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REPOSITORIO INSTITUCIONAL DA UFOP: Gilles Deleuze e a intercessão da arte na criação do pensamento da diferença.

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO - UFOP

INSTITUTO DE FILOSOFIA, ARTES E CULTURA.

Programa de Pós-Graduação em Filosofia

GILLES DELEUZE E A INTERCESSÃO DA ARTE NA

CRIAÇÃO DO PENSAMENTO DA DIFERENÇA.

Larissa Farias Rezino

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Larissa Farias Rezino

GILLES DELEUZE E A INTERCESSÃO DA ARTE NA

CRIAÇÃO DO PENSAMENTO DA DIFERENÇA.

Dissertação apresentada ao Mestrado em Estética e Filosofia da Arte do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de mestra em filosofia.

Área de concentração: Estética e Filosofia da Arte

Orientadora: Profa. Dra. Cíntia Vieira da Silva

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Catalogação: www.sisbin.ufop.br R467g Rezino, Larissa Farias .

Gilles Deleuze e a intercessão da arte na criação do pensamento da diferença [manuscrito] / Larissa Farias Rezino. - 2017.

120 p.f.: il.: color.

Orientadora: Profª. MScª. Cíntia Vieira da Silva.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Filosofia, Arte e Cultura. Departamento de Filosofia. Programa de Pós-Graduação em Estética e Filosofia da Arte.

Área de Concentração: Filosofia.

1. Deleuze, Gilles, 1925-1995 . 2. Pensamento. 3. Arte. 4. Criação. 5. Diferença (Filosofia) . I. Vieira da Silva, Cíntia. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Titulo.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Irineu e Solange, por caminharem sempre comigo me ensinando da maneira mais bonita aquilo que foge às grandes aulas na Academia, mas que são de fundamental importância para a educação humana. Ao meu irmão Rodrigo, que levo comigo no coração independentemente da distância, por me recordar o valor dos laços de cumplicidade. Para vocês, a minha família, os meus mais amados votos de agradecimento. Obrigada por sempre acreditarem em mim e por me darem a liberdade para me tornar quem eu desejasse Ser.

Aos grandes amigos cosmopolitas que Minas Gerais me presenteou: Ana Maria, Franciele Laura, Lorena Ferreira, Maria Carolina, Pamela Gois, Paulo Sabino, Sabine Ribeiro e Victor Silveira. E também aos amigos que mesmo longe nunca deixaram de participar das minhas aventuras acadêmicas, que apenas não cito os nomes para não correr o risco da memória faltosa. Há muito de vocês espalhados por diversos trechos dessa dissertação.

Aos meus doces Camila Fabro e João Ricardo.

Ao Piero Detoni por sua companhia e por sua dedicação. Pelo nosso afeto. A sua chegada ressignificou a pesquisa ao dar materialidade à criação de mundos possíveis através de narrativas. Obrigada por ter trabalhado comigo e por ter dedilhado a dissertação dando-lhe o arranjo que faltava. Mas, principalmente, por ver nessa pesquisa uma bela parceria para todas as esferas da vida.

Ao meu amigo, e companheiro desde os tempos da graduação, Pedro Henrique Rauchbach.

Às artistas plásticas Bárbara Paul e Marbelis Suarez que contribuíram com trabalho tornando-o artístico. Obrigada pela parceria e por se dedicarem aos detalhes líricos da dissertação.

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Ao professor Eduardo Pellejero e a professora Rachel Costa por terem aceitado o convite e participarem da banca examinadora do resultado final do trabalho.

A todos os professores, funcionários e demais membros que compõe o curso de Mestrado em Estética e Filosofia da Arte da Universidade Federal de Ouro Preto. Pessoas que exercem um trabalho de boníssima qualidade e fazem do Mestrado um curso de referência nacional. O trabalho desses profissionais garantiu a qualidade da minha formação na pós-graduação.

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RESUMO

Tendo em vista que a questão central da filosofia deleuziana refere-se à construção do pensamento e o seu estatuto de transversalidade diante das demais áreas de criação, a nossa pesquisa direcionou-se para as intercessões possíveis da arte, com destaque para a expressão artístico-literária, junto à estruturação do pensamento da diferença. O trabalho gira em torno das questões do pensamento, da criação, da arte e da literatura e tem como intuito final apresentar algumas dentre as inúmeras intercessões artístico-literárias na teoria filosófica em evidencia. Para tanto, elencamos três grandes obras: Proust e os Signos, Diferença e Repetição e O que é Filosofia? A partir da argumentação contida nelas direcionamos o nosso estudo objetivando averiguar como a arte contribuiu para a formulação do conceito de pensamento da diferença ou, pensamento sem imagem, proposto por Gilles Deleuze.

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RÉSUMÉ

En prenant en compte le fait que la question centrale de la philosophie deleuzienne se réfère à la construction de la pensée et à son statut de transversalité devant les autres domaines de création, notre recherche s'est orientée sur les intercessions possibles de l'art en mettant en évidence l'expression artistico-littéraire, ainsi que la structuration de la pensée de la différence. Ce travail se concentre sur les questions de la pensée, de la création, de l'art et de la littérature et a pour objectif final de présenter certaines des innombrables intercessions artistico-littéraires dans la théorie philosophique mise en évidence. Nous énumérons à cet effet trois grandes œuvres: Proust et les signes, Différence et répétition et Qu'est-ce que la philosophie ? Á partir de l'argumentation contenue dans ces œuvres, nous dirigeons notre étude dans le but de vérifier comment l'art a contribué à la formulation du concept de la pensée de la différence ou de la pensée sans image, proposé par Gilles Deleuze.

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SUMÁRIO

Introdução...10

Capítulo I.

Modulações do pensamento da diferença: seu plano diretor...20

Capítulo II.

Pássaros em voo: criação e re-criação do pensamento sob filtro deleuze-

guattariano...46

Capítulo III.

Aventuras criadoras: sobre a intensidade dos encontros...84

Considerações finais...111

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INTRODUÇÃO

“Repetir repetir - até ficar diferente” (BARROS, 2009, p. 11). Essa frase é do poeta brasileiro Manoel de Barros, mas se assemelha em muito ao projeto filosófico do pensador francês Gilles Deleuze. Ao ponto de podermos nos confundir e pensar que a frase seria sua. A filosofia de Gilles Deleuze propõe uma maneira outra de considerar o pensamento filosófico, de forma que o autor retoma questões clássicas da tradição, sem fixar-se no passado, e as re-pensa e as re-conceitualiza dentro do contexto histórico que estava inserido. Lançando mão de um método próprio ele desorganiza as teorias canônicas da filosofia, se apropria delas e com as mesmas compõe a sua teoria sem perder o traço próprio de um pensamento diferente. Coloca a filosofia sob um novo horizonte e elabora, pois, um pensamento híbrido que transita por diferentes áreas do pensamento humano. Preocupando-se também com a forma do discurso, e tendo uma escrita singular, elaborou o seu pensamento em uma linguagem às vezes lírica, ou até mesmo onírica, mas sem se desvirtuar do viés filosófico que lhe serviu de respaldo. O pensamento de Deleuze é múltiplo, e de múltiplas maneiras ele pode ser expresso e compreendido; sem que seja, no entanto, esgotado. Um pensamento em movimento que dialogou com outras áreas e em outros espaços para que fosse possível acrescentar à sua argumentação teórica uma perspectiva que, em diversos momentos, rompesse com as barreiras das normas acadêmicas então vigentes. Diálogos em um território cheio de curvas e de linhas, mas que levam o leitor ao encontro do texto mesmo havendo desvios no caminho.

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11 partir deles, o pensamento tornou-se binário, excludente, moral; tornou-se representacional e guiado por um único modelo autoritário que buscava enquadrar tudo e todos em moldes específicos. A filosofia clássica do tipo racionalista afirmou um pensamento formado por pressupostos nos quais “bastaria uma decisão e um método capaz de vencer as influências exteriores que desviam o pensamento de sua vocação e o

fazem com que ele tome o falso pelo verdadeiro” (DELEUZE, 2010, p. 88). Um modus operandi no qual a ordem e a organização das ideias seriam o próprio pensamento. Diante deste posicionamento Deleuze elabora outra dimensão para o pensamento: ele visa desvinculá-lo da representação, deixando-o livre para novas conexões.

