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A legitimidade do ministério público para propor ação civil pública em matéria tributária em defesa dos direitos dos contribuintes

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Academic year: 2018

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CURSO DE DIREITO

JULIO CÉSAR SOUZA DE ALMEIDA

PROJETO DE PESQUISA

A A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM DEFESA DOS DIREITOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES LUNO DE ENSINO MÉDIO NÃO PRO

ISSIONALIZANTE E A PSSADE DTÁGIOE

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JULIO CÉSAR SOUZA DE ALMEIDA

A A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM DEFESA DOS DIREITOS

TRANSINDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Francisco de Araújo Macêdo Filho

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

A447l Almeida, Julio César Souza de.

A legitimidade do ministério público para propor ação civil pública em matéria tributária em defesa dos direitos transindividuais dos contribuintes / Julio César Souza de Almeida. – 2013.

63 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho.

1. Ação civil pública - Brasil. 2. Ministério público. 3. Legitimidade (Direito). 4. Contribuintes (Direito tributário). I. Macedo Filho, Francisco de Araújo (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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JULIO CÉSAR SOUZA DE ALMEIDA

A A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM DEFESA DOS DIREITOS

TRANSINDIVIDUAIS DO CONTRIBUINTES

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Francisco de Araújo Macêdo Filho

Aprovada em ____/_____/_________

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macêdo Filho (orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Régis Frota Araújo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________________ Prof. Dr. Regnoberto Marques de Melo Júnior

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que é tudo na minha vida, ou melhor, que é a própria vida.

Aos meus pais, a quem devo tudo e mais um pouco.

Ao meu irmão, por sempre estar comigo.

Ao professor Francisco de Araújo Macêdo Filho, pela sua disponibilidade em realizar a orientação deste trabalho monográfico.

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RESUMO

Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de proceder-se à análise acerca da legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos dos contribuintes. As normas constitucionais relativas ao Ministério Público são apresentadas como fundamentos para a sustentação da possibilidade de atuação dessa instituição, quando existente a compatibilidade entre suas finalidades institucionais. Assim, defendeu-se que, apesar dos direitos dos contribuintes na maioria dos casos serem disponíveis, é possível a atuação do Ministério Público em sua proteção, quando configurado o interesse social.

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ABSTRACT

This study has been developed with the purpose of making an analysis about the legitimacy of the Public Prosecutor to protect taxpayer‟s rights. The constitutional

rules related to the Public Prosecutor are the presented as the foundation to the institution´s legitimacy, when it is compatible with its functions. It was defended that, even though the taxpayer‟s rights in most cases are disposable, the Public Prosecutor can protect them, whenever the social interest is present.

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SUMARIO

1 INTRODUÇÃO...9

2 A TUTELA COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO...12

2.1 O nascimento da chamada sociedade de massa...12

2.2 O surgimento do processo de massa...13

2.3 A legislação processual coletiva no Direito brasileiro...18

2.4 O microssistema brasileiro de processo coletivo...24

3 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS...27

4 A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA...34

4.1 A vedação do parágrafo único do artigo 1° da Lei 7.347/85...35

4.2 Contribuinte não é consumidor...42

4.3 O Ministério Público e a tutela dos direitos individuais disponíveis...47

4.4 Ação civil pública e ação direta de inconstitucionalidade...54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...60

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1 INTRODUÇÃO

A transformação social operada pela economia moderna reestruturou a sociedade em classes, grupos e categorias distintos entre si, sendo natural, portanto, o surgimento de conflitos baseados em interesses que, se são individuais juridicamente, são comuns ou coletivos na realidade social.

A pressão dos fatos sociais sobre o ordenamento jurídico, sobre o Legislador e, principalmente, sobre o Poder Judiciário tem aumentado nas últimas décadas, justamente para estimulá-los ao reconhecimento da dimensão coletiva dos conflitos até então tratados apenas sob o aspecto individual.

É que a aceleração e a complexidade das relações desenvolvidas na atual sociedade pós-moderna enseja, muito além do caráter meramente individual de direitos, a solução dos conflitos que nascem no seio da própria coletividade – as

chamadas “violações de massa”, que envolve grupos, classes e a própria sociedade

como um todo.

Muito além de um modelo de processo civil eminentemente individualista, percebeu-se a necessidade de um processo que se preocupe com os direitos que podem ser lesados em face dos conflitos próprios da sociedade de massa, ou seja, um processo de caráter coletivo.

Para tanto, a Constituição da República de 1988 erigiu o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando - o guardião da sociedade e do ordenamento jurídico.

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A doutrina especializada diverge dos argumentos apresentados em tais julgados, gerando um ambiente de instabilidade jurídica e incertezas na comunidade científica e na sociedade como um todo.

Diante desse quadro, a pesquisa sobre o tema se justifica em razão do destaque que a tutela coletiva vem recebendo no Brasil nos últimos anos, mormente com o advento da Lei 7.347/85, da Constituição Federal de 1988 e do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que instituíram o microssistema brasileiro de processos coletivos, para regular os conflitos que nascem no seio da própria coletividade – as chamadas “violações de massa”, que envolve grupos, classes e a

própria sociedade como um todo. Sem esquecer seus reflexos na jurisprudência nacional, ainda vacilante e lacunosa, expressando posicionamentos contraditórios, ora admitindo uma atuação mais abrangente do Ministério Público na tutela dos interesses transindividuais, ora restringindo-a demasiadamente, como no caso dos contribuintes.

Este estudo também se justifica diante de sua relevância acadêmica, posto que evidente a necessidade de mais estudos aprofundados sobre o tema, ainda insuficientes e inconclusos, dificultando a compreensão e sistematização de um posicionamento firme e definitivo quanto à legitimidade do Parquet para a tutela de interesses transindividuais, permanecendo refém da atual oscilação jurisprudencial e doutrinária existente.

Além do mais, é inegável relevância social do assunto, pois compreende a defesa em juízo dos interesses transindividuais dos contribuintes, de ampla relevância e impacto social. É o interesse dos cidadãos, da sociedade de um modo geral, que está em jogo. Não se admite que em um Estado Democrático de Direito o contribuinte se sinta desamparado e desprotegido diante da sanha arrecadatória que, por vezes, acomete a Administração Pública.

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individuais homogêneos dos contribuintes? É cabível ação civil pública em matéria tributária? Assim sendo, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em matéria tributária em defesa dos contribuintes? Pretende-se com essa pesquisa estudar esses questionamentos que emergem dessa polêmica jurídica e tentar encontrar uma solução mais adequada e realmente conclusiva para essa problemática.

