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O SIGNIFICADO DA RIQUEZA PARA A SOCIEDADE GOIANA DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SÓCIO-ECONÔMICAS CURSO DE HISTÓRIA

O SIGNIFICADO DA RIQUEZA PARA A SOCIEDADE GOIANA DA

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

CAMILLA ALVES BATISTA

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UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SÓCIO-ECONÔMICAS CURSO DE HISTÓRIA

CAMILLA ALVES BATISTA

O SIGNIFICADO DA RIQUEZA PARA A SOCIEDADE GOIANA DA

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada à Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Ciências Sócio-econômicas e Humanas de Anápolis, como requisito parcial à obtenção do título de licenciatura em História.

Orientador: Dr. Eliézer Cardoso de Oliveira

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UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS HUMANAS E SÓCIO-ECONÔMICAS CURSO DE HISTÓRIA

CAMILLA ALVES BATISTA

O SIGNIFICADO DA RIQUEZA PARA A SOCIEDADE GOIANA DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Monografia apresentada em / / para a obtenção do título de Licenciatura em História

Banca examinadora:

Dr. Eliézer Cardoso de Oliveira

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Agradecimentos

Esta é a melhor parte do trabalho, os agradecimentos. Aqui nós não escrevemos como pesquisadores, nem como historiadores, nem como acadêmicos. Somos, simplesmente, nós mesmos!

E, em breves linhas, agradecemos a quem nos acompanha há décadas e a quem tem caminhado conosco por mais breve tempo. Essas próximas páginas não teriam sido elaboradas sem cada uma dessas pessoas que a mim são tão caras.

Um pedaçinho desta pesquisa é oferecido ao meu clã familial, aos meus dois gordões, sem eles nem neste planeta estaria e nem teria um teto! ; vai também para o meu exemplo de vida (e em memória àqueles que me observam lá de cima); vai para a tampa fraternal do meu balaio.

O próximo é oferecido ao irmão que pude escolher, não tenho palavras para agradecer tudo o que fez por mim! Ofereço um pedaço bem pequenino (brincadeira!) àquele que diante de um mal feito dá as gargalhadas mais gostosas, um certo menino de pintinhas lindas e sorriso encantador (por aturar a minha “injueira” triplicada!).

Outro pedaço bem caprichado vai para o Eliézer, este que me acolheu quando estava mais desorientada, me abriu as portas acadêmicas. Ofereço também ao Paulo Henrique pela gentileza (e a todos os outros professores que tenho como exemplo e me ajudaram de uma forma ou de outra);

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 8

1. O DINHEIO NA SOCIOLOGIA E NA HISTÓRIA... 11

1.1 A definição e função do dinheiro... 12

1.2 Algumas abordagens sociológicas sobre o dinheiro... 18

1.2.1 Dodd e o dinheiro... 18

1.2.2 Simmel e o dinheiro... 21

2. O SERTÃO GOIANO NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX... 27

2.1 Os viajantes europeus... 29

2.2 A especificidade do dinheiro em Goiás... 35

3. LUXO, ESPLENDOR, STATUS... SERÁ O DINHEIO A ÚNICA EXPRESSÃO DE RIQUEZA?...39

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 57

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Introdução

O dinheiro tem uma importância fundamental na sociedade contemporânea, sendo até denominado como o “deus dinheiro”. É o instrumento de troca universal, pois praticamente tudo o que fazemos dependemos do dinheiro.

Mas será que o dinheiro sempre teve essa incomensurável importância? Será que ele (a sua quantidade) bastava para determinar se uma pessoa era rica ou pobre? E se levarmos estes questionamentos para a primeira metade do século XIX, na qual a sociedade goiana era marcada em seu cotidiano pela escassez crônica de dinheiro? Diante dessas instigantes questões, buscamos entender o significado da riqueza em Goiás.

Para isto, dividimos a estrutura desta pesquisa do seguinte modo: no primeiro capítulo, fizemos uma análise histórico-sociológica sobre o dinheiro, visto que o modo como uma sociedade representa o dinheiro pode dizer muito sobre como é esta sociedade. E, especificamente, em Goiás, o dinheiro possuía um papel específico em comparação a outros lugares do Brasil, devido a sua escassez crônica de moedas. Buscamos, ao longo deste capítulo, discorrer sobre a definição e função do dinheiro, utilizando as seguintes abordagens sobre o dinheiro:a de Nigel Dodd, a de Marx e a de Simmel.

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com relação ao dinheiro e o que era considerado dinheiro para aquela sociedade. Também faz parte deste capítulo, a análise sobre os inconvenientes e os transtornos que a escassez de moedas e a utilização de outros elementos alternativos traziam.

No terceiro e último capítulo, fizemos uma discussão para entender o significado da riqueza para a sociedade goiana, na primeira metade do século XIX. A hipótese principal é que nesta sociedade o dinheiro não tinha a primordial importância a qual ele tem hoje na sociedade contemporânea. A sociedade goiana se utilizava, também, de outros elementos como o prestígio advindo da família pela posse de alguns bens de consumo e pela posse de escravos. Procuramos fazer algumas comparações entre os diferentes valores para termos uma noção de que quantidade de dinheiro poderia mensurar a riqueza dos membros da elite goiana. E, compreender quem nessa sociedade era marginalizado. E se nessa sociedade, as classes sociais eram rígidas ou se as pessoas poderiam ascender socialmente sem muitos obstáculos.

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Os valores monetários tomados isoladamente não nos interessam tanto como historiadores, mas sim, a contextualização , quando se pode relacioná-los com inferências socioculturais e estabelecer conexões diversas. É nesse sentido que observamos as contribuições metodológicas da História da Cultua Material que estuda

... objetos materiais em sua interação com aspectos mais concretos da vida humana, desdobrando-se por domínios históricos que vão do estudo dos utensílios ao estudo da alimentação, do vestuário, da moradia e das condições materiais do trabalho humano. (BARROS, 2004, p.30).

Nesta pesquisa fizemos uma releitura de fontes, muitas delas conhecidas sobre a história de Goiás. Entretanto, procuramos analisá-las sob a perspectiva do significado da riqueza, da utilização e representação do dinheiro. Utilizamos elementos os quais, muitas vezes, são marginalizados por historiadores como os valores de bens de serviços, impostos, correspondências, testamentos e relatórios. Documentos estes que foram primordiais nesta pesquisa.

Algumas dessas fontes utilizadas sobre a história de Goiás foram:

Relatos de historiadores contemporâneos ao século XIX: O Descobrimento, Governo,

População e Cousas mais Notáveis da Capitania de Goyaz e Memória Estatística da Província de Goyaz..., escritas, respectivamente em 1812 e 1832 pelo padre Luiz Antônio

da Silva e Souza; Anais da Província de Goiás, escrita em 1863 por José Martins Pereira Alencastre.

Relatos de viajantes do século XIX, destacando: Viagem à Província de Goiás de Augusto Saint-Hilaire e Viagem no interior do Brasil de Johann Emanuel Pohl.

Os exemplares do jornal Matutina Meiapontense, publicados em Meia Ponte entre 1830 e 1834.

• Relatórios dos presidentes da Província de Goiás, abrangendo 1838 até 1848.

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Capítulo I - O dinheiro na sociologia e na história

Poucos teóricos sociais dedicaram-se ao estudo do dinheiro, tomado como objeto em si mesmo. Utiliza-se o dinheiro, geralmente, somente como um meio de ilustrar ou ampliar outras temáticas vinculadas. Este desinteresse pode ser justificado pela desatenção em perceber o dinheiro como instituição social importante, capaz de ajudar a esclarecer diversos elementos culturais e sociais. Desse modo, o estudo da natureza do dinheiro, de seu papel no cotidiano da sociedade – o que inclui na política e na cultura -, possibilita entender o modo e o motivo pelos quais as pessoas o percebem e o utilizam elucida muitas das questões culturais e epistemológicas sobre qualquer sociedade.

Apesar desse desinteresse dos cientistas sociais e historiadores pelo dinheiro, ele cada vez mais se torna central no mundo atual. A sociedade contemporânea, por exemplo, é impensável separada dos usos do dinheiro, das instituições associadas ao seu controle e aquisição e das representações simbólicas sobre o dinheiro. Sobre isso afirma Tedesco em seu artigo sobre “Georg Simmel e as ambigüidades da modernidade”,

... o que o dinheiro, na economia monetária desenvolvida, provocou nos pensamentos, sentimentos e intenções dos indivíduos, nas formas de sociabilização, mas instituições e na vida cultural dos indivíduos, nas formas de sociabilização, mas instituições e na vida cultural dos indivíduos e da sociedade em geral (...) por isso que (...) analisa [Simmel] o dinheiro não apenas como entidade empírica, mas, em seu sentido mais profundo e complexo, como símbolo das formas essenciais das ações no mundo, como interação, para ‘ expor as precondições que, situadas nos estudos mentais, nas relações sociais e na estrutura lógica da realidade e dos valores, outorgam ao dinheiro seu significado e sua posição prática. (TEDESCO, 2007, p.59).

