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Os processos de reetinização da umbanda no Ceará

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A R T I G O

O S P R O C E S S O S D E R E E TIN IZA Ç Ã O D A U M B A N D A N O C E A R Á

*

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ISMAEL POROEUSJR.**

"aumentou minha convicção de que mais do que qualquer dos numerosos fatores que influenciam o desenvolvimento dos países, na maioria dos casos

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éprincipalmente a cultura que explica por que alguns se desenvolvem mais rápida e homogeneamente que outros." Lawrence HARRISON

"De subfator secundário, de longínqua e negligenciável conseqüência, as mentalidades tornar-se-ão o centro em torno do qual tudo gravita: motor essencial do desenvolvimento, ou obstáculo intransponível.»

dade no Ceará. Esse fe-nômeno pode ser

ob-servado entre os

Pitaguari nas cercanias de Fortaleza, e os Tremembé, primeiro grupo a ser

reconheci-do pela FUNAI, no

município de Itarema, litoral oeste do estado. Até há alguns anos, a

dança doTorém, na

qual é utilizado o

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m o c o r o r ó (fermentação do suco do caju), era considerada "coisa de índio velho", servindo,

assim, como sinal

diacrítico de indianida-de. Com a adesão de membros desses

gru-pos Tremembé e Pitaguary à Umbanda, proces-sam-se práticas religiosas, que irão reforçar, com esses sinais, a reconstrução da identidade étnica.

O

presente ensaio trata dos proces-sos de reetiniza-ção da Umbanda nos grupos indígenas que reivindicam sua

etnici-pesquisas acrescenta-rem a estas questões de

reetinização da

Umbanda as especifi-cidades culturais do Ceará e do imaginário referente à religião umbandista. Essas pocupações, bastante re-correntes em meus tra-balhos, foram por m i m tratadas, recentemente, em um ensaio na cole-tânea "Ceará: Terra da Luz, Terra dos Índios" (pordeus Jr. 1 ., 2002f

Procuro demonstrar que, como categoria social, o caboclo faz parte de uma estratégia utilizada pelos grupos dominantes no processo de espoliação das terras indígenas.

RESUMO

Este ensaio trata de processos de reetinização da Umbanda no Ceará entre grupos indígenas que reivindicam o reconhecimento étnico. Este lenômeno de reetinização é observado entre os Pitaguari e os Tremembé, este último loi o grupo étnico a ser reconhecido em primeiro pela FUNAI. A dança do Toré, que loi considerada, em determinado momento, como "coisa de índio velho", tornou-se um indicador da identidade indígena. Quando membros dos Pitaguari e Tremembé aderiram às práticas de Umbanda, passaram a utilizá-Ia como sendo uma das manilestações culturais diacríticas de re-construção da etnicidade indígena. E encontraram nessas práticas religio-sas, um terceiro espaço, onde os símbolos culturais poderiam ser reinterpretados e selecionados para um lim em particular objetivado por esses grupos.

ABSTRACT

THE CULTURALCHANGEPROCESSOF

A

U M B A N D A IN THE STATEOF CEARA

This essay evaluates the cultural change process 01U m b a n d a as it is lound

among indigenous groups that claim their ethnic recognization in the State 01 Ceara.This phenomenon is observed among the Pitaguaris, in the outskirts 01 Fortaleza, and the Tremembes, who live in the county 01 Itarema, the latter being the lirst group to be recognized by FUNAI. The Tore dance, which was claimed, at a certain time, by some, as a "thing 01old Indians", became an indicator01Indian identity. When members01the Pitaguaris and Tremembes joined theU m b a n d a religious practices, this process was consolidated as

diacritical mark to the reconstruction 01the Indians' ethnic identity, and lound in it a road to differentiate lrom Catholicism, that is, they lound a third space where cultural symbols can be reinterpreted and set apart lor a particular purpose, a purpose01their own.

. Comunicação apresentada,em primeira versão, no Fórum Reiigiões de Transe no Brasil Contemporâneo: problemas de interpretação. Olinda(PE), XXIVReu-nião Brasileira de Antropologia.,2004.

* *Prolessor Titular - Universidade Federal do Ceará

PORDEUS JR., ISMAEL:OsPROCESSOS DE REETINIZAÇÁQ DA UMBANDA NO CEARÁp. 79 a 87

A l a i n P E Y R E F I T T E

A Umbanda seria, as-sim, um espaço de ree-tinização utilizado por esses grupos no Ceará. Venho, há algum tempo, refletindo sobre a problemática das identidades, caboclo/ índio, assim como sobre a necessidade de nossas

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Assim sendo, essa categoria é também situacional, sendo utilizada de acordo com as circunstâncias.

A nomeação da categoria caboclo, em um primeiro momento, está presa a um determinado tempo histórico e econômico, a uma atividade rela-cionada à implantação do Pacto Colonial nos ser-tões do que hoje é designado de Ceará. Em outro momento, o caboclo/índio encontraria no Espiri-tismo de Umbanda a possibilidade situacional de teatralizar, no imaginário dos grupos religiosos, a permanência da identidade indígena perdida, sem sofrer a dominação cultural em substituição à vio-lência e à coerção dos grupos hegemônicos.

D e ín d io a cab o clo : a id en tid ad e frag m en tad a

N este artigo, procuro explicar o

engajamento progressivo da população indígena no processo econômico colonial do novo país, em benefício de um não especificado caboclo - serta-nejo, marginalizado, espoliado e sem rosto.

