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MARINA DE MOURA A noção de infância no Brasil na década de 1930: Uma análise da revista Infância

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Academic year: 2018

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MARINA DE MOURA

A noção de infância no Brasil na década de 1930: Uma análise da revista Infância

Mestrado em Psicologia Social PUC/SP

PUC/SP São Paulo

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MARINA DE MOURA

A noção de infância no Brasil na década de 1930: Uma análise da Revista Infância

Mestrado em Psicologia Social

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação do Professor Doutor José Leon Crochík.

PUC/SP São Paulo

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Banca Examinadora

_____________________________________________________ Prof. Dr. José Leon Crochík

_____________________________________________________ Profa. Dra. Sylvia Leser de Mello

_____________________________________________________ Profa. Dra. Maria do Carmo Guedes

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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Meus Oito Anos

Oh! Que saudades que eu tenho Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida Que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras

À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais! Como são belos os dias Do despontar da existência! - Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é - lago sereno, O céu - um manto azulado, O mundo - um sonho dourado, A vida - um hino d'amor !

Que auroras, que sol, que vida, Que noites de melodia

Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar ! O céu bordado d'estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar ! Oh! dias de minha infância! Oh! meu céu de primavera! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã!

Em vez de mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã ! Livre filho das montanhas, Eu ia bem satisfeito,

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Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo, Adormecia sorrindo,

E despertava a cantar !

Oh! que saudades que eu tenho Da aurora da minha vida

Da minha infância querida Que os anos não trazem mais ! - Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras

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Agradecimentos

Ao meu Deus que me deu vida, disposição, força e inteligência para chegar até aqui.

Aos meus pais que me incentivaram sempre, mesmo que a caminhada parecesse dura e em alguns momentos impossíve l. Eles me ensinaram que a educação e o amor são nossos bens mais preciosos.

Ao meu primo Renato que me deu uma ajuda inestimável para eu iniciar este sonho que era cursar o mestrado. Rê, sem a sua ajuda eu não teria começado e hoje estou terminando! Muito mais que obrigada! Obrigada também a sua esposa Claudia e seus filhos: Fernando e Patrícia.

Agradeço ao Alderi Matos que me ajudou com a revisão do português, esteve ao meu lado me apoiando sempre com amor.

Aos meus irmãos Ernesto, Lia e Sara que me agüentaram e apoiaram na elaboração desta dissertação e também à Rebeca, prima que me agüentou neste último ano.

Aos meus amigos que me apoiaram durante esta trajetória Marina Akemi, Ana Lúcia Artiolli, Cássia Pianta, Christiane Nagayassu, Kiki, Zé, CH, SP, Ju e todos os amigos UMPessoais.

Aos amigos que fiz na PUC, Juliana, Luciana, Gorete, Karla, Ana Lúcia, Liliane, Bruno, muito obrigada, vocês sempre estarão em minha memória.

Ao Núcleo de Memória do Instituto da Saúde de São Paulo que me forneceu o material de análise, especialmente às pesquisadoras Dra. Maria Lúcia Mott e Olfa Sofia Fabergé Alves.

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Maria Elisa Byingto n que me atendeu gentilmente e me encaminhou para o núcleo de memória.

A toda equipe do DRCLAS, Jason, Tomás, Lorena e Antonia, muito obrigada pela paciência e colaboração.

Às secretárias Marlene e Betinha que sempre me ajudaram.

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SUMÁRIO

RESUMO...1

ABSTRACT...2

INTRODUÇÃO...3

.1. CRIANÇA E INFÂNCIA – ASPECTOS HISTÓRICOS...5

1.1. INFÂNCIA – ASPECTOS PSICOLÓGICOS...8

2. SÃO PAULO NOS ANOS 30 E A CRUZADA PRÓ INFÂNCIA...12

3. EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E IDEOLOGIA DA INFÂNCIA ...20

4. METODOLOGIA...25

4.1. OBJETIVO...25

4.2 HIPÓTESE...25

4.3 MÉTODO...25

5. RESULTADOS...26

CONSIDERAÇÕES FINAIS...68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...71

ANEXOS...75 Anexo 1. Propagandas no Ano de 1935

Anexo 2. Propagandas no Ano de 1936 Anexo 3. Propagandas no Ano de 1937

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Anexo 15.Quadro 13 – revista Infância, Ano 3, nº 15 Anexo 16.Quadro 14 – revista Infância, Ano 3, nº 16 Anexo 17. Quadro 15 – revista Infância, Ano 3, nº 17 Anexo 18.Quadro 16 – revista Infância, Ano 3, nº 18 Anexo 19. Figura 1 – revista Infância, capa, Ano 1, nº 1 Anexo 20. Figura 2 – revista Infância, capa, Ano 2, nº 10 Anexo 21. Figura 3 – revista Infância, capa, Ano 3, nº 15

Lista de Quadro

Quadro 1 – edições da revista Infância

Lista de Tabelas

Tabela 1 – destinatários dos conteúdos da revista Infância 1935 - 1937 Tabela 2 – autoria dos textos por ano

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a noção de infância presente na revista Infância, publicada no Brasil pela Cruzada Pró-Infância, órgão com a finalidade de combater a mortalidade infantil e o analfabetismo e, promover da educação de crianças. Seu público-alvo eram as mães da classe alta que colaboravam com a Cruzada para cumprir seus objetivos entre as classes baixas. Essa revista foi publicada na cidade de São Paulo, com periodicidade irregular, nos anos de 1935 a 1937. Cerca de metade dos textos da revista foram assinados por renomados médicos, educadores e outros colaboradores. Em geral os textos eram ilustrados com fotos ou figuras e a publicidade tinha grande espaço na revista. Nela eram anunciados produtos para homens, mulheres e crianças. Nos três anos de publicação da revista foram lançados 18 números, dos quais 15 foram analisados na presente pesquisa. Durante os três anos, apenas nos últimos números foi mencionado um redator responsável. Os assuntos tratados na revista pretendiam revelar a população em geral conhecimentos científicos principalmente nas áreas de saúde e educação. Seu objetivo era que pais, educadores e todos aqueles interessados nas condições de vida das crianças pudessem trabalhar para a construção de um país próspero, sadio e culto, com o lema um país educado é um país rico; as crianças de hoje são os adultos de amanhã. Diante disso, concluímos que a revista Infância ao utilizar informações científicas para os leigos foi uma publicação de vanguarda e que a psicologia e a educação tiveram grande espaço e reconhecimento.