Neste trabalho apresentaremos o desenvolvimento teórico do pensamento sem imagem até o momento em que Deleuze deixa de buscar um pensamento sem imagem para procurar, com Guattari em O que é a filosofia?, novas imagens do pensamento. A pesquisa parte do pensamento de maneira geral, mas especificamente na arte. E mais: concentra-se em como a arte é capaz de produzir um pensamento livre dos postulados e longe da ideia clássica de representação. Desfaz-se, no limite, a ideia de que a arte trabalha sempre na esfera representativa; e argumenta-se que o seu eixo não são as faculdades intelectivas, mas, sim, a sensibilidade. Assim, dedicamos um capítulo à criação do pensamento na filosofia e a criação de pensamento na arte, justamente com os principais elementos teóricos que participaram desse processo de tessitura e sem os quais o processo seria inviável. Para tanto, elegemos o livro O que é filosofia? enquanto base de evidência dos elementos, das relações, das conexões, das interferências, dos planos em destaque, até chegarmos na produção de cada área: conceitos e blocos de sensações. Todavia, a proposta de um pensamento novo ou pensamento diferente é uma temática que percorre todas as obras do autor. Por isso elaboramos um capítulo para apresentarmos os fundamentos dessa crítica, os empecilhos vinculados ao desenvolvimento do pensamento representacional; para então descrevermos a nova ideia deleuziana e, também, a sua proposta de pensamento. Sobre a questão do pensar Deleuze é bastante categórico:

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12 dele com olhos vermelhos, mesmo se são os olhos do espírito. Mesmo Descartes tem seu sonho. Pensar é sempre seguir a linha de fuga do vôo da bruxa (DELEUZE & GUATARRI, 2010, p. 58).

Como Deleuze dedicou trabalhos a diversas expressões artísticas (cinema, pintura, literatura, etc) selecionamos apenas uma dessas expressões para nos atermos a conceituação: a linguagem literária da arte. O entrelaçamento entre filosofia e arte, entre pensamento e obras de arte, é mais uma das questões que percorrem vários trabalhos do autor francês. Há diversos escritos de Deleuze, e dele com Guattari, sobre a temática literária que também contém expressões do pensamento sem imagem. Desde as suas primeiras publicações verificamos a sua disposição em aproximar a expressão artística literária do discurso filosófico e da invenção própria desse discurso, bem como para a renovação da imagem do pensamento através das interferências artísticas. Assim, em outro dos nossos capítulos selecionamos o livro Proust e os Signos com o fito de trabalharmos com a crítica artístico-literária acerca do pensamento sem imagem na filosofia.

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13 A arte não apenas pensa e cria por si mesma, mas produz e oferece para as outras áreas aquilo que Deleuze nomeia como intercessores: elementos que são fundamentais para o pensamento uma vez que “a criação começa pela fabricação de intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas – para um filósofo, artista ou cientista; para um cientista, filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, animais (...)” (DELEUZE, 2010, p. 156). Não há um texto, um livro ou um artigo em que Deleuze trate do conceito de intercessores. O momento exato em que ele comenta sobre o tema é em uma entrevista que encontra-se no livro Conversações. Contudo, a ideia de intercessores percorre, mesmo que silenciosamente, os escritos deleuzianos quando o autor volta-se para a relação entre o pensamento, a filosofia e a não-filosofia – os intercessores servem de elo dos pensamentos para o pensamento. O que o torna um conceito eminente para a teoria filosófica deleuziana uma vez que configura o que poderíamos chamar de uma orientação metodológica; mesmo não havendo metodologia para esse pensamento. Os intercessores se manifestam como variações heterogêneas de múltiplos componentes de intensidades, atravessam o pensamento e compõem com ele; o movimenta fazendo-o percorrer caminhos outros. A composição de intercessores, pois Deleuze só os pensa no plural, oportuniza aos estudiosos diversos novos olhares de análise e fazem mundos outros de possibilidades emergirem. O mesmo vale para a interferência filosófica na criação artística, mas como o nosso trabalho foi desenvolvido a partir da perspectiva da filosofia, ficaremos apenas com a primeira sobreposição.

Observando que a delimitação da filosofia e das artes é tênue no pensamento deleuziano é esta pequena delimitação que nos servirá para averiguar de que maneira a Literatura impacta o pensamento do filósofo francês e como ele se apropria de suas especificidades – enredo, cenários, descrição, forma, estética, personagens, sensação, signos, linguagem, etc – para desenvolver a sua teoria filosófica e, mais do que um pensamento, o pensamento da diferença.

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14 série. Se não formamos uma série, mesmo que completamente imaginária, estamos perdidos” (DELEUZE, 2010, p. 156). O que afirmamos ao longo desse trabalho é que a arte, e em especial a Literatura, serviu como intercessor a Deleuze para inventar seu conceito de pensamento sem imagem. Foi, também, na arte que ele encontrou interferências para agregar em seu projeto filosófico em justaposição. Sobre a sua relação com os diversos intercessores de múltiplas formas o filósofo confessa: “Eu preciso de meus intercessores para me exprimir, e eles jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha com vários, mesmo quando isso não se vê. E mais ainda quando é visível: Félix Guattari e eu somos intercessores um do outro” (DELEUZE, 2010, p. 156). Deleuze compôs com vários intercessores e firmou tais alianças com maestria; criou e re-criou com elementos artísticos o que nos leva a considerar a arte um fundamento para o pensamento não representacional. Comenta Ovídio de Abreu:

Desse modo, ao longo de toda sua obra, sempre convocando intercessores, Deleuze vai tramando uma nova imagem do pensamento, traçando seu plano de imanência e criando os conceitos suscitados pelos problemas que ele constitui ou renova. Assim, um novo som começa a se fazer notar no pensamento, a filosofia procura as artes e as ciências para compor com elas blocos de resistência ao dogmatismo em filosofia e aos poderes que visam a separar as potências vitais daquilo que elas podem (ABREU, 2010, p. 290).

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15 perspectiva filosófica observa que é o ato de criação o ponto de partida para a busca da gênese do pensar fora da identidade e da representação.Dessa maneira, o autor recorreu à ciência, à tradição filosófica e às artes para dar consistência ao seu pensamento; e entre as expressões artísticas, encontrou na Literatura um terreno fértil para a produção da sua filosofia. Dedicando estudos a literatos como Kafka, Proust, Miller, entre outros, observou que esses escritores ao escreverem seus romances se assemelhavam aos filósofos, pois ambos se afirmavam no processo de criação e suas criações finais ressoavam uma na outra; elas conversavam entre si e se intensificavam. Deleuze e Guattari nos dizem que enquanto

(...) a filosofia quer salvar o infinito, dando-lhe consistência: ela traça um plano de imanência, que leva até o infinito acontecimentos ou conceitos consistentes, sob a ação de personagens conceituais. (...) A arte quer criar um infinito que restitua o infinito: traça um plano de composição que carrega por sua vez monumentos ou sensações compostas, sob a ação de figuras estéticas (Deleuze; Guattari, 2010, p. 233).