Em um estudo antropológico sobre o

campesinato nordestino, especificamente sobre o caso cearense, Daniel Delaunay (1988), tendo tra-balhado, exaustivamente, sobre os clássicos da historiografia que tratam da colonização no Cea-rá, demonstrou como aconteceram os processos de mutação da população indígena e as transfor-mações desse contingente em caboclos. Para o au-tor, o primeiro momento desse processo diz res-peito à ligação missionário/ neófito que escondia a relação política de características carismáticas, e à missão ou redução onde ocorria o processo de sedentarização das tribos indígenas. Apoiando-se em M etraux (1943) e em Haubert (1967), Delaunay, na sua interpretação, procura demonstrar a seme-lhança entre pajés e missionários e a ascendência destes últimos. Os primeiros missionários possu-em a virtude dos chefes - eloqüência, generosida-de e magia, além da promessa da "terra sem ma-les" - e impõem-se por um discreto recurso à co-erção. Ao longo do tempo, serão aceitos ao gerir uma sociedade indígena desorganizada pela con-quista (DELAUNAY, 1988: 64). Sabe-se que os

80

missionários utilizavam cânticos e danças como veículos das pregações cristãs conforme sublinha Clastres: "Os cânticos entrelaçados de frases não cantadas, tornavam-se a ocasião das narrações miticas, a ordem do mundo e a promessa de uma terra nova" (CLASTRES, 1962: xx).

A fixação do caboclo à terra tornou-se difícil por uma série de fatores, dentre eles, o fato de a terra haver-se tornado objeto de cobiça e de luta entre os fazendeiros; e as longas estiagens que leva-ram os caboclos a se deslocar de um lugar a outro. Tais fatores provocaram o fracionamento das anti-gas linhagens indígenas, numa dispersão atomizada, pondo fim às relações de ajuda mútua. A destrui-ção dessas relações de solidariedade tornou estes indígenas cada vez mais dependentes dos fazendei-ros, que os utilizaram como mão-de-obra desam-parada e desejosa de recuperar parte da solidarieda-de perdida, necessária a todas as comunidasolidarieda-des do-mésticas. Ao mesmo tempo, foram envolvidos por uma relação de parentesco fictício tirado da ideolo-gia cristã: o compadrio (DELAUNAY, 1988: 110). E os que não aceitaram a imposição da nova or-dem, da nova visão de mundo e da identidade cabo-cla, a que ficaram reduzidos? Durante mais de sé-culo e meio, após a conquista (1680-1840), a Coroa se esforçou para reunir e fixar os indivíduos e os grupos que recusavam a integração da ordem colo-nial e, posteriormente, do Estado recém criado:

''Índios em estado de vagabundagem pelas flo-restas, que as mãos sem calosidade, indicavam a ausência ao trabalho, são chamados de tem-pos em temtem-pos para algum serviço no campo ou outros trabalhos manuais (...) Indicando as-sim a falta de hábito de trabalho diário"

(THEBERGE,

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a p u d Delaunay, 1988: 115).

Outro viajante, por volta de 1837, fala de tribos em vias de extinção,

"vivendo em condições precárias, acusadas de roubo de gado. M anifestam sinais de

degenerescência bio-psicossocial através de

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comportamentos eticamente desviantes" (GARDNER, 4'udDELAUNAY, 1988: 105).

Tanto Theberge (1969) quanto Gardner fa-lam de índios insubmissos, sem contar inúmeras famílias caboclas procurando o isolamento das vilas e fazendas.

Alguns elementos diacríticos permaneceram entre a chamada população cabocla, como as dan-ças, até meados do século XX. Toma-se como exemplo a "Festa dos Caboclos da Porangaba". Esses caboclos saíam em procissão até Caucaia, antigo reduto indigena hoje fazendo parte da Re-gião M etroplitana de Fortaleza.

Por outro lado, na perspectiva de Gerson Oliveira, a permanência da dança do Torém en-tre os Tremembé de Almofala, em um primeiro momento, é adotada posteriormente por outros grupos étnicos que lutam por seu reconhecimen-to, como os Pitaguary em M aracanaú e M ulungu, passando a ser utilizada como "afirmação étni-ca" (OLIVEIRA Jr., 2000: xx).

o

c a b o c lo : u m a id e n tid a d e s itu a c io n a l

Em pesquisa realizada em arquivos sobre as terras indígenas, existentes entre 1706 e 1744, ylvia Porto Alegre fez um inventário mostrando

er esse o período de implementação dos

aldeamentos indígenas. No Ceará, posteriormen-e, com a expulsão da Companhia de Jesus,

"os aldeamentos missionários foram trans-formados em cinco vilas de índios: Arranches (atual Parangaba), M essejana, Soure (atual Caucaia), M onte-M or-o-Novo (atual Baturité) e Vila-Viços a-Real (atual Vi-çosa). Sem estatuto de vila foram mantidos, ainda, os aldeamentos de Almofala, M onte-M or-o-Velho (atual Pacajus) e São Pedra de Ibiapina" (pORTO ALEGRE, 1992: 31).

A incorporação paulatina da maior parte das

terras indígenas ocorreu entre 1854 e 1858, por

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parte dos grandes proprietários, expulsando, defi-nitivamente, os índios de suas terras.

