenvolvidos

6 Grifos do autor.

7 Feito por e Gabriel Prado, Luiz Yassuda e Tales Cione. 8 B9 é uma produtora de podcasts.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 individualmente ou em grupos, com ou sem a presença de convidados, tendo como base a criação do humor ou sua realização pautada na seriedade. Entretanto, mesmo sem uma configuração estabelecida, muitos dos programas nacionais privilegiam a produção coletiva, apoiada na comicidade.

Definidos público, tema e formato, é o momento de pensar na natureza da conversa. “O papo é o resultado da soma de dois fatores: linguagem e dinâmica dos participantes10” (LOPES, 2015). Nos programas mais descontraídos e que contam com a presença de, pelo menos, dois participantes, normalmente opta-se pelo bate-papo informal, sem muitas restrições. Desse modo, a comunicação flui com naturalidade e favorece a identificação por parte dos ouvintes. Nos demais formatos recomenda-se adotar um estilo de fala que seja coerente com o tema ou o perfil do(s) convidados(s) e/ou da audiência.

Outro elemento é a dinâmica entre os participantes. Por se tratar de um programa de áudio11, é bastante desagradável perceber que os integrantes não estão em sintonia, que não há um ritmo envolvente, ou que os comunicadores perdem o raciocínio com frequência. Ainda que alguns equívocos ou silêncios possam ser cortados no processo de edição, “nem o melhor dos editores consegue colocar palavras na boca de um participante calado e apático, que não participa da conversa” (LOPES, 2015).

Na sequência devem ser escolhidos os membros do programa, lembrando-se que eles estão em estreita relação com a identidade do podcast. Entre os integrantes dessa mídia estão a equipe fixa, também conhecida como casting, e os convidados, quando for o caso. Entre os integrantes fixos encontra-se o host, nome dado ao apresentador principal da atração, normalmente a pessoa que está presente na maioria dos episódios (há podcasts que possuem mais de um host).

Adiante, a pauta precisa ser elaborada. Por mais que nesta narrativa sonora seja comum ocorrer improvisações durante as gravações, um roteiro é indispensável para manter a organização das informações, além de ajudar a “controlar o tempo de gravação, mantendo o foco no tema e evitando dispersões que provavelmente seriam cortadas depois” (LOPES, 2015). Não há uma regra para construção da pauta, vai depender do formato do podcast e do grau de dificuldade do conteúdo abordado.

O fator seguinte que carece de atenção é a periodicidade. Estabelecer a frequência de publicação dos episódios é crucial para que todos os itens anteriores possam ser preparados. Vale

10 Grifos do autor.

11 “(...) o podcast não está necessariamente ligado ao áudio, já que qualquer conteúdo de mídia (vídeo, texto, foto) pode

ser distribuído através do RSS. O fato de que, efetivamente, a distribuição de conteúdos de áudio tornou-se a sua utilização quase exclusiva já representa uma primeira definição de seu uso a partir de práticas sociais” (VICENTE, 2018, p. 09).

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 salientar que a regularidade de divulgação de cada novo episódio representa profissionalismo e respeito pelos ouvintes e, portanto, torna-se um instrumento eficaz na fidelização da audiência.

Para finalizar a fase de produção, deve-se definir a forma de hospedagem. Como tudo o que está disponível na internet, um podcast precisa ser armazenado e estar publicado em algum local para poder existir. As opções de hospedagem são pagas ou gratuitas. Os sistemas gratuitos normalmente são utilizados por iniciantes que, a partir do crescimento do público e/ou da obtenção de patrocínios, migram para serviços pagos, que oferecem diversidade de recursos e maior autonomia.

A segunda etapa, gravação ou captação, é o momento que carece de maior cuidado, considerando-se que o áudio é a atração do programa. Por mais que o conteúdo seja relevante, nem todo mundo permanece até o final do episódio se o áudio estiver ruim. É por esta razão que, “depois do óbvio caráter de entretenimento dos podcasts, a qualidade do áudio é o aspecto considerado mais importante, seguido da utilidade do conteúdo e da frequência de publicação12” (LOPES, 2015).

Três tipos de gravações são possíveis: a presencial, que ocorre quando todos os participantes se encontram no mesmo ambiente; a remota, quando os integrantes estão em locais distintos um do outro; e a gravação híbrida, quando alguns participantes estão juntos e outros separados. Independente do formato, o ambiente terá grande influência durante a captação das vozes. Por isso, aqueles que têm a oportunidade de gravar em um estúdio profissional, normalmente, atingem os melhores resultados, em virtude do isolamento acústico adequado.