Devido a sua intrínseca relação com todas as dimensões da sociedade contemporânea, vamos analisar nos próximos dois tópicos o que é dinheiro, a definição de objetos monetários e as teorias monetárias.

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O que é dinheiro? De uma maneira bem geral a resposta para este questionamento seria “algo” que é aceito como forma de pagamento em determinada comunidade. Desse modo, o que é considerado dinheiro pode variar de acordo com o lugar e a época.

Na medida em que as sociedades foram-se desenvolvendo, houve a divisão do território e a especialização na produção, acarretando o processo de troca de mercadorias (escambo). Entretanto este sistema trás alguns inconvenientes, a saber: gera um longo processo de negociação, depende da coincidência de interesses e esbarra no problema da indivisibilidade (como, por exemplo, dividir um boi?). Muitas coisas foram usadas como dinheiro: barra de sal, gado, pérolas, tecidos. Em Goiás, há relatos de novelos de lã utilizados como moeda. Gradativamente, as pessoas foram percebendo que, para que o dinheiro fosse realmente eficiente, teria que possuir algumas características, tais como: ser duradouro e resistente; ser facilmente transportado e manuseado, ter valor intrínseco e poder ser subdividido. Inicialmente, eram mediados por peso, o que não era prático nem seguro (poderia “errar” na pesagem e prejudicar o comprador). Por isto, posteriormente, os governos começaram a cunhar moedas, que eram peças de metal com um determinado valor gravado e com o selo do governo, garantindo esse valor.

Dentre os variados objetos de comércio que desempenharam o papel de dinheiro, os metais foram os que obtiveram maior aceitação, destacando-se o ouro, a prata e o cobre.

O culto ao ouro foi altamente difundido em escala universal. Segundo Jozsef Robert em seu livro A Origem do Dinheiro, o ouro possui algumas características naturais, segundo ele:

Numa pequena quantidade de ouro encerra-se grande quantidade de trabalho; consequentemente, o ouro representa um valor elevado. Além disso, é facilmente transportável, não se dissolve nos ácidos e não oxida, ou seja, é um material estável. Seu brilho e sua bela cor fazem dele um símbolo do luxo, do esplendor e da beleza e seu valor, o símbolo da riqueza. (ROBERT, 1989, p. 23).

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desvinculou-se do ouro como papel mediador nas trocas mercadológicas. Este, na atualidade, faz uso de novos materiais: papel (cédula, cheques) plástico (cartão de crédito) e até a virtualidade. Nas linhas subseqüentes analisaremos melhor os objetos monetários.

O sociólogo Nigel Dodd acredita ser errôn ea uma diferenciação nítida entre dinheiro moderno e pré-moderno, ao menos no âmbito das terminologias de referência as quais os antropólogos e economistas costumam empregar. Dodd defende a incapacidade dos teóricos contemporâneos em definir o dinheiro de maneira satisfatória, sendo, por isso, de extrema urgência uma definição satisfatória do dinheiro.

As funções do dinheiro, segundo os economistas, são cumpridas parcialmente por outros instrumentos não-monetários. Pragmaticamente, isso significa que é possível elaborar diversas outras modalidades substitutivas de dinheiro as quais não se enquadram nas restrições impostas como parte da política monetária1·. Nigel Dodd (1997, p.17) concebe que uma definição correta

do dinheiro sob o ponto de vista descritivo enfatizaria as propriedades físicas e simbólicas dos objetos monetários. Entretanto, Dodd, complementa que esta possível definição teria pouco valor analítico e geralmente não proporcionaria mais que um enunciado do óbvio e uma base limitada para a generalização.

Segundo Nigel Dodd (idem, p.18) um teste simples para qualquer definição de dinheiro é questionar se esta auxilia na distinção entre dinheiro e não-dinheiro. Não existe necessariamente uma conexão entre as propriedades físicas e simbólicas de modalidades monetárias em contextos pré-modernos e isto faz com que alguns objetos utilizados para propósitos monetários praticamente não se divirjam de outros obtidos através de escambo ou oferecidos como presentes.

1 Na China de 3500 anos trás efetuava-se pagamentos com conchas de um molusco denominado cauri, considerado o

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Dodd acredita que é necessário, ao invés de uma definição materialista do dinheiro, enfatizar as relações sociais envolvidas na transação monetária e não nos objetos os quais medeiam estas relações. Isto porque os usos e as percepções de determinados objetos em detrimento de suas propriedades físicas asseguram seu papel monetário.

Contudo, esta consideração dependeria inquestionavelmente da concepção de dinheiro utilizada convencionalmente na economia, que vislumbra três funções básicas do dinheiro: primeiro, servir de meio de troca; segundo, servir de reserva de valor; e terceiro, servir de unidade de conta. Segundo Dodd, o teste dessa definição de dinheiro é menos simplório que para a sua contrapartida materialista. As modalidades monetárias convencionais pré-modernas são tidas como dotadas de menos funções em comparação ao dinheiro moderno.

Sobre dinheiro moderno e pré-moderno, Dodd diz que a distinção funcional entre eles é equivalente ao estudo das propriedades físicas do dinheiro, entretanto são obtidas conclusões que reduzem um pouco o grau de complicação das definições materialistas. Ainda segundo Dodd, os contextos pré-modernos se divergem dos modernos por possuírem preocupações econômicas referentes a outras formas de integração social, política e cultural - como, por exemplo, laços religiosos e de parentesco. Sendo assim, a vida econômica pré-moderna se insere em formas específicas nas questões social, cultural e política, motivo pelo qual o dinheiro pré-moderno possui funções limitadas.

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comprar/ trocar o produto e se não coincidirem as necessidades não se prolonga as relações entre os co-agentes. Já no escambo, o requisito básico das partes na transação é a informação, principalmente no tocante à localização e à confiabilidade dos co-agentes econômicos. A troca monetária também seria mais prática já que uma vez quitado a mercadoria com o dinheiro, a relação entre as partes pode ser encerrada, ao invés de se delongar para o futuro por promessas ou outras obrigações.

Entretanto, vale salientar que, considerar as vantagens da transação monetária em detrimento do escambo, não explicaria necessariamente a origem do dinheiro em determinadas sociedades. De acordo com Nigel Dodd, a informação implícita na transação monetária fornece o ponto mais fundamental de discriminação entre o escambo e a troca monetária. Cada função está relacionada com uma ampla rede de relações sociais. E este modo elucida algumas das problemáticas, como a questão da generalidade. Dodd exemplifica que “... a capacidade do dinheiro de armazenar valor depende da existência de uma rede monetária, tanto quanto sua função de meio de troca” (DODD, 1997, p. 28). O autor diz também não ser complicado imaginar a elaboração de diferentes instrumentos monetários numa mesma rede a qual se especializaria em determinadas funções, mas não necessariamente isso significaria cumpri-las totalmente. A comparação entre dinheiro pré-moderno e moderno ou das trocas monetárias em sociedades e culturas diferenciadas deve se estabelecer com base não nas capacidades funcionais de determinados instrumentos monetários, e sim no que difere entre as redes das quais depende a transação desses instrumentos. Segundo Nigel Dodd:

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estabelecimento da rede, por exemplo, o instrumento político empregado para validar o dinheiro ou evitar a falsificação, bem como os mecanismos institucionais para operar um sistema de pagamentos. (idem, p.28-29).

Este autor afirma também que (na assertiva acima) está implícita na decisão de confiar no dinheiro e refere-se à possibilidade de sua reutilização posteriormente, sua provável aceitação por outros membros de uma sociedade ou grupo e à sua validez e à estabilidade de seu valor nominal. Estas condições são indispensáveis para que a transação monetária consista em uma emissão efêmera ou instantânea a qual dispense qualquer consulta prévia a respeito de quem está efetuando a transação (“o comprador”), pelo menos na unidade monetária em si. Dessa forma, estes são pontos fundamentais para que a transação se efetue naquele momento e local. Dodd completa que os requisitos citados anteriormente podem ser traduzidos em cinco propriedades abstratas típicas de qualquer rede monetária:

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Diferentemente, o escambo não oferece essa confiabilidade descrita acima, há uma incerteza quanto à outra parte, à autenticidade do objeto oferecido em troca, ou à possibilidade de se poder trocar novamente o objeto posteriormente. Entretanto vale salientar que, embora as incertezas sejam inerentes à troca por escambo, não oferecem uma real ameaça à existência dele como um sistema de troca nalguma sociedade ou grupo social. Eles são uma parte imprescindível de sua ocorrência diária.