"O governo provincial, a partir de1861, afir-ma, reiteradamente, em resposta às deman-das do governo imperial, que não há mais 'tribos selvagens' no Ceará, que as aldeias foram extintas e os índios estão confundi-dos com a massa da população" (pORTO ALEGRE, 1992: 33).

A luta dos índios por suas terras continua, e no final do século XIX, nenhum remanescente dessas etnias é reconhecido pelos órgãos

encarre-gados da política indigenista:

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" (...) N o c a s o d e d ize r q u e n o C e a r á n ã o e xis tiu

ín d io , is s o é m e n o s ve r d a d e . Ín d io , n ã o ; ín d io a g e n te

a c r e d ita q u e é u m 4 'e /id o jp o VO S, n é ? P o r e xe m p lo ,

n ó s s o m o s P o vo T r e m e m b é , P o vo T r e m e m b é e q u e o s

ín d io s jo r a m d is s e r a m q u e d e ixa r a m d e e xis tir a tr a

-vé s d o d e c r e to d e c la r a d o e m m il... a c h o q u e vo c é s s a

-b e m , e m 1863. E s s e d e c r e to jo i q u e d e c r e to u q u e

n ã o e xis tia m a is ín d io . O q u e fo i q u e a c o n te c e u ? N ó s fic a m o s p a r a d o , e s c o n d id o p o r d e tr á s d o s d e c r e

-to s , a p ó s a C o n s titu iç ã o (1988), q u e n o s ve io c o m

vá r io s d ir e ito s le g a is q u e d e u , c o m o b e m , a s e g u r a n ç a

a o s p o vo s in d íg e n a s s e r e m r e c o n h e c id o s c o m o ín d io .

Aí jo i q u e n ó s tive m o s to d o s , tive m o s a jo r ç a , p o r

c a u s a d o s n o s s o s a n c e s tr a is e ve n c e m o s h q je e te m o s

u m a te r r a ; a p r im e ir a te r r a d e m a r c a d a e m u ita s

á r e a s s e m n e n h u m p r o b le m a d e n tr o d a n o s s a á r e a ...J J

(entrevista concedida pelo pajé M ãe Preta-Tremembé a Gilmar de Carvalho, 2004).

Somente na década de 80 do século XX, a questão de etnicidade no Ceará é reaberta, assim como em todo o Nordeste, e aponta a identifica-ção de grupos considerados extintos que volta-ram a "falar", organizando-se em busca de seus direitos. Éo caso, no Ceará, dos povos Tremembé, Tapeba, Genipapo-Kanindé, Potiguara e Pitaguary, identificados em dez áreas, em 1990, pelo Conse-lho Indigenista M issionário-Regional Nordeste.

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Vale ressaltar que, tendo havido uma política

institucional de trazer

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à existência uma categoria populacional como o caboclo, impondo-se

princí-pios e visão de mundo que levaram à construção de uma identidade situacional única, vê-se que hoje o caminho é inverso.

Essas populações procuram, através de instituições que gozam de credibilidade, como a Igreja Católica, a FUNAI e certas Organiza-ções Não-Governamentais (ONGs), fazer o ca-minho de volta àidentidade negada. Isto ocor-re porque esse processo necessita do apoio institucional para legitimar a identidade étni-ca [2]. A pertença religiosa vai ser utilizada nesse processo:

A

" É ,

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p r a n ó s a n o s s a r e lig iã o é a ve r d a d e , é a c r e n ç a ,

n é ? Se n ó s c o n tin u a m o s c o m a c r e n ç a , c o m a ve r d a

-d e , e n tã o n ó s fo r m a m o s a s s im u m g r u p o , u m a a ld e ia ,

é p r a s eju n ta r , n é ? C o m a q u e la c r e n ç a n ó s c h e g a lá .

D e n tr o d a n o s s a c o m u n id a d e , d e n tr o d a n o s s a r e

li-g iã o , n ó s c o n s e li-g u im o s a te r r a " (entrevista conce-dida pelo pajé M ãe Preta-Tremembé a Gilmar de Carvalho, 2004).

Esta fala remete-me diretamente a Ernest Cassirer (1992), para quem a consciência teórica, a prática e a estética, o mundo da linguagem e do conhecimento, as formas fundamentais da comu-nidade e do Estado encontram-se, em sua ori-gem, assentadas na consciência mítico-religiosa. Essa consciência religiosa será utilizada, dentre outros elementos, como sinal dia crítico para de-marcar a etnicidade.

Importante ressaltar que todas essas popu-lações que reivindicam sua etnicidade tiveram contato direto ou indireto com as práticas de Umbanda, na medida em que essa religião, ten-do-se transculturado para Fortaleza, nos princí-pios da década de 50 do século

:xx

(pordeus JR.,

2.002), foi-se difundindo pelas principais cidades do interior do Ceará nesses últimos cinqüenta anos. M uitos grupos étnicos têm suas fronteiras espaciais diluídas, na medida em que suas

resi-82

dências se encontram localizadas na Grande For-taleza. Parangaba e M essejana são hoje distritos, Caucaia e Pacajus são municípios da região me-tropolitana. Às margens do rio Ceará, divisa dos municípios de Caucaia e Fortaleza, estão instala-dos os Tapeba, que reivindicam a demarcação de suas terras, assim como os Pitaguary, em M aracanaú.

