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AS REPRESENTAÇÕES DE ESCOLARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA SOBRE O INSUCESSO ESCOLAR: UMA PESQUISA SOB A ÓTICA PIAGETIANA.

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Fernanda da Silva; Eliane Giachetto Saravali. FFC–UNESP/Campus de Marília. CNPq. camilanandasilva@gmail.com. eliane.saravali@marilia.unesp.br.

Eixo temático: Psicologia e Educação

Resumo: Este trabalho apresenta os resultados decorrentes de uma pesquisa sobre as representações de alunos entre seis e 16 anos com queixa de dificuldades de aprendizagem a respeito do não aprender. Com base nos trabalhos da Epistemologia Genética de Piaget (1979) e nos estudos sobre o conhecimento social de Delval (2002), objetivamos investigar como se constituem e evoluem as ideias infanto-juvenis acerca da não aprendizagem. Participaram desta pesquisa 40 sujeitos, sendo 10 de 06 anos, 10 de 09 anos, 10 de 12 anos e 10 de 16 anos, matriculados em escolas públicas da cidade de Marília/SP. Os dados foram coletados por meio de dois instrumentos metodológicos baseados no método clínico-crítico piagetiano: a proposta de um desenho de uma pessoa que aprende e outra que não aprende e a análise de uma história sobre não aprendizagem. A partir dos dados coletados, verificamos que as crianças e adolescentes com queixa de dificuldades de aprendizagem possuem ideias e crenças bastante singulares a respeito do aprender/não aprender. Em relação à evolução das ideias, a maioria dos sujeitos, dos mais novos aos mais velhos, centraram suas justificativas sobre o não aprender nos aspectos mais evidentes e superficiais das situações, como os fatores disciplinares e motivacionais. Os resultados demonstraram o quanto as crianças e os adolescentes sentem, estão envolvidos e são afetados por questões do ambiente escolar como, as dificuldades de aprendizagem e o insucesso escolar.

Palavras-chave: Epistemologia Genética. Conhecimento Social. Dificuldades de Aprendizagem.

INTRODUÇÃO

Considerando os estudos referentes à construção do conhecimento social, a partir da Epistemologia Genética Piagetiana, apresentamos dados de uma pesquisa que objetivou investigar as representações de estudantes, com queixas de dificuldades de aprendizagem, sobre o aprender e o não aprender.

A construção do conhecimento social, embora menos explorada por Piaget (1896-1980), vem sendo alvo de trabalhos no contexto internacional (ENESCO et al.,1995; DELVAL, 2002; DELVAL, 2007; RODRIGUEZ et al., 2008) e nacional (ARAÚJO, 2007; CANTELLI, 2009; SARAVALI et al., 2012). Nesses estudos, observa-se: 1) o longo processo percorrido pelos indivíduos ao se apropriarem das informações provenientes do meio social, isto é, apesar de se tratar de um conhecimento socialmente difundido, ele é reorganizado pelo

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próprio sujeito (MONTEIRO; SARAVALI, 2013; SARAVALI; SILVA, 2014); 2) as crenças específicas elaboradas, ao longo do desenvolvimento, sobre diferentes noções sociais (TREVISOL, 2002; OTHMAN, 2006); 3) a semelhança dessas crenças entre sujeitos de diferentes contextos (AMAR et al., 2006; ARAÚJO; GOMES, 2010); 4) as implicações pedagógicas decorrentes da observância dos aspectos envolvidos na construção do conhecimento social (TORTELLA, 1996; SARAVALI, 1999; BORGES, 2001; GUIMARÃES 2012); 5) as relações entre a construção do conhecimento social e outros aspectos do desenvolvimento, entre eles, os mecanismos cognitivos (MANO, 2013). Esses trabalhos sempre nos mostram a perspectiva dos indivíduos sobre essas questões e, em específico, dão voz a crianças e adolescentes sobre diversos conteúdos da realidade social.

