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A noção de habitar e a crítica de um ethos metafísico no pensamento tardio de Heidegger

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A noção de habitar e a crítica de um ethos metafísico no pensamento tardio de Heidegger

Sabrina Ruggeri1

Resumo: Este trabalho pretende esclarecer brevemente a noção de habitar segundo a sua definição da essência humana nos escritos tardios de Heidegger, e em seguida abordar a hipótese de um ethos essencialmente metafísico a partir da compreensão de Heidegger da concepção ontológica fundadora do Ocidente. Esse modo de vida metafísico seria fundador na história do Ocidente, enquanto uma postura de dominação que já sempre marcou nosso encontro com o mundo e o mostrar-se dos entes. A principal dificuldade seria a de um possível ultrapassamento deste ethos metafísico, diante do qual defendemos o habitar como o caminho sugerido por Heidegger para a superação da metafísica.

Palavras-chave: Martin Heidegger; Metafísica; Crítica Cultural; Habitar.

1 A noção de habitar: o modo de ser-homem

A noção de habitar em Heidegger aparece num conjunto de escritos publicados a partir da década de 40, dentre os principais encontram-se as seguintes conferências: A coisa (1950), Construir, habitar, pensar (1951), “...poeticamente o homem habita...” (1951)2, A linguagem (1950) 3 e A arte e o espaço (1969). Em Construir, habitar, pensar, conferência pronunciada em 1951, Heidegger estabelece o habitar como a maneira segundo a qual somos e vivemos no mundo, isto é, situa o habitar na região da essência do homem. O procedimento utilizado por Heidegger para apresentar a noção de habitar em seu caráter essencial parece se dar a partir de um método peculiar de recuperação da origem das palavras (poder-se-ia dizer etimológico, ainda que não de modo tradicional), um procedimento muitas vezes controverso, já que sustenta uma interpretação que está longe de ser auto evidente, sem fornecer ao leitor a possibilidade de reconstruir seu caminho de pensamento, isto é, sem esclarecer o procedimento responsável pela construção desta interpretação.

É deste modo que Heidegger se remeteria ao termo do antigo alto-alemão para a palavra “construir”, “buan”, que significa por sua vez habitar, permanecer. A partir de uma livre interpretação das palavras escolhidas, na procura de uma experiência da linguagem, Heidegger identifica uma relação essencial do “buan” com o “bin” alemão, que diz portanto

1 Mestranda em Filosofia pela PUCRS, bolsista CNPq. Email: sabrinarufrei@gmail.com.

2 Ano de pronunciamento das três conferências. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. 6ª edição. Petrópolis: Vozes, 2010.

3 A caminho da linguagem. Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes;

Bragança Paulista SP: Editora Universitária São Francisco, 2011.

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“eu sou” (Ich bin) e “tu és” (du bist); assim, nosso modo de ser se dá enquanto habitamos (wohnen): “A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens sobre essa terra é o Buan, o habitar. Ser homem diz: ser como um mortal sobre essa terra. Diz: habitar”4. A noção de habitar é, portanto, a marca do ser-homem no contexto tardio da obra heideggeriana.

O mesmo procedimento conduz Heidegger do termo alemão que significa “habitar”

“wohnen”, ao gótico “wunian”, que significa o mesmo que habitar, palavra que para Heidegger conta como deve se dar o permanecer daquele que habita: segundo um caráter apaziguado, num demorar-se em meio à paz de um abrigo. O traço essencial do habitar enquanto modo de ser-homem será assim a sua capacidade fundamental de resguardar o que através dele alcança um lugar de morada: “Habitar, ser trazido à paz de um abrigo, diz:

permanecer pacificado na liberdade de um pertencimento, resguardar cada coisa em sua essência”5. Deste modo, embora o habitar proveja ao homem de maneira fundamental um abrigo no qual lhe é possível permanecer em paz, este cuidado essencial concede ao mesmo tempo a própria liberdade para que o homem vigore em sua essência; neste pertencimento, o homem é simultaneamente tanto aquele que permanece abrigado e resguardado, como aquele que se mantém livre em seu próprio ser.

2 O Heidegger tardio: filosofia prática

Muitos são os historiadores da filosofia que reclamam a tese de que não há qualquer abordagem possível da obra heideggeriana segundo um viés ético, mesmo porque o próprio Heidegger sempre afirmou uma pretensa distância de sua obra em relação a questões deste cunho. No entanto, se Heidegger nos ensinou a subverter a perspectiva de um texto para nele enxergar o não dito, o não assumido e o não compreendido, estamos mais que autorizados a revertermos este procedimento de análise “contra” o seu próprio autor, isto é, procurando em seus escritos justamente este elemento que permaneceu até agora subjugado. Para exemplificar esta posição, rememoramos uma metáfora para a escassez da ética na obra heideggeriana que afirma a busca desta como uma viagem pelo deserto, ao que Jean Greisch6 teria respondido através do título de um filme de Walt Disney, “The Living Desert”. Se há um

4 HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. 6ª edição. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 127.