A s lin h as d e cab o clo s n o esp iritism o d e u m b an d a

A nomeação da categoria "caboclo", em um primeiro momento, está relacionada a uma ativi-dade produtiva. Em outro momento, o índio/ caboclo encontra no Espiritismo de Umbanda a possibilidade de lançar sua duplicidade no gru-po religioso, trabalhando na magia. A religião umbandista é o espaço situacional onde vai ocor-rer a reapropriação social, a reconquista do po-der de reconstruir a identidade indígena. Assim sendo, penso poder dispensar maiores explica-ções sobre outras representações do panteão umbandista e me detenho na categoria c a b o c lo e suas linhas, pois essa categoria identifica-se com a categoria "índio".

A fundadora da Federação de Umbanda do Ceará, "mãe Júlia", em entrevista que me conce-deu, em 1979, falando das linhas, dizia:

" ( ...) a g e n te tr a b a lh a c o m Sã o J o ã o B a tis ta n a fo la n g t

d e O g u m ; ve m a fa la n g e d o s c a b o c lo s , q u e é d a m a ta ,

e te m a in d a a fa la lT g e d e Sã o Se b a s tiã o q u e m o r r e u

e m L a r a n je ir a s [referência à Guerra do

Paraguai];to d o m u n d o s a b e d is s o e s u a b a n d a p e r -te n c e à m a ta . Q u e m d iZ O r ixá d iZ s a n to , é a m e s

-m a c o is a ; a g e n te d á n o -m e d e c a b o c lo , -m a s é ín d io . E

u m m é d io fo r m a d o n ã o p o d e tr a b a lh a r s e m s a u d a r a

e le s , r e c e b e m in s tr u ç õ e s d e le e a s d o u tr in a s ."

A fala de "mãe Júlia", como de outras mães de santo, esclarece bastante a questão da resse-mantização índio/caboclo entre os umbandistas. D. Neide, mãe de santo, nos diz: ''A Umbanda é um culto sagrado aos Orixás; só que a gente

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Y.liha com caboclo" (entrevista concedida por D. _ -eide ao autor, 1979).

Em nossas pesquisas, encontramos seis ca-:egorias de caboclos, organizadas por linhas. Aqui, :e faz necessário observar:

"O Orixá não baixa pra trabalhar; quem vem trabalhar são os caboclos seus enviados. Então, Iemanjá tem os caboclos da linha dela, da linha do mar. Xangô tem os dele, na li-nha das pedreiras. Oxossi tem os dele, da linha das matas, que são os índios ..." (entre-vista concedida por D. Neide ao autor,1985).

Deixo as demais categorias de caboclo dos orixás fora de minha análise apoiado nesse

argumen-o de D. Neide, segundargumen-o argumen-o qual targumen-odargumen-o Orixá tem seus caboclos. Sobre essa linha de caboclo, a de Oxossi, o pai de santo José M aria, de Sobral, afirma:

"O

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c a b o c lo é u m e s p ír ito d e lu

v

é u m O r ixá q u e é c u r a d o r ; d o n o d a s m a ta s q u e é o O r ixá d a c u r a , d o

c o n h e c im e n to d a s e r va s , d a s r a íze s , d a s fo lh a s , e n

ti-d a ti-d e p o ti-d e r o s a q u e tr a b a lh a p a r a d e s m a n c h a r tr a b a

-lh o s d e m a g ia n e g r a . Se u T a p in a r é é c h ife d e a ld e ia

e tr a b a lh a n a s m a ta s , é d o n o d a m in h a c a b e ç a "

(pORDEUS, 2000).

D. Lourdes, falando da linha de caboclo, diz:

'1 n d io b r u to é s ó o q u e te m a q u i n o C e a r á ; a fo r ç a

d a q u i é d e te r m in a d a m a is p o r ín d io za n g a d o . E s s e

p o vo d e s p r e n d id o , p o r q u e a lín g u a é m u ito d e s p r e n

-d i-d a ; ín -d io n ã o te m fé , n ã o te m n a d a . A g e n te te m

q u e a c a lm a r e le ,

A

d o u t r i n a r ; d á lu Z . T e m d e le s q u e c h e g a e n ã o q u e r c o n ve r s a c o m n in g u é m , c h e g a p r a

d á r e c a d o , é to d o a lvo r o ç a d o , q u e m q u is e r q u e e n

-te n d a " (entrevista concedida por D. Lourdes

ao autor, 1979).

Encontro no discurso de D. Lourdes toda uma visão romântica do índio: "povo desprendi-do, índio não tem fé, não tem nada ...". M as, ao mesmo tempo, D. Lourdes diz que, no Ceará, a

força de Umbanda vem precisamente do caboclo. Repete, nas entrelinhas, a historiografia oficial acer-ca do papel do índio na economia colonial cearense, como mostrei anteriormente. E conclui fazendo referência à música: " ...pros caboclos a gente tem que tocar com maracá e com o triângulo, pois é com esse som que eles baiam na eira" (pORDEUS, 2002). Também neste discurso encontro caboclos/ pretos velhos, como é o caso de N êgo Gérson e, ainda, caboclos/Exu, que trabalham tanto em Umbanda como em Quimbanda, como podemos observar nestas carimbas:

"Folha por folha / Nessa mata tem Sibamba / Folha por folha, nessa mata tem Sibamba / A velha macumba já rolou / A velha ma-cumba vai rolar / Tapuia com seu Sibamba vai trabalhar". Seu Sibamba encontra-se na categoria de Exu. Deve-se, ainda, destacar que esses caboclos cruzados trabalham na encruzilhada: ''Virei, virei, virei / E vou vi-rar / Vou dá sete voltas, vou vivi-rar na encru-zilhada / Entrando na minha aldeia flecha até os inocentes / Eu atirei, atirei e vou ati-rar" (D. Lourdes, in PORDEUS, 2002).