Para tanto, no primeiro capítulo será analisado todo o regramento legal do ordenamento jurídico brasileiro acerca da tutela coletiva, estudando os direitos transindividuais, o histórico legislativo nacional sobre processos coletivos e o consequente nascimento do microssistema brasileiro de tutela coletiva.

No segundo capítulo será analisada a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa dos direitos e interesses transindividuais a partir da Constituição Federal de 1988, da Lei 7.347/85, do Código de Defesa do Consumidor e de leis esparsas.

No terceiro capítulo serão expostos os principais argumentos da doutrina e da jurisprudência contra a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em matéria tributária em defesa dos contribuintes, bem como, em sentido contrário, as razões que nos levam a assumir um posicionamento favorável à atuação ministerial.

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2 A TUTELA COLETIVA NO DIREITO BRASILEIRO

Antes de iniciar a análise da legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em matéria tributária, estudaremos o regime da tutela coletiva no ordenamento jurídico brasileiro a partir da legislação vigente.

2.1 O nascimento da chamada sociedade de massa

A sociedade passou por profundas transformações nos últimos anos. A realidade socioeconômica alterou-se rapidamente, e o século XX presenciou o desenvolvimento célere das economias de massa. Os sistemas de produção desenvolveram-se como nunca, e tal fato repercutiu claramente na demanda e oferta de bens para satisfazer o desejo de consumo das civilizações. O individualismo do século XIX deu lugar à massificação irrefreável.

Destacamos o fenômeno da Revolução Industrial, que irrompeu na Inglaterra do século XVIII, como o ponto crucial do início de uma nova forma de produção, a produção industrial em massa. A industrialização cresceu consideravelmente durante o século XIX e à medida que se espalhava para outros países observava-se uma crescente urbanização, com oferta de mão de obra abundante e um mercado consumidor emergente e em constante expansão para a indústria, impulsionando o aumento cada vez maior da produção.

No século XX, com os avanços da medicina, verificou-se uma explosão demográfica sem precedentes, o que contribuiu para uma demanda ainda maior por produtos industrializados. As grandes indústrias, seja pela enorme quantidade de matérias-primas por elas consumidas, seja pelo lixo gerado durante a produção industrial, seja pelas propriedades ocasionalmente nocivas ou perigosas de seus produtos, tornaram-se potenciais, às vezes efetivas, fontes de danos ambientais, num conflito latente entre os interesses dos donos dessas grandes indústrias e os da coletividade, titular do direito ao meio ambiente equilibrado.

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estrutura social, denominada de “sociedade de massa”, cujas principais

características são a produção em massa (industrial, agrícola, energética) e o consumo em massa, surgindo a partir de então os contratos de massa (de adesão ou de consumo).1

É indiscutível que em uma sociedade cada vez mais complexa e com relações jurídicas massificadas, uma só conduta tem potencial para lesar interesses de centenas ou de milhares pessoas, daí surgindo os denominados “conflitos de massa.”

Esses conflitos de massa, resultantes do fenômeno de massificação dos conflitos sociais, tornou imprescindível o reconhecimento, pelo direito objetivo, dos direitos subjetivos de segunda dimensão (culturais, econômicos, sociais, trabalhistas) e de terceira dimensão (meio ambiente, paz, desenvolvimento etc.), todos relacionados à qualidade de vida e marcados pela circunstância de se acomodarem em uma zona cinzenta entre o interesse público e o interesse privado. Esses novos direitos caracterizam-se por abrangerem uma dimensão coletiva (pertencem a grupos, classes ou categorias de pessoas, ou à coletividade), sendo muitas vezes até impossível determinar especificamente todos os seus titulares (ANDRADE; MASSON; ANDRADE, 2011, p.8).

2.2 O surgimento do processo de massa

Essa revolução, entretanto, não foi acompanhada com igual agilidade pelo ordenamento jurídico tipicamente individualista vigente, que não estava preparado para solucionar os novos conflitos de massa que nasciam na sociedade.

Esse descompasso se tornou cada vez mais evidente e em especial a partir da década de 70 desencadeou um movimento de busca pela efetividade do processo.

1 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos. São

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O direito processual brasileiro, até meados da década de 1970, referenciava os dogmas da propriedade privada individual e da autonomia da vontade, características do Estado liberal desenvolvido na Europa desde a Revolução Francesa. O Código Civil brasileiro de 1916, por exemplo, consagrou o pensamento individualista europeu. A mesma premissa foi adotada pelo Código de Processo Civil vigente, promulgado em 1973, destinado a legitimar e estimular a propositura de ações individuais para a solução de eventuais conflitos interindividuais. A regra geral desse sistema é a da chamada legitimação ordinária, onde se exige que o autor da ação seja o titular do direito material controvertido (ANDRADE; MASSON; ANDRADE, 2011, p.9).

A utilização de um sistema individualista para a solução dos conflitos de massa apresentava certos inconvenientes, tais como: a ocorrência de decisões judiciais conflitantes entre si, a morosidade da justiça, os gastos elevados do processo, a existência de uma litigiosidade contida e a pouca efetividade das decisões judiciais.

Esse modelo jurídico emergente do pensamento liberal europeu não abria os olhos para a tutela coletiva, vislumbrava tão somente a defesa do direito individual, e apenas ao titular legítimo do direto violado cabia decidir sobre a oportunidade de levar ou não sua pretensão ao Judiciário. Assim, os mecanismos processuais existentes foram confeccionados para atender a esse conflito de interesses individuais, para que os titulares dos direitos materiais violados, ou ameaçados de violação, procurassem a proteção judicial. O processo desenvolvia-se no modo sujeito x sujeito, credor x devedor.2

Nas palavras de Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart:

Muito além de um modelo de processo civil eminentemente individualista, percebeu-se a necessidade de um processo que se preocupe com os direitos que podem ser lesados em face dos conflitos próprios da sociedade de massa. A sociedade moderna abre oportunidade a situações em que determinadas atividades podem trazer prejuízo aos interesses de grande

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número de pessoas, fazendo surgir problemas ignorados nas demandas individuais.3

Constatou-se que o instrumental jurídico disponível não mais abrangia todos os interesses da coletividade. A clássica distinção entre o público e o privado também não era mais suficiente para compreender a ampla gama de interesses que a sociedade moderna revelava. Os mecanismos tradicionais de acesso à Justiça já não eram suficientes para assegurar a defesa de todos os tipos de interesses que irrompiam dessa nova realidade socioeconômica. Assim, fez-se necessário uma mudança de mentalidade, onde o coletivo deve prevalecer sobre o individual, com a consequente criação de novos institutos de direito material e processual para atender a essas novas demandas de massa.

