PARTICIPAÇÃO
EM CLASSE
Uma experiência a avaliarxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R U B EM M A R TIN S A M O R ESE B rasflia, janeiro de 1983.
1.
INTRODUÇÃO
o
presente trabalho é o relato de um a experiência real vivida em classe. U m a experiência de participação. C om o ela aconteceu. C om seus sucessos e percalços.A intenção aqui é de apresentar aos interessados e estudiosos do tem a "participação", na área da educação ou correlatas, tais com o Extensão R ural e C om unicação, os resultados de um a tentativa de operacionalização de conceitos e intenções dem ocráticas, com um a classe de nível superior sem prévias experiên-cias com o assunto, a não ser, de um ou outro professor m ais "liberal".
A relevância da tentativa não estará, certam ente, no rigor m etodológico utilizado, porque não foi um a experiência de laboratório; o que houve foi a execução de um plano teoricam ente em basado e previam ente acordado entre os participantes. Sua relevância estará, talvez, na riqueza de subsídios que possa oferecer a novas tentativas; àqueles que tenham o interesse em obter de seus alunos que sejam m ais donos de seu aprendizado, evitando que se repita m ais um a vez o tradicional esquem a do "balde" vazio que é enchido por alguém (B erlo}, ou da "educação bancária", em que o professor faz "depósitos" de saber na cabeça de seus alunos (Paulo Freire).
Procurar-se-à apresentar, a seguir, o desafio, com o ele se m ostrava na época; as considerações teóricas que em basariam e anim ariam a tentativa; um a breve descrição da realidade encontrada e percebida então; um relato do pro-cesso, com o foi planejado e com o foi executado e considerações finais sobre a experiência, já tendo em conta o am adurecim ento obtido com o próprio processo.
Evitar-se-á m encionar nom es, o tanto quanto possível, por m otivos éticos.
2. O
DESAFIONMLKJIHGFEDCBA
2 . 1 . U m p r o g r a m a p a r t i c i p a d o
A o receber o convite da Faculdade Teológica para apresentar o program a de um a m atéria opcional de dois créditos, na área de C om unicação, tornou-se claro o prim eiro problem a: quem deve preparar o program à? A Faculdade, o professor da m atéria, os alunos ou algum a com binação dessas? N a verdade, o sistem a de créditos já é, de certa form a, dem ocrático, pois perm ite ao estudante m ontar seu curso conform e suas preferências, a partir das m atérias e program as
oferecidos. N o entanto, não é participativo, no sentido de Ihes perm itir decidir
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O que m ais Ihes interessa, em term os do conteúdo do curso, de sua m etodologia
do desenvolvim ento, de seu enfoque etc. N ão Ihes perm ite, tam bém , cursar um a m atéria que não esteja sendo oferecida, lim itando as opções às que estejam em c rtaz.
Surgiu, então, a idéia de auscultar os alunos e negociar previam ente um curso na área de C om unicação que satisfizesse às necessidades m ais sentidas. M as não havia m ais tem po, pois os alunos estavam de férias e chegariam para as aulas. Provavelm ente já estariam m atriculados na m atéria, com base no seu título:
C o m u n i c a ç ã o e C u l t u r a , e em eventual conversa com o D iretor de A ssuntos
A cadêm icos.
A solução encontrada foi a de negociar com o D iretório A cadêm ico um prazo m ais flexível para a entrega do program a de curso. A intenção era a de poder m ontá-Io em diálogo com os alunos. Para tanto, com binou-se que se apresentaria apenas o program a das três prim eiras aulas, no Q ual estaria planejada
form a com o se pretendia chegar ao program a final. A ceita a proposta, após longa conversa em torno dos m otivos que anim avam essa postura, considerada não-usual, passou-se à preparação do program a inicial, que, por recom endação do professor, deveria ser enviado aos alunos com antecedência, para que
pudes-rn, inclusive, reprogram ar seu sem estre.
2 . 2 . C o n s i d e r a ç õ e s t e ó r i c a s
o
desafio de se conduzir um curso de form a genuinam ente participativa n o nasceu com o convite da Faculdade. D e certa form a já havia todo um pro-cosso de am adurecim ento dessa preocupação. H avia-se, há pouco concluído todo um esforço acadêm ico no sentido de conceituar "participação" e, a partir desse m rco teórico, analisar um a prática concreta, na área de Extensão Hural",pontando suas consonâncias e dissonâncias desse referencial. E desse trabalho I t ra a questão sobre se realm ente teria sido possível u'a m aior participação no m om entos onde se apontaram f.alhas a esse respeito. C om o saber? O que h uv , afinal, foi um a abordagem teórica de um a prática, Sentia-se a necessiC ade ti um prática, para avaliar outra prática. E a oportunidade apareceu.