As informações etnográficas nos mostram as tipologias das seis linhas de caboclos e demons-tram que, no panteão e no espaço ritual, essa iden-tidade indígena encontra-se na situação onde se diluem as fronteiras simbólicas, um terceiro espa-ço no qual, sendo Índio Caboclo e Caboclo sendo Índio, pode desabrochar, em toda sua vitalidade, o processo de individuação da possessão dos adep-tos de Umbanda. Assim como o Índio teria sua identidade reconhecida, identidade esta que fora perdida no teatro da possessão, essa identidade é reafirmada pela recodificação no trabalho da ma-gia, repensado a partir de outra lógica corporificada em personagens míticos e religiosos.

Desse modo, a Umbanda seria o lugar a "par-tir do qual algo começa a se fazer presente em movimentos ambivalentes, que não é nem um novo

horizonte nem um abandono do passado" [3].

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Homi K. Bhabha ressalta que ao se reencenar o passado, este traz à tona outras temporalidades culturais na invenção da tradição, como posso per-ceber no caso da Umbanda aqui examinado. A Umbanda seria o espaço no qual se cria uma idéia do novo, como ato insurgente da tradição cultu-ral, onde se pode encontrar um retorno ao passa-do, como causa social ou precedente estético, mas, ao mesmo tempo, refigurando o passado, como um "entre-lugar" contingente, espaço do "além", fronteiras visíveis e invisíveis, sociais ou culturais.

A umbanda

no processo

de reetnização

A religião umbandista, como venho ressal-tando, é o terceiro espaço que servirá de apoio à

conformação do mundo, àreetinização:

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" ( ... ) n ó s tin h a e s s a fo r ç a e q u a l s e r ia m in h a r e

li-g iã o , e u fa le ip r a e le s q u e p e lo m e u e n te n d im e n to q u e

e u e n te n d ia d e c o n s c iê n c ia e e s p ir itu a lid a d e , e u vo u

vo u s u b i os e r r o te , é a g e n te te m a n o s s a te r r a d e u m

la d o e d o o u tr o és e r r o te , a tr a ve s s a u m c ó r r e g o e u m

s e r r o te ,e u fa ç o J a ç o m in h a s o b r ig a ç ã o lá , d e b a ixo d e

u m p é d e á r vo r e o u n u m a p e d r a , c o m to d a s fa c ilid a

-d e s -d e r e s o lve r a s c o is a , a g e n te fa la , e u fa lo is s o n e m

s ó d e m im , m a s tu d o q u e e u a p r e n d i ... "

(Entrevis-ta concedida pelo Pajé M ãe Preta- Tremembé

a Gilmar de Carvalho, 2004).

Ao mesmo tempo, "M ãe Preta" afirma suas práticas religiosas e marca a fronteira com o catolicismo:

" ( ...) a Ig r q a C a tó lic a te m p a p é is h o r r íve l n o m e io d a

g e n te , n é ? E le s te ve u m p a p e l m u ito m im , q u e fo i

tir a r o q u e e r a d e b o m d a g e n te , n u m r e s p e ita r a

c u ltu r a d a g e n te , q u e n o s s a r e lig iã o e r a c o is a q u e n ã o

e xis tia s ó a c r e d ita va s e s a lva r a g e n te s e n o s p a s s a s s e

p a r a a r e lig iã o d e le s , n e m ta n to e r a is s o , p o r q u e e u

a in d a s ig o a m e s m a r e lig iã o d e a n te s (dos

ances-trais), c o m c e r te za a in d a e u s ig o m e u m e s m o p e n s a

-m e n to é o d e a n te s . E é ,a g e n te s e n te q u e o n o s s a , o

n o s s o s a g r a d o é e n vo lve r a to d o s c o m o te m p o , p o r q u e

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

84

a g o r a , n o m o m e n to , n ó s s o m o s a s s im u m g r u p o q u e ,

q u a n d o n o s fa la a s s im b e m c o m a s n o s s a s c r e n ç a n ó s

e s ta m o s ju n to , e m o s tr a n d o s e m p r e o p a p e l q u e a Ig r e

-ja fe Z ... " (entrevista concedida pelo pajé M

ãe-Preta- Tremembé a Gilmar de Carvalho, idem).

Nesse processo de reetnização, a construção do campo religioso vai requerer práticas que distin-gam esses grupos do catolicismo. Écom a adesão destes à Umbanda, que irão se processar práticas re-ligiosas, para reforçar a reconstrução da identidade étnica; conseqüentemente, levando à intercessão de dois campos - o religioso e o político. Assim, a Umbanda é levada, tanto por instrumentos políti-cos como religiosos, a uma reetinização, como ve-mos na fala do Pajé Barbosa dos índios Pitaguary. Ainda que na narração de "M ãe Preta", pajé Tremembé, encontrem-se referências indiretas à prá-tica de Umbanda, deixo-as de lado pela necessidade de estender o leque das questões mencionadas.