5 HEIDEGGER, M. Ensaios e conferências. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante Schuback. 6ª edição. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 129.

6 GREISCH, J. “The ‘play of transcendence’ and the question of ethics”. In: RAFFOUL, François;

PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002, p. 99.

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deserto vivo para ser desbravado, é porque o pensamento enquanto errância não pode se privar de desvios e conversões do caminho.

A crítica cultural desenvolvida por Heidegger em seus escritos tardios pretende fazer um diagnóstico da condição do homem contemporâneo diante do domínio planetário da técnica e da planificação e objetificação da vida. Ao lado destas considerações sempre se encontram traços do velho projeto heideggeriano de crítica da metafísica, mas neste caso específico a crítica se faria mais profunda porque pretende tocar as fundações da própria cultura ocidental, enquanto devedora do princípio grego e de suas concepções ontológicas. A presença da visão de ser grega ao longo da história do Ocidente, segundo interpretada por Heidegger, manifestar-se-ia em suas consequências para a conduta do homem ocidental, isto é, desdobramentos desta concepção de ser se fazem presentes no solo da vida humana, o cotidiano.

É desta forma que entendemos a possibilidade de uma crítica a um ethos metafísico no interior da obra tardia de Heidegger: a concepção de ser que se estabelece ainda junto aos gregos seria responsável pela instituição de um modo de vida metafísico, ou ainda, uma espécie de postura fundadora do homem ocidental. Para uma primeira aproximação com a ideia de um ethos metafísico nos cercamos das discussões de Thomas Sheehan7 acerca do niilismo e da possibilidade de sua superação; estas devem nos prover um instrumental inicial para o reconhecimento da visão de ser que Heidegger atribui aos gregos e que se desdobraria na história da cultura ocidental.

3 A hipótese de um ethos metafísico: a inversão do niilismo e uma postura ocidental fundadora

Thomas Sheehan defende que a partir dos anos 50 Heidegger teria deixado de defender a perspectiva de uma superação do niilismo, como o fizera ao longo dos anos 30 (período de sua fatídica adesão ao Partido Nacional Socialista), para privilegiar a busca de uma compreensão mais profunda do niilismo enquanto fenômeno da história ocidental.

Heidegger teria se apercebido de que a principal faceta do niilismo, o nihil (nada) primordial que veicula, seria antes parte decisiva de uma constituição positiva do ser e dos entes: este nada essencial seria o fundamento de todo desvelar do ser (compreensão de ser), fazendo com que o niilismo se convertesse numa faceta essencial de nossa existência porque passa a ser

7 SHEEHAN, T. “Nihilism and its discontents”. In: RAFFOUL, François; PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002.

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entendido como intrínseco ao manifestar do ser; para cada novo mostrar-se há sempre um ocultamento que lhe segue como contrapartida, como o seu Outro incontornável. A ideia fundamental é a de uma “retirada do ser”, de modo que essa retirada é antes condição de possibilidade para o desvelamento do ser, inclusive da abertura específica de ser à qual iremos nos referir como metafísica: aquela que fundamenta o aparecer dos entes como infinitamente disponíveis para a manipulação e o engajamento humanos.

A compreensão do niilismo, portanto, abandona aqueles antigos contornos de uma urgência de expurgação da experiência e conduta humanas, dando lugar à assunção de uma originariedade ao fenômeno do niilismo, agora revestido de necessidade. Esse ocultamento intrínseco e necessário ao mostrar-se do ser no plano ontológico é vivenciado em nosso cotidiano segundo a marca de um esquecimento, aquele mesmo esquecimento do ser denunciado por Heidegger desde Ser e Tempo, no entanto agora direcionado a um novo parceiro de co-fundamentação: o nada, este é que será esquecido em nosso modo de ser ordinário para o Heidegger tardio. Portanto, uma nova concepção de um nada essencial se instaura no degrau zero de compreensão, tingindo todo o fundamento da abertura de ser com a marca do negativo. Pensar o sentido do ser é agora desde o princípio encarar o nada que lhe pertence, o nada que nos constitui e que nos saúda como destino. Neste caso, nem o ocultamento de um nada essencial no interior do Ereignis, nem o esquecimento deste nada fundador em nosso modo de vida estão necessariamente conectados à postura dominadora que identificamos como essencial na história do Ocidente, mas sim a visão de ser que se instaura a partir da noção grega de ousia.