PALAVRAS-CHAVE

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ABSTRACT

The purpose of this research is to analyze the notion of childhood present in Infância (“Childhood”), a magazine published in Brazil by Cruzada Pró-Infância (Crusade for Childhood), an institution devoted to fighting child mortality and illiteracy as well as promoting the education of children. Its target constituency was upper class mothers who helped the Crusade to fulfill its objectives among the lower classes. The magazine was published in the city of São Paulo, with irregular frequency, in the years 1935-1937. Approximately half of the articles were signed by renowned physicians, educators, and helpers. Usually the texts were illustrated with photos or drawings, and a large amount of space was given to advertising. Products for men, women and children were advertised in the magazine. During the three years 18 issues were published, of which 15 were analyzed for this research. During that time, only the last issues mentioned the editor. The subjects discussed in the magazine were intended to convey to the general public scientific information mainly in the areas of health and education. Its aim was to urge parents, educators, and those who were interested in children’s life conditions to work towards a prosperous, healthy, and educated nation, under the mottos “an educated country is a wealthy country” and “the children of today are the adults of tomorrow”. Therefore we conclude that, in its use of scientific information for lay persons, Infância magazine was a progressive publication in which psychology and education were given great prominence and recognition.

KEYWORDS

Childhood; Infância Magazine; Crusade for Childhood; Education; History of Psychology.

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A infância tem sido tema de interesse para a sociedade ocidental há muitos séculos, mas tal interesse tem se intensificado nos dois últimos séculos (XIX e XX). A promulgação de importantes decretos como a Declaração Universal dos Direitos da Criança, pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 20 de novembro de 1959; a declaração do Ano Internacional da Criança, em 1979, e a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), no Brasil, em 13 de julho de 1990, demonstram o aumento do interesse e preocupação das sociedades ocidentais com a criança e a infância no século passado. A atual valorização da infância e da adolescência é reforçada pela atuação de órgãos como a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e o UNICEF (United Nations Children´s Fund – Fundo para Crianças das Nações Unidas) e amplamente divulgada pelos meios de comunicação. Citando Abrão (1999, p. 34), “a sociedade do século XX privilegiou, como nunca antes se viu, a infância em detrimento das demais ‘idades da vida’”.

O objetivo desta pesquisa é investigar a noção de infância na década de 1930, especialmente como a ideologia permeava tal noção. O interesse pela década de 1930 surgiu em virtude dos acontecimentos educacionais, sociais e políticos ocorridos no Brasil, principalmente na cidade de São Paulo, como veremos a seguir, e porque foi nesse período que começou a se difundir a sistematização da assistência e proteção à infância na cidade de São Paulo. A valorização da infância naquela época foi o passo inicial para o desenvolvimento da noção de infância que conhecemos hoje.

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material fui publicado há mais de 70 anos, ele é considerado documento público e foi disponibilizado pelo Instituto de Saúde (IS) de São Paulo, órgão do governo do Estado de São Paulo, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde (SES), que tem como sua missão desenvolver pesquisas na área da saúde, gerando subsídios para as políticas traçadas pela SES.

O Instituto de Saúde é composto por diversos núcleos, dentre os quais se destaca o Núcleo Memória e Saúde, o qual “desenvolve pesquisas com o intuito de contribuir para a preservação da memória da saúde pública paulista. Recupera, organiza, preserva e disponibiliza ao público o patrimônio

documental” (http://www.isaude.sp.gov.br/nucleos_memoria.htm em

20.08.2006).

Realizamos nesta pesquisa um trabalho histórico, tendo em vista que, por meio do material utilizado, pretendemos reconhecer qual era a noção de infância em São Paulo na década de 1930, além de identificar e analisar a perspectiva psicológica contida na revista Infância. Pretendemos verificar nossa hipótese de que a noção de infância presente na revista era fundamentada na educação e na psicologia.

A exposição da pesquisa está dividida em quatro partes. A primeira parte é composta do embasamento teórico, o qual está dividido em três itens, a saber: Criança e infância – aspectos históricos: nesse item apresentamos alguns aspectos da história da infância; o item seguinte, São Paulo nos anos 30 e a Cruzada Pró-Infância, apresenta elementos da história da cidade de São Paulo e o ambiente no qual surgiu e se desenvolveu a Cruzada; no item Educação, psicologia e ideologia da infância, é discutida a educação, área fortemente ligada à psicologia no período, e finalmente a ideologia da infância que permeava a sociedade da época. Na segunda parte é descrito o método da pesquisa. Na terceira parte encontram-se as análises quantitativas e qualitativas do material estudado e, finalmente, na quarta e última parte são apresentadas as considerações finais desta pesquisa.

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Este item trata brevemente da história da infância. Diversos autores têm escrito sobre essa história no Brasil e no exterior. Entre eles citamos Rizzini (1993), Freitas (2002), Postman (1999), Ariès (1986) e Stearns (2006). Para uma leitura mais aprofundada desse assunto sugerimos os autores citados.

Muito embora as definições de criança e mais especificamente as definições de infância sejam controvertidas, entendemos que a criança ao nascer passará por um período particular de desenvolvimento que será mediado pela sociedade na qual ela está inserida. As relações familiares, escolares e sociais, seus principais núcleos de socialização, transmitirão à criança valores e crenças e isso se refletirá na maneira pela qual a criança viverá a sua infância.

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indivíduos. Essa concepção foi seguida durante séculos, mas hoje, principalmente nas classes altas, os filhos levam cada vez mais tempo para sair da casa dos pais, ficando assim cada vez mais dependentes deles. Contudo, entendemos que as orientações para a educação da criança e a noção de infância na Grécia antiga, ainda que estejam subjacentes às noções da atualidade, passaram por muitas transformações.