Uma questão que faz parte do cotidiano de estudantes e que é a maior função da instituição escolar refere-se à aprendizagem e aos seus problemas. As relações que os estudantes estabelecem em seu cotidiano escolar, bem como todas as vivências que experienciam em relação ao seu próprio desenvolvimento cognitivo, moral, social e afetivo estão carregadas de significados e interpretações pautados no sucesso ou no fracasso da aprendizagem. Podemos dizer que estas questões se impõem, de maneira ainda mais ampliada, para aqueles alunos que têm sucessivas experiências de insucesso ao aprender.

Considerando a maneira como analisam e interpretam as questões envolvendo a aprendizagem e seus problemas, a partir da perspectiva piagetiana sobre a construção do conhecimento social, objetivamos, nesse trabalho, dar voz a alunos com queixas de dificuldades de aprendizagem. Pretendemos avaliar como crianças e adolescentes percebem, ao longo do seu desenvolvimento, o aprender e o não aprender.

Ao discutirem sobre a importância de se conhecer como os estudantes pensam o aprender, Grácio, Chaleta e Rosário (2007) afirmam que analisar e debater nas salas de aula as concepções dos alunos sobre o tema é uma higiene educativa que deveria apoiar qualquer intervenção. Para os autores, a compreensão do aprender, na perspectiva dos protagonistas do processo, permite estudar e agilizar o fenômeno da aprendizagem, bem como fundamentar ações educativas que promovam um pensamento mais profundo e um controle maior sobre a própria aprendizagem.

Sem dúvidas, o reconhecimento da criança como construtora de significados e de representações ímpares sobre o mundo em geral é de fundamental relevância para entendermos as relações estabelecidas em diferentes situações e momentos da infância e juventude, como por exemplo, a experiência de aprender, processo tão central em sua vida

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(ARROZ; FIGUEIREDO, 2009) e os vínculos construídos no ambiente escolar, um dos contextos de socialização mais importantes e influentes para moldar o desenvolvimento humano ao longo da vida (LADD; BUHS; TROOP, 2002).

Nesse sentido, estudos que dão voz às crianças podem nos ajudar a entender em que as experiências escolares influenciam na a auto percepção e na construção do autoconceito dos estudantes, isto é, de que forma são afetados pelas percepções negativas que possuem de si mesmos como estudantes ou como membros de um grupo social (ELBAUM; VAUGHN, 2003).

Assim, defendemos que pesquisas deste teor podem colaborar significativamente para o fortalecimento de um campo da pesquisa que muito tem a contribuir para a compreensão dos processos de ensinar e, principalmente, de aprender e/ou não aprender. Além disso, se almejamos um sistema de ensino eficaz e, de fato, favorável ao desenvolvimento de nossos estudantes, devemos começar a ouvi-los e, sobretudo, a valorizar suas concepções, uma vez que antes de se investir em melhorias e transformações educacionais, seja essencialmente necessário perceber o que os principais envolvidos com esse contexto entendem por aprendizagem suas causas, consequências ou possíveis problemas (ARROZ; FIGUEIREDO, 2009).

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo evolutivo transversal baseado no método clínico-crítico piagetiano (PIAGET, 1967, 1979). A pesquisa teve abordagem qualitativa e a análise dos dados foi realizada mediante a interpretação das respostas dadas pelos sujeitos que indicam níveis de compreensão da realidade social (DELVAL, 2002).

Participaram desta pesquisa 40 escolares entre 06 e 16 anos de escolas públicas de uma cidade no interior do estado de São Paulo, indicados por seus professores como alunos com dificuldades de aprendizagem. Como se trata de um estudo evolutivo, a faixa etária escolhida abrange um longo período do desenvolvimento na intenção de observar possíveis diferenças e/ou avanços, bem como evoluções na maneira como as crianças e adolescentes respondem às questões. O número de participantes e a divisão foram definidos com base nas orientações de Delval (2002) e correspondem ao que segue: 10 sujeitos de 06 anos, 10 de 09 anos, 10 de 12 anos e 10 de 16 anos.