Na segunda metade do século XX, o sistema processual individualista começava a se mostrar inadequado para salvaguardar os interesses coletivos que vinham sendo paulatinamente reconhecidos pelo direito material, reconhecimento esse creditado às exigências da uma nova realidade social. O advento dos novos direitos, de dimensão coletiva, reclamava por instrumentos jurídicos eficientes para assegurá-los concretamente. A doutrina italiana, na década de 1970, já apontava a necessidade de uma nova tutela, agora de caráter coletivo, para a proteção os novos direitos decorrentes da nova sociedade de massa.

Esses novos direitos, de dimensão coletiva, foram reconhecidos, principalmente, a partir da segunda (direitos sociais, trabalhistas, dentre outros, chamados direitos de igualdade) e terceira (direito ao meio ambiente equilibrado, dentre outros, chamados direitos de fraternidade ou de solidariedade) dimensões de direitos humanos, e podem ser denominados como transindividuais, supraindividuais, metaindividuais ou, simplesmente, coletivos em sentido amplo (lato sensu), por envolverem grupos, classes ou categorias de pessoas determináveis ou indetermináveis (como a coletividade).

3 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7.ed. São

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Os interesses transindividuais são dessubstantivados, já que seu referencial não repousa numa posição jurídica atribuível a um específico titular, não se cuidando, pois, nem de interesses públicos, nem privados, mas de interesses socialmente relevantes, esparsos por um número importante de indivíduos.4

Os diretos transindividuais se dividem em três tipos: direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, cuja definição só veio a ser expressa em lei com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), conforme trataremos mais à frente.

Para regular a nova “sociedade de massa”, de onde imergiam conflitos

que envolviam grupos sociais a princípio extensos e heterogêneos, cuja presença em juízo da totalidade dos ofendidos era, senão impossível, extremamente difícil, fez imperioso desenvolver um processo de massa, ou seja, instrumentos processuais adequados à tutela coletiva.

Cintra, Dinamarco e Grinover advertem:

Se temos hoje uma vida societária de massa, com tendência a um direito de massa, é preciso ter também, um processo de massa, com

a proliferação dos meios de proteção a direitos supra-individuais e relativa superação das posturas individuais dominantes [...].5

A nova mentalidade rumo a esse inédito “processo de massa” deve seguir uma premissa simples: em vez do uso das chamadas “demandas-átomo”, que são

as lides fragmentadas regidas pelas tradicionais ações individuais, deve-se optar pelas chamadas “demandas-molécula”, ou seja, ações coletivas para a defesa

judicial dos direitos de massa, que não exigem a participação de todos os interessados no processo.

Conforme lição de Kazuo Watanabe:

A estratégia tradicional de tratamento das disputas tem sido de fragmentar os conflitos de configuração essencialmente coletiva em demandas-átomo. Já a solução dos conflitos na dimensão molecular, como demandas

4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações

coletivas. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 105.

5 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini.

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coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à justiça, pelo seu barateamento e quebra de barreiras socioculturais, evitará a sua banalização que decorre de sua fragmentação e conferirá peso político mais adequado às ações destinadas à solução desses conflitos coletivos.6

Segundo Didier Jr. e Zaneti Jr.7, as ações coletivas apresentam, ao menos, duas justificativas, de ordem sociológica e política: a primeira reside no princípio do acesso à Justiça; a segunda, de ordem política judiciária, no princípio da economia processual.

Para tanto, pode-se apontar como motivações políticas: a diminuição dos custos materiais e econômicos na prestação jurisdicional; a uniformização dos julgamentos, proporcionando uma harmonização social decorrente de uma maior previsibilidade e segurança jurídica dos julgados; um remédio para evitar a prolação de decisões contraditórias, favorecendo a credibilidade dos órgãos jurisdicionais e do próprio Poder Judiciário perante a sociedade; além do respeito aos princípios constitucionais que pretendem uma Justiça mais célere e efetiva (EC 45/2004).

Como motivações sociológicas pode-se citar a litiosidade de massa, que nasce do aumento das chamadas demandas de massa, a qual precisa ser devidamente controlada nesse contexto da crescente industrialização, urbanização e globalização da sociedade contemporânea. A constitucionalização dos direitos e os movimentos pelos direitos humanos e pela efetividade dos direitos despertaram o Direito para uma nova realidade pós-positivista e principiológica, exigindo uma nova mentalidade da sociedade no reconhecimento e no trato dos novos direitos.8

Nesse contexto, sob influência das class actions dos países de sistema jurídico common law (a exemplo dos Estados Unidos) e da doutrina italiana dos anos 1970, forjou-se no Brasil um sistema processual especificamente voltado à tutela coletiva.

6GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY JUNIOR., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de

defesa doconsumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011,Vol II, p. 4.

7 DIDIER Jr., Fredie; ZANETI Jr., Hermes. Curso de direito processual civil. 7 ed. Salvador: Jus

Podium, 2012, Vol IV, p. 35.

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2.3 A legislação processual coletiva no Direito brasileiro

O primeiro instrumento jurídico no ordenamento brasileiro a regular a tutela processual de interesses transindividuais foi a Ação Popular, instituída pela Lei 4.717/65. A partir da reforma de 1977 da Lei da Ação Popular, os direitos difusos ligados ao patrimônio ambiental, em sentido lato, receberam tutela jurisdicional por intermédio da legitimação do cidadão.9

Logo depois, foi promulgada a Lei 6.938/81, que tratou da Política Nacional do Meio Ambiente, onde foi concedida legitimidade ao Ministério Público da União e dos Estados para a propositura de ação de responsabilidade civil e penal por danos causados ao meio ambiente.

A Lei Complementar n. 40, de 1981, se destacou como um importante estatuto jurídico ao autorizar a utilização da ação civil pública para a defesa dos direitos da sociedade, inserindo, entre as funções institucionais do Ministério Público, a promoção da ação civil pública.10

Em 24 de julho de 1985, foi publicada a Lei 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que veio a ser o instrumento jurídico fundamental na tutela dos interesses transindividuais, cujo objeto residia na responsabilização e consequente reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Foi com a Lei 7.347/85 - a Lei da Ação Civil Pública – que os interesses transindividuais, relacionados ao meio ambiente e ao consumidor, foram contemplados com uma tutela diferenciada, utilizando-se de princípios e regras que rompiam com a estrutura individualista do direito processual civil brasileiro. Na época, porém, a tutela ainda era restrita a objetos determinados (o meio ambiente, os consumidores), até que a Constituição de 1988 veio universalizar a proteção

9 GRINOVER, Ada Pellegrini; NERY Jr., Nelson; WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa

doconsumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011,Vol II, p. 25.