Passo, então, a explorar a fala do pajé Bar-bosa, em conversa que tivemos em sua residência em M ulungu-Ce. Tento compreender na sua fala a relação entre a religião e a luta política levada pe-los índios Pitaguary no processo de reetinização e o panteão das suas práticas religiosas.

Fazendo referência à população e à luta empreendida, diz:

na área Pitaguary de M onguba, nós somo

setecentos e dois índios, nós damos uma

média ... as família, eu acredito que seja uma

oitenta família. E nós tentamos levantar aqui

nossa bandeira que é a de uma cultura que o

tempo destruiu, né? A política implantada

no Brasil, no Ceará, também destruiu ...

Quando estimulado a

narrar

sobre a religião pajé Barbosa relaciona a Pajelança, o Torém, a M acumba e a U mbanda como sendo o que ficou dos antepassados, associado ao "pai Tupã":

'5 4 m a c u m b a , e la p e r m a n e c e u n o n o s s o m e io , a s s im

c o m o o T o r é ; oT o r éfic o u d o s n o s s o s a n te p a s s a d o s ; à s

(7)

A R T IG O

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ve za g e n te fa la " U m b a n d a ' ' e n ã o viu o q u e a g e n te

fa lo u d a m a c u m b a e n ã o viu o q u e a g e n te fa lo u d a

p a je la n ç a , p o r q u e a n te s d e s s a s d u a s p a la vr a , e r a u m

m ito c h a m a d o p q je la n ç a , a c u ltu r a d a s m a ta , d o s

n o s s o s a n te p a s s a d o s ; d o s n o s s o s e s p ír ito s , d a s p e d r a s

d o s n o s s o s e s p ír ito s d o s r io s , d o s n o s s o s e s p ír ito d o

fo g o e - p o r q u e n ã o fa la r a p a la vr a -c h a ve - d o n o s s o

p a i T u p ã ? .. A U m b a n d a , d e n tr o d e s u a lin g u a

-g e m , é a fo r ç a m a is p o s itiva q u e te m o s n a s m a ta ,

p o r q u e é lá q u e tá to d o o c a m p o m a g n é tic o ju n ta

-m e n te d a á g u a , d o s c a n to d o s p á s s a r o , d o zu m b in d o

d o s vô o d o s b e s o u r o , d o s g r ito s d o s m a c a c o , e é o n d e

A

t á

a fo r ç a m a is r ic a q u e n ó s te m o s n o m u n d o q u e é a

fo r ç a d a n a tu r e za , q u e n o s d á vid a , n é , q u e n o s d á

p a iJ q u e d á e s s a fo r ç a d a g e n te ta m b é m q ju d a r o

p r ó xim o "

yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(entrevista concedida por peje

Bar-bosa ao autor, idem).

Na busca por construir uma memória, uma tradição, "pai Barbosa" atribui à M acumba e à Umbanda uma pertença indígena, como é o caso do Toré e da Pajelança. Em outro trecho, fala do papel do Pajé:

" ( ... ) é u m la d o vir a d o ,ju s ta m e n te , p r o s m o r to , q u e

é c h a m a d o u m b a n d a , q u e é c h a m a d o o c a n d o m b lé ,

q u e é c h a m a d o a n o s s a m a c u m b a , n é , q u e é o n o s s o

ta m b o r . ..

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Eà s ve ze s d iZ : 'p o r q u e m a c u m b a , p q jé ? : .. P o r q u e o p q jé é e s s e ta m b o r m e s m o , vo c ê vê o p q jé ...

e u m e s m o , s e vo c ê m e vê , vo c ê va i d ize r o q u e ? Se vo c ê

ve r m e u d ia -a -d ia , vo c ê va i ve r o tip o d e s o m q u e e s s e

ta m b o r B a r b o s a , n é - q u e é o p q jé - e xa la . Éu m a c u r a d e q u e b r a n te , é u m a d o r d e c a b e ç a , é u m a le u a n to ,

é u m a b r im e n to d e c a m in h o , é u m q ju n ta m e n to d e

c a s a l q u e , à s ve iJ é s ó o d iá lo g o ... Éu m a c o is a d e o u tr a s fo n te s ... " (entrevista concedida ao

au-tor, idem).

Os termos q u e b r a n te , a le va n to , a b r im e n to d e

c a m in h o demonstram a pertença do pajé

Barbo-sa à linguagem utilizada na Umbanda. Tendo nascido em 1967, a sua adesão à Umbanda foi na adolescência, anterior a ter conhecimento de que era pajé:

" E u n ã o s a b ia q u e tin h a n a s c id o p q jé , p o r q u e e s s e

te m p o , fe z c o m q u e e u fic a s s e m u ito d is ta n te d o n o s s o

p q jé q u e e r a o Z é , e e u tive q u e r e c o r r e r a u m

u m b a n d is ta , c h a m a d o F r a n c is c o . M a s , n a q u e le d ia

a c o n te c e u u m fa to b e m in te r e s s a n te : e u já ta u a s e n

-tin d o c e r to s tip o d e s in to m a d a s fo r ç a s o c u lta e va g a

-va à n o ite ; e u a n d a -va à n o ite s e m d e s tin o e a té , p e n s o

e u , a té in vis íve l, p o r q u e n o s c a n to q u e e u a n d a va

n u n c a m e a c o n te c e u n a d a , g r a ç a s a D e u s . E, n a -q u e le d ia , n ã o s e i, n é , u m a e n tid a d e m e c h a m o u , ia

p a s s a n d o e m e c h a m o u efe z o r e la to d o q u e e u ta u a

p a s s a n d o n o m o m e n to ... A e n tid a d e é M a n a , n é ,

M a r ia P o m b a -G ir a , q u e p e g a r a m e s s a c h a m a , d e

P o m b a -G ir a o u P o m b in h a , n é ?Ee la fe z u m r e la to d o q u e ta u a a c o n te c e n d o , q u e e r a n e c e s s á r io to m a r

u m a p o s iç ã o , e q u e e u c o r r e r ia r is c o a té d e s e r m o r to

o u d e s e r lo u c o , n é ? E n tã o fo i q u a n d o e u c o m e c e i,

a s s im e m 84" (entrevista concedida por pajé

Barbosa ao autor, idem).

O relato de adesão à Umbanda não difere de tantos outros que encontramos em inumerá-veis narrações de adeptos da religião umbandista. Vale ressaltar que a revelação vem através de uma personagem da Um banda, a Pomba Gira, que se encontra na categoria de Exu feminino. Essa questão me remete diretamente à relação das per-sonagens recebidas por pajé Barbosa e com as quais trabalha:

"( ...) vamo com Seu Arranca Toco, Seu Rom-pe M ata; vamo por Seu Sete Flecha; vamo por Pena Branca, né, e tudo são gente da Jurema mesmo, da mata ...". E canta um carimba: "ai pisa, pisa vamo pisar / A folha da J urema do Rei J urumbá". E se volta para os Pretos Velhos: " ... vamo um pouquinho pros velho, dá muito velho, são muito velho e, portanto, eu gosto muito de trabalhar com esse povo, Vovó Sinhá, M ãe Tutu, M ãe M a-ria, M ãe Quiné, M ãe Quitéa-ria, M ãe Alcina ... Vem variados povo, né, que vem nos aju-dar..." (entrevista concedida por pajé Barbo-sa ao autor, idem).

(8)

A R T IG O

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Ao povo de Exu, além da Pomba Gira, à qual já havia feito referência, pajé Barbosa

acres-centa outros exus:

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" Sib a m b a ta m b é m vê e s s ep o vo , ta m b é m , d a r iq u e za

q u e n ã o d á va lo r à r iq u e za , p r e fe r e a h u m ild a d e ,

q u e é o c a s o d o Sib a m b a . A h is tó r ia d o Sib a m b a é

u m p o u c o p a r e c id a c o m a h is tó r ia d e Sã o F r a n c is c o

a q u i, o p o vo d e le , o s p a i d e le s é r e is , é r ic o , m a s e le

p r e fe r e tá n o s c a n to s m a is h u m ild e , b e b e n d o s e u a p e

-r itivo e c o n ve -r s a n d o e tu d o ... E ta m b é m te m e s s a p a r

-te q u e é , u m a d e lin h a d e b e b o e ta m b é m d e lin h a d e

J u r e m a e Xa n g ô , p o r q u e o Sib a m b a , e le é u m a p e s

-s o a e s p e c ia l,ta m b é m , p o r q u e p in ta , ta m b é m , e m vá

-r ia s lin h a s , n a lin h a d e e xu , e lejá m u d a d e n o m e ,

n ã o é Sib a m b a , é E xu B r a s a , n é ?

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

OSib a m b a n a

lin h a d o m a to , n é , a í já ve m o p o vo d e O g u m , n é ,

O g u m ( ... ) . O g u m M ir a m a r , tá e n te n d e n d o ? Aí

ve m e s s e m ito b e m g o s to s o . O g u m ta m b é m r e p r e s e n ta

o p o vo d a m a ta ta m b é m , p o r q u e a q u e le s g u e r r e ir o s

m o r to s , à s ve ; Vp o r p ic a d a d e c o b r a o u s e d e o u a lg u

-m a h is tó r ia b e m a s s im , q u e h a via a tr ito s e n tr e u m a

a ld e ia e o u tr a , e n tã o m u ita s d a q u e la s e n tid a d e g u e r

-r e i-r a é c h a m a d a d e O g u m ta m b é m , n é . .. N e s s a

li-n h a d e O g u m vir a d o p r a m a ta , ve m Se u Q u e b r a

B a r r e ir a , n é , Se u Vir a M u n d o , Se u L ir o , tá e n

-te n d e n d o ? Se u Se -te ta m b é m ve m c o m Se u Se te O n d a ,

n é ? T ê m flm e a s ta m b é m , M u la m b o ta m b é m , e la

fa z e s s a p a r te d e m a ta ee xu ;e m a r ta m b é m . E n tã o

c o m J u r e m a ve m ... d o p o vo d a J u r e m a , n é , I r a c e m a ,

q u e é u m a h is tó r ia q u e o p o vo g o s ta d e b a d a la r , m a s

d a c a b o c la I r a c e m a te m a c a b o c la [ u r e m a , te m a

c a b o c la J u lin h a , a c a b o c la J a c ir a ... E, d e c e r ta fo r -m a , s ã o va r ia d a s p e s s o a s q u e vê e -m ... " (entrevista concedida por pajé Barbosa ao autor, idem).