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A primeira parte do trabalho, após a seleção dos participantes, consistiu na elaboração de um desenho. Os alunos eram convidados a criarem um desenho numa folha de sulfite dividida ao meio: em uma das metades a proposta era de que o sujeito desenhasse uma pessoa que aprende e na outra metade uma pessoa que não aprende, em seguida o sujeito deveria explicar o que fez. Esse instrumento teve como objetivo observar como os participantes representavam, por meio de expressões gráficas, o aprender e o não aprender nas/para as pessoas. Escolhemos a proposta de desenho como um dos instrumentos pois esse tipo de representação tem se mostrado adequado para investigações sobre o conhecimento social como é o caso dos trabalhos de Saravali (1999), Borges (2001), Guimarães (2012).

Segundo Visca (2010), o desenho, como instrumento de coleta de dados, consiste num importante recurso para estudar as diferentes concepções infanto-juvenis sobre a realidade e o mundo em geral, considerando as inúmeras possibilidades de ver, olhar, interpretar, analisar e ler o que as crianças e adolescentes representam em suas expressões gráficas as respeito da aprendizagem e sobre os vínculos estabelecidos com o processo de aprender, com o docente, com os colegas de classe e as situações escolares vivenciadas. Para Delval (2002), a vantagem de utilização do desenho consiste em conseguir que o sujeito expresse elementos aos quais não se refere verbalmente numa entrevista.

Esclarecemos que assim como Osti e Brenelli (2009), não tivemos a pretensão de medir a inteligência dos participantes da pesquisa e, tampouco, objetivamos avaliar aspectos emocionais ou maturacionais dos mesmos através do desenho, mesmo porque tal técnica não nos permitiria tal feito. Na verdade, nosso objetivo com a utilização do desenho agregado às falas dos sujeitos foi o de não esgotar as possibilidades de expressão da s crianças e adolescentes, com a finalidade de evitar reducionismos que retiram ou mascaram a aquilo que os sujeitos têm a dizer (ARROZ; FIGUEIREDO, 2009), principalmente, quando as opiniões expressas têm a ver com sua própria realidade.

O segundo instrumento utilizado consistiu na análise de uma história envolvendo uma situação problema de sala de aula. O objetivo foi verificar como os sujeitos viam as possibilidades de ação docente e o papel da escola na situação de não aprendizagem proposta. A história utilizada é a seguinte: “O aluno Marcelo (de idade igual a do sujeito a ser questionado), não consegue aprender as lições que a professora ensina. Todos os dias ele não consegue copiar a matéria da lousa, não entrega as lições de casa e não resolve os problemas propostos pela professora. O que você acha dessa situação? O que você acha que está acontecendo com essa criança? Quem poderia ajudá-lo? E a escola? E a professora? Por que

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será que ele não aprende? O que você acha que a professora poderia fazer? O que você acredita que deve ser feito? E se ele não aprender o que vai ocorrer? Você conhece alunos assim? Como eles são? O que acontece com eles? Como você se sente diante de situações assim?”.

Destacamos que os participantes foram entrevistados individualmente, fora da sala de aula, numa sala destinada a esse fim. Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas para análise. Os desenhos serão identificados com a abreviação dos nomes dos sujeitos, seguida da idade em anos e meses entre parênteses. Ressaltamos que as falas dos sujeitos foram transcritas em sua forma literal.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As respostas dos sujeitos, nos dois instrumentos, foram interpretadas e agrupadas conforme os níveis de compreensão da realidade social, estabelecidos por Delval (2002). O autor define a existência de três maneiras distintas de se interpretar o mundo social, que evoluem ao longo do desenvolvimento. Esses níveis foram considerados aqui para a análise dos elementos trazidos pelos alunos sobre o aprender e o não aprender.

No primeiro nível, encontrado até os 10-11 anos, os sujeitos se baseiam sempre nos aspectos mais visíveis das situações em questão, desconsiderando processos ocultos e subjacentes, tão comuns em questões sociais. Há dificuldades em coordenar perspectivas diferentes, bem como em perceber a existência de conflitos. Há, portanto, uma compreensão parcial da realidade.