Deleuze tem um estilo próprio para escrever a sua filosofia. Há questões centrais que acompanham o autor desde os seus primeiros escritos até as suas últimas obras. O que se modifica de um livro a outro não é a teoria em si, mas a vertente que o autor a abordou. Assim, encontramos sua conceituação sobre o pensamento não representacional desenvolvida e modificada ao longo de sua trajetória acadêmica. O filósofo mesmo nos conta: “Creio que, além da multiplicidade, o mais importante para mim foi a imagem do pensamento tal como tentei analisa-la em Diferença e Repetição, depois em Proust, e em toda parte1” (LAPOUJADE, 2015 p. 15). Poderíamos percorrer todas as obras de Deleuze, inclusive aquelas que escreveu com Guattari, que encontraríamos elementos para desenvolver a questão aqui proposta. Porém, dentre todas selecionamos três obras que serviram de diretrizes para a argumentação da dissertação (claramente outras obras compõem a pesquisa, mas são estas três que alicerçam os pilares dos capítulos). São as obras: O que é Filosofia? (1992), Diferença e Repetição (1968) e Proust e os Signos (1964). Talvez o motivo da seleção desses livros não seja tão evidente, por isso o esclarecemos: em meio a todas as obras encontramos em Diferença e Repetição um detalhamento conciso acera da crítica ao pensamento representacional, ou seja, essa obra nos serve como armamento no embate face ao pensamento dogmático. Nela, Deleuze também lapida a estrutura do pensamento sem Imagem que alcança seu auge em O que é Filosofia?, quando o autor junto à Guattari

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16 visam as novas Imagens do Pensamento. Sendo que também em O que é Filosofia? os autores horizontalizam as áreas do pensamento e apresentam o movimento criador e a produção de cada uma delas. Nessa obra, escrita em parceria com Félix Guattari, os escritores enfatizam que a arte pensa e produz pensamento. E, como nossa direção artística é a literatura, encontramos em Proust e os Signos uma crítica artística ao pensamento representacional filosófico elaborada a partir dos romances proustianos, além do conceito de signo que também participa da produção do pensamento. Selecionamos essas três obras, pois consideramos que elas tratam da mesma questão, mas cada uma a partir da sua perspectiva; por isso se entrelaçam e, nesse entrelaçamento, elas se completam. Aponta-nos, assim, o comentador Zourabichvili que

Gilles Deleuze nunca parou de comentar outros autores e, ao fazê-lo, sempre afirmou um pensamento próprio e original. Os mesmos motivos lógicos, frequentemente os mesmo conceitos, retornam de um livro a outro e, a cada vez, variados, deslocados; a obra, sempre em curso, é como um jogo de ecos ou de ressonâncias (ZOURABICHVILI, 2016, p. 35).

Na variedade de escritos deleuzinaos encontramos conexões e alianças com artistas plásticos, com escritores, com filósofos, entre outros e, não menos importante, com o seu parceiro Félix Guattari (1930-1992). Escrevendo desde monografias sobre filósofos, ou críticas sobre diversas vertentes da arte como, por exemplo, a literatura, ofertou escritos a grandes literatos e, ainda, produziu obras em que apresentou seu próprio pensamento, além dos textos escritos a quatro mãos. Nesse leque variante de obras o “fazer filosófico” se expandiu. Contudo, em todas as suas obras é possível observar o traço pessoal do autor que não apenas analisou imparcialmente as obras de outrem. Seus escritos possuem sua parcialidade e seu posicionamento; a maneira que Deleuze pensou e assimilou a forma pela qual foi afetado ao interagir com tais obras e com o pensamento de outros autores. Um dos aspectos notórios de Deleuze é que ele não apenas expõe sua teoria, mas a desenvolve e a executa em seus livros, de forma que nos leva a pensar que a estrutura da escrita da obra também faz parte da teoria explicitada.

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17 jogadores, as suas tensões, o franzir da testa e o suor das mãos; entre outras coisas que participam dos lances das cartas. Por isso a produção de Deleuze nos é estimada. Nela há todo um rudimento conceitual e estético que leva o entendimento e a escrita à extremidade. Daí que ao trabalharmos com um pensador tão complexo como esse, e com uma teoria tão heterogênea, não poderia ser essa relação assexuada. O envolvimento precisa ser completo e reverberar para todas as direções possíveis para que a teoria ganhe a potência que a faz ser o que é. Deleuze nos afetou, nos atravessou, em uma relação muito além da teórica. Fazendo das palavras de Zourabichvili as nossas afirmamos que:

Escrever sobre Deleuze não é comentar uma revolução filosófica já feita.

Ninguém sabe e nem pretende dizer o que é “a” filosofia de Deleuze; nós nos

sentimos afetados por Deleuze, nós outros, seus exploradores, na medida em que tentamos fazer filosofia hoje; presumimos que a filosofia não sairá indene da aventura deleuziana, mas sabemos que a cabe a nós mostrar e efetuar isso (ZOURABICHVILI, 2016, p. 34).

Como o encontro afetivo com esse pensamento filosófico não se restringiu apenas ao campo teórico, pretendemos utilizar a teoria deleuziana para o estudo da filosofia, mas também a maneira como o filósofo nos ensinou a utilizar a tradição nos será cara: realizando apropriações. O próprio filósofo reconhece a tarefa perigosa do trabalho do escritor, que requer uma engenhosidade que beira o deslize no escrito e que enxerga os tropeços possíveis da sua função. A respeito do esforço do pensador para criar ou re-criar a teoria Deleuze diz:

Como escrever de outro jeito senão sobre aquilo que não se sabe ou se sabe mal? É necessário neste ponto que se imagina ter algo a dizer. Só se escreve na ponta de seu próprio saber, nesta ponta extrema que separa o nosso saber e nossa ignorância e que faz passar um no outro. É só desta maneira que se é determinado a escrever. Suprir a ignorância é deixar a escrita para depois ou, antes, torna-la impossível (DELEUZE, 2006, p. 4).

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18 No que tange aos desenhos esclarecemos que se surgir a dúvida sobre qual a representação implícita nos mesmos face à teoria defendida a resposta resume-se em uma palavra: nenhuma. As artistas criadoras se apropriaram da teoria francesa em questão e intercederam livremente no trabalho. Nada além. As imagens nos servem como epígrafes. Se por ventura o leitor buscar interpretá-la será uma tarefa livre que diz respeito à sua subjetividade e à sua afetação. Quanto a nós cabe apenas colocar que as obras nos afetaram ao ponto de escolhermos compor o trabalho com elas, sem em momento algum buscarmos uma possível explicação representativa. A afetação nos bastou.

Evidentemente ressaltamos que é uma experimentação, uma tentativa; e como os próprios autores descontroem a tradicional ideia de erro não recuaríamos diante dessa aventura por receio da falha. Procuramos escrever os capítulos de forma que cada um fosse independente do restante da obra, porém se intensificassem quando lidos no todo. Todos têm a mesma questão no pano de fundo, mas a perspectiva de cada garante uma abordagem diferente do assunto. Sugerimos uma ordem com o sumário, mas não passa de uma sugestão.

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Modulações do pensamento da diferença

: seu plano diretor.

I. Para pensarmos as dinâmicas do pensamento diferencial – em suas diversas expressões - ressaltado por Gilles Deleuze, e posteriormente reafirmado na parceria com Félix Guattari, faz-se necessário um mapeamento cartográfico das obras do autor que contenham argumentações meta-teóricas sobre o assunto, mesmo que não seja viável para este trabalho dissertar cuidadosamente sobre a argumentação teórica de cada uma delas. Em três das suas obras há claramente o tratamento da crítica ao pensamento representativo. Uma delas é Nietzsche e a Filosofia (1976), no capítulo três Nova Imagem do Pensamento, em que o pensador francês afirma que Nietzsche foi um dos filósofos capazes de construir uma verdadeira filosofia ao contrariar e desmistificar o critério de Verdadeiro e do Bem no pensamento dogmático que erigiu a imagem moral do pensamento. Outra obra: Proust e os signos (1964), na parte A imagem do pensamento, na qual Deleuze expõe os signos como forças externas que provocam encontros e intercessões2. Outra de suas obras seria sua tese de doutorado Diferença e Repetição, mais especificamente no terceiro capítulo Imagem do pensamento, publicado pela primeira vez em 1968. Diferença e Repetição é considerado um dos escritos mais influentes de Gilles Deleuze, pois todas suas outras obras, mesmo aquelas em parceria, retomam os conceitos-chave apresentados nesse texto. É nesta obra que Deleuze constrói filosoficamente sua ideia de pensamento. Na obra o autor cria os conceitos do título (diferença e repetição), demonstrando as alianças com outros autores que o levaram a tal perspectiva (interessante notar que as alianças não são somente com autores, sujeito, mas também com a produção, do que se entende trivialmente como conhecimento, da matemática, da biologia, literatura, ciência, arte, física, sexualidade, política, etc. O que torna a obra uma “espécie de mathesis universalis, (...) uma totalização enciclopédica dos saberes e dos campos3”). É também nesse texto que o autor examina minuciosamente os pressupostos do pensamento representacional, e reivindica o pensamento fora da representação. De forma genérica, pode-se afirmar que a principal direção dessa obra consiste em desenvolver uma argumentação crítica sobre o entendimento canonizado pela tradição do pensamento filosófico acerca da forma pela qual o pensamento se estrutura e como ele alcança o verdadeiro conhecimento, melhor dizendo, a verdade. Há, também, uma argumentação clínica na qual o filósofo evidencia

2 Esta obra faz parte da seleção base-estrutural de bibliografia deleuziana para a dissertação, assim sendo, será retomada e analisada com maior profundidade em outro capítulo.