SL, E x c e n s ú ' o R u r a l P e r t i c i p e t i v e ?
11
Rev, de P icologia, Fortaleza, 2 (1) : 11-22, jan./jun. 1984
N o trabalho acadêm ico referido diferencia-se p a r t i c i p a r d e t o m a r p a r t e e m .
D efine-se a participação com o o processo pelo qual um indivíduo ou grupo inter-fere em um a determ inada ação a partir do acesso pleno a inform ações sobre essa ação e da capacidade que reúne de avaliar conscíentem enteé essa ação e os bene-fícios ou m alebene-fícios que lhe possa trazer.
Participação, assim , exige que aquele que é conclam ado a "tom ar parte" tenha:
a) .acesso a inform ação sobre a ação, de form a a que não venha a ocorrer que esteja, s e m s a b e r , trabalhando contra seus interesses;
b) condições de crítica, no sentido de que possa julgar as inform ações que recebe. D e outra form a a m anipulação pode ocorrer, prejudicando o que tom a parte;
c) possibilidades reais de intervenção e m odificação do processo. Essas possibilidades podem ser entendidas sob o aspecto da capacitação do ator para a intervenção em pauta ou das possibilidades relativas que tenha nas relações de poder oriundas dos interesses em jogo na ação proposta. Participação, por este prism a, pode ser entendida com o distribuição de poder.
E
necessário, além disso, que esses elem entos ocorram de form a a real-m ente perm itir contribuições, negociações, barganhas e alterações, de form a aque todçs os interesses em jogo sejam plena e igualitariam ente considerados
-se não atendidos. Para isso, é preciso que algum as outras condições sejam satis-feitas: torná-se necessária a dem ocratização da inform ação, do juízo e da decisão em qualquer estágio em que se encontre a ação proposta, com o, por exem plo, nas fases de concepção, planejam ento, execução e avaliação· 3
N ão resta dúvida que a operacionalização desse conceito terá im plicações im ediatas na área da produtividade" e exigirá, entre outras coisas, que se redefi-nam os objetivos a alcançar, os padrões de sucesso - produto vs auto-realização, por exem plo - e as form as de convivência com o ecossistem a em que se insere essa proposta. Im agina-se, por exem plo, que um a firm a pequena que luta para m anter-se em concorrência coni em presas m ais fortes e antigas no m ercado, cor-rendo o risco de não poder igualar os preços oferecidos pelas outras, tenha m ais dificuldades de satisfazer às exigências acim a estabelecidas, que um a agência de organism o estatal no interior, ou um a repartição pública, ao decidir reorganizar suas rotinas internas.
N a área específica da educação, essa postura teórica atinge não som ente as fases de organização, planejam ento, avaliação e o 'processo de aula em si, com o toda um a conceituação do que seja ensino, aprendizagem , conhecim ento, aula etc. Paulo Freire, ao tratar de nossa inexperiência dem ocrática e seus reflexos na
2. V er K O S IK , D i a l é t i c a d o C o n c r e t o , 9-32, onde discorre sobre a percepção concreta (o conceito do ser) e pseudoconcreta (a representação do ser).
3. V er A M O R E S E , op. cit., pp. 50-58.
4. D E M O ,P l a n e j a m e n t o P a r t i c i p a t i v o . A o analisar o caso das C om unas, afirm ou que o nível de participação em um grupo tem o efeito inversam ente proporcional sobre sua produti-vidade.
área da educação', coloca o problem a entre dois pólos: o da criticidade e o da
ingenuidade. "Q uanto m ais cr ítico um grupo hum ano, tanto m ais dem ocrático e
perm eável, em regra .... Q uanto m enos criticidade em nós, tanto m ais
ingenua-m ente tratam os os problem as e discutim os superficialm ente os assuntos"5. O
autor acha que esta é um a das grandes características de nossa educação. A de
enfatizar cada vez m ais posições ingênuas que nos deixam sem pre na periferia de
tudo o que tratam os.