Ariès (1986), um dos mais conhecidos historiadores da infância na modernidade, elaborou uma história linear sobre o desenvolvimento da noção de infância. Em seu livro A história social da infância e da família, ele defende um “sentimento da infância” que, segundo ele, é uma atitude que revela a consciência da particularidade infantil que distingue a criança do adulto. Ele afirma ainda que esse sentimento surgiu na Europa a partir do século XVII e foi então que se reconheceu a necessidade de limitar a participação das crianças no mundo adulto, afirma Áries.

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com a expansão da industrialização na década de 1930. Marx (1985) registrou que na Inglaterra, “apesar da legislação, pelo menos 2 mil jovens continuam sendo vendidos por seus próprios pais como máquinas vivas para limpar chaminés” (p. 24). Na cidade de São Paulo, na década de 1930, a situação da criança trabalhadora também era bastante precária. Em São Paulo a obrigatoriedade de matricular as crianças trabalhadoras em escolas públicas afetou as relações de trabalho, fazendo com que a jornada de trabalho fosse diminuída e em alguns casos suspensa. No entanto, diversas foram as implicações da aplicação desta lei para as famílias operárias. A luta pela escolarização das crianças marcou grande parte das atividades da Cruzada Pró-Infância e dos ativistas do início do século XX. A relação entre a proibição do trabalho infantil e o aumento de crianças nas escolas provavelmente ocasionou mudanças nas relações familiares, como veremos a seguir.

A segunda mudança importante relatada por Stearns (2006) foi a redução no tamanho das famílias. Ele afirma que, com a escolarização da infância, a criança passou a ser economicamente passiva e esse foi um dos fatores para a redução no número de filhos. Essa redução também afetou a relação das crianças com os adultos, que agora poderiam dedicar-se mais aos filhos, já que seu número era reduzido. Contudo, não podemos afirmar que isso aconteceu em todas as sociedades. O processo descrito pelo autor aconteceu na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, as famílias ainda são bastante numerosas, principalmente nas classes pobres; contudo, isso não impede as classes ricas de serem numerosas e, além disso, também ainda hoje encontramos crianças economicamente ativas, as quais colaboram com a renda e o sustento de sua família.

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exemplo, “Higiene da criança”, “Normas práticas para alimentação do pré-escolar” e “Porque morre tanta criança”.

Como a noção de infância relaciona-se com a sociedade na qual a criança está inserida e se desenvolve, consideramos que a industrialização, a conseqüente escolarização e a maneira pela qual a industrialização afetou as relações familiares estão intrinsecamente ligadas à noção de infância. A criança passou aos poucos a receber cuidados específicos, muitas vezes cientificamente fundamentados. As separações entre o estágio adulto e a infância passaram a ser maiores que anteriormente e isso também foi modificando a noção de infância. A separação entre adultos e crianças, de acordo com Stearns (2006), fez com que as crianças passassem a ter uma situação aparentemente privilegiada em relação ao adulto. No que diz respeito aos cuidados e leis de proteção, a criança foi colocada numa posição de fragilidade em relação ao adulto. Em sua tese sobre infância e historicidade, Oliveira (1989) afirma que “... a infância ganhou um estatuto que extrapola o dado da maturação e alcança uma expressão social com natureza de ‘cidadania’, isto é, a infância é percebida não só pelo estágio biológico, mas pela participação efetiva da criança na cultura socialmente posta para a criança” (p. 118).

Como relatado acima, a transformação da infância em um período especial e “resguardado” não ocorreu num curto espaço de tempo, mas foi conseqüência da vida moderna. Foram necessários longos períodos de transformação histórica para que se incorporasse a idéia de que a criança necessita de uma infância para o seu desenvolvimento como ser humano.

1.1 INFÂNCIA – ASPECTOS PSICOLÓGICOS

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foi dito, a concepção e a definição de infância variam entre as épocas e sociedades, tendo em vista a natureza social do homem.

Diferentes correntes psicológicas elaboraram diferentes conceitos sobre a criança, seu desenvolvimento e a infância, e também sobre o papel da sociedade na vida das crianças. Podemos encontrar correntes voltadas para a formação biológica, outras que dão suprema importância para a sociedade e, conforme as pesquisas vão sendo feitas e as teorias sendo validadas ou caindo no descrédito, assim também a psicologia “ganha” ou “perde” definições.

Oliveira (1989) afirma que: “Considerar a natureza social do homem, no caso específico da criança, significa pensar a sociedade, com os bens e valores produzidos socialmente, com as novas necessidades que se vão criando para realizar tanto a criança que esta sociedade requer, quanto a sociedade pedida por esse homem novo” (p. 74). Tendo em vista esta afirmação de Oliveira sobre a relação entre infância e meio social, ressaltamos a importância do estudo da sociedade e da família paulista na década de 1930 que será tratada no próximo tópico deste texto. Porém, antes de estudarmos a sociedade paulista, observemos um pouco da “história” da criança em família – seu primeiro núcleo social.

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formadas por ambos os pais e as mães em geral ficavam nos lares e eram responsáveis pela educação das crianças.

A família tem função constitutiva no desenvolvimento do indivíduo e dos grupos. Assim, não há como estudar a infância e o indivíduo sem estudar a família na qual ele está inserido, pois o lugar da família é socialmente definido. Como afirmam Horkheimer e Adorno (1973) “a família apresenta-se, de fato, como uma “interação” de determinados “papéis” desenvolvidos socialmente, investida de outras tantas tarefas sociais, mas este enfoque pode ter conteúdos variáveis nas diversas formas conhecidas na sociedade” (p. 136).

De acordo com a conclusão de Horkheimer e Adorno, a compreensão social da família e os papéis nela desempenhados variam nas diversas sociedades e épocas que podem ser encontradas até a atualidade. E, se o indivíduo é um reflexo da família na qual ele cresce e se desenvolve, o reconhecimento do sujeito como indivíduo também varia de acordo com as perspectivas acima. Dessa maneira é necessário lembrar que “antes de ser

indivíduo o homem é um dos seus semelhantes...” (Horkheimer e Adorno,

1973, p. 47). Assim, é fundamental ao homem a vida em sociedade, pois o que nele o faz humano é a interação com os demais seres humanos.