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21 os sintomas de um pensamento adoentado por ser reprimido e viciado na representação, e diagnostica tal doença em prol de uma saúde maior. A sua ideia é fazer “do pensamento delirante, fabulador, um processo de produção de novas individualidades” (SILVA, 2016, p. 97). De acordo com Cíntia Vieira: “a interrupção de tal processo é o que nos faz adoecer, individual ou coletivamente” (SILVA, 2016, p. 97). A partir de tais considerações o filósofo francês elabora teoricamente o Pensamento sem imagem:

(...) em Diferença e Repetição, Deleuze afirma a importância da retomada de uma pesquisa de novos meios de expressão filosófica, inaugurada por Nietzsche, e agora relacionada à renovação em curso nas artes: pintura, literatura, cinema e teatro. Nesse mesmo livro, Deleuze dá prosseguimento à crítica da “imagem dogmática do pensamento” e à criação dos conceitos necessários para elaborar uma filosofia da diferença que se afirme como um “pensamento sem imagem” (ABREU, 2010, p. 290).

Chamamos para o diálogo desse capítulo outro texto deleuziano que conversa, e complementa muito bem a discussão por aqui começada. Texto que encontramos em apêndice ao livro Lógica do Sentido (1969), intitulado Platão e o Simulacro. Nessa obra filosófica Deleuze cria uma lógica para a sensação apropriando-se do romance literário Alice no País das Maravilhas, como também do romance Alice no País dos Espelhos, ambas do mesmo autor, Lewis Carrol, em um paralelismo teórico com o pensamento estóico4. Em Platão e o Simulacro, o filósofo francês analisa o legado herdado da filosofia grega clássica, especificamente, da filosofia platônica. Com tom de crítica, Deleuze estuda as diretrizes desse pensamento legado a nós por tal linha teórica e que cintila até os dias atuais. Consideramo-los o fundamento do pensamento representacional, pois é por essa tradição que se consolida o modelo (perverso por ser inatingível) e a cópia (fajuta) que conduz o pensamento na busca do modelo da representação.

Contudo, essa obra nos serve de complemento, mas é em Diferença e Repetição que a crítica se consolida devido à importância teórica e pelos conceitos apresentados na obra. Ademais, a escolha dessa obra consiste, também, em sua estrutura de escrita, que mesmo imersa em conteúdos “maciços” encontrados na construção dos argumentos filosóficos - tanto na maneira de expressá-lo quanto na seriedade exigida em uma obra filosófica - nos possibilita encontrar o contraponto de quebra hierárquica –

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22 e que muito interessa para a pesquisa – quando o autor afirma, logo no prólogo, que “um livro de filosofia deve ser, por um lado, um tipo muito particular de romance policial e, por outro, um espécie de ficção científica” (DELEUZE, 2006, p. 17). Desde já, pode-se observar o posicionamento deleuziano sobre a outra maneira de escrever filosofia, tipicamente contemporânea, na qual a rigidez dos textos consagrados não saciam mais as expectativas que buscam a expressão do pensamento não mais como uma categoria transcendente, ou não apenas, mas como o pensamento de um corpo que pensa; de um pensamento que se formula por diversas interferências. A busca por novos meios de expressão filosófica e a quebra com o velho estilo ressoam em Diferença e Repetição:

Aproxima-se o tempo em que já não será possível escrever um livro de Filosofia como há muito tempo se faz: “Ah! O velho estilo...”. A pesquisa de novos meios de expressão filosófica foi inaugurada por Nietzsche e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras artes, como por exemplo, o teatro e o cinema. A este respeito, podemos desde já, levantar a questão da utilização da História da Filosofia. Parece-nos que a História da Filosofia deve desempenhar um papel bastante análogo ao da colagem numa pintura. (...) Seria preciso conseguir apresentar um livro real da Filosofia passada como se tratasse de um livro imaginário e fingido. (...) As resenhas de História da Filosofia devem representar uma espécie de desaceleração, de congelamento ou de imobilização do texto: não só do texto ao qual eles se referem, mas também do texto que eles se inserem (DELEUZE, 2006, p. 18).

Se a busca final dessa pesquisa consiste em demarcar o posicionamento deleuziano acerca da criação do pensamento sem imagem através do agenciamento da arte, precisamente na arte literária, a linha argumentativa encontrada nas obras selecionas é que conduzirá a esse desfecho e fundirá os argumentos. Seria possível criar “n” conexões entre as obras desse autor para justificar a influência da Arte no seu pensamento. No entanto, as obras aqui eleitas percorrem desde os primeiros até os últimos escritos do pensador, pois a intenção é demonstrar não apenas a evolução da união entre arte e filosofia, mas, também, a criação do pensamento e a consolidação do pensamento da arte na filosofia e como a literatura contribuiu para essa consolidação. Por isso, antes da argumentação sobre o pensamento sem imagem na arte devemos considerar: o que é o pensamento? Do quê o pensamento é capaz? Como o pensamento acontece? Como ele se constitui? Como se pensa o pensamento? Como se pensa um pensamento que não é de julgamento? E mais precisamente: o que é o pensamento diferencial?

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23 nosso objetivo mais geral. É preciso comentar o que Deleuze considera como Diferença e como Repetição, uma vez que esses conceitos estão intrinsecamente conectados em seu projeto filosófico, e o discurso é incapaz de tomar um sem se relacionar com o outro. Para pensarmos a diferença precisamos adentrar o conceito de repetição, enquanto que a repetição tem o conceito de diferença no interior de sua conceituação. Só se compreende o pensamento sem imagem se pensar o pensamento através da ótica da repetição e da diferença. Ou seja, os conceitos são interligados, se complementam e estão em uníssono.

II. Em 1969 Deleuze pública em apêndice do livro Lógica do Sentido um texto que trata das imagens herdadas da filosofia platônica e que povoam o pensamento ocidental sob o título de Platão e o Simulacro. Nesse texto, assim como Nietzsche, ele propõe a reversão do platonismo e do legado deixado por essa linha filosófica. Proposta que ele apresenta com maior cuidado de detalhes na obra Diferença e Repetição. David Lapoujade aponta:

O primeiro capítulo de Diferença e Repetição mostra como, desde Platão, o pensamento povoou o mundo de representações. A representação propagou-se em toda parte, propagou-se estendeu sobre o mundo até conquistar o infinito. O mundo inteiro se transpôs para a representação; e todos os seres que o povoam são pensados de acordo com as exigências da representação (LAPOUJADE, 2015, p. 47).

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24 pelo original, segregando a falácia, a cópia. E o julgamento que estabelece os critérios para tal segregação está assentado na moralidade julgadora das pretensões do discurso baseando-se no que Platão considera como semelhança, como essência, em oposição àquilo que considera degradante ao pensamento, o falso. Por vislumbrar essa dualidade é que a dialética platônica é caracterizada por Deleuze como a dialética da rivalidade, da competitividade, da seleção de linhagens hierárquicas que distinguem as ideias que aproximam o pensamento da essência daquelas que subverte o caminho deixando-o mais próximo das cópias simuladas. Acerca dos fundamentos utilizados na teoria platônica para distinção e exclusão das rivalidades, o pensador David Lapoujade comenta:

(...) para Deleuze, Platão é quem primeiro coloca, à sua maneira, a questão quid juris?. Ele é o primeiro a instaurar um fundamento para julgar pretensões e a transformar a filosofia em um grande tribunal. Com Platão, os fenômenos deixam de aparecer, sempre comparecem diante de uma Ideia que se confunde com a pura identidade de si de uma qualidade (o Bem em si, o Justo em si...). É a Ideia que desempenha o papel de fundamento por possuir, em primeiro lugar e de modo flagrante, uma qualidade que cada fenômeno só pode pretender possuir em segundo lugar, em terceiro etc., tendo em vista uma semelhança com ela. Assim, o “Mesmo” da ideia permite julgar os fenômenos, isto é, reparti-los numa escala eletiva, em proporção à sua semelhança ou conformidade interna com a Ideia concebida como modelo. O fundamento estabelece uma hierarquia entre os pretendentes a partir do modo como cada um representa a ideia. “Cada imagem ou pretensão bem fundada chama-se re-presentação (ícone), pois a primeira em sua ordem é ainda a segunda em si, em relação ao fundamento. É neste sentido que a Ideia inaugura ou funda o mundo da representação5” (LAPOUJADE, 2015, p. 48).