"Pouco ou quase nada, que nos leve a posiçoes m ais indagacJoras, m ais
inquietas, m ais criadoras. Tudo ou quase tudo nos levando
desgraçada-m ente, pelo contrário, à passividade, ao "conhecim ento" m em orizado
apenas, que, não exigindo de nós elaboração ou reelaboração, nos deixa
em posição de inautêntica sabedoria".6
A o contrário, diz o autor, a educação é um ato de am or, de coragem , que
não pode tem er o debate, a análise da realidade, a discussão criadora, sob pena
de ser um a farsa.
"D itam os idéias. N ão trocam os idéias. D iscursam os aulas. N ão debatem os
ou discutim os tem as. Trabalham os
NMLKJIHGFEDCBA
s o b r e o educando. N ão teabalham osc o m ele. lrnpom os-Ihe um a ordem a que ele não adere, m as se acom oda.
N ão lhe propiciam os m eios para o pensar autêntico, porque recebendo as
fórm ulas que lhe dam os, sim plesm ente as guarda. N ão as incorpora porque
a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta,
esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção"a.
A própria análise de um a sala de aula nos revela que a participação, o
diálogo, o debate, não têm sido considerados, culturalm ente em nossa sociedade.
A disposição das peças da sala revela isso: um a cadeira, de costas para o quadro
negro - freqüentem ente um a cadeira ou poltrona m ais confortável que as
dem ais, ou com o espaldar m ais alto, e quase sem pre separada das outras por
um a grande m esa - e as dem ais, do outro lado da m esa, voltadas para o qu~dro.
Tudo arranjado para dem arcar, de form a clara, os dom ínios do saber e da
.Igno-rância. Esta disposição é, na realidade, a m ais adequada, quando os papéis em
aula são definidos de form a a que um só fale, para m uitos escutarem . A m esa e a
cadeira especiais podem ainda desem penhar o papel de reforçador da autoridade
daquele que os utiliza, sendo, na m aioria das vezes, suficientes para tornar suas
palavras incontestáveis.
Em síntese, seriam essas algum as das dificuldades a ser evitadas no curso
que se propunha. Seria este o desafio.
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5. F RE I R E,
HGFEDCBA
E d u c a ç ã o c o m o P r á t ic a d a L ib e r d a d e , 9 5 . 6. Idem ,967. G rifas do autor.
a.
FREIRE, op.cit., 96· 97.R ev. de Psicologia, Fortaleza, 2 (l) : 11-22, jan,/jun. 1984
3. O AM BIENTE DO CURSO
A m atéria seria oferecida com o opcional em um curso de Teologia, com a
esperança do D iretório A cadêm ico, que acrescentasse aos alunos algum as
habi-lidades na área da com unicação interpessoal e intercultural.
A Faculdade, apesar de adotar o sistem a de créditos, não apresentava
qualquer evolução em relação ao padrão tradicional de ensino, apoiada nos
valores individuais de seu corpo docente. D igna de nota, certam ente, foi a
abertura que ofereceu para esta inovação, sem receios ou restrições im portantes,
além da natural necessidade de acom panham ento do desenrolar do processo.
A m atéria seria dada em 32 horas/aula, com encontros de duas aulas às
sextas-feiras, com peso de dois créditos, sem oré-requisítos. '
O s alunos, em núm erO inicial de 8, eram de várias procedências
educacio-nais, de nível m édio e superior (2), adm itidos por vestibular, Já tinham todos
cursado alguns sem estres na Faculdade. A lguns eram form andos, outros, estavam
no penúltim o sem estre. Seis deles trabalhavam durante o dia,
Eram , na sua m aioria, líderes em suas com unidades eclesiásticas, em busca
de um aprim oram ento form al em Teologia, Três deles, pastores-leigos;
respon-sáveis, portanto, pela direçãO de seus grupos.
Este foi o "estudo de realidade" feito à época, na tentativa de entrar em
sala de aula com um m ínirT10de conhecim ento prévio dos alunos, sua bagagem ,
suas eventua is expectativas, capacidades e deficiências.