A família tem sido há alguns séculos a principal célula social (porém, não única) na qual os seres humanos são incluídos e se constituem como indivíduos e na década de 1930 não foi diferente. Os costumes familiares, as famílias tradicionais e os sobrenomes tinham grande importância naquela época. Ao se dizer que alguém era da família X ou Y, podia se ter um histórico completo sobre aquela pessoa. A valorização das famílias e das relações familiares era forte e o senso de perte ncimento na sociedade em grande parte se dava em função das famílias.

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Naquele momento a família paulistana estava no auge de seu status. Elas enriqueceram com a indus trialização, e o poder econômico e cultural estava nas mãos de umas poucas famílias, as quais eram responsáveis pelas transformações, econômicas, sociais e culturais da cidade. Nesse contexto, as crianças passaram a ser mais valorizadas, mas ao mesmo tempo cresceram as expectativas a seu respeito. Diante disso, para nós, não há como estudar a infância, sem que pensemos também na sociedade e na família na qual ela está inserida.

2. SÃO PAULO NOS ANOS 30 E A CRUZADA PRÓ-INFÂNCIA

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realizar e apontamos aqui para alguns fatos que marcaram a sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Conforme relata Miceli (2001), “as décadas de 1920, 1930 e 1940 assinalam transformações decisivas nos planos econômico, social, político e cultural” (Miceli, 2001, p. 77). A Cruzada Pró-Infância e a revista Infância publicada por essa entidade nasceram justamente nesse período assinalado por Miceli. Vejamos alguns fatos marcantes para São Paulo naquele período: o movimento higienista da década de 1920; as reformas educacionais; a tomada do poder por Getulio Vargas em 1930, e a revolução constitucionalista de 1932, na qual São Paulo teve participação ativa. E na Cruzada não foi diferente como verificamos a seguir: “E assim como muitas mulheres paulistanas das camadas médias e mais favorecidas, a direção e as sócias da Cruzada participaram de forma ativa no movimento que eclodiu em nove de julho de 1932 contra o governo Getulio Vargas” (Byington et al., 2005, p. 57). Como resultado dessa participação da Cruzada na revolução de 1932, foram criados 18 centros de assistência, que do início da revolução em nove de julho até 30 de setembro do mesmo ano teve 832 voluntários que confeccionaram 29.232 peças de roupas nas 133 máquinas de costura mantidas pela Cruzada. A entidade esteve também ligada ao Departamento de Assistência à Família dos Combatentes que era dirigida pelo MMDC, segundo Byington et al (2005). Esses provavelmente foram alguns fatores que impulsionaram a noção de infância que se refletiu na revista Infância publicada no mesmo período.

Nessa época a sociedade também começou a se mobilizar em relação à proteção à infância. Entre os documentos voltados para a proteção à infância está o primeiro Código de Menores do Brasil, de 1927, pelo qual se consolidaram as leis de assistência e proteção de menores abandonados. Essa e outras iniciativas estão fortemente ligadas à ação dos higienistas que criaram a seção de higiene infantil do Departamento Nacional de Saúde Pública, conforme escreve Faleiros (1995). Outro aspecto foi a responsabilização do Estado pelo futuro da criança e da sociedade. Faleiros (1995, p. 59), citando um comentário de Mineiro1

(1924) sobre o Código de Menores, afirma: “‘O

1 MINEIRO, Beatriz Sofia. Código de menores dos Estados Unidos do Brasil: comentado.

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Estado tem o dever da proteção à criança’, pois sendo a criança a ‘raiz da família’, ‘o futuro (bom ou mau) da sociedade depende tanto da saúde e do vigor com que as crianças nascem, como da maneira por que são criadas e educadas’ (p. 3), e conclui ‘daí a necessidade do Estado lhes prestar a indispensável assistência (p. 15)’”. A Cruzada Pró-Infância seguia esses princípios e os incentivava por meio das mais diversas maneiras, como, por exemplo, nos textos da revista Infância.

Vemos no comentário acima feito por Mineiro que a boa criação das crianças depende da educação; por isso ressaltamos a importância da institucionalização e da popularização da educação. Pinchbeck e Hewitt (in Leite, 1972) informam que, na Inglaterra, a institucionalização da educação formal, seguida da separação entre a criança e a sociedade adulta, foi condição prévia para o aparecimento da infância. Vimos, também, que tal popularização se deveu ao avanço da industrialização e da obrigatoriedade do ensino, relatados por Marx (1985). Conforme já mencionamos no item dois, essa tendência também se aplica ao Brasil, pois foi com a expansão da industrialização na década de 1920 nos grandes centros urbanos que a criança passou a ter maior importância para a sociedade brasileira e esta importância estava fortemente ligada à educação. Vejamos agora a importância dada à infância em conexão com as reformas educacionais ocorridas entre 1920 e 1930 e a instituição de leis especialmente voltadas para a proteção das crianças e das mães.

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muitas vezes a atenção dispensada não era suficiente para a população da época, principalmente na cidade de São Paulo, que crescia continuamente.

Além do Código de Menores, outra contribuição importante para o fortalecimento da noção de infância vigente na época foi o Decreto 17.934 de 21.10.1927, que privilegiou o estudo ao invés do trabalho . Como o Código de Menores, esse decreto manteve a idade mínima para que a criança pudesse trabalhar – 12 anos – e proibiuo trabalho noturno para menores de 18 anos de idade. A Constituição de 1934 determinou a proibição do trabalho infantil para menores de 14 anos, salvo por autorização judicial. Assim sendo, a infância brasileira passou a ser representada de outra forma, ou seja, não mais como criança trabalhadora. No entanto, a determinação não aboliu de uma vez por todas o trabalho infantil. Ainda hoje podemos encontrar crianças trabalhando nos mais diversos lugares e em condições muito precárias. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio realizada em 2001 e divulgada em 2003 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 296.705 crianças brasileiras com idades entre 5 e 9 anos tinham algum trabalho. Um dado ainda mais alarmante é que nestes números não estão incluídas crianças das áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, o que nos alerta que a quantidade de crianças que exercem alguma atividade profissional é ainda maior.