A concepção dialética tanto quanto a concepção estética platônica estão envolvidas na teoria epistêmica do mesmo autor. Teoria esta em que encontramos a clássica dualidade de mundos de Platão. Para esclarecer, nestes mundos duais, o mundo das aparências, também entendido como mundo sensível, ou dos fenômenos, ou dos sentidos, seria a materialização imperfeita daquilo que existe no mundo das ideias, das essências; no mundo do inteligível, mundo esse que contém as coisas e as formas em sua totalidade absoluta, em estado de originalidade. É a partir dessa divisão de mundos, conclui Platão, que tudo aquilo com que nos relacionarmos enquanto fenômeno no mundo sensível não passa de uma projeção advinda do mundo das ideias. Como uma imitação do que já existe no outro mundo, porém imperfeita em comparação ao estado original da essência que reside apenas no mundo inteligível. Melhor dizendo, os objetos físicos do mundo sensível acontecem como cópias imperfeitas dos arquétipos absolutos

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25 que encontram-se no mundo das ideias. A centralidade na problemática entre mundo das essências e mundo sensível no pensamento platônico foi o foco de diversos autores da filosofia ocidental; mas não do pensador francês em evidência. Gilles Deleuze não se volta para o modelo e a cópia, mas se coloca na perante a problemática da distinção das imagens: a boa e a má cópia, o ícone e o simulacro.

Não é à toa que Deleuze privilegia a distinção entre modelo e cópia, e entre cópia e simulacro, em detrimento da dualidade entre sensível e inteligível. A tradicional distinção de mundos que reverberará na teorização platônica de imagem na arte. O filósofo clássico considera que a arte encontra-se a três graus da imagem absoluta, ou da verdade, uma vez que a obra seria a cópia da cópia da essência. Entretanto, a imagem ideal, mesmo sendo cópia, mas entendida como original, oferta as diretrizes fundamentais ao erigir o modelo ideal sobre o qual os pretendentes deverão ser

julgados. Sobre esse aspecto nos diz Deleuze que: “o que deve ser fundado, com efeito,

é sempre uma pretensão. É o pretendente que faz apelo a um fundamento e cuja pretensão se acha bem fundada ou mal fundada, não fundada” (DELEUZE, 1974, p. 260), pois é o fundamento do modelo que delibera sobre a essência da imagem com o intuito de julgá-la como original ou cópia. O que resulta dessa teoria, e impregna a imagem do pensamento, é que todos os seres e coisas são norteados por um único modelo eleito como verdadeiro, e todos os outros seres e coisas devem buscar se assemelhar ao modelo. A diretriz platônica coloca que devemos escolher as cópias em detrimento dos simulacros; as cópias-ícones sem que haja a afirmação dos simulacros-fantasmas para não correr o risco do erro. Sobre a dualidade das imagens, ou como cópias-ícones ou como simulacros-fantasmas, diz Deleuze:

Partiríamos de uma primeira determinação do motivo platônico: distinguir a essência e a aparência, o inteligível e o sensível, a ideia e a imagem, o original e a cópia, o modelo e o simulacro. Mas já vemos que estas expressões não são equivalentes. A distinção se desloca entre duas espécies de imagens. As cópias são possuidoras em segundo lugar, pretendentes bem fundados, garantidos pela semelhança; os simulacros são como os falsos pretendentes, construídos a partir de uma dissimilitude, implicando uma perversão, um desvio essencial. É neste sentido que Platão divide em dois o domínio das imagens-ídolos: de um lado, as cópias-ícones, de outro os simulacros-fantasmas. Podemos então definir melhor o conjunto de motivação platônica: trata-se de selecionar os pretendentes, distinguindo as boas e a más cópias ou antes as cópias sempre bem fundadas e os simulacros sempre submersos na dessemelhança. Trata-se de assegurar o triunfo das cópias sobre os simulacros, de recalcar os simulacros, de mantê-los encadeados no fundo, de impedi-los de subir à superfície e de se “insinuar” por toda parte (DELEUZE, 1974, p. 262).

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26 Quando pensamos no contexto grego, há uma certa redução ao considerar que a arte teria carácter representacional uma vez que era utilizada para realizar a cópia de alguma outra coisa. A arte seria genuinamente imitação, genuinamente mimética, por ter como proposta primeira a representação dos seres e não-seres do mundo das essências no mundo das aparências, perspectiva que decorre da crítica dirigida por Platão às artes miméticas. Contudo, ressalta o filósofo francês, que a mimeses pode ser distinguida em duas formas de imitação: ou como a arte mimética da cópia ou como mimética do simulacro. A valoração como critério de fundamento não é apenas variável entre estes dois fazeres artísticos, mas antagônicos uma vez que o horizonte para o qual a arte se volta tem caráter de valor moral: ou boa cópia ou má cópia. Assim, a representação da imagem (compreendida aqui como o acesso que o sujeito tem da cópia do objeto original) tem dois caminhos para ser constituída. O primeiro deles seria a imagem enquanto a cópia bem fundamentada que possuí um grau elevado de semelhança com o modelo, compreendendo a semelhança como aproximação da essência, do objeto, ou ideia. Enquanto que no segundo caminho, a imagem seria uma cópia destituída de semelhança e formada a partir da dessemelhança com o objeto, ou ideia, como uma imagem esfumaçada da cópia da imagem original, o que Platão chamará de simulacro. Essa distinção da imagem afeta o fazer artístico de forma dual e excludente: de um lado a arte de copiar que visa uma cópia minimamente igual ao modelo estabelecido; sendo essa a “boa cópia” por conter nela os critérios fundantes de hierarquização da linhagem das imagens modelos através da fidelidade e autenticidade em relação ao original. Não há problemas em considerar a arte como cópia, uma vez que “a cópia pode ser chamada de imitação na medida que produz o modelo; contudo, como esta é noética, espiritual e interior, ela é uma verdadeira produção que se regula em função das relações e proporções constitutivas da essência” (DELEUZE, 1974, p. 263). Porém, se na cópia simulada há um déficit na representação da imagem dessemelhante; na arte do simulacro apenas se simularia a cópia-ícone e por isso haveria um distanciamento maior entre a essência do modelo e a imagem simulada do que há na arte da imitação. O simulacro é considerado a cópia da cópia e estaria a três graus da verdade, ou fundamento. Na arte simulada “não existe mais nem mesmo opinião justa, mas uma espécie de refrega irônica que faz às vezes de modo de conhecimento, uma arte de refrega exterior ao saber e à opinião” (DELEUZE, 1974, p. 264).

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27 deixado pelo platonismo reverbera até os tempos atuais e é intrínseco ao modelo do pensamento no contemporâneo. No campo filosófico, é esse legado que indicará o domínio que a filosofia considerará como seu e excluirá aquilo que foge deste modelo, sendo, pois, uma das maiores afirmações do platonismo e reafirmada constantemente pela filosofia: o ideial do igual, do mesmo e do semelhante. Nessa perspectiva, o platonismo traça o território que a filosofia poderá percorrer, sempre ao entorno do território do mesmo e do semelhante como meio de limitar todos os possíveis devires exercido pelo simulacro. Deleuze expõe que:

O platonismo funda assim todo o domínio que a filosofia reconhecerá como seu: o domínio da representação preenchido pelas cópias-ícones e definido não em uma relação extrínseca a um objeto, mas numa relação intrínseca ao modelo ou fundamento. O modelo platônico é o Mesmo: no sentido em que Platão diz que a Justiça não é nada além de justa, a Coragem, corajosa etc. – a determinação abstrata do fundamento como aquilo que possui em primeiro lugar. A cópia platônica é o Semelhante: o pretendente que recebe em segundo lugar. À identidade pura do modelo ou do original corresponde a similitude exemplar, à pura semelhança da cópia corresponde a similitude dita imitativa. Não se pode dizer, contudo, que o platonismo desenvolve ainda está potência de representação por si mesma: ele se contenta em balizar o seu domínio, isto é, em fundá-lo, selecioná-lo, excluir dele tudo o que viria embaralhar seus limites (DELEUZE, 1974, p. 264).