4. O PRO CESSO DE NEG O CIAÇÃO
4.1. Op r o g r a m a i n i c i a l
O program a das três prim eiras aulas foi preparado com o objetivo de
esti-m ular os alunos a buscar s~as definições de aprendizado, de aquisição de
conhe-cim ento e de estudo; buscar-se-ia, tam bém , um a explicitação crítica das relações
professor-aluno e aluno-aluno desejadas para vigorar em classe. Seriam definidas
as expectativas de cada um dos participantes em relação ao curso, a si próprios
e aos outros, e negociada um a regra geral do "jogo". N essa regra se incluiria,
dentro dos lim ites da proposta do curso, o q u ê aprender (conteúdo do curso) e
c o m o aprender (m etodologia a ser utilizada) - com base num p a r a q u ê aprender,
resultante das necessidades levantadas -, bases e regras de avaliação do processo,
nível de tratam ento do conteúdo, quantidade m ínim a de trabalho a ser
despen-dido com a m atéria etc.
D essas três aulas, esperava-se obter um program a com pleto, incluindo um
docum ento form al, a ser enviado ao D iretório A cadêm ico, e um acordo inform al,
que ~e:iam as definições de relações de poder, de processos, de expectativas,
sanções e tudo o m ais.
O Q uadro 1, a seguir apresenta um a redução do program a original,
entre-gue ao D iretório e utilizado e m classe.
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R ev. de Psicologia, Fortaleza, 2 (1) : 11-22, jan.jjun. 1984
() qlH rn utilizado, com o se pode ver, foi o de fornecer aos alunos ó' 111 111111 (coluna "m étodo / técnica / processo") para que chegassem às
defini-t, pondessem às questões. colocadas (coluna "conteúdo da aula"), sem ,
tlll 111 "to, induzir dem asiadam ente as respostas.
O u na-se, por outro lado, alcançar um m ínim o de m aturidade e atitude
'11111 I, par que se pudesse realm ente cum prir o program a resultante, de form a dllloC !.lda e negociada. O desafio estava em saber-se que um eventual resultado
.11 I '.rtório (em term os de criticidade) nessas negociações não garantiria um a pO \tur crítica e
NMLKJIHGFEDCBA
p a r t í c í p a t í v a durante o resto do curso; Q uando deixasse de i rlr o apelo, o m om ento reservado a isso, e se entrasse no estudo dos tem as,111 poderiam voltar ao "com odism o" a que foram adestrados em todas suas vlcl,l .9
4 . 2 . A s n e g o c i a ç õ e s
o
program a planejado não pôde ser totalm ente cum prido, pois o processo de negociação tom ou m ais tem po que o previsto. A s prim eiras duas etapas da prim eira aula ocorreram sem qualquer m odificação. A terceira, no entanto, tom ou praticam ente três aulas com pletas. O único texto lido e debatido foi o "C onsiderações em Torno do A to de Estudar" 10 , pois servia de subsídio às negociações .D os debates e dos relatórios dos grupos ficou acertado que:
a) O s alunos esperavam do professor um a postura de facilitador doapren-dizado, orientando suas pesquisas, tirando dúvidas, oferecendo m aterial com ple-m entar e expondo pontos obscuros de difícil elucidação e para os quais não houvesse tem po de pesquisa:
bl O s alunos esperavam de si m esm os conseguir conduzir eles m esm os seu processo de aquisição de conhecim ento, recorrendo ao professor para esclareci-m entos e dúvidas, m as checando textos, confrontando-os com sua realidade e suas preocupações finais do curso;
c) O program a seria m ontado sobre apenas três ou quatro textos. N ão haveria tem po para m ais, se se quisesse dar a eles o tratam ento adequado: de leitura, interpretação, crítica, aplicação à realidade do grupo, debate etc.;
d) Todos assum iam a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso do curso, um a vez que, havendo consenso ou m aioria, ele poderia ser alterado a qualquer m om ento. Todas as decisões em classe seriam tom adas pela m aioria.
e) Seria abolida a form ação de classe existente; far-se-ia um a roda. m ais adequada ao tipo de atividades a desenvolver. O peso dos argum entos seria igual para todos, incluindo o professor, valendo som ente pela sua evidência intrínseca.
9. M AR TIN S.
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A G e r a ç ã o A 1 · 5 .desenvolve brilhantem ente este tem a.10. FR EI R E.A ç ã o C u lt u r a l p a r a a L ib e r d ~ d e . 1.0capítulo.