Ao que concerne aos equipamentos utilizados, três deles são indispensáveis em qualquer formato de gravação: computador, microfone e fones de ouvido.

Nas gravações presenciais ou híbridas, além do equipamento para captar os participantes remotos, é necessário também captar aqueles que estão no mesmo ambiente. A maneira mais fácil de se fazer isso é utilizando um mixer (mesa de som) e microfones individuais para cada participante (LOPES, 2015).

Também se faz necessária a utilização de um software para captar os sons produzidos pelos equipamentos. Existem diferentes programas para esta atividade, que variam de acordo com o sistema operacional do computador. Porém, por ser uma parte demasiadamente técnica, não serão retratados de maneira detalhada.

A terceira etapa é a edição. Essa fase costuma ser a mais lenta e trabalhosa. O tempo de edição vai depender da durabilidade da gravação, da quantidade de faixas de áudio, do estilo do podcast e do grau de perfeccionismo do editor. É nessa “pós-produção” que silêncios são cortados, frases são emendadas, risos são prolongados, a sequência pode ser totalmente alterada e trilhas sonoras são

12 Grifos do autor.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 acrescentadas. Ainda que este seja o formato mais utilizado, alguns podcasts trabalham com a inserção de elementos sonoros em tempo real, tais como trilhas de fundo, vinhetas, efeitos sonoros, entre outros. Esta opção requer maior atenção dos participantes.

No próximo passo está a fase de publicação. Para que um episódio seja publicado em qualquer postagem do seu blog/site, é preciso instalar um plugin de publicação de podcasts. Sem ele, “o arquivo de mídia será publicado no post, mas não será interpretado como sendo de um podcast e incorporado ao feed para distribuição” (LOPES, 2015).

Para ter acesso aos programas, o receptor pode tanto utilizar o player do site/blog para ouvir o episódio on-line, como fazer o download, assinar o feed RSS13, ouvir em algum aplicativo específico

para a reprodução de podcasts ou, ainda, acessar os áudios através de streamings musicais que oferecem este formato audiofônico.

A fase final é a distribuição, ou seja, “é hora de espalhar a novidade aos quatro ventos da internet e começar a conquistar novos ouvintes, primeiro objetivo de todo podcast” (LOPES, 2015). Para isso, é pertinente criar um perfil do programa nas redes sociais, além de disponibilizá-lo em agregadores como iTunes, Spotify, Deezer, entre outros.

Nesse sentido, a podosfera14 também criou seu mercado e, como supracitado, hoje existem sites e aplicativos que disponibilizam os programas. O Podflix e o Youtuner são exemplos deste tipo serviço: “O YouTuner tem como proposta original popularizar o podcast, assim como o YouTube popularizou os vídeos, sendo uma boa opção para indicar a novos ouvintes, que encontrarão facilmente programas sobre temas de sua preferência” (LOPES, 2015). No tocante aos aplicativos, existem diferentes opções gratuitas e pagas para os sistemas operacionais Android, IOS e Windows Phone.

Alguns podcasters também fazem a divulgação do seu próprio programa ou do programa alheio durante as gravações. Ou seja, quando o integrante de um podcast participa como convidado em outro programa, ele aproveita a oportunidade para fazer o “jabá15” do seu próprio podcast. De igual modo, ao retornar ao seu programa originário, este membro informa que participou do podcast “X”, sobre o assunto “Y”, funcionando, desta forma, como propaganda para ambos os casos.

13 FeedRSS é a abreviação para Real Symple Syndication, é uma espécie de assinatura, em que o usuário se inscreve e

recebe os arquivos escolhidos assim que forem atualizados, sem precisar acessar ao site original para ter acesso ao conteúdo (porém, um agregador é necessário, como o iTunes, por exemplo). Ou seja, para o ouvinte que assina o feed de um podcast, a cada novo episódio postado, o áudio será baixado automaticamente para sua máquina. O feed é um facilitador.

14 Termo utilizado para designar o ambiente que reúne os podcasts e podcasters.

15 Termo comumente utilizado na podosfera, significa aproveitar a oportunidade para divulgar o seu próprio produto, no

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 Em resumo, independente do formato adotado, a mídia podcast exige muito conhecimento e dedicação por parte de seus produtores, além de recursos financeiros para remunerar os diferentes profissionais envolvidos e adquirir o mínimo de equipamentos necessários para o desenvolvimento dos programas. O projeto “Mamilos”16 será empregado como exemplo para ilustrar, na prática, o processo de elaboração de um podcast.

Em comemoração ao 3º ano de existência do programa, a equipe do “Mamilos” decidiu homenagear as anfitriãs (Juliana Wallauer e Cris Bartis). Assim, além dos depoimentos de ouvintes, convidados e da própria equipe criadora, o episódio 128 (Especial 3 anos), também conta um pouquinho dos bastidores da produção.