Na narração, emergem os nomes das enti-dades com as quais trabalha, um reino onde se entrelaçam exus, caboclos, pretos velhos e orixás, em uma infinidade de personagens que encontram relações plausíveis no pano de fundo de uma reli-giosidade difusa, como difusa é a definição que apresenta pajé Barbosa entre Pajelança, Toré, M a-cumba e Umbanda, como ressaltei anteriormente:

86

" ( ... ) é p o r is s o q u e d iZ U m b a n d a e é p o r is s o q u e

d iZ M a c u m b a , p o r q u e s e e u n ã o ju n ta r ta m b o r

p r a fa ze r ta n to d o s o m d ife r e n te , n é , c o m o e u a c a

-b e i d e fa la r , e u fa le i a g o r a , p r a tic a m e n te q u a tr o

lin h a , e n ã o p á r a , n é , n ã o p á r a p o r q u e n ã o te m

fim ... A M a c u m b a é c o m o n ú m e r o , a P q je la n ç a é

a q u e le n ú m e r o , n ã o te m fim ... Eà s ve z e u s o u

in te r p r e ta d o m a l p o r q u e o p o vo a c h a q u e a P a je

-la n ç a é P a je la n ç a e a M a c u m b a é o u tr a c o is a e a

U m b a n d a é o u tr a c o is a . N ã o , é a m e s m a c o is a , s ó

q u e c o m n o m e s d ife r e n te s . "

Na linguagem do Pajé, todas essas religi-ões são a mesma, mudariam apenas as designa-ções. Como tentar sair, pois, do entrelaçamen-to, do labirinto de uma estéril relação de nome de religião, de linhas, de mitos, de ações? Tão íntimas são as conexões, na linguagem do Pajé, entre essas religiões, que é impossível se confi-gurar e conceber o universal, distinguir qual delas encabeça a "religião do Índio". No entan-to, poderia se pensar que aqui se encontraria o caminho inverso da religião da Umbanda no Ceará, que havia antropofagizado a visão de mundo e as práticas existentes. Tendo, ainda, se ressemantizado, como manifesto na categoria do "caboclo". Na lógica do Pajé, os nomes, as li-nhas, os atos da Umbanda vão ser, por sua vez, incluídos na "religião do Índio". A Umbanda, segundo o pajé Barbosa, permanecerá, de uma maneira genérica, entre essas etnias emergentes, como a religião que irá servir de sinal diacrítico de etnicidade. E, assim, poderíamos pensar a Umbanda: reetinicizada.

Penso, pois, dentro da perspectiva "das fron-teiras", quando Homi K Bhabha faz referência a um

"espaço novo onde a sutileza e a abertura predominam, esse espaço permite estra-tégias de resistência e desenvolvimento. Será necessário examinar essas rupturas das convenções e das práticas da escrita que romperiam com o realismo para abrir outros espaços".

(9)

A R T I G O

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Como é o caso da Umbanda praticada pelo

pajé Barbosa. Em seu livro O

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lo c a l d a c u ltu r a , a pro-pósito das diferenças culturais, ele fala de um

es-paço "intersticial" que "emerge" como uma inde-cisão à fronteira da "hibridação cultural".

Essa proposição teórica permite, no meu en-tender, se deixar o pensamento binário, pois o ter-ceiro espaço está longe de se constituir num tercei-ro termo, mas sim fixar-se como "entre-lugar" que o compreende e o ultrapassa. Seria uma dimensão que se abre "além" de uma inversão de termos opos-tos (sujeito / o bj eto; dito / não-dito; senso / não-sen-so) para escapar da tautologia e do logocentrismo.

No entanto, se por um lado, a ordem rei-nante é interrompida nesse terceiro espaço, a tra-dição vê suas práticas sociais reforçadas, como se pode constatar na fala do pajé Barbosa, na oferta de trabalhos para solução dos problemas do cotidiano.

Pensaria que a Umbanda, tal como é prati-cada pelo pajé Barbosa, ocuparia esse terceiro es-paço, pois, a graus diversos, a ordem reinante in-terrompe seu poder ou ver seu poder interrompi-do - Umbanda, Pajelança, Toré, M acumba - per-cebem-se fissuras no espaço normalizado e normativo (pai de santo, pajé, macumbeiro). É,

portanto, pelo fato de ser este terceiro espaço im-possível de ser representado em si, que ele vai montar as peças de um problema cujos pré-requi-sitos de solução encontram-se nas condições de um discurso que passa a certeza de que, no que tange aos símbolos culturais, não há unidade ou fixação primordial, propiciando que estes sejam amplamente trabalhados em apropriações e tradu-ções e revisitados através da história.

N O T A S

Em 2002 realizou-se em Fortaleza o sem inário

"Ceará: terra da luz, terra dos índios", organizado

pelo M inistério Público Federal, FUNAI e a4"SR do IPHAN. O sem inário teve com o objetivo com

-preender a situação das etnias indígenas,

reconhe-cendo que entre elas, os Tapeba, Trem em bé,

Pitaguari,]enipapo-Canindé, têm seus direitos

as-segurados e que há a necessidade de outros

gru-pos serem reconhecidos tam bém .

R E F E R Ê N C IA S B IB L IO G R Á F IC A S

BHABHA, Homi K. (2001).

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

O

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Referências

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