R ev. de Psicologia, Fortaleza, 2 (1) : 11-22, jan./jun. 1984 17
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O s r sultados do curso seriam avaliados com base na capacidadeadqui-1111.1 di uutar de assuntos de com unicação, de form a crítica. Para tanto, não
hnv 11" provas, m as sim um a m onografia final, sobre tem a de livre escolha do
uluno, com a restrição que abordasse um problem a, utilizando o referencial
.ulquh ido m classe;
1)) A avaliação final seria um a m édia das notas dadas: (1) pelos alunos, a si
1111 SIIlO aos outros, e (2) pelo professor, a cada um . Essas notas seriam atr
i-hll(d, ao trabalho final, apresentado por escrito e oralm ente, e debatido em
clnssu, ao grau de "em penho" do aluno. O s pesos seriam iguais. A ssim , por
cX m plo, num a turm a de 4 alunos, cada aluno teria 10 notas: para o trabalho e
p.lI., u "em penho", receberiam 5 notas: a sua, a dos outros três colegas e a do
pl ()f sor.
h) O m étodo de aquisição de conhecim ento - diferenciado de "obtenção
d inform ações" pelo fato de exigir um a postura inquiridora e recriadora - seria
() d se fazer leituras em casa, com anotação de pontos de relevância, dúvidas,
UCS ordância etc., para debate em classe. A partir do 8.0 encontro os alunos
om çariam a esboçar seu projeto de m onografia, para, depois de negociado em
!JIU PO , passarem à sua execução.
DESENVOLVIMENTO
E RESULTADOS
C onclu ída a etapa de negociações, com quatro dos dezesseis encontros
program ados para o sem estre, passou-se à fase do curso, propriam ente dito.
A s tarefas eram sim ples: cum prir um a bibliografia pequena, com reflexão
m profundidade; trabalho prévio, com levantam ento das estruturas do texto e
do m ovim ento de raciocínio do autor, aspectos relevantes do conteúdo, para a
r alidade do grupo, dúvidas, críticas, com entários. Tudo isso seria trazido para
lasse, para intercâm bio e debate.
Três aulas passadas, parou-se para um m om ento de revisão: nem todos
stavam lendo os textos - alguns lendo rapidam ente nos intervalos dos cursos,
m esm o no início da aula -, não estavam trazendo contribuições relevantes,
não estavam participando da aula, que ficava num a conversa entre o professor
um ou outro aluno m ais interessado.
D a conversa, concluiu-se que o processo era novo, e que os alunos não
stavam habituados a ele; tam bém não tinham tido um a idéia m uito segura do
que se queria deles. A gora estava m ais claro.
D uas aulas depois, outra parada. N ão estava funcionando com o esperado.
Por quê? A lunos dorm indo em classe. H avia ficado claro que este tipo de
com portam ento era a negação de toda a proposta com que se haviam com
pro-m etido. D orm ir era a opção pela passividade, diante do desinteressante. A
r união foi tensa. A lguns se encheram de brios, outros perm aneceram apáticos.
Surgiu a proposta de que o professor, na aula anterior apresentasse perguntas que
d veriam ser respondidas, o que facilitaria o trabalho de leitura. A proposta foi
r j itada pelo professor com o argum ento que eles não estavam querendo
traba-IX R ev. de Psicologia, F-ortaleza.
:3 (
I ) ; I1-22, jan./jun. 1984Ihar, garim par, descobrir. Q ueriam , com o estavam habituados, o prato feito,
C om binou-se, afinal, que eles tentariam m ais um pouco e que apresentariam ,
eles, as perguntas e as respostas que achassem im portantes. Foi lem brado que
havia-se no período de negociação, reduzido susbstancialm ente a extensão da
m atéria para que tivessem tem po para trabalhar m ais detidam ente sobre o texto
e referências paralelas. Todos se dispuseram ao trabalho.
N essa sem ana, sem qualquer aviso, dois alunos trancaram a rnatérie. O s
com entários dos colegas tinham o tom de surpresa e desprezo: "preferiram
fugir".
A essas alturas, com eçou-se a falar sobre o trabalho final, conform e
com binado. U tilizou-se boa parte do nono encontro para ajustar expectativas
m étodos e exigências m ínim as para a m onografia. '
Por volta do décim o encontro os alunos reunidos, e usando o poder de
pressão proveniente de seu consenso, pediram um tem po para re-negociação do
curso. A chavam a experiência válida, m as' não estavam aprendendo tanto quanto
esperavam . Sua interpretação era que, sendo exigidos pelos outros professores,
com provas, argüições e trabalhos de verificação; tudo sendo com putado em
term os de notas para aprovação ou reprovação, estavam dedicando todo seu
tem po a essas m atérias. Por isso, não estavam conseguindo cor responder às
expectativas estabelecidas. D iante disso queriam que, no restante do curso se
adotasse um m étodo convencional de aula, no sentido de equilibrar
interna-m ente a pressão das outras m atérias. Sugeriram questões a ser respondidas sobre
a .Ieitura a fazer, com notas sem anais; aulas expositivas, com avaliação de
apren-dizagem etc.