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28 (modelo reto do pensamento) para pensar e repensar o doxa. Essa “forma”, enraizada pela tradição, está em conformidade com o senso comum em que dele “ela conserva o essencial, isto é, o elemento; da recognição, ela conserva o essencial, isto é o modelo” (DELEUZE, 2006, p. 196). Nessa direção, argumenta o filósofo no sentido da

(...) recusa [de] submeter o pensamento ao modelo de um exercício dito empírico, no qual as faculdades se encontram submetidas a um Senso Comum que as remete à Unidade de um Sujeito e as relaciona a um Objeto suposto o Mesmo. Esse modelo é recusado pela ideia de um exercício superior do pensamento que faz o começo na filosofia depender de um salto, de uma mudança de registro, da conquista de um exercício diferencial do pensamento. E esse salto, ou essa passagem, não está sujeita à vontade do pensador, decorre do acaso de um encontro, da relação do pensamento com seu fora (dehors), com um signo portador de problema (ABREU, 2010, p. 293).

Um dos propósitos dessa mesma obra é investigar qual seria “o começo” do pensamento, sem que o impulso pensante estivesse subjugado a um pressuposto objetivo; a nenhum início que tenha “os conceitos explicitamente supostos por um conceito dado” (DELEUZE, 2006, p. 189), ou a pressupostos subjetivos que estejam “envolvidos num sentido, em vez de o serem num conceito” (DELEUZE, 2006, p. 189). A crítica inicial de Deleuze consiste na universalidade da proposição usualmente recorrente para dar início ao pensamento filosófico. Dito de outro lado: a suposição de que “todo mundo sabe, ninguém pode negar, é a forma da representação e o discurso do representante” (DELEUZE, 2006, p. 190). Deleuze exemplifica esse postulado com a teoria do Cogito Cartesiano que previamente supõe a noção do ser, do eu e do pensar. A sua crítica tem como intuito principal a desmistificação da “imagem de um pensamento reto e que sabe o que significa pensar; o elemento puro do senso comum que daí deriva “de direito”, o modelo da recognição ou já a forma da representação que, por sua vez, dele deriva” (DELEUZE, 2006, p. 195). A Imagem de Pensamento elaborada por esse pressuposto ratifica que há no pensamento um percurso natural em direção ao verdadeiro e ao correto, norteado pela “natureza reta do pensamento” e pela “boa vontade” do pensador. E uma vez que todos pensam então todos sabem, e estão, pois, aptos a dizer o que seja de fato pensar. O pensamento é igualmente distribuído a todos sem ser preciso exercitá-lo. Eis aí a base estrutural do pensamento representacional. Pensamento que Deleuze também denomina como “imagem dogmática”, “imagem ortodoxa” ou “imagem moral”. Segundo suas palavras:

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29 possui formalmente o verdadeiro e quer materialmente o verdadeiro. E é sobre esta imagem que cada um sabe, que se presume que cada um saiba o que significa pensar. Pouco importa, então, que a Filosofia comece pelo objeto ou pelo sujeito, pelo ser ou pelo ente, enquanto o pensamento permanecer submetido a esta Imagem que já prejulga tudo, tanto a distribuição do objeto e do sujeito quanto do ser e do ente. (...) Todavia, ela resiste no implícito, mesmo que o filósofo sublinhe que a verdade, no final das contas, não é “uma coisa fácil de ser atingida e ao alcance de todos” (DELEUZE, 2006, p. 192).

Outra crítica efetuada por Deleuze refere-se à maneira pela qual a filosofia tradicional aborda e considera a noção de diferença, uma vez que para ele há a impossibilidade de entendimento do pensar o que, de fato, seja a diferença seguindo a norma desta tradição. Em linhas gerais, a crítica consiste na estrutura herdada no pensamento, que ao se propor a pensar o diferente dentro do processo recognitivo utiliza sempre um ponto referencial para estabelecê-la: a diferença a partir do igual, a partir do idêntico, a partir do semelhante. Não há meio de enquadrar a diferença nos modelos da imagem clássico-racionalista do pensamento. Essa imagem compreende a diferença apenas como a dessemelhança do igual, melhor dizendo, a diferença é aquilo que não se assemelha ao modelo vigente; e à medida que ela foge à compreensão, o máximo que se obtém da ideia de diferença pura na imagem ortodoxa do pensamento é relacionando a um conceito geral sobre diferença. Portanto, o intelecto não alcança a diferença por si mesma, mas a diferença com relação a algo:

Aí está o princípio de uma confusão danosa para toda a Filosofia da diferença: confunde-se o estabelecimento de um conceito próprio da diferença com a inscrição da diferença no conceito geral – confunde-se a determinação do conceito de diferença com a inscrição da diferença na identidade de um conceito indeterminado. É o passe de mágica implicado no momento feliz (e disso talvez derive todo o resto: a subordinação da diferença à oposição, à analogia, à semelhança, todos os aspectos da mediação). Deste modo, a diferença fica sendo apenas um predicado na compreensão geral do conceito (DELEUZE, 2006, p. 61).

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30 ontológico; tornando-a um adjetivo conceitual com o fim de fazê-la acessível ao pensamento ortodoxo. De tal modo que a diferença se tornou algo do campo material. Só compreendemos a diferença quando algo destoa em uma cadeia de impressões em que retiramos aquilo que se apresenta como desigual e denominamos como diferente.

Nessa perspectiva, tratar a diferença implica considerar também as relações correspondentes de mutação, de transformação e de afirmação do desigual. Como veremos ao expor o conceito de repetição: não seria correto negar que o sujeito busca uma regularidade nos acontecimentos naturais em seu entorno a fim de conhecer e traçar uma relação proveitosa com tais fenômenos, nem tampouco que não se extrairia ricas informações desse processo. A luta travada por Deleuze não está em negar tal apontamento que é facilmente verificável mesmo através de uma observação corriqueira sobre o Mundo. O equívoco consiste fundamentalmente em submeter tudo a um único princípio regente. Vimos que a diferença é o que constitui o ser e não o igual ou a identidade. Que negar a diferença e submetê-la a identidade é massificar os seres e reduzi-los a um único fundamento. Não que o movimento de igualar-se não faça parte também dos seres. Porém quando o movimento está na matéria, mesmo que seja a diferença na matéria, ele é um movimento acidental. Ou seja, “em sua essência, a diferença é objeto de afirmação, ela própria é afirmação. Em sua essência, a afirmação é ela própria diferença” (DELEUZE, 2006, p. 89).

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31 conceito, oposição na determinação do conceito, analogia no juízo e semelhança no objeto. O pensamento “pensado” pela representação está submetido às categorias formais, que classificam as informações que chegam pelo ato recognitivo e criam uma ideia universal através de informações particulares; visando exprimir o todo através da unidade de todas as faculdades do intelecto, na “concordância das faculdades, fundada no sujeito pensante tido como universal e se exercendo sobre o objeto qualquer” (DELEUZE, 2006, p. 196). A representação é a união do que Deleuze chama de “Quádruplo cambão”.

Quádruplo cambão, em que só pode ser pensado como diferente o que é idêntico, semelhante, análogo e oposto; é sempre uma relação a uma identidade concebida, a uma analogia julgada, a uma oposição imaginada, a uma similitude percebida que a diferença se torna objeto da representação. (...) Eis por que o mundo da representação se caracteriza por sua por sua impotência em pensar a diferença em si mesma; e, ao mesmo tempo, em pensar a repetição para si mesma, pois está só é apreendida por meio da recognição, da repartição, da produção, da semelhança, na medida em que elas alienam o prefixo RE nas simples generalidade da representação (DELEUZE, 2006, p. 201).