10 SANTOS, Ronaldo Lima. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição coletiva e

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coletiva dos interesses ou direitos transindividuais, sem qualquer limitação em relação ao objeto do processo (GRINOVER; NERY Jr.; WATANABE, 2011, p.25).

No projeto que recebeu aprovação, havia a previsão de um inciso IV no art.1° da lei, que prescrevia o cabimento da ação civil pública para a tutela de

“qualquer outro interesse difuso”. No entanto, tal dispositivo foi vetado pelo

Presidente da República. Com o veto, a ação civil pública nasceu podada de uma das suas principais características: ser um instrumento de tutela de todo e qualquer interesse difuso relevante para a sociedade, além daqueles previstos nos demais incisos do art.1° da Lei (SANTOS, 2012, p.276).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ação civil pública foi elevada ao âmbito constitucional e consagrou-se como autêntico instrumento de tutela dos interesses transindividuais. O legislador constituinte retificou o erro decorrente do veto presidencial, ao atribuir, como função institucional do Ministério Público, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, inciso III, CF/88).

Conforme ressalta Mazzilli11:

A Constituição, longe de ter cuidado de restringir o objeto da ação civil pública, acabou, sim, ampliando-o, como se vê, exemplificadamente, dos arts. 5°, XXI e LXX, 8°, III, 129, III, 232, que permitem com largueza a tutela coletiva, por entidades de classe, associações civis, sindicatos, Ministério Público, comunidades indígenas. Com o alargamento de objeto da ação civil pública, trazida pela Lei Maior, e, ultrapassando os limites da defesa de interesses transindividuais, chegamos a alcançar, em alguns casos, até mesmo a defesa do interesse público primário, como é o caso da defesa do patrimônio público e social.12

A ação civil pública não foi somente prevista na Lei 7.347/85. Apesar de essa lei constituir um instrumento geral de tutela dos interesses transindividuais, optou o legislador infraconstitucional por prescrevê-la também em alguns outros diplomas normativos regulamentadores de matérias específicas de cabimento da

11 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor,

patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.118.

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ação civil pública. São exemplos dessa opção legislativa a Lei 7.853/89, que regula a proteção aos direitos das pessoas portadoras de deficiência física e para tanto institui a tutela jurisdicional de seus interesses difusos e coletivos por meio da ação civil pública; também a Lei 7.913/89 que tratou de regulamentar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários; não podemos esquecer do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o qual prevê o cabimento da ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, §3°, II, da Constituição Federal; além do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) que enuncia o cabimento da ação civil pública para a proteção dos interesses e direitos difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso (SANTOS, 2012, p.276).

Com a promulgação da Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, inseriu-se o inciso IV, outrora vetado, ao texto da Lei da Ação Civil Pública, reafirmando a vontade do legislador constituinte ao dotar a ação civil pública de

aptidão para a tutela de “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

A Lei da Ação Civil Pública não havia previsto de forma ampla a proteção dos interesses coletivos, mas apenas de alguns, expressamente previstos em seu texto. Portanto, ao menos inicialmente, o rol de direitos legalmente protegidos era taxativo (fechado). Com o aprofundamento dos estudos e discussões doutrinárias sobre o assunto, o sistema jurídico brasileiro foi evoluindo e compreendendo de forma mais ampla a matéria, a ponto de chegar à conclusão de que os direitos coletivos não podiam ser enumerados taxativamente, o que restringia demasiadamente sua proteção jurídica, percebendo que constituíam, sim, uma categoria especialmente ampla e diferenciada que merecia, portanto, um sistema abrangente de proteção. Com a edição do Código de Defesa do Consumidor, ampliou-se a possibilidade de tutela a todo e qualquer interesse difuso ou coletivo. O rol, antes fechado (numerus clausus), tornou-se aberto (numerus apertus).

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apenas era possível a defesa dos interesses difusos. Agora, a partir do Código do Consumidor, também é possível a tutela dos direitos e interesses coletivos e individuais homogêneos. E não somente isso. O CDC também alargou os limites objetivos da tutela jurisdicional desses direitos quando, no art. 83, admite que toda e qualquer demanda possa ser deduzida em juízo para a efetiva defesa dos direitos protegidos pelo seu sistema (GRINOVER, NERY, WATANABE, 2011, p. 222).

É interessante ressaltar que, no ordenamento jurídico brasileiro, até o advento do Código de Defesa do Consumidor, não havia previsão expressa em diploma legal acerca da definição dos direitos difusos e coletivos stricto sensu, restando à doutrina jurídica especializada a incumbência de tratar do tema. Somente a partir da entrada em vigor da lei n° 8.078/90, os interesses e direitos difusos e coletivos, em sentido estrito, passaram a ter um conceito expressamente previsto em lei. Também a tutela coletiva dos interesses e direitos individuais homogêneos foi reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Código de Defesa do Consumidor.

Assim dispõe o artigo 81, caput, e parágrafo único do CDC:

Art.81 A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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integrantes. Por fim, no caso dos interesses individuais homogêneos, há uma origem comum para a lesão, que pode advir tanto de uma situação fática como de uma relação jurídica comum, e cujo proveito pretendido pelos integrantes do grupo é perfeitamente divisível entre os lesados (MAZZILLI, 2005, p. 55).

Segundo Nelson Nery Jr. (2001 apud MANCUSO, 2012, p.104) a indeterminação dos titulares seria a característica básica dos interesses difusos, enquanto a determinalidade acusaria de coletivo o direito ou interesse. Ambos seriam de natureza indivisível. Os direitos individuais homogêneos são aqueles cujos titulares são perfeitamente individualizáveis, detentores de direito divisível. O que une esses titulares a ponto de propiciar a defesa coletiva desses direitos individuais, é a origem comum do pedido que pretendem fazer em juízo.

Da análise cautelosa dos dispositivos mencionados anteriormente surge uma interessante questão: por que a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor referem-se à defesa tanto de interesses como de direitos?

Conforme expomos acima, os interesses de dimensão coletiva foram sendo paulatinamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico positivo. Logo, pode-se dizer, pode-sem receio, que a partir despode-se momento mudaram do status de “interesses” para o de “direitos”. Porém, a doutrina mais tradicional, revestida de valores

individualistas, somente reconhece como passíveis de tutela jurisdicional os direitos cujos titulares sejam perfeitamente individualizáveis, o que nem sempre é possível quando se trata dos interesses coletivos.