Voltando a São Paulo da década de 1930, a capital paulista, sendo uma das cidades mais ricas do Brasil, onde já se concentrava boa parcela dos cidadãos brasileiros, estava à frente das demais em diversos aspectos: “Nos anos 20, ao mesmo tempo em que São Paulo conhecia acelerado desenvolvimento urbano, industrial e cultural, acentuavam-se as diferenças econômicas e sociais especialmente as condições de trabalho, de moradia, de

saúde e de acesso aos bens culturais e consumo da população” (Byington et

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ser uma catástrofe. Byington et al. (2005) relatam que a vida da população pobre se deteriorava a olhos vistos, e essa também era uma preocupação para a saúde da cidade. Além disso, a falta de saneamento básico era muito problemática, com a cidade crescendo da noite para o dia e a população ainda vivendo com hábitos de comunidades rurais. Segundo as mesmas autoras, isso preocupava as autoridades paulistanas.

É interessante relatar aqui as palavras de Sérgio Miceli (2001), que trata da formação da elite cultural no Brasil.

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estatais e filantrópicas preocupavam-se com o aumento da infância abandonada, principalmente nas grandes cidades, pois isso provocava doenças, aumento da criminalidade e de desocupados perambulando pelas ruas. Moncorvo Filho, renomado médico pediatra da época, afirmava que era preciso ampliar o tempo de vigilância sobre os adultos para garantir a vida das crianças. Ele também acreditava que a ignorância dos pais, sobretudo das mães, deveria ser preocupação do governo, de modo que o saber médico fosse o pilar para essa luta, a fim de que um plano para a nação fosse viável, nos informa Gondra (2002).

Esse foi, portanto, o cenário no qual a senhora Pérola Ellis Byington, esposa de Albert Byington, engenheiro prático do ramo da eletrificação, interessou-se pelo problema da mortalidade infantil. Ela filiou-se à Associação de Educadoras Sanitárias e formou uma comissão que fundou em 12 de agosto de 1930 a Cruzada Pró-Infância, formada e administrada exclusivamente por senhoras que pertenciam às classes média e alta paulistas. Todas tinham experiência em trabalho voluntário ou formação profissional (em geral eram professoras), relata Mott (2003). Essa entidade, que até os dias atuais tem como objetivo a proteção à infância, publicou em 1935, 1936 e 1937 a revista Infância.

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É uma causa simpática essa, em nome da qual a Associação de Educação Sanitária acaba de dirigir um apelo à sociedade paulista. [...] Daí a idéia da Associação de Educação Sanitária de congregar senhoras paulistas e dar a todas o privilégio de participar dessa grande cruzada. Em traços largos, como programa: 1) Um Dispensário Central onde os casos, apresentados não só por educadoras sanitárias, como por pessoas idôneas, possam ser encaminhados, na medida de suas forças, fornecendo remédios, alimentos, roupas etc., às crianças e às mães; 2) Um serviço de parteiras adestradas para servir às mães que de todo não puderem deixar os lares para se internar em maternidade; 3) Um abrigo ou casa maternal para os filhos sãos de mães doentes internadas temporariamente em hospitais.[...] (Byington et al., 2005, p. 45-46).

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A atuação da Cruzada incluía a preocupação com a educação sanitária das classes altas e das classes populares. Conforme descreve Byington, et al (2005) em O gesto que salva:

A educação sanitária tinha dois tipos de público-alvo: as camadas menos favorecidas, que utilizavam os vários serviços da cruzada, e as classes médias e elites. As visitas domiciliares e as palestras destinavam-se ao primeiro grupo; a revista Infância, publicada entre 1935 e 1938, bem como os cursos de puericultura, oferecidos na Semana da Criança, eram voltados, sobretudo, ao último (p. 74).

Dessa maneira, podemos ter uma idéia de quão vasta pretendia ser a atuação da Cruzada, e de fato em suas primeiras décadas ela teve grande visibilidade na cidade de São Paulo nas áreas de assistência à criança e à mãe.

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instrumentos utilizados pela Cruzada na difusão dos conhecimentos científicos. Por meio dos textos publicados na revista, a Cruzada pretendia educar os “pobres” através dos conhecimentos dos “ricos”.

3. EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E IDEOLOGIA DA INFÂNCIA

As transformações sociais e políticas ocorridas na década de 1930 também afetaram a educação, a qual, como veremos, influenciou a psicologia, que por sua vez também foi utilizada como ideologia, pois tratava de atitudes consideradas modelos de comportamento adequado no trato com a infância.

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tenham acontecido modificações na educação pública brasileira. Mas foi, entretanto, a preocupação com o elevado número de analfabetos que ocasionou a reforma educacional paulista na década de 1920. Tal movimento propunha a oferta do ensino primário em dois anos como forma de democratizar o acesso à educação. Outras reformas educacionais também tiveram este objetivo em diversos estados brasileiros. Multas e penas buscavam garantir a implementação da obrigatoriedade do ensino. Como vimos os esforços para a propagação da educação foram variados. “A reforma paulista de 1920 representa um exemplo singular nesse esforço para dar instrução primária a todos, de acordo com a pregação nacionalista da época” (Nagle, 1974, p. 207).

Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros pelo movimento da Escola Nova, liderado por Fernando de Azevedo2 e Afrânio Peixoto3, apresentou-se como resposta ao declínio da educação ocasionado pela reforma de 1920. O manifesto que tinha como objetivo a democratização do ensino e propunha uma revolução na educação brasileira, conforme encontramos: “na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação”.4 A preocupação com a proteção e assistência à infância alavancou o crescimento da rede educacional oficial e particular, aumentando assim a quantidade de crianças matriculadas nos grupos escolares. Todavia, segundo Souza (1998), era perceptível o favorecimento de determinados grupos sociais.