Thomas Sheehan toma o niilismo enquanto fenômeno histórico-cultural, segundo a compreensão de Heidegger deste como a consequência de um esquecimento do nihil essencial e a partir dos escritos de Heidegger acerca da essência da técnica, cunhando o fenômeno de

“tecno-niilismo”. Seu intuito é resolver a questão acerca de uma pretensa necessidade de superação do niilismo (justamente a posição abandonada por Heidegger nos anos 50); no seu caminho de argumentação nos interessa remontar o traçado que leva à hipótese de um modo de vida metafísico, uma postura fundadora da cultura ocidental. Iremos seguir seu caminho a partir destes pontos: a interpretação de Heidegger acerca da Física de Aristóteles em busca de três pressuposições centrais, estas, por sua vez, devem conduzir-nos à visão grega de ser, conforme o entendimento de Heidegger.

A primeira pressuposição seria aquela de um “naturalismo grego” que defende que toda entidade é natural, isto é, a physis que cada ente possui é o que o permite o seu mostrar- se, a partir de si mesmo, mas isto valendo para o todo da realidade. A concepção de physis da

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Grécia Antiga se conecta assim a uma noção de movimento (kinesis), já que esta é entendida justamente como o princípio do movimento intrínseco, fazendo com que a compreensão de ser se alargue para uma compreensão onde todo o ente enquanto tal está intrinsecamente em movimento, um auto-movimento que, a partir da interpretação fenomenológica de Heidegger, parte do próprio ente e o conduz em direção ao aparecer, ao abrir-se para o ser enquanto auto- apresentação. Aqui, Sheehan8 apresenta o terceiro elemento das pressuposições centrais da Física: uma espécie de fenomenologia grega, enquanto compreensão do processo subjacente ao manifestar (phainesthai) dos entes (enquanto entidades naturais e auto-movidas, a partir das duas pressuposições anteriores), processo segundo um tornar-se acessível e inteligível da totalidade dos entes, disponível ao engajamento humano.

Haveria, portanto, uma fundamental correlação entre o intelecto humano e a sua vontade de se engajar, de um lado, e o aparecer dos entes de outro, cujo aparecimento se dá para os seres humanos; essa correlação estaria fundada na abertura do aberto (Ereignis) onde também a essência humana se dá em abertura para o ser, enquanto este se dá em seu aparecer sempre a partir e para o homem. O fato de os entes se revelarem na ontologia grega como intrinsecamente inteligíveis e engajáveis traria algo como uma “humanização” dos entes, a contrapartida da abertura da essência humana que se dá no Ereignis, uma abertura para o Ser.

Há aqui um estreitamento da relação entre ser e homem, desde que um não se dá sem o outro, um está profundamente entrelaçado no outro, como parceiros de co-fundação: “inasmuch as the open makes possible the presence of things to human beings, things themselves are

‘turned toward’ possible human engagement”9.

Este é o ponto fulcral de nossa investigação. As ideias mais originárias e essenciais da ontologia grega (e que portanto exercem um papel fundador para toda a história da metafísica), enquanto junção dos três elementos – physis, kinesis, phainesthai, são aquelas onde os entes nos aparecem enquanto incondicionalmente disponíveis para nossa vontade de intelecção, engajamento, controle. Essas três pressuposições da Física de Aristóteles ensejam uma compreensão de ser segundo um ente natural e auto-movido que se apresenta sempre diante do homem. Essas noções se conectariam com a principal concepção que é a um só tempo tanto a essência da ontologia grega como a origem do tecno-niilismo, a ousia grega, interpretada por Heidegger como beständiges Anwesen, uma presença constante e estável,

8 SHEEHAN, T. “Nihilism and its discontents”. In: RAFFOUL, François; PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002, p. 282.

9 “Enquanto o aberto torna possível a presença das coisas aos seres humanos, as coisas elas mesmas estão

‘voltadas’ a um possível engajamento humano”. SHEEHAN, T. “Nihilism and its discontents”. In: RAFFOUL, François; PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002, p. 286.

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presença que é sempre para um possível engajamento humano. Heidegger irá dizer ao pé desta noção que o ser está sempre voltado para nós, ser é ser presente para um ser humano, num sentido próprio e fundamental no qual a essência humana co-constitui o ser; dito de outra forma: “to be an entity is to be always within the range of possible human engagement”10.