Para evitar maiores discussões sobre a possibilidade de tutela judicial dos novos direitos, de dimensão coletiva, a Constituição Federal de 1988 e a Lei

8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) utilizam ambos os termos, “interesses” e “direitos”, permitindo, assim, a tutela jurisdicional tanto de uns, quanto de outros (ANDRADE; MASSON; ANDRADE, 2011, p.15).

No mesmo sentido, Watanabe (2011, p. 70) afirma que a partir do

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mesmo status de “direitos”, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica,

para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles.13

Importante também registrar que enquanto a Lei 7.347/85 denominou de

“ação civil pública” toda e qualquer ação proposta para a defesa de interesses transindividuais, a Lei 8.078/90, mais tecnicamente, deu o nome de "ação coletiva”

para as mesmas ações.

Conforme explica Mazzilli (2005, p. 70), em essência, a ação civil pública da Lei 7.347/85 nada mais é que uma espécie de ação coletiva, como também o são o mandado de segurança coletivo e a ação popular. No presente trabalho, utilizaremos as duas expressões, ação civil pública e ação coletiva, como sinônimas.

Os diplomas da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor interagem perfeitamente entre si, atuando em conjunto no regramento da tutela coletiva no Direito brasileiro. Juntos formam o núcleo essencial de nosso sistema de processo coletivo.

Sobre a interação entre a LACP e o CDC, assim se manifesta Nelson Nery Jr14:

Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC a da LACP, que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais. Essa interação entre os dois sistemas proporciona um alargamento das hipóteses de ação civil pública tratadas na lei 7.347/85, por tudo vantajoso na tutela jurisdicional dos direitos e interesses difusos e coletivos.

Essa interação entre os dois estatutos processuais coletivos deu ensejo à formação do microssistema brasileiro de ações coletivas, cujas disposições são aplicáveis a qualquer demanda coletiva, por força do art. 21 da Lei 7.347/85.

13 Mencionamos, ainda, a lição de Dinamarco (2000

apud MANCUSO, 2012, p.101) no sentido de que

no Brasil o uso do vocábulo direito ou do vocábulo interesse, nos diversos textos constitucionais, deve

ser considerado indiferente pelo intérprete. Tanto um como o outro hão de ser interpretados em sentido amplo e tal que reflita a ideia de todos os interesses em tese acolhidos pelo direito objetivo.

(24)

2.4 O microssistema brasileiro de processo coletivo

O microssistema de processo coletivo brasileiro fundamenta-se, basicamente, em dois diplomas normativos, a saber, a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que juntos regulamentam o procedimento geral para a tutela coletiva dos direitos e interesses transindividuais. A Lei 7.347/85 e a Lei 8.078/90 juntas compõem a medula espinhal do microssistema brasileiro de tutela coletiva, já que suas regras interagem em perfeita harmonia, complementando-se reciprocamente, além de irradiar seus efeitos sobre as disposições contidas nas várias legislações que formam o microssistema.

O Código de Defesa do Consumidor em seu Título III inovou tanto nas normas processuais referentes às ações individuais quanto naquelas destinadas às coletivas. Ressalte-se, por exemplo, a modificação, e consequente ampliação, da tutela da LACP, tornando-a familiar ao sistema do CDC e contribuindo para a construção de um microssistema que admite a interferência das regras vetustas do Código de Processo Civil de 1973 apenas residualmente (DIDIER Jr.; ZANETI Jr. 2012, p. 49).

Mas o CDC fez muito mais que isso. Ao modificar as disposições da Lei da Ação Civil Pública, agiu como verdadeiro agente unificador e harmonizador, empregando e adequando ao regramento processual do Código de Processo Civil e da Lei da Ação Civil Pública para defesa de direitos difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, as normas expressas no Título III da Lei 8.078/90.

A partir daí já é possível contemplar o nascimento de um microssistema processual para as ações coletivas. Pode ser ação popular, ação civil pública, ação de improbidade administrativa ou até mesmo o mandado de segurança coletivo, não importa, aplica-se o Título III do código consumerista, no que for compatível.

Ante o exposto, arregimentando as supramencionadas considerações, é possível concluir que o diploma em estudo se tornou um verdadeiro “Código

Brasileiro de Processos Coletivos”, um “ordenamento processual geral” para a tutela

(25)

Antônio Gidi (1995 apud DIDIER Jr.; ZANETI Jr., 2012) esclarece:

Não somente o microssistema da coisa julgada, mas toda a parte processual coletiva do CDC, fica sendo, a partir da entrada em vigor do Código, o ordenamento processual civil coletivo de caráter geral, devendo ser aplicado a todas as ações coletivas em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Seria, por assim dizer, um Código de Processo Civil Coletivo. (...) o Título III do CDC combinado com a LACP fará às vezes do Código Coletivo, como ordenamento processual geral.

A proverbial visão individualista do processo tradicional se revelou insuficiente e demasiadamente limitada para a nova realidade social, exigindo a elaboração de novas regras para a tutela dos direitos e interesses coletivos lato sensu, reconhecendo que os direitos seriam mais eficientemente protegidos caso compreendidos como coletivos para fins de tutela, caso específico dos interesses individuais homogêneos. A disciplina comum das ações coletivas no Brasil encontra-se, portanto, estabelecida no Título III do CDC, que representa, por ora, o Código Brasileiro de Processos Coletivos, conclusão essa advinda da interpretação sistemática entre as regras do art.21 da Lei 7.347/85 e do art. 90 da Lei 8.078/90 (DIDIER Jr.; ZANETI Jr., 2012, p. 49) .

Todavia, é importante ressaltar que o CDC não contempla todas as normas inerentes ao processo coletivo brasileiro, sendo, pois, imprescindível para uma melhor compreensão e efetividade do regime processual coletivo emergente que busquemos integrar, no que está disponível no direito positivo nacional vigente, os variados diplomas que tratam das ações coletivas.

No Brasil, até o presente momento, não existe um diploma único, ou mesmo um código, que contenha todas as regras que regulamentam a tutela coletiva, estando disponível tão somente um microssistema composto por leis esparsas que interagem em prol do devido processo legal especial das ações coletivas.

(26)

A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do código de defesa do consumidor e do estatuto da criança e do adolescente e do idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se [...]15

No entanto, deve-se deixar claro que o mais usual é a aplicação conjunta da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) com o Título III da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), formando o instrumental jurídico processual básico da tutela coletiva no ordenamento brasileiro vigente, pois inequivocamente apto a regular adequadamente a defesa dos interesses e direitos transindividuais, além de caracterizar o núcleo valorativo de todo o microssistema de tutela coletiva. Pode-se afirmar, portanto, que existe um procedimento-padrão para as demandas coletivas: é o formado pela integração entre a Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do

Consumidor. Essa estrutura funciona como o “procedimento comum ou ordinário da tutela coletiva” (DIDIER Jr.; ZANETI Jr., 2012, p. 60).