2 Fernando de Azevedo (1894-1974), bacharel em Direito, iniciou sua carreira como jornalista

em O Estado de São Paulo. Desenvolveu a primeira e vasta pesquisa sobre a situação da educação em São Paulo. Foi integrante do movimento reformador da educação pública, na década de 20, que ganhou o país e foi impulsionado pela Associação Brasileira de Educação, fundada em 1924. Entre 1927 e 1930, promoveu ampla reforma educacional no Rio de Janeiro, capital da República, animada pela proposta de extensão do ensino a todas as crianças em idade escolar; articulação de todos os níveis e modalidades de ensino: primário, técnico profissional e normal; e adaptação da escola ao meio-urbano, rural e marítimo.

3 Julio Afrânio Peixoto (1876-1947), formou-se em medicina pela Universidade da Bahia,

considerado como o fundador da Psicologia forense no Brasil. Atuou nas mais diversas áreas, foi médico legista, político, professor, crítico, ensaísta, romancista, historiador literário, acadêmico, polemista. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras na cadeira de Euclides da Cunha. No Rio de Janeiro, foi inspetor de Saúde Pública (1902). Diretor do Hospital Nacional de Alienados (1904). Após concurso, foi nomeado professor de Medicina Legal da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro (1915); diretor da Instrução Pública do Distrito Federal (1916); deputado federal pela Bahia (1924-1930); professor de História da Educação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932). No magistério, chegou a reitor da Universidade do Distrito Federal, em 1935. (Fonte: http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0802.htm, adaptado pela autora).

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Com o aumento das escolas primárias, cresceram também a quantidade de escolas normais destinadas à formação de professores. Esse aumento de escolas normais colaborou para que a psicologia ganhasse importância, principalmente em virtude dos laboratórios de psicologia anexos às escolas, que atuavam na elaboração de testes psicológicos para medir as mais diferentes características.

Nas décadas de 1920 e 1930, a psicologia se fortaleceu, sobretudo na educação e na medicina. Antunes (2005) afirma que a medicina foi um importante substrato para o desenvolvimento da psicologia no Brasil no início do século XX. Um exemplo disso foi a criação dos laboratórios de psicologia nos hospícios e nas escolas normais.

As escolas e os laboratórios de psicologia ligados a elas também foram fundamentais para o desenvolvimento da psicologia no Brasil nas décadas iniciais do século XX. Segundo Antunes (2005), foi por intermédio da educação que “grande parte dos conhecimentos produzidos na Europa e nos Estados

Unidos chegaram ao Brasil” (Antunes, 2005, p. 83). A educação e a pedagogia

buscaram a contribuição da psicologia e, dessa maneira, houve a implantação dos institutos de psicologia aplicada em várias Escolas Normais que produziram diversos materiais e estudos a par do que se realizava nos grandes centros culturais do mundo, segundo Antunes (2005).

Houve, para isso, grandes investimentos, como pode ser constatado em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, em que laboratórios foram montados, cursos foram organizados e eminentes psicólogos da época para cá vieram ministrá-los e contribuir com a criação de condições para que aqui também houvesse possibilidade de produção de pesquisa e, sobretudo, ampliação do raio de ação da Psicologia. (Antunes, 2005, p. 84)

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afirma que são várias as relações entre o movimento da escola nova citado anteriormente e a psicologia, que deveria subsidiar as transformações da escola: “As relações professor e aluno, o processo de ensino-aprendizagem, a modernização metodológica, a organização das classes, o conhecimento e o respeito ao desenvolvimento da criança, enfim, deveria a Psicologia, tornar-se o mais importante braço científico e técnico da nova concepção de Educação” (Antunes, 2005, p. 84).

A popularização do ensino, mencionada anteriormente, favoreceu a educação em massa, na qual a crítica e o esclarecimento foram gradativamente enfraquecidos à medida que a ideologia se difundiu. Horkheimer e Adorno (1973) a definem como falsa consciência, afirmando que ela é socialmente condicionada e “cientificamente adaptada à sociedade. Essa adaptação realiza-se mediante os produtos da indústria cultural, como o cinema, revistas, os jornais ilustrados...” (Horkheimer e Adorno, 1973, p. 201). Ambos concordam com o efeito de dominação que a ideologia provoca. Exercendo a ideologia um domínio sobre aqueles que não detém o poder, as idéias expressadas em sala de aula, publicações e outros meios de comunicação refletem a opinião daqueles que escreveram e/ou foram responsáveis por aqueles materiais, dominando de certa maneira aqueles que são sujeitados a esses materiais. Quanto à opinião daqueles que detêm o poder, eles afirmam: “Se é certo que a opinião é soberana, ela só o é em última instância, no reino dos poderosos, que fazem e governam a opinião” (Horkheimer e Adorno, 1973, p. 186). E aqueles que governam e detêm o poder em geral freqüentaram boas escolas e foram formados de acordo com a ideologia vigente na época.

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populares. Assim, em um ato de doação e engajamento social, a ideologia continua a seguir seu caminho.

A aparência irrevogável de conhecimento pelo conhecimento em si e sua aspiração à verdade estão impregnadas de sentido crítico. Não só a autonomia mas a própria condição dos produtos espirituais de se tornarem autônomos são pensadas, com o nome de “Ideologia”, em uníssono com o movimento histórico real da sociedade. E nesta se desenvolvem os produtos ideológicos e suas funções atribui-se-lhes uma utilidade, desejada ou não, a respeito dos interesses particulares. A sua própria separação, a constituição da esfera espiritual e sua transcendência, manifestam-se, entre outros aspectos, como resultado social da divisão do trabalho. Assim é que tal transcendência justifica, de um modo puramente formal, na concepção ideológica, a divisão da sociedade, se é certo que a participação no mundo eterno das idéias está reservada a quantos que, por estarem excetuados do trabalho físico, desfrutam de um privilégio. Horkheimer e Adorno, 1973, pág. 184)

Como notamos nas palavras de Horkheimer e Adorno, a ideologia é social e historicamente concebida e a divisão do trabalho na sociedade, é um resultado dessa concepção. Assim, compreendemos que já nas divisões das classes de trabalho encontram-se aspectos ideológicos. Diante disso, destacamos que na revista Infância ao utilizar a classe alta para transmitir conhecimentos para as classes pobres, utiliza-se da ideologia.