É importante ressaltarmos a existência de uma variedade de usos e percepções do dinheiro em diferentes sociedades e, entre elas, é de considerável importância a maneira pela qual o dinheiro funciona de fato nesses contextos2.

Então, percebemos que a utilização do dinheiro traz várias benesses, além de minimizar as incertezas relativas ao sistema de troca por escambo. Incertezas essas, segundo Dodd, relacionadas ao

... desequilíbrio entre a oferta e a demanda de certos produtos, a falta de informação sobre futuros níveis de oferta e demanda, a insegurança quanto à confiabilidade de outros, à autenticidade dos bens que eles trazem para trocar e dos contratos que procuram fazer constituírem, do ponto de vista do raciocínio econômico, imperfeições. (Idem p.33)

Enfim, essas definições do dinheiro são importantes para se compreender o contexto monetário da sociedade goiana na primeira metade do século XIX, uma vez que nesta sociedade predominava a escassez crônica de dinheiro, o ouro em pó fazia vezes de moeda, ou se utilizava moedas de baixo valor de carta, ou a própria mercadoria era considerada “dinheiro”, como acontece em trocas por escambo.

1.2 - Algumas abordagens sociológicas sobre o dinheiro

2 Neste ponto do livro Nigel Dodd faz uma importante elucidação. “Desejo enfatizar que a estrutura não é um tipo

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O instigante papel do dinheiro, inserido na lógica econômica, deriva não somente das confusões relacionas à demanda por dinheiro, mas, pragmaticamente, também da organização do poder na economia. O dinheiro tem relevância no âmbito político de modo a fazer-se imperioso a sua compreensão na teoria monetária. A seguir, discorrer-se-á sobre algumas das abordagens da análise monetária, destacando-se a de Dodd e a de Simmel

1.2.1

Dodd e o dinheiro

Segundo Dodd, duas dessas abordagens - de considerável relevância - iniciam-se a partir da economia de escambo que implicaria afirmar que o dinheiro é neutro. E, esta neutralidade é subdividida em neutralidade lógica e política. Em breves palavras, a neutralidade lógica propõe que, se a economia está em estado de equilíbrio, o dinheiro simplesmente medeia a produção e a troca de bens, não influenciando, intrinsecamente, nas variáveis econômica. Já o conceito de neutralidade política propõe que o dinheiro pode expressar desigualdades de riqueza e poder, entretanto não as gera. Porém essas idéias não se sustentam quando examinadas mais a fundo. Nas próximas linhas, esclareceremos melhor cada um dessas idéias.

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reivindicações normativas quanto à maneira em que se organiza a economia e o papel do dinheiro nela. Tais hipóteses, sem as quais nenhuma das teorias monetárias teria muita relevância enfraquecem a pressuposição básica de que o dinheiro seja neutro.

Dodd completa o raciocínio, discorrendo sobre a importância de se compreender as principais divergências entre as abordagens clássica e neoclássica da economia política monetária em relação ao papel do dinheiro na sociedade, não se restringindo a um embate entre diferentes filosofias da natureza humana, segundo ele:

... as conclusões contrastantes sobre as conseqüências sociais e políticas do uso do dinheiro na sociedade decorrem de noções quase idênticas sobre o modo de os indivíduos lidarem com ele. (...) A teoria monetária clássica repousa numa visão da ação humana racional que é melhor entendida em termos da distribuição entre paixões e interesses (...) a referência à relação entre dinheiro e ação econômica racional é essencial para explicar as origens do dinheiro, o que fundamenta o modelo de escambo empregado em ambas as abordagens(...). Tanto na economia clássica como na neoclássica, a emergência histórica do dinheiro é explicada por uma superioridade técnica em relação ao escambo. (...) O dinheiro surge como ‘o resultado impremeditado dos esforços particulares, individuais, dos membros da sociedade, que foram pouco a pouco encontrando o caminho para determinar os diferentes graus de vendabilidade das mercadorias. A ordem e coesão das redes monetárias são uma conseqüência impremeditada de uma série de ações díspares voltadas para a maximização. (DODD, 1997, p. 42-43).

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Desse modo, Dodd acredita que Smith, em oposição ao pensamento recorrente à sua época sobre a poupança, concebe esta como uma fonte primordial de crescimento econômico. Segundo ele o que é poupado é automática e imediatamente transformado em investimento3. A

argumentação sobre a poupança smithiana não é baseada unicamente em instancias morais, mas da suposição de que a poupança é racional sob a perspectiva tanto individual quanto coletiva.

Sobre essa questão Dodd afirma que:

... a natureza da demanda por dinheiro, em especial como reserva de valor, tem confundido persistentemente os teóricos do dinheiro que baseiam a maior parte de suas hipóteses monetárias na idéia de que ele serve basicamente de meio de troca. (Idem p.49)

E complementa o seu raciocínio,

Embora não se trate apenas de saber se ou porque as pessoas iriam entesourar dinheiro, a inquirição feita por Simmel dos aspectos culturais das atividades dos indivíduos em relação ao dinheiro como um meio desejável em si mesmo, proporciona um contraste esclarecedor com a posição defendida por Smith sobre a aquisição de dinheiro com o único propósito de retrocá-lo por outra coisa. Na verdade, Smith introduz aceitam dinheiro ou até anseiam por ele e às maneira pelas quais o usam quando o têm. (idem, p.49)

Nigel Dodd discorda que o dinheiro seja concebido como uma simples peça metálica neutra a mediar a troca de bens e serviços, conforme propõem as teorias clássica e neoclássica. Ele argumenta que o dinheiro carrega consigo associações culturais e simbólicas, geradas por seu uso como modalidade de riqueza e fundamento do poder, sua conceituação referente a liberdade, a felicidade e moralidade, e a sua guarda como uma forma de segurança ou por si mesmo.

Essa argumentação de Nigel Dodd nos ajudará a compreender a diferenciação entre riqueza e pobreza em Goiás na primeira metade do século XIX. Neste período a sociedade passava por uma situação de escassez crônica de dinheiro e como um subterfúgio a esta situação, a população se utilizava de meios como o uso de moedas paralelas – como o ouro em pó – a

3 Segundo Adam Smith o entesouramento – concebido como uma forma de poupança não-produtiva – deveria ser

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falsificação de moedas. Nesta sociedade o “deus” não era o dinheiro. Este era sim, importante, entretanto, ele não conseguia romper com os grilhões que cercavam os indivíduos, principalmente os negros e mestiços. Predominavam nesta sociedade elementos estamentais, na qual a força do dinheiro era limitada por prestígios de nascimento ou etnia.

1.2.2

Simmel e o dinheiro

A atribuição do Estado moderno na produção e validação do dinheiro depende não somente de sua elaboração de políticas, mas também, da confiança4. Por isto, segundo Dodd, as

teorias jurídicas do dinheiro suscitam questões referentes às condições sociológicas da transação monetária que não podem ser solucionadas somente relacionadas ao Estado.

Georg Simmel contribui imensamente com a teoria monetária, com os seus estudos relacionados aos aspectos culturais da economia monetária madura. Alguns críticos defendem que Simmel, em sua análise da cultura moderna sob a perspectiva da teoria monetária, é menos limitado em comparação às teorias sociais da modernidade, como as de Tönnies e Weber, visto que Simmel não presume que todas as relações sociais as quais se relacionam com o dinheiro tenham um caráter racional e deliberado, como fizeram aqueles teóricos.

Segundo Tedesco (2007, p.58), o debate em torno do dinheiro solidifica uma ampla discussão que acontecia na Alemanha no contexto de vida de Simmel. Marx, Hegel, Nietzsche, Weber, Baudelaire, entre outros, todos estes desenvolveram discussões sobre a cultura e civilização, sobre o campo material e o campo espiritual (cultura), sobre racionalização, politeísmo de valores, desencantamento do mundo e o irracionalismo e mercantilização.