Via de regra, a pauta começa a ser decidida no domingo e fica em discussão até segunda-feira à noite. Porém, em alguns casos, é a pauta que escolhe o programa, dependendo do “calor do momento”. Jaqueline Costa é quem comanda a equipe de pauta, que é composta por 34 pessoas.

Estabelecidos os assuntos, a equipe de pauta inicia a busca de artigos, vídeos, palestras, entrevistas, estatísticas, enfim, todo material que servirá de suporte para a gravação. Devido à preocupação com a veracidade das informações, este processo é um dos mais lentos. Finalizadas as pesquisas, tem início a triagem da pauta e sua organização numa sequência lógica. Esta parte do trabalho é realizada pelas hosts e, às vezes, alguns convidados também contribuem no processo de seleção.

O passo seguinte é a gravação que, usualmente, ocorre nas quintas-feiras, das 21h às 23h30min. Dependendo do tema abordado a discussão pode se prolongar. É comum o podcast contar com a presença de um ou mais convidados, normalmente especialistas no assunto discutido. Sempre que possível, os visitantes possuem opiniões contrárias um em relação ao outro, de modo a tornar o debate mais abrangente.

Após a gravação entra em cena o editor do programa, Caio Corraini. Normalmente, para a edição do Mamilos são necessárias 4 horas de edição para cada 1 hora de programa. Como informado anteriormente, este tempo varia de acordo com o perfil de cada podcast e cada editor.

Outra etapa do Mamilos é a transcrição dos programas, no intuito de possibilitar às pessoas com deficiência auditiva o acesso aos conteúdos. A transcrição, embora não seja uma parte obrigatória nos podcasts, foi avidamente acolhida por Lu Machado (que é quem coordena esse registro escrito) e mais 21 membros. Na data de divulgação destes dados17, 50% dos programas publicados já estavam disponíveis para leitura.

16 Podcast cujo subtítulo é “jornalismo de peito aberto”, tem como criadoras Cris Bartis e Juliana Wallauer. De modo

geral, os programas debatem as principais polêmicas que repercutiram na internet na semana que antecede o episódio.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 Por fim, Juliana Wallauer e Cris Bartis ainda contam com o auxílio de mais três pessoas para cuidar das redes sociais. Este pequeno grupo é liderado por Gui Yano e também tem muito trabalho a fazer. Só no Facebook os episódios geram em torno de 10 mil interações semanais. Isso sem mencionar as demais redes sociais em que o programa se faz presente: Twitter, Pinterest e Instagram. Além das redes sociais, muitos diálogos ocorrem por e-mail: são respondidos cerca de 50 e-mails por semana.

Acredita-se que essa síntese do processo de produção do Mamilos demonstra que os podcasts exigem muito estudo, conhecimento, trabalho e responsabilidade de quem colabora com a construção dos episódios. Por mais bem-humorado e informal que seja o estilo do programa, certamente os demais podcasts nacionais requerem tanta dedicação quanto o exemplo citado. E embora muitos fãs/ouvintes contribuam de forma voluntária, alguns processos geram despesas inevitáveis, que demandam certo capital por parte de quem produz.

Por esta razão, ainda que os podcasts sejam disponibilizados gratuitamente ao público, existem duas formas frequentemente utilizadas para a arrecadação de rendimentos: a publicidade – que pode ocorrer tanto no site/blog em que o podcast está hospedado como, também, na gravação do próprio programa –; e as plataformas de financiamento coletivo. “Os podcasts não funcionam sem publicidade nenhuma: por essa mesma razão, são poucos os podcasts que se mantêm regulares por mais de um ano, já que seus produtores os fazem em paralelo às suas atividades profissionais” (LOPES, 2015).

A segunda e mais recente forma de monetização se dá por meio de serviços/plataformas como o Patreon, o Padrim e o Pic Pay, entre outros, que oferecem aos ouvintes a possibilidade de fazer doações mensais aos programas, como uma forma de reconhecimento pelo conteúdo apresentado. Ao se cadastrar no Patreon, por exemplo, o doador torna-se patrono ou, como muitos preferem, “patrão” dos podcasters. No geral, os contribuintes obtêm alguma vantagem em relação aos ouvintes comuns. Não há um modelo específico de como beneficiar os colaboradores, cada podcast define a melhor maneira, de acordo com o perfil de sua audiência. Algumas opções são: a disponibilização antecipada dos programas ou de conteúdos extras, a possibilidade de sugerir pautas, a participação em um grupo secreto nas redes sociais, o oferecimento de brindes, etc.