Em que, de fato, consiste esse movimento de reconhecimento e classificação do intelecto? A resposta, nas palavras do autor, seria que “a recognição se define pelo exercício concordante de todas as faculdades sobre um objeto suposto como sendo o mesmo: é o mesmo objeto que pode ser visto, tocado, lembrado, imaginado, concebido...” (DELEUZE, 2006, p. 194). Dito de outro modo: um objeto/coisa para ser entendido precisa emitir as informações concordantes para todas as faculdades possíveis a fim de que elas entrem em um consenso acerca do objeto/coisa podendo sistematizá-lo para conhecê-lo e, por fim, denominá-lo. No mais, decorre que “um objeto é reconhecido quando uma faculdade o visa como idêntico ao de uma outra ou, antes, quando todas as faculdades em conjunto referem seu dado e referem a si mesma a uma forma de identidade do objeto” (DELEUZE, 2006, p. 195). Seguindo os apontamentos encetados pelo filósofo:

É suposto como naturalmente reto, porque ele não é uma faculdade como as outras, mas, referido a um sujeito, é a unidade de todas as outras faculdades que são apenas seus modos e que ele orienta sob a forma do Mesmo no modelo da recognição. O modelo da recognição está necessariamente compreendido na imagem do pensamento. Quer se considere o Teeteto de Platão, as Meditações de Descartes, a Crítica da razão pura de Kant, é ainda este modelo que reina e que “orienta” a análise filosófica do que significa pensar (DELEUZE, 2006, p. 196).

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32 está diante da percepção. Como ao deparar-se com uma pessoa na rua cujo rosto se reconhece e constata ser aquele indivíduo alguém conhecido e, então, o cumprimenta. A questão é que esse processo não se limita ao reconhecimento básico da percepção. O pensamento representacional tem extensa dimensão e submete qualquer possibilidade de pensamento à ordem que se exerce em favor do ortodoxo, da moral; a “recognição celebra esponsais monstruosos em que o pensamento „reencontra‟ o Estado, reencontra da „Igreja‟, reencontra todos os valores do tempo que ela, sutilmente, fez com que passassem sob a forma pura de um eterno objeto qualquer” (DELEUZE, 2006, p. 198). Ora, não é somente ao reconhecimento do objeto que ela serve, mas também para as atribuições de valores sobre as coisas no mundo; valores que são supostamente distribuídos pelo bom senso dos sujeitos. Contudo, será mesmo que o pensamento tem que seguir sempre uma linha reta? Não há curvas, atalhos, trilhos, zigue-zagues, voltas e idas e voltas, que o pensamento poderia executar? O pensamento não é maior e mais potente do que um reconhecimento? Deleuze esclarece: “é evidente que os atos de recognição existem e ocupam grande parte de nossa vida cotidiana (...). Mas quem pode acreditar que o destino do pensamento se joga aí e que pensemos quando reconhecemos?” (DELEUZE, 2006, p. 197). A centralidade da crítica face ao processo recognitivo norteia-se no aspecto limitador do pensamento; da recognição que “corta as asas” do pensamento, que o deixa passivo e inativo, sem pulsão para especulação. Que em contrapartida cria as normas, regras a serem seguidas pelo pensamento em apenas uma única direção. Em um contexto como esse a diferença é impensável por si mesma, afinal, como pensar o diferente em um processo em que tudo o que não é idêntico ou similar, é visto como negativo e deve ser afastado do pensamento? Para o filósofo francês:

O que é preciso criticar nesta imagem do pensamento é ter fundado seu suposto direito na extrapolação de certos fatos, e fatos particularmente insignificantes, a banalidade cotidiana em pessoa, a Recognição, como se o pensamento não devesse procurar seus modelos em aventuras mais estranhas e menos comprometedoras (DELEUZE, 2006, p. 197).

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33 pensado na recognição ele afirma uma relação causal então é um pensamento correto. Afinal, o ato da recognição está intrinsecamente inserido no princípio da representação, na medida em que há semelhança e correlação entre tudo no mundo, em uma contínua correspondência entre ideia e realidade. Ou seja, os problemas da existência passam a ser uma questão de identificação e de diferenciação sobre os acontecimentos e os existentes. Gilles Deleuze considera que ocorre uma redução do pensamento ao enquadrá-lo no ato recognitivo, pois estando submetido às ordens de reconhecimento da razão clássica, sem ter aí uma linha de fuga como fôlego para um pensamento-outro, o pensamento perde, em muito, sua capacidade criativa e propriamente pensante. Portanto, é na redução do pensamento ao propósito recognitivo que Deleuze elabora a sua crítica à recognição. A imagem dogmática do pensamento, por ter como base estrutural a recognição em busca do verdadeiro, classifica aquilo que pode ou não ser pensado segundo as direções da razão dentro do processo recognitivo. Limita os caminhos que pode o pensamento seguir e barra tudo que se apresenta como diferente, pois o considera desnecessário ao pensamento. O racionalismo clássico não é capaz de absorver e delimitar, segundo a sua perspectiva, tais potências do desigual. Por isso prefere marginalizá-lo e selecionar o que deve ou não ser pensado. Com isso retira qualquer subversão do pensamento tornando-o um beato que acompanha os valores vigentes como uma faculdade reconhecedora do que lhe é dado.

V. Apesar do enraizamento do pensamento representacional sublinha Deleuze que o legado da representação foi alvo de ataques de diversos outros autores filosóficos que tentaram principalmente dar uma amplitude maior para suas filosofias evitando recair em um julgamento dualista. Contudo, para ele, apesar da tentativa dessas teorias nenhum autor conseguiu destruir o pensamento representacional, o legado platônico, tampouco pensar a diferença por si mesma sem interferências do mesmo ou do semelhante. Sobre as teorias que tentaram desvirtuar o pensamento, afirma Deleuze que

Sua embriaguez é fingida. Ela persegue sempre a mesma tarefa, Iconologia e adapta-se às exigências especulativas do Cristianismo (o infinitamente pequeno e o infinitamente grande). E sempre a seleção dos pretendentes, a exclusão do excêntrico e do divergente, em nome de uma finalidade superior, de uma realidade essencial ou mesmo de um sentido da história (DELEUZE, 1974, p. 265).

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34 postulados, sem métodos. Um pensamento livre e potente, um pensamento diferencial que ele denominará como pensamento sem imagem.

Não obstante a sua crítica à visão clássica platônica sobre o pensamento representacional, seu conceito do pensamento diferencial instaura seus alicerces sobre a mesma teoria grega. Quando Deleuze, no texto Platão e o Simulacro, teoriza um sistema que comporta as imagens que não se assemelham ao modelo e tampouco se submetem a cópia, parece claro seu intuito em traçar outra forma de sistema que comporte séries de imagens simuladas, ou seja, de imagem diversificas e diferentes entre si; o que o torna um sistema aliado a sua teoria para refutar a representação e o legado platônico. Haveria nesse sistema uma “produção de simulacro (que) seria também virtualização, na medida em que a proliferação de séries divergentes afirma-as em sua heterogeneidade, constituindo um todo aberto, virtual e caótico” (SILVA, 2011, p. 83). Se na cópia há a disposição do pretendente em modelar o objeto pretendido de acordo com a ideia-modelo em uma reprodução fiel da mesma, é então, “a identidade superior da ideia que funda a boa pretensão das cópias e funda-se sobre uma semelhança interna ou derivada” (DELEUZE, 1974, p. 262). No simulacro a imagem não se aproxima da ideia-modelo e sua pretensão encontra-se em total devir para pretender o que quer que seja. Como acentua David Lapoujade, “o simulacro na realidade se constrói sobre uma disparidade essencial, uma dissimilitude interna que não só o leva a contestar a legitimidade da ideia, mas também o círculo que ela forma com os pretendentes legítimos” (LAPOUJADE, 2015, p. 52). A pretensão do simulacro não é fundada, por isso recobre qualquer desequilíbrio e dessemelhança sem que com isso deixe de ser imagem. Afirma Deleuze:

O simulacro: aquilo a que pretendem o objeto, a qualidade, etc., pretendem-no por baixo do papretendem-no, graças a uma agressão, de uma insinuação, de uma subversão, “contra o pai” e sem passar pela ideia. Pretensão não fundada, que recobre uma dessemelhança interna, assim como um desequilíbrio interno. (DELEUZE, 1974, p. 263).