4 Segundo Nigel Dodd, (...) A confiança nas propriedades abstratas do dinheiro é, por extensão, a confiança naquelas

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Na obra simmeliana o dinheiro ocupa um lugar de destaque. O capitalismo, para Simmel, não é fator determinante nas relações sociais na sociedade moderna e, sim a economia do dinheiro. Segundo Heinz Stecher

Simmel separa o novo do velho a partir do dinheiro. Tönnies o faz contrapondo os conceitos de comunidade e sociedade. Durkheim distingue a solidariedade orgânica da mecânica e Weber diferencia as sociedades tradicionais das que se baseiam no racionalismo ocidental moderno. (STECHER, 1995, p. 183).

Historicamente o dinheiro foi limitado e encaixado nas instituições religiosas e sociais. Já na economia moderna do dinheiro, este tende a minimizar as instituições tradicionais e as relações sociais e a movimentar os indivíduos.

Segundo Simmel

Quando entendemos, de forma geral, por liberdade o não depender da vontade dos outros, então esta liberdade começa com a independência da vontade de ‘determinados’ outros. Não-dependente é o colono isolado das salvas germânicas e americanas; independente, no sentido positivo da palavra, está o homem moderno da cidade grande, que, sem dúvida, precisa de um sem número de fornecedores, trabalhadores e colaboradores sem os quais não conseguiria sobreviver, mas que se relaciona com eles numa forma absolutamente objetiva e exclusivamente mediada pelo dinheiro. (Simmel Apud STECHER, 1995, p.184)

Dessa forma, a relação monetária aproximaria o indivíduo do grupo social a que ele pertence, entretanto coloca-o em posição de objeto, suprimindo a sua subjetividade/ personalidade. Nas sociedades pré-modernas o indivíduo depende diretamente do grupo a que pertence. Na sociedade moderna o indivíduo carrega consigo o direito à solidariedade dos outros e aos serviços, baseando-se no dinheiro.

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mesmas associações antigamente atendiam a interesses múltiplos: econômico, religiosos, políticos e familiares”. (apud STECHER, 1995, p.184)

A troca é uma ação recíproca que constitui a sociedade, o dinheiro surge a partir dela. A troca, segundo o pensamento simmeliano, fundamenta-se na troca e não na produção. O valor e a troca relacionam-se de forma recíproca e a economia é um caso particular de forma virtual-universal da troca. Esta concepção diverge-se da marxista, a qual define todo o valor provem da produção.

Neste processo de reciprocidade, o dinheiro exerce o papel de mediador. Segundo Stecher, à medida que o dinheiro se insere em todas as esferas da vida mediando as “cadeias teleológicas crescentes” para conciliar os fins, ele eleva-se para ser o meio dos meios.

O importante, entretanto, é que o dinheiro é percebido em toda parte como fim e, com isso, muitas coisas que têm o seu fim em si mesmos são rebaixados a simples meios. Ao mesmo tempo que o dinheiro, por definição, é o meio, os conteúdos da existência colocam num profundo contexto teleológico sem começo e sem fim. (Stecher, 1995, p.184).

Para entender a realidade complexa que surge a partir da economia monetária, Simmel fundamenta-se no conceito de ação recíproca. A compreensão teórica de Simmel tem como pressuposto que os “organismos sociais se constituem a partir da presença de forças ambivalentes ou dualísticas”. Na ação recíproca, destacam-se três componentes básicos, a saber: a relacionalidade (a qual seria o estudo de objetos e indivíduos sob a perspectiva da relação estabelecida entre eles), a contraditoriedade imanente e a circulariedade.

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capital. Dessa forma, como afirma João Carlos Tedesco, (2007, p. 59). Apoiado na teoria simmeliana, o dinheiro envolve, principalmente, intercâmbio e interação; são duas instâncias dinâmicas e de funções originais a vida social; é um dos principais símbolos do caráter dinâmico do mundo, veículo de um movimento no qual tudo o que move se esvaece.

...substitui [o dinheiro] dependências pessoais por outras impessoais; facilita a diferenciação da propriedade e da pessoa não vista em momento histórico nenhum antes, produz maior atomização da pessoa individual. (idem, p. 59).

Simmel demonstra, através de reconstruções históricas, de que maneira o dinheiro age na esfera individual e social. Como o dinheiro possibilita a dissolução dos grilhões de dependências pessoais da sociedade pré-moderna, universaliza e, a princípio, democratiza o acesso a ele; entretanto, produz as desigualdades sociais, rompe certos estilos tradicionais de vida, estáveis e consolidados.

O dinheiro, então, é visto como uma instituição, que evidencia a intercambialidade, bem como propriedade geral da experiência em reciprocidade e dependência. “O dinheiro possui a capacidade de imaginar, transferir e medir valores; é um fenômeno simbólico que convive com outros símbolos” (Paggi apud TEDESCO, 2007, p. 59). Sendo assim, a sua institucionalização acontece e se consolida pela natureza instrumental de troca, pela ampla capacidade de uso e de impessoalidade. O dinheiro, segundo esta concepção, ainda tem uma instancia moral, a qual se expressa em sua estabilidade, em outras palavras:

...que permita conservar seu valor no tempo, o valor dos outros objetos. A confiança generalizada, seu progresso na sociedade, deve ser acompanhada de um processo democrático ao mesmo tempo de um estado com certa centralização burocrática e um sistema jurídico que garanta liberdades e permita a quem queira monetizar-se assim o fazer. (TEDESCO, 2007, p. 59)

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relações mais anônimas e objetivas, como se elas fossem privadas de alma, segundo a idéia de simmeliana.

Dessa forma

A incidência do dinheiro sobre a cultura, a mentalidade, o estilo da existência da sociedade moderna, as estratificações são características próprias da modernidade. Por isso que, segundo Simmel, ela se presta à alienação, pois a orientação da economia monetária a um mundo humano secularizado, objetificado e impersonalizado deixa o indivíduo abandonado, mecanizado, sem deixar nenhum lugar às emoções ou às sensações de que as coisas têm um significado final, ou seja, são hierarquicamente ordenadas. Nesse sentido, a modernidade, alimentada pela economia monetária e vice-versa, produz um mundo unitário, fechado na objetividade entre os elementos que a compõe. (idem, p. 60).

Simmel preocupou-se em analisar os fenômenos estruturantes da modernidade como o dinheiro. O qual para ele tinha seu valor relacionado não - somente ao seu status de mercadoria, mas, ao que ele não comungava com as outras mercadorias, principalmente pelo seu alcance proveniente da intercambilidade com outros objetos.

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Capítulo II - O sertão goiano na primeira metade do século XIX

A Capitania de Goiás originou-se pela ânsia bandeirante por indígenas e pela descoberta do metal mais cobiçado à época: o ouro. Este metal começou a ser explorado em 1726 e em meados de 1750 alcançou o seu maior rendimento, passando depois por décadas de decrescente rendimento aurífero. A fase mais lucrativa da mineração em Goiás durou em média 50 anos. Um período não muito extenso se comparado a Minas Gerais, por exemplo.

No decorrer do período aurífero, várias vilas e arraiais surgiram em Goiás. Prioritariamente, estas se originaram a medida que se descobriam novas minas auríferas e algumas outras pelo pouso dos tropeiros. Muitas destas desapareciam com a mesma espontaneidade que se originavam. Já outras destas vilas e arraiais prosperaram, na medida do possível e se mantiveram até a atualidade.

No limiar do século XIX, a economia aurífera já não era tão lucrativa5, alguns motivos os

quais justificam este declínio, foram as técnicas rudimentares utilizadas para a extração, a falta de pessoal para a exploração mais assídua das minas, o pouco investimento de capitais até mesmo pela administração - a Coroa Portuguesa preocupava-se mais com a arrecadação do quinto. Então, como a mineração não atraia mais tantas pessoas, a Capitania goiana minimizou os coeficientes de investimentos nas minas, a mão-de-obra escrava não era reposta, muitas pessoas vão-se retirando dos núcleos urbanos e vão à busca de novas promessas de fácil enriquecimento6, como afirma Bertran:

5 Os rendimentos dos quintos do ouro na Capitania de Goiás foi em 1753 um dos mais lucrativos 40 arrobas – em

comparação a Minas Gerais foi inferior, nesta o rendimento foi, no mesmo ano, 107 arrobas – a partir desse ano passou a oscilar os rendimentos, em Goiás no ano de 1760 foi de 32 arrobas – em Minas, no mesmo ano, 97 arrobas – em Goiás, em 1766, foi de 20 arrobas – em Minas Gerais, no mesmo ano, 131 arrobas – no ano seguinte em Goiás, o rendimento foi de 23 arrobas – em Minas Gerais, 85 arrobas – em 1786, em Goiás o rendimento aurífero foi de 10 arrobas – em Minas Gerais, 60 arrobas – em Goiás, no ano 1796, foi de 6 arrobas – em Minas Gerais 44 arrobas – em Goiás, em 1806 , foi de 3 arrobas – em Minas Gerias 33 arrobas- em 1816 o rendimento era de uma arroba, em Goiás – em Minas Gerais 18 arrobas – em 1820, em Goiás, menos de uma arroba – em Minas Gerais duas arrobas. (SALLES, 1992, p.262-263)

6 Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, afirma que vieram para o Brasil, os portugueses os quais ele

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... Mineração sempre foi negócio cigano e virulento, ignorante de fronteiras e de massa demográfica (...). Fluxo de gente em quantidade não esperava mais tão logo descoberta do ouro. Testavam - se as jazidas regionais: se promissoras erigia-se o arraial e logo nas adjacências punha-se o gado a pastar. (BERTRAN,1988, p. 47).