No entanto, a história trouxe outros caminhos para a concepção de ousia enraizada na

“ingenuidade” grega, caminhos que nos trouxeram até a era da técnica planetária. O cerne da concepção grega de ser segundo entendida por Heidegger, é a ideia de que assim como o nosso intelecto possui uma infinita capacidade para compreender o mundo, assim também a disponibilidade deste mundo é para nós infinita, uma ilimitada capacidade de transformação do ente nos pertence: “The unlimited accessibility of the real lies at the core of the Greek- Western vision of being”11. Se por um lado essa visão ocidental do ser traria consigo a possibilidade de uma infinita significância, já que compreende o ser como essencialmente aberto para o homem, entregue a este num pertencimento originário, ela também não deixa de ensejar o desenvolvimento desta postura já sempre a postos para o engajamento com o ser e o seu posterior controle e domínio a partir de uma transformação executada pelas mãos do homem, justificando que a denominemos como “postura de dominação”. A “humanização do mundo”, como se refere Thomas Sheehan, apresenta portanto este duplo caráter, por ser ao mesmo tempo a abertura fundadora da cultura ocidental (onde Heidegger enxergaria um nível de desvelamento mais profundo que o visualizado pelos pré-socráticos, um desvelamento originário que seria condição de possibilidade do mostrar-se dos entes, o Ereignis), mas também a “fatídica” porta de entrada para o desenvolvimento da técnica enquanto força que impele o homem à planificação e objetificação totalitária dos entes.

A tese central, portanto, é aquela de que o nihil essencial não pode ser superado justamente porque é a fonte de todo o ser; assim percebemos claramente que é este nihil essencial que alimenta a concepção de ser fundadora da cultura ocidental (enquanto condição de possibilidade da abertura de ser como “presença-para” os seres humanos, presença disponível). No entanto este nada ontológico é negligenciado, esquecido em sua retirada intrínseca, não é nunca pensado por aquele que lhe deve a própria abertura, o homem. A história ocidental seria então o próprio desenvolvimento de uma única concepção de ser esquecida de sua própria origem, de sua fundamental “falta” de ser, seria a exacerbação de

10 “Ser uma entidade é estar sempre dentro do âmbito de um possível engajamento humano.”. SHEEHAN, T.

“Nihilism and its discontents”. In: RAFFOUL, François; PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002, p. 284.

11 “A acessibilidade ilimitada do real repousa no cerne da visão Greco-Ocidental do ser”. SHEEHAN, T.

“Nihilism and its discontents”. In: RAFFOUL, François; PETTIGREW, David (Ed). Heidegger and Practical Philosophy. Albany: State University of New York Press, 2002, p. 286.

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uma postura diante do mundo segundo um ilimitado engajamento, que aos poucos se transformaria num delírio de domínio e transformação. A conclusão a que nos interessa alcançar é a de que a era da técnica é para Heidegger uma consequência da concepção grega de ser como “presença-para”, e enquanto profundamente enraizada neste nada entregue ao esquecimento, simplesmente não pode ser ultrapassada. Aqui compreendemos perfeitamente o convite de Heidegger a uma meditação acerca da essência da técnica, desde que ela pode ser um caminho para o retorno a este elemento esquecido de nossas origens.

A era da técnica, portanto, desde que compreendida como consequência da concepção de ser como “presença-para” e de uma postura de dominação arraigada no solo metafísico da cultura ocidental, pode ser compreendida segundo um modo de vida metafísico, justamente entendido como um relacionar-se do homem com o mundo a partir de uma plena objetificação do todo da realidade, que por sua vez apresenta como contrapartida inevitável uma subjetivação extrema. Portanto, ao lidar com as concepções fundamentais da história ocidental e de seu desenvolvimento ao longo desta história, Heidegger estaria operando ao mesmo tempo com uma concepção ética, um modo de vida específico que é concordante com a visão de ser ocidental, portanto um ethos metafísico por excelência.

A partir da interpretação canônica segundo a qual Heidegger defenderia uma superação da metafísica, e portanto também de um ethos metafísico, como pretendemos defender, o habitar reaparece como uma possibilidade de superação da era da técnica. O habitar com sua essência poética proveria ao homem um encontro genuíno com o mundo e consigo mesmo, desde que é o poético que abre o mundo para o homem, que primeiro leva uma coisa ao ser através da palavra que nomeia, a palavra poética por excelência. A poesia é assim tanto a essência da linguagem como a essência do habitar e, portanto, também a essência do homem: assim fica claro o esforço fundamental de Heidegger em defender o que chamava de um “cuidado com a linguagem”, desde que esta guarda uma relação profunda com o nosso ser.

Por fim, a crise do habitar contemporâneo é entendida por Heidegger a partir da afirmação contida em Carta sobre o humanismo de que falhamos em nos apropriarmos de nossa essência na contemporaneidade, e falhamos mesmo em experienciar o habitar em nosso cotidiano, na esfera prática de nossa existência. A apropriação do habitar se faz possível a partir da linguagem poética, desde que é a poesia que primariamente permite um habitar, funda a nossa essência segundo um habitar. Deste modo, se o poético nos permitir encontrar uma relação genuína com o mundo, e assim restabelecermos a relação com a nossa própria

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essência, então ele nos trará o habitar como o caminho para a superação da era da técnica e de seu ethos metafísico.

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