Observamos que os alunos, cujas respostas foram inseridas nesse nível, explicam, por exemplo, a situação problema do personagem da história de uma maneira bastante simples e superficial, bem como parecem desconsiderar aspectos externos ao próprio indivíduo, mas que podem interferir em sua aprendizagem. Assim, o não aprender está sempre e somente vinculado a um esforço pessoal ou à indisciplina. As soluções apresentadas são sempre simples, bastando ao aluno tornar-se mais disciplinado e/ou motivado. Quando outras pessoas são envolvidas, suas ações também são quase lineares, assim aos mestres basta ensinar, aos pais basta conversar etc.

De acordo com nossa análise, a maior parte dos sujeitos, dos mais novos aos mais velhos, centraram suas justificativas sobre o não aprender nos aspectos mais evidentes e superficiais das situações, como os fatores disciplinares e motivacionais. Os dados apontaram

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que a maioria dos participantes possui dificuldade em refletir sobre a temática e tendem a culpabilizar o aluno que não aprende, não conseguindo considerar diferentes fatores e elementos.

Acreditamos que tal fato seja decorrente da situação de aprendizagem dos próprios sujeitos que por apresentarem algum tipo de dificuldade para aprender e não compreenderem ao certo o motivo para tal fato, tendem a reproduzir falas prontas e genéricas, muitas vezes recorrentes nos discursos de professores, pais etc. Destacamos que 90% da amostra foi classificada segundo o nível I de compreensão da realidade social. Alguns exemplos:

Figura 1. Desenho de uma pessoa que aprende (à esquerda) e de uma pessoa que não aprende (à direita).

Fonte: Elaborado por (LUI 9;1).

Diálogo estabelecido após o desenho: (LUI 9;1) – [...] Então, me conta o que você desenhou. Ah eu tive que pensar uma pessoa muito diferente da outra, não pode ser totalmente igual. O que não é igual? Tipo uma pessoa que aprende e outra que não aprende, é muito diferente. Diferente como? Por que essa pessoa aprende? Por que ela não faz bagunça, ela é quietinha, ela estuda, ela aprende... ela aprende com a professora, obedece, essa é a pessoa. [...] O que você pensou para desenhar essa outra pessoa que não aprende? Ela é bagunceira, fica brigando com os outro, xinga os amiguinhos, é isso. Por que essa pessoa não aprende? Ela fica bagunçando, apronta, faz muitas outras coisa que não devia fazer dentro da escola [...]

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Diálogo estabelecido após a história: THA (6;8) – O que você acha que está acontecendo com o Marcelo? Por que ele não aprende? Porque ele fica fazendo bagunça. E acho que ele é arteiro, não obedece a professora, não olha, fica conversando com o amigo. Quem faz bagunça, que é arteiro, não consegue aprender? Não Quem poderia ajudar o Marcelo para ele aprender? Você. O que eu posso fazer pra ajudar? Ensinar ele. O que eu posso ensinar pra ele? As atividades. Como eu posso ajudar o Marcelo para ele aprender? Fala pra ele prestar atenção, pra ele fazer tudo, olhar pra lousa, prestar atenção na professora. Se eu ajudar o Marcelo, você acha que ele vai aprender? Vai.

No segundo nível, que se estende dos 10-11 anos aos 13-14 anos, há o início da consideração de aspectos não visíveis das questões sociais e começa a aparecer a percepção de processos que devem ser inferidos, pois estão inicialmente ocultos. Os conflitos são melhores compreendidos, embora a coordenação de diferentes pontos de vista seja algo ainda difícil de ocorrer. As respostas desse nível começam a considerar o papel do professor de forma mais crítica. Dessa forma, o aluno pode não aprender porque o professor não ensina bem. Não se justifica mais a aprendizagem somente por fatores sempre e apenas inerentes aos próprios alunos.