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criando para realizar tanto a criança que esta sociedade requer, quanto a sociedade pedida por esse homem novo” (Oliveira, 1989, p. 74). E é nesse sentido que pensamos que a Cruzada Pró-Infância colaborou na difusão de uma nova maneira de pensar e se relacionar com a criança, difundindo assim a ideologia da infância e da criança ideal. Com o passar do tempo, “a infância ganhou um estatuto que extrapola o dado da maturação e alcança uma expressão social na natureza de ‘cidadania’, isto é, a infância é percebida não só pelo estágio biológico, mas pela participação efetiva da criança na cultura socialmente posta para a criança” (Oliveira, 1989, p. 118).

Concluindo, a ideologia é justificação nas palavras de Horkheimer e Adorno. Justificação de dominação e pode ser utilizado como já vimos, pelos meios de comunicação, mas também pelo conhecimento científico e que traz em si toda a autoridade da ciência.

4. METODOLOGIA 4.1 OBJETIVO

Analisar a revista Infância para reconhecer a noção de infância nela presente.

4.2 HIPÓTESE

A noção de infância era fundamentada na educação e na psicologia. 4.3 MÉTODO

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em preto e branco. Foi idealizada para ser uma publicação mensal, porém a periodicidade era irregular. Circulou durante três anos (1935-1937), nos quais foram publicados 18 números. Os números 3, 5 e 6 não foram localizados. Não se sabe o motivo da cessação da publicação da revista. O público-alvo eram as famílias de classe alta.

Procedimento: é feita a descrição, classificação e análise dos textos publicados na revista Infância. Iniciamos com uma descrição da revista em geral; a seguir, os textos são classificados de acordo com o destinatário (educadores, pais, pai, mãe e criança); em seguida, indicamos quem foram os autores do material publicado. Também é feito o levantamento das imagens ilustrativas da revista e, finalmente, um levantamento das propagandas veiculadas. Depois das classificações e análises dos conteúdos, procuramos reconhecer a noção de infância presente na revista como um todo, isto é, nos textos, imagens e propagandas.

5. RESULTADOS

Destinada aos pais e educadores da década de 1930, a revista tinha como objetivo difundir as idéias científicas entre a maior quantidade possível de leitores, conforme consta no texto “Infância” no início do primeiro exemplar: “‘Infância’ vem focalizar a vida e os problemas da criança. A novel revista procurará collaborar com os paes e educadores, contribuindo assim para que, num porvir bem próximo, nos orgulhemos de possuir um povo mais sadio e culto. (...) Conseguir multiplicar o número de leitores, levando a todos os rincões a palavra do scientista, eis nosso objetivo”5 (Infância, Ano 1, nº 1, p. 2).

O quadro abaixo demonstra cronologicamente todos os números publicados pela revista.

5

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Quadro 1. Edições da revista Infância

Nº. Mês Ano

1 Março 1935

2 Abril 1935

3 --- 1935*

4 Agosto 1935

5 --- 1935* 6 --- 1935*

7 Dezembro 1935

8 Fevereiro 1936

9 Abril 1936

10 Julho 1936

11 Outubro 1936

12 Dezembro 1936 13 Fevereiro 1937

14 Abril 1937

15 Junho 1937

16 Julho 1937

17 Agosto 1937

18 Novembro 1937

Nota: (*) indica edições que não foram localizados.

Fonte: Quadro elaborado pela autora com base nas revistas disponíveis entre 1935 e 1937.

Percebemos nos textos da revista Infância que também fazia parte de seus

objetivos capacitar as famílias pobres para a tarefa de assistir e educar as crianças. Porém, a transmissão do conhecimento se daria através dos leitores da revista, principalmente aqueles pertencentes à classe alta. Nela encontramos hábitos e costumes da classe alta, como, por exemplo, os métodos de educação, os padrões de saúde e a prevenção de doenças que eram claramente tidos como os melhores e aqueles que deveriam ser seguidos. As crianças deveriam ser moldadas para garantir o futuro promissor do país.

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vezes diretamente a ele, como veremos detalhadamente. Uma confirmação da classe alvo da revista é a mensagem de abertura do primeiro exemplar, escrita por Guilherme de Almeida6 e denominada “Infância”. De certa maneira, esse texto apresenta a idéia de criança e de infância que a revista defenderá ao longo de sua publicação: “... onde cantam os chocalhos de prata e marfim; ou cochilam os ursos mollengos e commodos de pellucia; ou ”posa“, muito

enfatuada, olhando com coragem a luz forte, a boneca de feltro de Lency”

(Infância, Ano 1, nº 1, p. 1). Que criança na década de 1930 tinha chocalhos de prata e ursos de pelúcia? A criança que pertencia à classe alta, principalmente da sociedade paulistana. Assim, por meio dessas expressões verificamos que a noção de infância presente na revista reflete as condições do público-alvo daquela classe.

Conhecendo o público-alvo e os objetivos da revista, passaremos a descrever cada um dos três anos da publicação. Para tal apresentação utilizamos nas tabelas abaixo a freqüência e a proporção dos assuntos tratados.

A tabela a seguir ilustra os destinatários dos conteúdos dos 15 números localizados, durante os três anos de publicação (1935-1937).

6 Guilherme de Almeida (1890 -1969). Formou-se em Direito em 1912. Conciliou o exercício da

profissão de advogado com trabalhos como jornalista literário, tradutor e, principalmente, poeta. Em 1917, teve publicado seu primeiro livro, Nós; seguiriam-se A Dança das Horas (1919),

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Ano

Conteúdo Freqüência Proporção Freqüência Proporção Freqüência Proporção

Pais 17* 0,24 28* 0,34 34* 0,39 79 0,33

Mãe 32 0,44 24 0,29 29 0,34 85 0,35

Pai 2 0,03 1 0,01 0 0 3 0,01

Educador 14 0,19 13 0,16 18 0,21 45 0,19

Criança 7 0,1 7 0,08 0 0 14 0,06

Leitor em Geral 10 0,12 5 0,06 15 0,06

Total 72 1 83 1 86 1 241 1

Total Proporção

Nota: Os textos marcados com (*) foram considerados em duas categorias, por isso o total não é a soma dos textos publicados.