De maneira geral, como bem lembrou o autor Leo Lopes, os podcasters possuem um emprego “formal” e os podcasts funcionam mais como hobbies do que fonte de renda, de modo que o dinheiro arrecado através de publicidade e das plataformas de financiamento é utilizado para compra e manutenção dos equipamentos de gravação, locação de estúdio, contratação de profissional de edição, entre outros produtos/serviços relacionados à produção dos programas.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 O Mamilos, o Nerdcast e o Rapaduracast são alguns dos poucos exemplos em que seus criadores se dedicam integralmente aos conteúdos produzidos. É claro que os três programas não foram rentáveis desde o início. A busca pelo reconhecimento se deu através de um árduo caminho que, no caso do Nerdcast e do Rapaduracast, iniciou em 2006.

Dado o grande esforço exigido pelos produtores e equipe de apoio, a meta de muitos dos

podcasters é poder trabalhar exclusivamente no desenvolvimento dos programas, ou seja, tornar-se

uma empresa de conteúdos, o que, em certa medida, refuta sua possibilidade de contestação, de representante da contracultura. No caso do Nerdcast, existem diversos episódios patrocinados, fato que exige corroboração com os preceitos das empresas patrocinadoras18.

Ou seja, ainda que o podcast pareça um meio de comunicação livre e autossuficiente, para que ele possa permanecer ativo, entregando um programa de qualidade e respeitando a periodicidade proposta, o ideal é que seus criadores usufruam de publicidade paga, de anunciantes, o que o faz retornar à lógica da sociedade capitalista.

São diversos os programas que encerraram suas atividades tanto por falta de recursos financeiros como, também, por falta de tempo dos produtores, e/ou vontade de se dedicar a novos projetos, alguns, inclusive, com grande número de ouvintes, como foi o caso do Monacast19, podcast do blog Monalisa de Pijamas. Assim, no episódio “127: Tudo Passa... até a uva passa”, o casting feminino anunciou o encerramento das atividades do blog, incluindo o podcast. Com suas vidas atribuladas, há mais de 2 anos as participantes pensavam no fim do programa, que se concretizou em 18 de março de 2013.

Considerando-se os tópicos acima discutidos, ainda que o podcast não possa ser considerado como um exemplo de democratização das mídias, sem dúvida contribui grandemente para a participação do público das mais variadas formas. Além da cooperação dos contribuintes, na maioria dos programas, qualquer ouvinte tem a possibilidade de participar, seja na equipe de apoio ou nos próprios episódios.

Uma das formas mais comuns de cooperação da audiência é através do envio de e-mails e, mais recentemente, usufruindo das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, de áudios via WhatsApp, que podem ser selecionados para leitura/exibição durante as gravações. Muitos dos

podcasts possuem um quadro de leitura de e-mails.

18 Ainda que, em decorrência da incompatibilidade de princípios, exista a possibilidade de recusar o patrocínio,

acredita-se que, raramente, isso aconteça com os podcasts, mesmo em programas como o Nerdcast.

19 A aventura foi encabeçada por Raquel Gompy (Mafalda), criadora e editora do blog; mas também contava com a

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 Em suma, são várias as opções de participação do ouvinte, de acordo com o perfil, a temática e a proposta do podcast. Porém, não se pode esquecer que essa presença do público não resulta da simples vontade que o espectador possui de se fazer ouvir. Tudo o que é adicionado à gravação não ocorre sem a análise criteriosa de seus produtores. Assim, estas possibilidades de interações não parecem muito diferentes dos telefonemas e cartas da audiência utilizadas em programas de rádio e televisão décadas atrás.

Nesse sentido, é preciso duvidar dos argumentos revolucionários, dos progressos propostos pelos novos equipamentos e das maravilhas que parecem sempre estar a caminho, uma vez que o “problema de muitos discursos expectantes é visar ao futuro sem explorar suficientemente o presente. E é no presente que se concentram, em germe, as heteronomias que poderão oferecer um porvir menos tipificado e totalitário” (FELINTO, 2011, p. 10). Desse modo, é preciso deixar o deslumbramento de lado para tentar compreender as questões em curso e agir com discernimento em busca de um futuro mais equitativo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Grandes transformações tecnológicas ocorreram, sobretudo, a partir da cultura digital, interferindo de maneira intensa nos processos comunicacionais. De fato, alguns equipamentos foram realmente popularizados nos últimos anos e mais pessoas estão conectadas e dispostas a disseminar seus modos de pensar. Porém, como argumentado em todo o texto, uma comunicabilidade horizontal e democrática requer uma equiparação não só nos sistemas de emissão, como também de recepção (o que inclui o conhecimento dos mais variados equipamentos e formatos), e percepção das tensões e conflitos de poderes sempre presentes.