De todo o exposto, portanto, é fácil perceber que a Lei 7.347/85 passou a ter uma forte relação de interdependência com o Título III da Lei 8.078/90, a ponto de se poder afirmar não ser possível compreender integralmente a estrutura procedimental da tutela coletiva senão pela leitura simultânea e integrada de ambos os diplomas normativos, que juntos formam o aparato legal básico do microssistema brasileiro de processo coletivo.

Neste momento, cabe uma última observação. Didaticamente, conforme a lição de Didier Jr. e Zanete Jr. (2012), é possível sugerir um esquema prático para solucionar eventuais problemas de processo coletivo envolvendo a utilização da ação civil pública. Basta atender às seguintes orientações: a) buscar a solução nas normas específicas contidas na Lei 7.347/85. Não sendo encontrada qualquer solução ou sendo ela insatisfatória: b) buscar a reposta no Título III na Lei 8.078/90 (Código Brasileiro de Processos Coletivos). Se ainda persistir a lacuna legislativa: c) buscar nos demais diplomas legais que regulam a tutela processual coletiva a ratio do processo coletivo para melhor resolver a questão.

15 STJ Resp n.510.150/MA, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 17/02/2004.

(27)

3 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

A Constituição Federal de 1988 erigiu o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tornando - o guardião da sociedade e do ordenamento jurídico. Segundo Mazzilli16, o Ministério Público está hoje consagrado, pela ordem constitucional, como instituição autônoma, cujos membros estão revestidos de liberdade e independência funcional, para proceder à defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, à defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

De acordo com Carlos Henrique Bezerra Leite17, “[...] o Ministério Público

assume agora o papel de órgão do Estado para defesa e proteção das liberdades públicas constitucionais, dos interesses indisponíveis, do acesso social ao Judiciário e do due processo of Law.”

Algumas vozes argumentam que a intenção do legislador constituinte parece ter sido no sentido de conceder ao Ministério Público um status semelhante a um quarto Poder, pois o situou em um capítulo próprio dentro do texto constitucional, separado das disposições que regem os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No entanto, mostra-se com muito mais razão o entendimento que defende a existência de uma posição constitucional inteiramente peculiar ao Ministério Público, dadas as numerosas atribuições, garantias e instrumentos de atuação conferidos pela Carta Magna à instituição e seus membros, não sendo possível, a partir de então, enquadrá-lo em qualquer dos Poderes citados ou mesmo elevá-lo à condição de um quarto Poder.18

O legislador constituinte acomodou o Ministério Público em um lugar próprio, entre as “funções essenciais à Justiça” mencionadas no texto constitucional,

16 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público.7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p.117.

17 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e

prática.5ª ed. São Paulo: LTr, 2011, p.36.

(28)

e não mais dentro do Capítulo referente ao Poder Executivo (como fez a Constituição de 1969), ou dentro do Capítulo pertinente ao Poder Judiciário (como dispôs a Carta de 1967), ou mesmo do Poder Legislativo.

A grande conquista que merece ser destacada neste momento é a desvinculação jurídica entre Ministério Público e Poder Executivo operada pela Constituição Federal, conferindo maior independência e liberdade para o Parquet exercer suas atribuições de acordo com as finalidades de uma instituição devotada à defesa dos interesses da sociedade, o que, por vezes, a exemplo dos interesses dos contribuintes, o leva a ter de litigar em juízo contra o próprio Poder Público.

Além disso, a Constituição tratou de conferir ao Ministério Público autonomia funcional, administrativa e financeira (art. 127, §§ 2° e 3°); e, relativamente aos seus membros, as garantias da inamovibilidade, da vitaliciedade e da irredutibilidade de subsídios (art. 128, § 5°, I, „a‟, „b‟ e „c‟), que revestiram o

Ministério Público dos instrumentos indispensáveis para que assuma, efetivamente, a nobre condição de defensor dos interesses da sociedade que, logicamente, não se confundem com os interesses particulares sem nenhuma repercussão social ou com meros interesses politiqueiros dos governantes.

Com o status de instituição permanente, consignado no artigo 127 da Carta Magna, o poder constituinte originário pôs o Ministério Público a salvo de um eventual atentado do poder constituinte derivado no sentido de suprimir ou fragilizar a instituição, sob pena de flagrante desrespeito a uma verdadeira cláusula pétrea implícita.

(29)

haja algum interesse indisponível ou, pelo menos, transindividual, de caráter social, ligado à qualidade de uma das partes ou à natureza da lide.

A Constituição também confere como um dos objetivos da atuação do Ministério Público a defesa da ordem jurídica. Atente-se que com essa incumbência não quis a Carta Magna impor ao Parquet a missão hercúlea de fiscalizar o cumprimento de cada uma das leis vigentes no ordenamento jurídico, mas sim especificamente daquelas enquadradas dentro das finalidades gerais da instituição. Deve-se interpretar o texto constitucional tomado como um todo, sistematicamente, e não em fragmentos, isoladamente. Dessa forma, somente naquelas demandas que exigem a atuação do Ministério Público (proteção do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis) é que sua ação ou intervenção será essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica (MAZZILLI, 2013, p.122).

O artigo 127 da Lei Maior comete expressamente ao Ministério Público a defesa do regime democrático. De fato, há uma evidente ligação entre a existência de democracia e um Ministério Público socialmente atuante. A subsistência do regime democrático, que, claro, pressupõe o respeito à lei, garante a efetividade do ideal de liberdade na vida das pessoas e contribui para o estabelecimento da paz social.

É exatamente na proteção aos interesses transindividuais que emergem na sociedade moderna que o Ministério Público comparece na defesa de relevantes valores democráticos. Quando ele atua com o propósito de propiciar maior equilíbrio entre as partes e o órgão do Judiciário competente para apreciar a questão em juízo, que justamente para assegurar sua imparcialidade precisa necessariamente ser provocado, a iniciativa do Ministério Público na promoção da ação civil pública já se configura por si só em um fator de garantia ao cidadão. Daí porque é tão importante a atuação de um Ministério Público forte, independente e com visão social para a defesa dos mais altos valores democráticos.