Goiás paulatinamente vai deixando de ter sua economia baseada prioritariamente na mineração. Na primeira metade do século XIX, consolida a sua reorientação sócio-econômica baseada, agora, na agropecuária. Goiás aos poucospassa por uma reconfiguração, as cidades vão se deteriorando concomitantemente se consolida a ruralização da população e, consequentemente, a agricultura rudimentar e de subsistência e a agropecuária. Como afirma Eurípedes Funes :

com o declínio da mineração não há, de imediato, uma nova atividade econômica capaz de dar continuidade ao processo de desenvolvimento da província, o que gerou profunda crise econômica (...) durante esta fase crítica a qual só começou a ser superada na segunda metade do século XIX, em Goiás ocorreram importantes mudanças tais como: o predomínio de uma economia de subsistência com base na agropecuária, alterações na estrutura fundiária e profundas transformações nas relações de produção até então predominantes – o sistema escravista cede lugar, gradativamente, às novas relações de produção, não capitalistas, fundamentadas na força de trabalho familiar, do agregado, em menor escala do camarada.( Funes Apud CHAUL, 2001, p.71)

Sobre esta fase de transição goiana, a pesquisadora Gilka Vasconcelos Ferreira de Salles afirma que a história econômica de Goiás apresenta fases – as quais nem sempre se sucedem cronologicamente, mas se coexistem ou sucedem-se – que se assemelham às demais épocas de conquista e povoamento,

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propriedade rural e do labor artesanal, índice de futuros núcleos manufatureiros ou industriais. (SALLES, 1992, p.13)

Podemos perceber, então, que a sociedade goiana com o declínio da mineração não tinha outra atividade econômica que fosse lucrativa o suficiente para alavancar a economia. Goiás, dessa forma, passava por uma reorientação econômica na qual vai se consolidar como modelo econômico a agropecuária.

2.1 - Os viajantes europeus

Justamente nesse contexto de mudança de valores e hábitos, foi que os viajantes europeus passaram pelo sertão goiano. A Europa, neste período estava, em processo de industrialização, passava pelo desenvolvimento do capitalismo e estava regida pelas concepções de modernidade, progresso, do ascetismo e parcimônia7·.

As realidades vivenciadas entre europeus e os goianos possuíam divergências abicais. Dessa forma, imaginavam os viajantes que encontrariam uma dinâmica sociedade, com várias cidades povoadas e estradas, devido o período aurífero. Entretanto, a sociedade goiana estava distante da opulência esperada pelos viajantes europeus. E, pelos goianos não se enquadrarem nesses padrões europeus de modernidade - além de estarem passando por uma crise a qual imperava em vários setores - os viajantes relataram diversas impressões negativas sobre Goiás.

Sendo assim, os viajantes não conseguiram compreender os modos de vida dos goianos. Outro ponto a ser salientado é que os europeus viajantes não possuíam vínculos mais profundos com as paisagens/ cidades por eles analisadas (e, não vivenciada), sendo assim, eles não conseguiam vislumbrar as peculiaridades - tais como os moradores locais, por exemplo.

7 Segundo Nicolau Sevcenko, a Europa vivia a primeira fase da Montanha-russa. A Europa esta em situação

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Passaram por Goiás, na primeira metade do XIX, vários estudiosos europeus: Pohl (entre final de 1827 a abril 1829), Saint-Hilaire (de maio a setembro de 1819), Spix e Martius (no mês de setembro do ano de 1818), Gardner (entre os meses de outubro de 1839 e maio 1840), Castelnau (de fevereiro a dezembro de 1844) e Burchell (final de 1827 a abril de 1829). Além do Cunha Matos.

Por volta de 1820, os naturalistas Pohl e Saint-Hilaire passaram pelo arraial de Santa Luzia – atual Luziânia – a qual era considerada uma das localidades mais desenvolvidas de Goiás e, em seus relatos discorrem sobre a impossibilidade de comparação entre as cidades brasileiras e européias. Segundo Saint-Hilaire:

... não passavam de um amontoado de casebres miseráveis e ruas lamacentas... A maioria dos arraiais de Minas e Goiás, cuja origem se deve às minas de ouro, hão de ter tido o seu encanto em seus tempos de esplendor, e é evidente que Santa Luzia foi um dos mais aprazíveis... à época de minha viagem, não existia em Santa Luzia uma única pessoa que se dedicasse em grande escala à exploração da minas, e apenas uns quatro ou cinco negros, quando muito, ainda iam procurar palhetas de ouro nos córregos... com exceção de um pequeno número de artesãos, todos os habitantes de Santa Luzia dedicam-se ao cultivo da terra e só vão ao arraial aos domingos e dias de festas(...) durante a semana não se vê ninguém nas casas e nas ruas(Saint-Hilaire, 1975 a, p.26).

Como legítimos representantes da mentalidade européia daquela época, os naturalistas, não se questionaram o porquê daquela situação, não tentaram analisar a sociedade goiana sem os moldes do capitalismo. Esta sociedade passou a viver prioritariamente de uma agricultura de subsistência e da criação de gado, alterando seus valores e suas noções sobre o tempo.

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Cunha Matos queria reconstruir a nação. Alguns dos críticos da sua obra de dizem que ele observou com otimismo o futuro do Império e a miséria de Goiás. A respeito da decadência, afirma Cunha Matos, que as terras goianas já haviam sido habitadas por pessoas ricas e, no momento de sua análise, a maior parte dos habitantes deveria ser considerada “proletária”.

Segundo CHAUL, alguns autores voltam seus olhares na direção da análise, feita por Cunha Matos, da região goiana e observam que

O quadro traçado para Goiás permite que nos arrisquemos em algumas questões. Região pobre e decadente, com um pé no passado e outro no futuro (...) região fora do tempo onde nada prospera (...) os homens parecem espectros dominados pela síndrome do desanimo. O espaço é fantasmagórico: pontes caídas, estradas e fazendas abandonadas. No lugar da antiga prosperidade o vazio. Em Goiás pobreza não é apenas o contrário de riqueza, significa também o vazio que descaracteriza parte da história da região no século XIX. (CHAUL, 2001, p.75)

Entretanto a visão apontada por Cunha Matos e os viajantes neste trecho não se difere muito dos outros viajantes europeus. Entretanto, seus críticos procuram inserir a construção da nação no contexto da obra de Cunha Matos. Dessa forma afirmam que

A imagem de uma época não é mera reprodução da realidade, mas envolve significativamente o sujeito que a elaborou. Silenciar a imagem da pobreza – homens indolentes, regiões vazias, cumpre um objetivo fundamental: condenar ao esquecimento tudo que não coincide com a visão de nação em curso. Há um projeto disciplinar em andamento. Há um horizonte mental que não era o de Cunha Matos e que precisava ser negado. (CHAUL, 2001, p.75)

Para estes críticos, Cunha Matos reclamava o que era de fato necessário para ele, o poderoso braço do Estado Imperial. Como havia feito o juramento quando assumiu o seu cargo prometendo defender S.M. o Imperador, o rico e vasto Império, a Constituição (mesmo ainda não elaborada) e a província de Goiás.

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localidades. Cunha Matos empenhou-se na catequese dos indígenas. Sobre esses embates com os índigenas, este viajante escreveu uma epístola ao ministro do Império João Gomes da Silveira Mendonça, discorrendo largamente sobre o assunto. Cunha Matos conta que conhecia

três meios para civilizar os índios: o primeiro era atraí-los à força de donativos e em espetáculos cheios de pompa e fascinantes; o segundo seria catequizá-los com o uso da força de resignação religiosa e o terceiro , e último, meio era sujeitá-los por terror e superioridade das armas de fogo. E, segundo Cunha Matos em nenhuma outra província do Império se praticou o primeiro meio em tão larga escala como o foi em Goiás.