Em síntese, para que alguma mudança significativa ocorra, indivíduos atentos e qualificados são requisitados, pois, “se não se tem a competência para assimilar o aprendizado, os sistemas de informação e de conhecimentos erguerão outros tantos muros intransponíveis” (WOLTON, 2012, p. 133). Esta demanda carece de uma mudança social ampla, que perpassa pelas diretrizes educacionais, políticas, culturais, entre outras. Ou seja, há uma atmosfera complexa que apenas a tecnologia não é capaz de solucionar.

Embora o podcast tenha sido empregado como modelo nesta discussão, acredita-se que todos os meios de comunicação, em especial os atrelados à internet, que se apresentam de forma mais livre, poderiam permitir as mesmas conclusões. Observe-se rapidamente o Youtube: via de regra, os canais com mais seguidores são os que discutem outros programas/artistas já consagrados, como séries, games, bandas, etc., e que, normalmente, possuem publicidade. Além disso, existe uma gama de youtubers e blogueiros que, após a fama no meio digital, migraram para os canais televisivos,

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 alimentando o círculo do mercado capitalista (Rafinha Bastos, PC Siqueira e Kéfera são alguns exemplos).

De toda forma, independente do meio, é importante compreender que o contexto midiático contemporâneo não permite nenhum posicionamento extremo. É um momento de transição, composto por visões heterogêneas, cujas negociações se fazem presentes a todo instante. Assim, é importante “(...) lembrar que a comunicação nunca é um direito adquirido, que ela é sempre fruto de uma batalha política, que ela tem um custo”. Nessa conjuntura, é fundamental aprender a pensar a comunicação enquanto fenômeno complexo, afastar-se das máximas de liberdade, no intuito de identificar a lógica de interesses e, principalmente, tentar manter-se preparado para os desafios que uma sociedade igualitária reivindica.

REFERÊNCIAS

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CRARY, J. 24/7 - Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

FELINTO, E. Cibercultura: ascensão e declínio de uma palavra quase mágica. E-compós, Brasília, jan./abr. 2011. Disponível em: <http://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/548/511>. Acesso em: 08 jun. 2018.

FILHO, Jurandir. Rapaduracast. Disponível em: <https://cinemacomrapadura.com.br/ rapaduracast-podcast/>. Acesso em 10 jun. 2018.

GOMPY, Raquel; MARASSI, Vi; RAMOS, Chelly. Monacast. Disponível em: <http://www. monalisadepijamas.com.br/tag/monacast>. Acesso em 25 jun. 2018.

HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas do digital. Petrópolis: vozes, 2018.

LEMOS, André. Ciber-cultura Remix. In: ARAUJO, Denize Correa (org.). Imagem (ir)realidade: comunicação e cibermídia. Porto Alegre: Sulina, 2006. p. 52-65.

LOPES, Leo. Podcast: guia básico. Nova Iguaçu: Marsupial, 2015.

PISANI, Francis; PIOTET Dominique Como a web transforma o mundo: a alquimia das multidões. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 43281-43296, jul. 2020. ISSN 2525-8761 PRIMO, Alex. Interações mediadas e remediadas: controvérsias entre as utopias da cibercultura e a grande indústria midiática. In: PRIMO, Alex (org.). A internet em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. p. 13-32.

LÉVY, P; COSTA, C. I. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

MAMILOS, 128: Especial 3 anos. Locutores: Caio Corraini, Gui Yano, Jaqueline Costa e Lu Machado. 17 nov. 2017. Podcast. Disponível em: <https://www.b9.com.br/shows/ mamilos/mamilos-128-especial-3-anos/>. Acesso em: 12 jun. 2018.

MARQUIONI, C. E. Programas Jornalísticos na TV Aberta Brasileira: entre atualizações da experiência televisual e a manutenção de antigos contratos de leitura. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.

OTTONI, Alexandre; PAZOS, Deive. Nerdcast. Disponível em: <https://jovemnerd.com.br/ nerdcast/>. Acesso em 02 jun. 2018.

VICENTE, Eduardo. Do rádio terrestre ao podcast: uma nova prática de produção e consumo de áudio. Anais da Compós. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/arquivos _2018/trabalhos_arquivo_5U524AASCK6777ZKAFXV_27_6695_25_02_2018_16_09_06.pdf>. Acesso em: 08 mai. 2020.

WOLTON, D. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. 3ª Ed. Porto Alegre: Sulina, 2012.

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