(30)

atuar em defesa de direitos individuais indisponíveis. Não é essa a correta compreensão que se depreende das normas constitucionais. A Constituição confere ao Ministério Público o zelo pelos mais amplos e relevantes interesses da coletividade, e por isso não se pode restringir a atuação do Parquet apenas aos interesses individuais indisponíveis. Também pode acontecer, e isso não é incomum, que a proteção de interesses transindividuais não dotados de indisponibilidade, como é o caso dos interesses dos contribuintes, convenha à coletividade como um todo, dada sua abrangência e repercussão social. Nesse caso, o Ministério Público também é parte legítima para realizar sua defesa.

Passemos agora à análise dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que tratam mais especificamente da legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos coletivos lato sensu, também chamados transindividuais.

Assim dispõe a Carta Magna de 1988:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

[...]

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Da redação do artigo 129 incisos III e IX, depreende-se entre as funções institucionais do Ministério Público não somente a proteção aos interesses difusos e coletivos como também outras compatíveis com sua finalidade.

(31)

interesse público estamos falando daquele que é sinônimo de interesse da coletividade (interesse público primário), este sim reclama a atuação do MP, e não do que designa meramente o interesse da Administração Pública (interesse público secundário), já que os interesses dos governantes nem sempre coincidem com o bem geral da coletividade.

Nesse sentido, é a lição de Mazzilli (2013, p.119):

[...] nem sempre coincidem o interesse público primário e o secundário. E é pelo primeiro deles que deve zelar o Ministério Público, só defendendo o segundo quando efetivamente coincida com o primeiro. Nesse sentido, o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e mesmo com os mais autênticos interesses difusos.

[...] a defesa do próprio interesse coletivo, considerado em sentido lato (aquele que reúne uma categoria determinada ou pelo menos determinável de indivíduos), também pode coincidir com o zelo do interesse público empreendido pela instituição.

Ao dispor em seu artigo 129 que Ministério Público pode promover ação civil pública para a proteção patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, a Constituição de 1988, oportunamente, foi além do que expressava a própria Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que sofrera o veto do Presidente da República à norma que conferia ao Ministério Público a defesa de outros interesses difusos e coletivos.

(32)

A Constituição de 1988, a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor conferiram ao Ministério Público a legitimação para agir em nome próprio em defesa dos interesses transindividuais de todo o grupo, classe ou categoria de pessoas envolvidas no caso concreto, de modo a configurar uma hipótese de legitimação extraordinária ou substituição processual (MAZZILLI, 2005, p. 62).

Posteriormente, diante nítida vocação social do Ministério Público em defender os interesses da sociedade, vieram à lume a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e a Lei Complementar 75/93 (conhecida como Lei Orgânica do Ministério Público da União), que também ostentam disposições a legitimar o Parquet para a tutela dos interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

As normas sobre a legitimidade do MP para a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos contidas nos dois diplomas, vieram tão somente a consolidar, na legislação infraconstitucional, a vontade presente no texto constitucional de 1988 de transformar o Ministério Público no principal defensor dos direitos transindividuais da coletividade.

Abaixo, transcrevemos os artigos das duas leis que tratam da matéria.

Dispõe o art. 25, IV, alínea “a” da Lei 8.625/93:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

[...]

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;

(33)

Por outro lado, assim dispõe o art.6°, VII, “d” e XII da Lei Complementar

75/93 :

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

[...]

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

[...]

XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos;

[...]

Enfim, ante todo o exposto, chegamos à conclusão de que, a partir da Constituição de 1988, a atuação do Ministério Público em defesa dos direitos e interesses da sociedade evoluiu de tal maneira, que alguns chegam ao ponto de afirmar que o Parquet foi elevado à posição de um quarto Poder, ao lado do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. De nossa parte, entendemos que não. Porém, é impossível não reconhecer que a Carta de 1988 foi generosa com o Ministério Público, tornando-o mais forte e atuante que as Constituições anteriores.

O mais importante, todavia, para os objetivos a que se propõe o presente trabalho, é ressaltar a ampla abrangência que a Constituição de 1988, juntamente com a legislação ordinária, conferiu à atuação do Ministério Público na defesa dos direitos e interesses transindividuais. Todo o substrato normativo formado, principalmente, pela Lei da Ação Civil Pública (art. 1°, IV, e art. 5°, LACP), pela Constituição Federal (art. 127, caput, e art. 129, III e IX, CF/88), pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 81, parágrafo único, e art. 82, I, CDC), pela Lei Orgânica

(34)

4 A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Apesar da nova condição imposta pela Constituição de 1988 ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, defensora da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, enfim, entidade legitimada à proteção da sociedade e do ordenamento jurídico, ainda existem dúvidas e discussões sobre a amplitude e legitimidade da atuação do Ministério Público para a tutela dos interesses transindividuais.

No caso específico da tutela coletiva de pretensões que versem sobre matéria tributária, a polêmica é ainda maior, favorecendo o surgimento de teses que restringem ou, por vezes, até suprimem, a possibilidade de atuação do Ministério Público para a defesa dos direitos e interesses que vão de encontro à sanha arrecadatória do Estado.

No presente capítulo, analisaremos os quatro principais argumentos que, ao impedirem o ajuizamento da ação civil pública, pretendem afastar o Ministério Público da tutela coletiva dos direitos dos contribuintes.

O primeiro a ser analisado é a vedação contida no parágrafo único do artigo 1° da Lei da Ação Civil Pública, introduzida pela medida provisória 2.180-35/01, que proíbe expressamente o ajuizamento da ação civil pública em matéria tributária. O segundo argumento a ser estudado é aquele no sentido de que o Ministério Público não pode atuar em defesa de direitos disponíveis (os direitos dos contribuintes são disponíveis), de maneira que qualquer previsão legal no sentido de admiti-lo seria flagrantemente inconstitucional. A terceira tese aduz que como contribuinte não é consumidor, a instituição ministerial está impedida de promover a proteção de seus direitos dada a falta de previsão legal. O quarto argumento é no sentido de impedir o uso da ação civil pública para questionar a constitucionalidade de lei, posto que tal somente seria possível em sede de ação direta de constitucionalidade.

(35)

4.1 A vedação contida no parágrafo único do artigo 1° da Lei n° 7347/85.

Exatamente após o alargamento do objeto da LACP, a partir da Constituição Federal de 1988, do Código de Defesa do Consumidor e de outras leis esparsas, e logo no momento que a ação civil pública começou a ser utilizada com mais efetividade, o Poder Executivo tratou de impedir o cabimento da ação civil pública para a tutela dos interesses transindividuais em matérias que poderiam vir de encontro aos interesses do próprio governo. Inicialmente, foi o veto, por ocasião da sanção da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), do inciso IV de seu artigo 1°, que

previa o cabimento da ação civil pública para a proteção de “qualquer outro interesse difuso”. E agora, através de mera medida provisória, pretende excluir do campo de abrangência da LACP exatamente aquelas matérias que poderiam se voltar contra os interesses do governo, como é o caso das questões pertinentes à matéria tributária.