Segundo Americano do Brasil, Cunha Matos não queria destruir os Canoeiros pelas armas, mas apenas amedrontá-los, como fizera a uma aldeia indígena. Este militar convidava-os para assistir a uma festa, entretanto, a real intenção era de catequizá-los pelo terror. Reunidos vários índios, Cunha Matos ordenou que a tropa que executasse diante deles os mais chocantes exercícios, foram disparados vários tiros para demonstrar a força que dispunham. A encenação surtiu efeito, os indígenas ficaram amedrontados e “... imediatamente celebraram a paz e prometeram não mais incomodar os fazendeiros” (BRASIL, 1980, p.155).

Segundo Americano de Brasil, na estadia de Cunha Matos em Trairas foi que esse finalizou o Mapa da província, a Corografia e o Itinerário, trabalhos os quais gravaram o nome de Cunha Matos na história de Goiás. Cunha Matos era conhecido por amar Goiás, entretanto, em seus escritos ainda possui um olhar europeizado e acreditando na decadência da província após a mineração, como podemos observar em resposta a Lopes Gama, quando indagado sobre “as causas da decadência de Goiás”,

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talvez o quadro fiel e bem chocante de nossa estupidez, da nossa repreensível ociosidade. (BRASIL. 1980, p.163).

Cunha Matos foi considerado um militar disciplinado e era o patriota reformador. Entretanto, assim como Saint-Hilaire, Pohl – dentre outros – olhava Goiás com olhar civilizatório, do progresso.

Segundo estes viajantes a condição feminina8 em Goiás não era nada confortável,

percebemos isto em seus relatos ao mencionar diversas vezes a reclusão das mulheres em seus lares, dos quais saíam pouquíssimas vezes. As mulheres também viviam em uma condição de inferioridade social, a que estavam submetidas, pois naquela época o casamento era considerado como símbolo de status, e elas eram, em sua maioria, amantes de seus homens e, dessa forma, vitimas de preconceitos.

O olhar europeizado estabelece-se em suas observações dos hábitos por eles considerados “estranhos”. É a civilização versus a barbárie. As européias, de acordo com os viajantes, tinham hábitos finos, conhecem as regras de boas maneiras e são elegantes. Em contrapartida as goianas são grosseiras, tímidas, de hábitos rudes e propensas à libertinagem. Consideravam as mulheres, principalmente, das camadas mais baixas o avesso do modelo europeu, o qual deveria ser seguido.

As poucas vezes que Saint-Hilaire elogiou as mulheres goianas foi na questão do cuidado com a casa, “reinavam ali uma limpeza e uma ordem que nunca vira em nenhuma outra parte”. Já ao se referir sobre a “moral” da sociedade Saint-Hilaire, afirma que isto e a fruto das uniões ilegítimas, que era predominante em Goiás. As mulheres casadas orgulhavam-se de sua condição.

8 O jornal Matutina Meiapontense de 3 de janeiro de 1832 publicou um artigo o qual ressaltava a ligação da mulher à

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O casamento segundo a visão eurocêntricas é a base do sentimento de família, o curso natural da sociabilidade do indivíduo. A família seria, então, a criadora de uma autodisciplina que faltava aos goianos. Segundo retrata Saint-Hilaire, era comum em Goiás a prostituição,

Durante o dia só se vêem homens nas ruas da cidade de Goiás. Tão logo chega a noite, porém, mulheres de todas as raças saem de suas casas e se espalham por toda a parte, geralmente fazem os seus passeios em grupos, raramente acompanhadas de homens. Envolvem o corpo em longas capas de lã, cobrindo a cabeça cm um lenço ou chapéu de feltro. Também nessas horas elas caminham uma atrás das outras, e antes se arrastam do que andam sem moverem a cabeça nem os braços parecendo sombras deslizando no silencio da noite. Algumas vão cuidar de seus negócios particulares, outras fazem visitas, mas a maioria sai à procura de aventuras amorosas. (Saint-Hilaire, 1975, p.54)

Os viajantes afirmavam que a população abandonou os valores morais, principalmente as mulheres, as quais por presentes ou dinheiro, corrompiam-se facilmente. Segundo Silva e Souza, existia na Cidade de Goiás em 1832, 24 armazéns e 100 cabarés.

Cunha Matos (apud RIBEIRO, 2001) também tece comentários sobre as mulheres goianas. Apesar de compartilhar do eurocentrismo dos outros viajantes em questões do “atraso” goiano. Ao se referir às goianas diverge quanto aos comportamentos grosseiros:

As senhoras são honestas, afáveis e muito mais polidas do que se deveria esperar de terras tão distantes das cidades de beira mar, assento da civilização (...). As senhoras raras vezes aparecem a pessoas desconhecidas; vão quase todas à missa muito de madrugada; fazem as suas visitas de noite, mas na Semana Santa e no dia de Passos, apresentam-se com a mais pomposa decência que se pode considerar.(RIBEIRO, 2001, p.41).

Cunha Matos também retrata a reclusão feminina em Goiás, entretanto, discorda dos viajantes na questão do trabalho e da criação dos filhos, segundo ele elas são trabalhadoras e são preocupadas com a educação de suas crianças.

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historiadores goianos utilizavam os viajantes europeus como fontes, sem uma leitura crítica, em suas pesquisas o que resultou uma historiografia depreciativa a qual por muito tempo via Goiás, somente, como um sertão isolado, deserto de gente e de extrema pobreza. Os relatos dos viajantes são de suma importância para analisarmos a primeira metade do século XIX, entretanto, deve-se analisar as suas obras com um olhar crítico.

2.2 - A especificidade do dinheiro em Goiás

Voltaremos agora nossa atenção para o respeito sobre a especificidade do dinheiro em Goiás. No contexto histórico pelo qual estava inserido Goiás, o dinheiro era um sério problema administrativo. Em termos teóricos a circulação de ouro em pó, exercendo a função de moeda, possibilita uma interessante reflexão sobre a especificidade do dinheiro em Goiás. A etapa inicial da história do dinheiro foi a troca de uma mercadoria pela outra, sendo que vários produtos foram utilizados como referência para troca: o gado, sal , bachalhau seco, novelos de lã, dentes de cachorro, etc. No entanto a utilização de uma mercadoria como valor de troca traz muitos inconvenientes. Por uma série de dificuldades, foi que o ouro gradativamente se sobressaiu como mercadoria de troca por excelência.

Vale salientarmos que não se pode chamar as moedas de ouro e prata de “dinheiro”, pelo menos no sentido moderno do termo. Por mais que tenham uma utilidade discutível, esses metais são mercadorias. O verdadeiro “dinheiro” da modernidade surgiu quando o valor concreto da mercadoria perdeu espaço para o valor simbólico. Isso aconteceu gradativamente: moedas de ouro foram complementadas por moedas de bronze, cobre ou outros metais mais baratos, até serem definitivamente substituídas pelo papel-dinheiro.

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mesmo, apenas na forma de moedas de cobre, de pequenos valores, bastante desvalorizadas: o vintém, o tostão, etc.

Isto é decorrente de uma proibição, por parte da Coroa Portuguesa de circulação de moedas em Goiás. Esta medida, a principio ilógica, foi tomada por que para a Coroa lusitana interessava o combate ao contrabando do ouro. Isto por que se temia que contrabandistas comprassem ouro extraído das minas goianas e o levasse para outras regiões sem pagar o quinto9

do ouro. O ouro em pó passou a substituir a moeda em Goiás, valendo 1200 réis cada oitava (3,586 gramas).

Entretanto, o uso do ouro em pó como dinheiro contraria o princípio cartalista e a produção aurífera em Goiás ter-se tornando irrisória, uma das medidas tomadas pela regência de D. João VI ao chegar ao Brasil foi a proibição de circular o ouro em pó, como tentativa de incentivar a utilização de moedas oficiais de ouro, prata e bronze. Contudo, mesmo com a lei, o uso do ouro em pó continuou freqüente em Goiás.

A restrição ao uso do ouro em pó, gradativamente deslocou-se moedas para Goiás, prioritariamente moedas cunhadas de cobre. Neste período o Estado brasileiro passava por absoluta falta de recursos, o que levou a Coroa a autorizar que as províncias fabricassem o próprio dinheiro. Em Goiás, foram aproveitados os recursos materiais e humanos das casas de fundição, os quais estavam ociosos com o declínio da mineração, para se fazer moedas de baixo valor. Contudo, o fato de cada província produzir a sua respectiva moeda trouxe uma dificuldade no comércio entre as províncias. Esta medida durou pouco tempo, existindo até 1832, quando centralizou-se a cunhagem de moedas no Rio de Janeiro.