Ressaltamos apenas 10% da amostra, tanto em relação ao desenho como na história, respondeu de forma mais abrangente como o problema do não aprender poderia ser solucionado e encarou o conflito da não aprendizagem como um fenômeno social que traz ao indivíduo influências sociais, como o previsto para o nível II de compreensão da realidade social. Alguns exemplos:

Figura 2. Desenho de uma pessoa que aprende (à esquerda) e de uma pessoa que não aprende (à direita).

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Fonte: Elaborado por EDU (16;8).

Diálogo estabelecido após o desenho: (EDU 16;8) – O que você pensou para desenhar a pessoa que aprende? A pessoa que aprende, eu não pensei em ninguém só tirei por mim mesmo. Ela tá sentada, olhando pra lousa. Por que essa pessoa aprende? Ela presta atenção no que a professora passa, presta atenção no que a professora escreve, essas coisas. Quem presta atenção aprende? Não só isso [...] porque se um dia uma criança na escola fala alguma coisa e o professor fala, às vezes a pessoa fica com vergonha. Porque se tipo, o professor fala “tá errado”, os outro pode ficar rindo da cara dela e ela vai ficar constrangida e achar que toda vez que ela falar alguma coisa, escrever e tal, vai tá errada.

Diálogo estabelecido após a história: ANA (12;10) – O que está acontecendo com o Marcelo? Ele não deve tá prestando atenção [...] Pra ele aprender tinha que parar e pensar no que ele tá perdendo, pra professora ajudar também. Tem professor que é relaxado e fica falando que esse aluno não tem mais jeito, só que ele tem [...]

No terceiro nível, cujo início ocorre por volta dos 13-14 anos, observa-se que os processos ocultos, bem como as diferentes possibilidades de uma mesma situação, passam a ser considerados. Os sujeitos estão de posse de mais informações sobre o meio social, mas aqui conseguem relacioná-las e integrá-las num sistema mais coerente. “Os sujeitos se tornam muito mais críticos em relação à ordem social existente, emitem juízos sobre o que é certo e o que não é e propõem soluções alternativas.” (DELVAL, 2002, p.231).

Chamamos a atenção para o fato de que nenhum sujeito, de acordo com nossa análise, conseguiu analisar os diferentes pontos da situação social da não aprendizagem, bem como não souberam abordar diretamente o conflito do não aprender, como o descrito por Delval

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(2002) em relação à análise por níveis de compreensão da realidade social. Sendo assim, independentemente do instrumento utilizado, não registramos respostas pertencentes ao nível III.

Saravali et al. (2012) que não trabalharam com sujeitos com queixas de dificuldades de aprendizagem, explicam que o nível III é uma ampliação considerável das variáveis envolvidas, bem maior que no nível II.

Nesse sentido, há inúmeras razões para que um aluno não aprenda e fatores mais complexos são apresentados, como, por exemplo, a exclusão escolar e social. Há também várias possibilidades de intervenção e os sujeitos apontam, às vezes, na mesma resposta, a escola, a professora, a família, outros profissionais e os amigos, como possíveis agentes. Aparece o início dos acordos sociais, ou seja, o estabelecimento de compromissos entre aqueles que desempenham seus papéis sociais (SARAVALI et al., 2012).

A tabela 1 apresenta a distribuição dos sujeitos pelos níveis de compreensão da realidade social.

Tabela 1. Distribuição dos sujeitos por faixa etária e por nível de compreensão da realidade social

Fonte: Elaborada pelas autoras. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossos dados são correspondentes a uma característica comum nas pesquisas a respeito da construção do conhecimento social realizadas no Brasil. Tal característica se refere

NÍVEL IDADES TOTAL %

6 9 12 16 Nível I Nível II Nível III 10 - - 10 - - 9 1 - 7 3 - 36 4 - 90,0 10,0 -

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a um número pequeno de participantes inseridos no nível III de compreensão da realidade social, mesmo em se tratando de sujeitos mais velhos (MANO, 2013).