A am eaça - não se sabe até que ponto concreta, diante da euforia com que
"enfrentavam " o professor - era de todos trancarem a m atéria; ainda havia
tem po.
M ais um a vez negociou-se. R esolveu-se que se utilizaria um m ecanism o
interm ediário: os alunos preparariam a m atéria e na hora, um seria sorteado para
dar a aula, utilizando um terço do tem po. N o outro terço, o professor exporia,
de form a com plem entar e no últim o segm ento haveria os debates. O s alunos se
m ostraram satisfeitos e aceitaram .
N a aula seguinte, m ais dois alunos haviam trancado a m atéria.
Prossegui-ríam os com apenas quatro alunos.
O s últim os ajustes se m ostraram eficazes e o curso desenvolveu-se num
"crescendo" de interesse, participação e trabalho individual.
C hegava-se à época de com eçar a ultim ar os trabalhos finais. O s três
últim os encontros seriam reservados às apresentações, estando todos já de posse
de um a cópia de cada trabalho.
N enhum aluno foi capaz de term inar seu trabalho dentro do prazo. D ois
entregaram suas cópias aos colegas na véspera e dois, no dia da exposição. Isso
prejudicou os debates, m as não os invalidou, pois reforçou-se a parte da
exposi-ção oral.
O s trabalhos variaram significativam ente de nível, dem onstrando,
princi-palm ente, m aior ou m enor em penho e refletindo coerentem ente a postura do
aluno durante todo o curso.
Para a avaliação final, m ontou-se a seguinte tabela, a ser preenchida por
cada aluno e entregue ao professor, para tabulação. A s notas foram dadas em
sigilo.
Q U A D R O 2
Instrum ento de avaliação
M O N O G R A FIA EM PEN H O
José (eu) nota nota
M aria nota nota
Fulano nota nota
C icrano nota nota
A V A LIA D O R nom e
A avaliação foi subjetiva: cada aluno julgava os trabalhos e os "em penhos"
dos dem ais a partir dos parâm etros estabelecidos pelo grupo no início do curso
e reforçados â m edida que traziam problem as para orientação. Esses parâm etros
eram explfcitos. O critério de atribuição de notas foi com binado: para o m elhor
trabalho ou em penho, dar-se-ia a nota m áxim a; a partir daí se obteria um a nota
com parativa para os dem ais.
A s quatro tabelas foram agregadas, sem citações do autor de cada nota, à
excessão das do professor.
Q U A D R O 3
Tabela de consolidação das notas
M O N O G R A FIA EM PEN H O
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1. José 6 8 8,5 6 10 7 9 8 8 9 79,5
2. M aria 9 9 8,5 9 10 9 9 8 8 9 88,5
3. Fulano 10 8,5 7 8 10 10 9,5 8,5 9 9 89,5
4. C icrano 4 7,8 6,5 4 8,5 6 8 7 5 9 65,8
20
R ev. de Psicologia, Fortaleza, 2 (1) : 11-22, jan.jjun. 1984A s dez notas atribuídas a cada aluno na linha horizontal, som adas,
forne-cem o num erador para um denom inador de valor 100, donde se obteria a nota
final.
D esse processo, um aluno (form ando) não obteve nota m ínim a para
apro-vação.
6. CO M ENTARiaS
E CO NCLUSO ES
Q ue critérios utilizar para avaliar a experiência? D e tudo o que ocorreu,
seria correto pensar em fracasso? Por outro lado, sucesso, se entendido com o
correspondência unívoca entre o esperado e o realizado, não ocorreu,
igual-m ente. M as essas são categorias de difícil adequação a este tipo de realidade; não
se pode delinear, de form a nítida o resultadoa esperar de um a ação em que seus
participantes têm a liberdade de m odificá-Ia, de acordo com
NMLKJIHGFEDCBA
s e u s interesses;eventualm ente em detrim ento dos interesses do professor. Professor esse, diga-se,
que talvez tenha sido tão aluno quanto eles.