9 O Quinto do Ouro, segundo a Ordenação do Reino, era uma decorrência do domínio real sobre todo o subsolo (...).

Como não era de seu interesse extraí-lo por conta própria, concedia aos súditos (...) em troca o quinto do metal fundido e apurado. (...) O Quinto era a cobrança feita com mais rigor, devido a “enorme riqueza” de metais. Tratava-se de um tributo muito oneroso, cada vez mais difícil de pagar principalmente com o empobrecimento das minas.

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Goiás possuía uma balança comercial deficitária em relação às outras províncias. Sendo assim, os recursos monetários tendiam a exaurir-se rapidamente com o pagamento das importações, o que agravava o déficit de moedas na província. O ouro em pó, assim, prosseguia exercendo a sua função de moeda no cotidiano da sociedade goiana, na primeira metade do século XIX, como nos mostra Palacin, “ O homem médio, em Goiás (...) nunca expressava , - nem sabia- o valor das coisas em reis (...), mas exclusivamente em oitavas e meias oitavas, vinténs de ouro, patacas e meias patacas de ouro, valores das pesagens mais comuns do ouro em pó.”. (PALACIN, 1976, p.192).

As pessoas praticamente desconheciam o dinheiro oficial, porque ele não era de uso freqüente no seu cotidiano. Às vezes, nem o salário era pago em dinheiro, como presenciou Saint-Hilaire:

Os trabalhadores braçais encontram grandes dificuldades em receber o seu salário, embora este não passe 600 réis por semana, e alguns negros me disseram que preferiam ganhar um vintém por dia catando ouro nos córregos do que receber 4 vinténs trabalhando nas fazendas, onde o pagamento é feito em mantimentos, os quais eles não conseguem vender. (Saint-Hilaire, 1975, p. 27).

Esse era o penoso paradoxo do dinheiro pela população goiana: havia pouco dinheiro em circulação, mas os trabalhadores teriam que pagar impostos e taxas em dinheiro vivo.

Portanto, o cotidiano econômico de Goiás na primeira metade do século XIX era marcado pela desmonetarização. O dinheiro, em vez de possibilitar a aquisição de mercadorias, tornou-se ele próprio uma mercadoria disputada e rara. Diante disso, a população goiana apreendeu a viver sem ele.

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grandes proprietários de escravos, os eclesiásticos, os comerciantes viviam na opulência; os demais, quase na miséria.

Capítulo III - Luxo, esplendor, status... Será o dinheiro a única

expressão de riqueza?

10

10 Boa parte das idéias que serão abordadas foi pesquisada no decorrer do Projeto de pesquisa denominado

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A transição do século XVIII para o século XIX, como pudemos perceber no capítulo anterior, foi para capitania goiana bastante conturbada. A crise no setor mineratório e a subseqüente reorientação econômica tiveram impactos em sua geografia, sua população, seu cotidiano e suas cidades.

O esgotamento do ouro deslocou a economia goiana para fora do eixo central de acumulação e expansão do capital. Dessa forma, como Goiás não estava integrado a um processo destinado à exportação, a economia goiana, no início do século XIX, voltou-se para a subsistência, de bases rurais e agrícolas. A dinâmica desse novo modelo econômico parece que perpetuava em cada arraial, em cada pessoa e em cada fazenda.

O cotidiano socioeconômico de Goiás não seguia, então, ao compasso do desenvolvimento europeu. A Europa parecia tornar-se progressivamente mais distante de Goiás. Delineou-se amiúde uma região semelhante aos contornos do sertão, da aventura e do outro, como afirma Paulo Rodrigues Ribeiro11, “O outro é aquele que não se identifica, o inédito, o

singular, o específico. É a própria diversidade do real que invoca o problema da alteridade. É aquele cuja descoberta causa êxtase. O êxtase da aventura, da tensão, do sofrimento” (RIBEIRO, 2001, p.27).

É nesse ambiente de transição econômica social é que vamos situar a problematização básica desta pesquisa: diante da realidade singular de escassez crônica monetária, o que significaria ser rico e ser pobre em Goiás, na primeira metade do século XIX?

Atualmente é simples distinguir uma pessoa rica de uma pobre, definida pela posse de bens de consumo. Entretanto naquela época, Goiás era uma sociedade marcada por elementos

11 Segundo Todorov , o conceito de outro se baseia na seguinte concepção: “(...) Outro, ou outro em relação a mim.

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estamentais, na qual a força do dinheiro não era capaz de romper com elementos de prestígios de nascimento ou prestígios étnicos que cerceavam principalmente negros e mestiços.

No que se refere à riqueza, a correspondência de Dom Francisco de Mascarenhas (1804-1808) para a eleição tríplice para a escolha de um nome para assumir o cargo de Capitão-Mor da Vila de Goiás, demonstra o status socioeconômico do período. Segue a descrição do curriculum

vitae dos candidatos. O primeiro,

Capitão Francisco Xavier Leite do Amaral Coutinho é de uma das famílias mais conhecidas e distintas da Capitania. É neto do Cel. Francisco do Amaral Coutinho. Possui roças, bastante escravos, é funcionário administrativo da Real Fazenda da Capitania, vive decentemente segundo a criação da lei de nobreza, não padece defeito algum sua cristandade. (SALLES, 1992, p.360).

O Segundo candidato é o Capitão José Alves dos Santos,

(...) é filho de uma das famílias mais distintas de Jundiaí, da Capitania de São Paulo. O pai, o avô e bisavô já foram Capitão-Mores. Vive com decência, não exercitando ofícios mecânicos12. É negociante de portos de mar para as minas,

por meio do qual adquiriu muitos mil cruzados, donde se considera um dos mais pecuniosos das minas. Possui roças e lavras de ouro com bastante escravatura. É familiar do Santo Ofício e não há dúvida sobre a pureza se sua cristandade. (idem).

O terceiro e último dos candidatos era o senhor Antônio Gomes de Oliveira,

(...) já serviu de Capitão-Mor na comarca, foi Juiz ordinário e ocupou outros empregos. Teve negócios dos portos de mar para as minas, empresta dinheiro a juros, possui lavouras com muitos escravos. Não há dúvida sobre a pureza de sua cristandade. (idem).

Esta correspondência nos oferece importantes informações. Por meio deste documento, podemos perceber alguns elementos que os diferiam do restante da população. Quanto ao primeiro candidato, o Capitão Francisco Xavier Leite do Amaral Coutinho, a primeira distinção salientada –o prestígio- advinha do nascimento, a linhagem do Capitão. Em segundo lugar,

12 Pohl em seu relatório de viagem discorre sobre isto: O próprio raso, tendo de levar uma carta da Fazenda Real ao

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aparecem elementos vinculados à posse de terras, posteriormente destaca-se a posse de escravos, os títulos – o sujeito é um capitão e funcionário da Coroa Real – e, por fim, à sua religião, católica.

A referência ao segundo candidato, o também Capitão José Alves dos Santos, salienta a sua linhagem, o prestígio de sua família, que já do seu bisavô seguia-se a tradição de Capitão-Mor. Salienta-se o tipo trabalho, não-manual (já que este era concebido como um trabalho inferior, dessa forma não era para brancos, depois fala sobre os seus bens, o que inclui a posse de escravos e por fim a sua cristandade.

O terceiro, o senhor Antônio Gomes de Oliveira, não é Capitão, mas, já exerceu o cargo, além deste cargo, já foi Juiz ordinário. É destacado outros empregos os quais já possuiu e a posse de escravos e por último a sua crença na religião católica.

Este documento, então, nos fornece parâmetros para análise dos elementos necessários para pertencer à elite goiana da época. O que percebemos é que, ao lado de elementos de teor financeiro – “possui roças e bastante escravos”, “adquiriu muitos mil cruzados”, “empresta dinheiro a juros” – são destacadas, na descrição dos candidatos, elementos da caráter mais simbólicos: como pertencer “a uma das famílias mais conhecidas e distintas”, pertencer a uma tradição familiar “ligado ao Santo Ofício”, além da “pureza da cristandade”. O dinheiro era sem dúvida um elemento importante, mas sozinho era incapaz de abrir as portas a alguém dos cargos e privilégios reservados aos membros da elite da época.