No caso da presente pesquisa, chama a atenção o fato de nenhum sujeito ter apresentado respostas características do nível mais elaborado (nível III) e um número muito pequeno de sujeitos ter se apresentado no nível II, que é um nível de preparação e que vai paulatinamente agregando e iniciando a coordenação de novos elementos da realidade social.

Dessa forma, esses indivíduos permanecem com ideias bastante rudimentares sobre questões sociais, em específico sobre um conteúdo bastante familiar – a aprendizagem. Se assim permanecerem, suas representações do mundo social podem manter-se simplistas, carregadas de preconceitos e estereótipos, sem permitirem uma reflexão mais abrangente dos fenômenos.

Talvez o número tão reduzido entre os nossos sujeitos se deva ao fato de serem alunos com alguma dificuldade para aprender, conforme a indicação de seus mestres; isso é um fato interessante a ser pesquisado, ou seja, se esse tipo de crença se mantém para diferentes conteúdos e se é uma característica de alunos com problemas de aprendizagem.

Essa maneira de enxergar as questões envolvendo o aprender e o não aprender, mais aparente e rotulante, influencia como os estudantes se relacionam com essas questões quando as mesmas se aplicam aos colegas e quando se aplicam a si próprios. Assim, culpabilizar sempre o próprio o aluno por uma situação de não aprendizagem é um raciocínio que influenciará a análise que poderão fazer de si mesmos. Portanto, conhecer essas ideias, nos mostra melhor essa visão que os alunos possuem sobre a questão e pode ajudar na elaboração de intervenções mais eficazes.

Defendemos que somente quando escutamos os principais envolvidos numa determinada situação como, por exemplo, o processo de aprendizagem, é que podemos vislumbrar maneiras mais adequadas de se intervir e solucionar problemas, com mais seriedade e comprometimento, respeitando os sujeitos em suas singularidades.

Sem dúvidas, práticas pedagógicas coerentes com o desenvolvimento do aluno devem considerar as características da construção do conhecimento social. A escolha de atividades, bem como a forma de desenvolvê-las deve caminhar no sentido de solicitação de reflexões e ações sobre os conteúdos da realidade social, evitando-se a priorização da transmissão de informações e a passividade. Os desequilíbrios provocados devem auxiliar os alunos a pensarem as possibilidades de resolução de conflitos e também a reconhecerem novos elementos, bem como serem capazes de coordená-los.

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Sabemos, embasados em Piaget (1972) que a formação adequada e uma aprendizagem real dependem do estabelecimento de relações complexas entre professor e alunos e entre os próprios alunos. Assim, o adulto desempenha o importante papel de solicitar o pensamento e a atividade da criança, organizando situações estimulantes que envolvam criação, invenção, descoberta, questões e problemas a serem solucionados, trocas de pontos de vista entre parceiros e trabalhos em pequenos grupos. Cabe a ele organizar situações que possam constituir perturbações, levando ao desequilíbrio cognitivo e, assim, desencadeando o processo de equilibração, o desenvolvimento e a aprendizagem em sentido amplo (ZAIA; SARAVALI, 2011).

Sendo assim, a escola deveria se atentar à escolha de atividades, bem como à forma de desenvolvê-las, com o objetivo de criar um ambiente verdadeiramente rico e solicitador de reflexões e ações sobre os conteúdos da realidade social, evitando-se a priorização da transmissão de informações e a passividade.

Pensar a prática docente nessa perspectiva exige, principalmente, envolvimento e disposição por parte do professor que deverá buscar formas de trabalho em que o sujeito não está limitado a ouvir o que o professor tem a dizer, mas ao contrário, tem possibilidades efetivas de interagir e agir sobre o meio do qual faz parte e de se desenvolver em termos psíquicos, cognitivos, intelectuais, sociais e afetivos, com a premissa de despertar “[...] no espírito da criança um instrumento espiritual [...] um método ou uma ferramenta novos que lhe permitam compreender e agir.” (PIAGET, 1998, p. 100).

REFERÊNCIAS

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Referências

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