C om o atribuir um a nota ao ganho de aprendizagem havido? Se o que se
pretendeu aprender transcende a um conteúdo qualquer? Se o conceito de
c o n h e c i m e n t o envolvido extrapola o nível da m era r e p r o d u ç ã o desses conteúdos,
depositados na m em ória, para se transform ar num a capacidade individual
espe-dfica de recriar e transform ar as realidades analisadas em classe, transform
ando-as em soluções concretando-as para problem ando-as da vida real?
A credita-se que um a avaliação possível e coerente com a proposta se
rea-lizaria em dois m om entos. O prim eiro, ao se analisar a m onografia, onde se
poderia buscar o nível de m aturidade com que o aluno selecionou e verbafizou
um problem a da vida real e o tratou. O elem ento para com paração seria o nível
de m aturidade com que tratou os problem as iniciais do curso, na fase de
nego-ciação. O segundo seria um a avaliação sim ples da evolução dos alunos no
pro-cesso com unicativo e participativo em classe.
Surgiram , no entanto, outros dados: os depoim entos espontâneos de fim
de curso e outros m enos explícitos - m as não m enos claros -, ao longo das
m onografias.
6 . 1 . C r / t i c a s
Talvez um pouco m ais de experiência do professor tivesse ajudado em
várias áreas. A o realizar seu estudo de realidade ele não considerou que a
Facul-dade não era som ente o aspecto estático de um a cultura acadêm ica tradicional,
e foi surpreendido pela pressão dos outros professores, concorrendo
violenta-m ente por um a m aior fatia do tem po dos alunos. Esses alunos, por seu turno,
por terem um abatim ento no preço ao fazerem m ais créditos de um a vez,
sobre-carregam seu tem po. Ele não supunha, apesar de saber que o processo
partici-pative exige m ais tem po, que quatro aulas não seriam suficientes para m udar
significativam ente um a postura diante do aprendizado - e por quê não? D a
vida - aprendida e reforçada durante toda um a existência. Isso pode tê-lo levado
a criar um a expectativa de desem penho insuportável a alguns alunos: Ele
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não considerou, que, apesar de suas boas intenções, poderia, sim plesm ente serinten-cionalm ente sabotado. Esta pode ser, perfeitam ente, um a explicação para o fato de um aluno concordar com um a resolução e descum prí-Ia em seguida. Essa m esm a linha pode explicar o fato de um aluno, em m eio a todo esse clim a resol-ver dorm ir em aula: pode ter entendido de toda a proposta um a liberalização dos m ecanism os de controle; a liberdade, afinal; e por isso aceitou tudo: para poder dorm ir im punem ente. E ao final do curso, com um a boa conversa no professor bonzinho, conseguiria a aprovação e os créditos.
E
possí~el que as últim as m edidas negociadas não tenham , com o se pensou, solucionado o problem a da participação. A pesar de o professor não ter aceito criar um a pressão interna à classe, no sentido de "balancear" a pressão externa, a proxim idade do final do curso pode ter gerado efeito sem elhante: um m ínim o de aplicação era necessária para se fazer frente ao trabalho final.O prism a que se considera principal a avaliar é o nível de real participação obtido e suas conseqüências. H ouve dem ocratização da inform ação, do juízo e da decisão em todas as etapas (concepção, planejam ento, execução e aval iação)? A que níveis? H ouve benefícios reais dessa participação, em term os absolutos ou com parativam ente a um curso convencional? U m a coisa é fato: ainda há m uito o que aprender.
7. · BIBLlO G ~AFIA
CITADA
AM O R ESE, R ubem M artins.
HGFEDCBA
E x t e n s ã o r u r a l p a r t ic ip a t iv a ? O caso do Projeto de Telextensão R ural para o M édio Am azonas. Brasílía, 1982. Tese.D EM O , Pedro. Planejam ento participativo. Elem entos de um a discussão prelim inar. In:
BR ASIL. M inistério da Educação e C ultura. Secretaria G eral. S u b s / d io s a o p la n e ja -m e n t o
NMLKJIHGFEDCBA
p e r t i c i p e t i v o . Brasília, M EC /D D D , 1980. Textos selecionados.FR EIR E, Paulo, E d u c a ç ã o c o m o p r á t ic a d a lib e r d a d e . R io de Janeiro, Paz e Terra, 10 ed. 1980.
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M AR TIN S, Luciano. "A G eração AI-5". U m ensaio sobre autorirarism o e alienação.E n s a io s d e O p in iã o , janeiro, 1979.