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35 de dar fundamentos estritos ao objeto de apreciação cognitiva; criando-se, assim, outra imagem de pensamento não apenas dotada de semelhança, mas, também, de diferença e que, por isso, se efetivaria em outro formato. A outra nova imagem, nas palavras de Deleuze, seria uma imagem em que “é a semelhança que se diz da diferença interiorizada, e a identidade do diferente como potência primeira” (DELEUZE, 1974, p. 268). Através da reversão do platonismo se instauraria uma nova imagem de pensamento capaz de fazer coexistir um condensado assimétrico dos mais variáveis acontecimentos, com capacidade de absorver todos os possíveis fundamentos e ao mesmo tempo negar o falso e o verdadeiro, o modelo e a cópia. Segundo Lapoujade, “o simulacro é a aberração que mina subterraneamente do platonismo. Ele não se deixa representar. Encarna sozinho as profundezas que se subtraem à ação do fundamento e contestam a sua instauração” (LAPOUJADE, 2015, p. 52). Essa nova imagem do pensamento “torna impossível a ordem das participações, como a fixidez da distribuição e a determinação da hierarquia. Instaura o mundo das distribuições nômades e das anarquias coroadas” (DELEUZE, 1974, p. 268), que Deleuze posteriormente denominará como pensamento sem imagem.

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36 imagem simulada não requer um caos improdutivo, mas uma outra maneira de pensar a imagem do pensamento. Pois por ser uma imagem sem semelhança é que apenas o Simulacro é capaz de abarcar a diferença na proposta da imagem do pensamento sem imagem. Uma vez que a diferença é compreendida pela filosofia tradicional como algo de caráter pejorativo, o Simulacro foi taxado pelo platonismo como uma cópia degenerada, em uma visão conceitual viciada que deixou escapar aquilo que havia de mais significativo na cópia simulada, pois:

Se dizemos do simulacro que é uma cópia de cópia, um ícone infinitamente degradado, uma semelhança infinitamente afrouxada, passamos à margem do essencial: a diferença de natureza entre simulacro e cópia, o aspecto pelo qual formam as duas metades de uma divisão. A cópia é uma imagem dotada de semelhança, e o simulacro uma imagem sem semelhança (DELEUZE, 1974, p. 263).

Não mais o simulacro será visto como uma cópia degenerada, tão pouco degradada, uma vez que nunca foi cópia de algo. Ele guarda uma potência positiva que encerra singularidades e diferenças como acontecimentos, se opondo e desconhecendo qualquer modelo de produção, como a cópia ou o original. Sua realidade é a multiplicidade e por assim ser, nenhum modelo resiste a sua vertiginosa diferença que nega qualquer hierarquização e não torna cabível uma pretensão fundante para suas imagens.

Deleuze problematiza a imagem do pensamento representacional estabelecendo outro-pensamento livre dos postulados subjetivos e objetivos, ou seja, fora do eixo da representação. Elucida um pensamento sem imagem em uma “filosofia isenta de pressupostos de qualquer espécie: em vez de se apoiar na imagem moral do pensamento,

ela tomaria como ponto de partida a crítica radical da imagem e dos „postulados que ela implica‟” (DELEUZE, 2006, p. 193). Afirma que apenas ao romper totalmente com as

amarras da Imagem que o deforma através das “maiores destruições, das maiores

desmoralizações, e com uma obstinação da Filosofia que só teria como aliado o paradoxo, devendo renunciar à forma da representação assim como ao elemento do

senso comum” (DELEUZE, 2006, p. 193), é que o pensamento encontraria sua autêntica

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37 criada por Deleuze junto a Félix Guattari anos depois, com a qual os autores afirmam que deve-se fazer do pensamento uma verdadeira “máquina de guerra”.

VI. O projeto filosófico deleuziano consiste em libertar a diferença dos ditames da representação e da subordinação à identidade, a fim de pensar a diferença em si mesma e tornar viável erigir a ideia de diferença pura. Na formulação do seu conceito pensamento sem imagem, Deleuze elenca dois conceitos para o pensamento-novo, são eles: diferença e repetição. Outrora utilizados de forma inversa para assegurar o pensamento representacional. Ovídio de Abreu assevera que “Deleuze diagnostica assim uma mazela filosófica que, ao secretar uma ortodoxia implícita, (...) enfraquece o pensamento, afastando-o de uma vida ativa e de sua potência criadora” (ABREU, 2010, p. 289). Com isso, e por estar “sujeitada a essa imagem, a filosofia exprime uma boa vontade de potência negativa, alimenta transcendências, ilusões propriamente filosóficas, e organiza um sistema de julgamento no âmago do pensamento” (ABREU, 2010, p. 290). O fato é que a representação é uma imagem inofensiva do pensamento, não ameaça a nada! Não derruba nenhuma estrutura, não rompe com nenhuma norma estabelecida; não há confronto no pensamento recognitivo. São justamente as diretrizes desse pensamento o que incomodou Deleuze, para ele o pensamento deve ter um tanto mais de atrevimento. Nessa direção:

O que é preciso criticar nesta imagem do pensamento é ter fundado seu suposto direito na extrapolação de certos fatos, e fatos particularmente insignificantes, a banalidade cotidiana em pessoa, a Recognição, como se o pensamento não devesse procurar seus modelos em aventuras mais estranhas e menos comprometedoras (DELEUZE, 2006, p. 197).

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38 p. 111). A diferença destrói a ordem estabelecida, e é potência para recriar um mundo novo; ela destrói para transformar, ela subverte a representação, ela é o ato de revolução. “A potência destrutiva da diferença e da repetição é tal que todas as questões relativas ao fundamento devem ser novamente colocadas, em virtude das metamorfoses que elas fazem o pensamento sofrer” (LAPOUJADE, 2015, p. 51), sendo que as questões que brotam desse descolamento é que são relativas a imagem do pensamento. Questões como: “por onde é preciso começar? O pensamento pode começar autenticamente sem pressupostos? Ou então, quais são os pressupostos necessários que fazem com que ele comece sem já recomeçar?” (LAPOUJADE, 2015, p. 51). Dessa forma a aparição da diferença se dá pelo confronto no processo recognitvo de conhecimento, quando o pensamento não consegue assimilar uma causalidade e nem um efeito para “aquilo que aconteceu”, ou apenas, reconhece o limite da “verdade” sobre determinado caso. Citando Deleuze:

O que se estabelece no novo não é precisamente o novo, pois o próprio novo, isto é, a diferença, é exigir, no pensamento, forças que não são as da recognição, nem hoje, nem amanhã, potências de um modelo totalmente distinto, numa terra incógnita nunca reconhecida, nem reconhecível (DELEUZE, 2006, p. 198).

Faz-se necessário atentar para o ponto em comum entre os termos: simulacro, diferença e multiplicidade, que no enredo da filosofia deleuziana são mais uma variação poética e linguística da escrita do autor para remeter ao mesmo pano de fundo; para uma heterogeneidade que expressa a mesma questão, qual seja, a única expressão do ser que se diz da diferença e apenas na imanência. Como nos diz Cíntia Vieira da Silva:

A vertente crítica do arranjo conceitual nomeado como “imagem do pensamento”, em Diferença e Repetição, transborda para a concepção de imagem e faz do projeto de um pensamento diferencial o manifesto em favor de um pensamento sem imagem. A função exercida pelas aparições sensíveis – não falo em aparências apenas para não correr o risco de evocar uma eventual oposição com relação às essências –fica, então, a cargo da noção de simulacro, e Deleuze contrapõe o sistema do simulacro ao sistema da representação. A repartição se faz, portanto, entre imagem, concebida exclusivamente como figura representativa, e simulacro, entendido como procedimento que confere visibilidade à diferença (SILVA, 2011, p. 81).

Referências

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