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Segundo BRETAS (1991) Corumbá foi considerado por muitos um herói pelo seu testamento. Conheceremos um pouco mais sobre este sujeito. O seu nome de batismo era João Gomes Machado, ele nasceu em Santa Cruz, por volta de 1805. Era filho do comerciante local, Pedro Gomes Machado, o qual era senhor de alguns escravos e possuía uma regular fortuna.

Mudou-se com a família para a capital e prosseguiu com o seu comércio, adquirindo fazenda próxima à cidade. Pedro Gomes como “... era homem de alguma ilustração e experiência, e independente...” (BRETAS, 1991, p. 195), pois tinha bens, e logo foi nomeado membro do Conselho Administrativo, e em seguida eleito membro do Conselho Geral, função que exerceu por seis ou sete anos na capital.

Já o seu filho, Corumbá, formou-se em Matemática pela Universidade de Coimbra em meados de 1827. Quando retornou ao Brasil, passou a assinar João Gomes Machado Corumbá. Esse cognome foi adotado quando ingressou em uma sociedade secreta que defendia o Brasil contra as pretensões dos “brasileiros adotivos”, que insistiam em fazer o Brasil voltar à condição de colônia portuguesa. “Corumbá” passou então a ser seu nome de guerra.

Em 1842 aparece como examinador de Aritmética em um concurso para a Provedoria. Em 1844 fez o seu testamento, apesar de moço ainda (40 anos de idade) e, morre em 1850 no Rio de Janeiro, onde viveu os últimos anos de sua vida, na companhia de um escravo. Cinco anos mais tarde faleceu.

A sua última investidura conhecida foi a que se deu na posse da cadeira de Geometria, em 1839, embora parecesse não ter exercido esta função. Como afirma BREITAS, “... no seu testamento deixou toda sua fortuna, respeitável para Goiás naquela época, em benefício de uma ou duas cadeiras de Geometria, a serem custeadas com os rendimentos de seus bens”. (idem, p. 201).

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Julgando preciso fazer agora meu testamento declaro que não tenho pai nem mãi [sic], nem filhos, sim dois irmãos, dos quaes [sic]a femea [sic]Dona Anna Maria reconheço por tal, e o macho Francisco Gomes Machado desconfio ser menino trocado. A nenhum delles [sic] devo obrigações, e o macho devo aversão, porque reconheço ter sido o oppresor[sic] de todo o individuo da família até agora, apenas elle [sic] augmentar consideravelmente. – Portanto tendo-lhes eu feito o beneficio possível e gratuito a que Lei nenhuma me obrigava, e estando quite para com elles [sic], do que possuo quitação em data antes de hontem [sic], e estando elles [sic] sem filhos, e para Goyaz ricos, constituo a Nação Brazileira [sic] por minha universal herdeira. – O cabedal que houver será entregue ao Ministro do Imperador, e do Imperador macha ou femea [sic] sómente [sic], nunca do Regente, o qual Ministro for o da Instrução e será constituído Capital em renda, e esta aplicada para a propagação da Geometria na Província de Goyaz, ou nesta Cidade, ou na Villa [sic]de Santa Cruz, onde nasci, e podendo ser em ambas as partes. – O ensino se fará sob a immediata [sic] direção do dito Ministro, salvo se uma Lei sanccionada [sic] pelo Imperador mudar esta direcção[sic] . – Nasci e pretendo morrer na Religião Catholica [sic] Apostolica [sic] Romana. – Omeu funeral (podendo ser) será com medíocre apparato[sic]. – Cidade de Goyaz cinco de Dezembro de mil oito centos [sic] e quarenta e quatro. – João Gomes Machado Corumbá. (Bretas, 1991, p. 622.)

Corumbá era considerado um homem esquisito, um “neurastêmico”, doente, por isso consideravam que morreu cedo, mas, era patriota, um nacionalista, desde que este não lhe custasse dinheiro. A sua fortuna foi avaliada em R$ 23: 598 $ 124 (23 contos, 598 mil e 124 réis) e duas casas, uma grande e outra menor (Bretas, 1991, p. 202). Vamos fazer algumas comparações para termos noção de o que significaria essa quantia neste período estudado.

a) A mais da metade da arrecadação total da Província que, no ano de 1836, foi de 38:280$00 (38 contos, 280 mil réis).

Esse dado nos demonstra o quanto Goiás tinha uma fragilidade econômica, visto que um funcionário público graduado conseguiu acumular mais da metade do que era arrecadado em um ano. E, para agravar mais a situação, a quantidade arrecadada era insuficiente para cobrir as despesas e o déficit era constante13. Neste ano o valor total chegou a 6: 696$00 (seis contos, 969

13 Segundo SALLES, “De 1789 a 1800 quando findaram os dezesseis anos de governo de Tristão da Cunha Menezes

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mil réis). Esta comparação se trazida para a atualidade é quase inimaginável algum funcionário público possuir mais da metade do valor arrecadado em impostos durante um ano.

b) A 117 escravos, valendo cada um 200$000 (duzentos mil réis)

Segundo Saint Hilaire (1975, p. 125): “um escravo custa em Goiás, 200 mil réis, mas muita pouca gente se acha em condição de pagar esse preço à vista.” Embora o viajante francês não especificou a idade, nem sexo, nem as características físicas do escravo, podemos deduzir – já que estava descrevendo a atividade mineratória - que era um escravo do sexo masculino, adulto e em boas condições física.

Corumbá, então, poderia te adquirido 117 escravos e, com esta quantidade seria considerado um dos principais escravagistas daquela época. Aproximaria – se de Joaquim Alves de Oliveira, o qual era comerciante e proprietário de engenho de Meia Ponte, possivelmente o homem mais rico de Goiás na primeira metade do século XIX - veio a falecer em 1851 -, e segundo o seu testamento deixou 123 escravos, dentre outros bens (COSTA, 1978, p. 46).

Se Corumbá e Joaquim Alves vivessem no século XVIII, a realidade seria diferente. Segundo Paulo Bertran, pelo fim da mineração, em Santa Luzia (atual Luziânia) o Cel. João Pereira Guimarães o qual possuía 358 escravos; em Crixás, o Tem. João Bueno da Fonseca possuía 200 escravos e no mesmo arraial, Afl. Mathias de Castro Aguiar, com os seus também 200 escravos; em Traíras o Cap. José Roiz Bragança possuía 165 escravos. (In. Bertran, 1996, p.104)

A mercadoria mais cobiçada à época era o escravo. Este fato se comprova, por negros forros quererem adquiri-los. Conforme consta nos primeiros registros na capela de Santa Luzia, “Ignácia, Mina (nação, adulta. Batizada (...) pelo capitão Luiz. Escrava de Izabel da Silva Chaves,

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preta forra. Foram padrinhos Luiz Ferreira, solteiro natural de Portugal e Eugenia Joachina, preta forra solteira. Não se pôs os santos os santos óleos [estavam em falta na capela].” [BERTRAN, 2000, p.281]. geralmente, para as pessoas, “(...) a compra é feita a crédito, e durante todo o tempo em que o amo se ocupa em treinar o escravo a trabalhar aos juros vão acumulando. Quando chega o momento de soldar a dívida, o escravo não rendeu nada” (Saint-Hilaire, 1975, p. 125). Parece ser irracional, entretanto, em uma sociedade na qual uma das principais maneiras de se obter status era a aquisição de escravos, mas isso é compreensível, visto que o escravo não seria somente um investimento econômico.

Esta realidade acontecia em todo o Brasil. Havia até serviços de locação de escravos para quem não pudessem adquirir, quisessem exibi-los em ocasiões especiais. Goiás era uma região distante dos pólos econômicos do país, de difícil acesso, e, na primeira metade do XIX, a principal mercadoria para demonstrar prestígio social era a posse de escravos. Isto se justifica pela quantidade de pessoas que possuíam poucos escravos, os quais trabalhavam ou em casa, ou na “dita”, ou na roça, ou na lavra, ou na faisqueira – estes últimos progressivamente escasseavam-se pela pouquíssima quantidade de ouro. Em último recurso, e extra-oficialmente, quem não tivesse condições poderia adquirir uma criança indígena. Como relata Pohl, era comum o comércio de indígenas nas primeiras décadas do XIX, “aqui nos ofereceram À venda dois meninos índios. Pedia por um, de cinco anos, 30 mil réis e o outro de dez anos 100 gramas de ouro” (Pohl, 1976, p. 268). Entretanto, os escravos de origem africana lhe dariam muito mais prestígio.

Referências

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