Várias foram edições de medida provisória com o objetivo de manter o parágrafo único do art.1° da LACP em vigor até que houvesse apreciação pelo Congresso Nacional sobre a matéria. A última editada com esse fim foi a Medida Provisória n° 2.180-35, de 27 de agosto de 2001, que continua em vigor até hoje devido ao artigo 2° da Emenda Constitucional n° 32/2001, que dispõe que as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Como não houve edição ulterior de medida provisória que a revogasse explicitamente e nem deliberação definitiva pelo Congresso Nacional sobre a matéria, a Medida Provisória n° 2.180-35/2001 se mantém em vigor desde a data de sua publicação em 27 de agosto de 2001 e, em decorrência, o parágrafo único do art.1° da LACP, infelizmente, continua em vigor até os dias de hoje.

(36)

Dispõe o parágrafo único do art.1° da Lei 7.347/85: “não será cabível

ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente

determinados.”

O acréscimo do parágrafo único ao art. 1° da Lei 7.347/85, vedando expressamente a possibilidade de se ajuizar ação civil pública em matéria tributária, infelizmente, levou parte da doutrina e da jurisprudência19 a aceitar pacificamente esta absurda restrição ao âmbito de aplicação da LACP, negando a partir de então a possibilidade de tutela coletiva por meio de ação civil pública dos interesses metaindividuais dos contribuintes.

Na doutrina, apontamos o infeliz entendimento nesse sentido de Hely Lopes Meirelles20, segundo o qual a MP nº 2.180-35/01 veio para finalmente definir questões até então bastante controvertidas na jurisprudência, vedando explicitamente o cabimento de ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos. Como os contribuintes não são consumidores, não haveria lei que autorizasse a ação civil pública em defesa de seus interesses. E que apesar das ações coletivas ajudarem a desafogar o Judiciário e ajudarem para dar maior efetividade às decisões judiciais e à proteção dos direitos difusos, a regra geral no processo civil brasileiro ainda seria a da ação individual., não havendo, pois, espaço para a tutela coletiva dos interesses dos contribuintes.

Discordamos, porém, do referido posicionamento, tendo em vista todo o regramento da tutela coletiva (prevista na Constituição de 1988, na Lei da Ação Civil

19STJ - Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 12/05/2008, Data de Publicação: DJ

21.05.2008; EREsp 665773 Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 26/03/2008, EREsp 771.460/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15.10.2007; EREsp 753.901/DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6.8.2007; REsp: 252803 SP, Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Data de Julgamento: 27/08/2002, Data de Publicação: DJ 14/10/2002. STF - AgRegRE 559985 DF Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 04/12/2007, Data de Publicação 31-01-2008 ; AgRE 694294 MG Relator: Min. LUIZ FUX, DJ de 25/04/2013. Em sentido contrário, RE 576155 / DF Relator(a):Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 12/08/2010.

20 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular; ação civilpública, mandado de

(37)

Pública, no Código de Defesa do Consumidor e leis esparsas) conforme já exposto neste trabalho.

Além disso, entendemos que a medida provisória nº 2.180-35/01 é flagrantemente inconstitucional, pelas razões que aduzimos a seguir.

Primeiramente, sabe-se que para a edição de medidas provisórias a Constituição de 1988 em seu artigo 62 exige a presença de dois requisitos: a urgência e a relevância. E é, no caso, patente a inconstitucionalidade da medida provisória n° 2.180-35/2001 por evidente desrespeito a esses requisitos, suprimindo indevidamente a competência do Congresso Nacional ao tratar de assunto reservado à lei.

A urgência e a relevância da situação são pressupostos constitucionais para a edição de uma medida provisória que não devem ser observados isoladamente –relevância e urgência devem ser entendidos em cotejo e “ao mesmo tempo” na Constituição (FIGUEIREDO apud TAVARES, 2012, p. 1305). Somente com a observância desse requisitos é que a Constituição autoriza o chefe do executivo federal a editar, excepcionalmente, um ato normativo com força de lei sem a prévia apreciação do Congresso Nacional.

O requisito relevância, não deve estar relacionado apenas com a matéria a ser veiculada na medida provisória, deve também lastrear a situação ensejadora do provimento. Além disso, a relevância demandante de sua adoção só comporta a satisfação dos interesses da sociedade. A relevância deve, portanto, vincular-se unicamente à realização do interesse público. A relevância apta a autorizar a deflagração da competência normativa do Presidente da República não se confunde com a ordinária, própria do Congresso Nacional no processo legislativo comum. Trata-se, na verdade, de relevância extraordinária, excepcional, permeada de imprevisibilidade (CLÈVE apud TAVARES, 2012, p. 1306).

(38)

acarrete efeitos danosos, ao interesse público. Enfim, é algo que deve ser feito de imediato, sob pena de ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação aos interesses da sociedade.21

A medida provisória deve ser sempre excepcional, somente devendo ser utilizada em situações de evidente possibilidade de prejuízo à realidade social, onde seja inviável aguardar todo o trâmite de um processo legislativo regular perante o Congresso Nacional para que sejam estabelecidas normas que visem tutelar situações relevantes e urgentes para o interesse público.

O acréscimo do parágrafo único no art.1° da LACP não teve como fundamento qualquer situação de relevância e urgência que representasse ameaça de dano para a realidade social capaz de autorizar o Presidente da República a editar a Medida Provisória n° 2.180-35/2001. Tal medida somente teve relevância e urgência para os interesses fazendários da Administração Pública que, desde sua malsinada edição, se beneficia com esse obstáculo legal ao acesso coletivo à jurisdição para discutir questões que versem sobre matéria tributária.

Portanto, em que pese o fato de a Emenda Constitucional n° 32/2001 ter formalizado a manutenção da vigência da Medida Provisória n° 2.180-35/2001, esta última deve ser considerada inconstitucional por não observar os requisitos constitucionais da relevância e da urgência.

Ademais, entendemos que a de ação civil pública está constitucionalizada no princípio do acesso à Justiça e no princípio do devido processo legal. O Presidente da República não pode através de simples medida provisória criar hipóteses de vedação expressa à utilização do importante instrumento constitucional da ação civil pública, configurando aí a flagrante inconstitucionalidade do parágrafo único do art.1° da Lei 7.347/85, acrescentado pela Medida Provisória n° 2.180-35/2001.22

No mesmo sentido é a lição de Mazzilli (2005, p.135):

21 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.

1306.

Referências

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