Fonte: Elaborada com base nas informações da revista Infância entre 1935-1937

1935 1936 1937

Tabela 1. Destinatários dos conteúdos da revista Infância nos anos de 1935-1937

Pela tabela acima constatamos que a quantidade de textos destinada às mães é a mais alta na soma de todos os anos, porém somente no primeiro ano representa o maior número de textos – 32 (0,44). No segundo ano são 24 (0,29) e no terceiro 29 textos (0,34). Nota-se, entretanto, que no segundo e no terceiro ano de publicação a quantidade de textos destinada aos pais (pai e mãe) é de 28 (0,34) e 34 (0,39), respectivamente, tendo os mais altos índices de textos. Porém, na soma geral, como verificamos, o número de textos para os pais é o segundo mais alto.

Aos pais (homens) foram dedicados somente três textos (0,012) durante os três anos de publicação, a menor quantidade no período. Destes, dois (0,03) foram publicados no primeiro ano e o texto restante (0,01) foi publicado no segundo ano.

Aos educadores foram destinados 45 textos (0,186), sendo 14 (0,19) no primeiro ano, 13 (0,16) no segundo e no terceiro ano chegou-se a um total de 18 textos (0,21).

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Notamos que houve uma significativa mudança no perfil dos textos publicados na revista Infância, principalmente em relação ao público infantil, que não foi contemplado no terceiro ano da revista.

No segundo e no terceiro ano da revista foram localizados textos que não se encaixaram nos grupos acima descritos e assim foram classificados como para os leitores em geral. Tais textos podem ser dedicados a pais, mães, educadores e interessados na educação infantil.

Diante dos dados apresentados, confirmamos que o principal destinatário da revista eram respectivamente as mães, os pais (pai e mãe) e os educadores, como descritos no texto de lançamento da revista. Tal resultado é esperado para a sociedade da época e público alvo da revista, na qual as mães da classe alta, eram as principais responsáveis pelos cuidados e educação das crianças. Cabe ressaltar, no entanto, que a quantidade de textos destinados a ambos os pais é a segunda maior, apesar de haver poucos textos destinados somente ao pai. Isso demonstra algumas idéias de vanguarda para a sociedade da época, como incluir o pai na tarefa de educação dos filhos.

As mães da classe alta, que em sua maioria não trabalhavam, eram incentivadas pela Cruzada a participar das ações de divulgação da educação e saúde entre as comunidades de classes baixas, que eram o principal público das atividades da entidade.

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classe alta paulistana, tendo em vista que até hoje esses produtos não podem ser adquiridos por boa parte da população brasileira.

Podemos notar que alguns produtos foram anunciados na maior parte dos números. O Dr. Zuinglio Themudo Lessa7, um médico, anunciou os seus

serviços em onze, dos dezoito números analisados. Provavelmente os anúncios faziam parte de um amplo acordo entre a Cruzada e seus anunciantes, para que não só fossem colaboradores da revista, mas também da organização como um todo.

Notamos que a composição da revista Infância teve características semelhantes em diversos números e algumas diferenças marcantes. A partir de agora passaremos a analisar alguns aspectos da revista. O primeiro deles será quanto à identificação dos autores de cada texto. Pode-se perceber pela tabela a seguir que no primeiro ano da revista a maioria dos textos não foi assinada. No entanto, já no segundo ano de publicação, apesar do decréscimo do número de textos por número da revista, houve uma inversão quando à assinatura dos textos, porque durante aquele ano a maioria dos textos foi assinada. No terceiro ano, mesmo havendo um decréscimo em relação ao

7Zuinglio Themudo Lessa (1909-1995). Nasceu em São Luis do Maranhão, filho de Vicente do

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segundo ano nos textos assinados, eles continuaram sendo a maioria, dando maior credibilidade às idéias difundidas pela Cruzada.

Tabela 4. Autoria dos textos por ano

Ano 1935 1936 1937

Artigos Freqüência Proporção Freqüência Proporção Freqüência Proporção Não Assinados 48 0,62 27 0,37 36 0,43

Assinados 30 0,38 45 0,63 47 0,57

Total 78 1,00 72 1,00 83 1,00

Fonte: Elaborada pela autora

Além de dar credibilidade às idéias e aos textos publicados, a identificação dos autores também pode ser um indicador de que a revista foi adquirindo credibilidade entre os profissionais de saúde da época, ou ainda que os autores se identificavam com os objetivos e idéias difundidos pela Cruzada.

Outro fator importante diz respeito à publicidade encontrada na revista. Quanto a isso percebe-se que houve um aumento na quantidade de propagandas veiculadas na revista, principalmente no terceiro ano. Outra característica é que em geral as propagandas são dos mesmos produtos, conforme pode ser notado numa tabela no final deste trabalho (Anexos 1 a 3). A tabela abaixo demonstra a presença da publicidade em cada número da revista referente a cada ano de publicação. Nela também incluímos a média anual de anúncios.

Tabela 5. Presença de Publicidade por ano da revista

Ano 1935 1936 1937

Freqüência Proporção Freqüência Proporção Freqüência Proporção

Média 16,2 0,25 15,6 0,20 22,3 0,16

Desvio Padrão 8,27 2,07 5,08

Total 65 1,00 78 1,00 134 1,00

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Notamos por meio da tabela acima que a publicidade tinha um espaço razoável na revista e provavelmente era uma das maneiras de garantir lucro, divulgar a Cruzada e manter a revista. Também é interessante notar que no último ano de publicação da revista houve um aumento na quantidade de produtos anunciados, e mesmo assim a revista saiu de circulação.

Passaremos agora à análise do conteúdo dos textos publicados na revista, que será dividida em quatro partes de acordo com os seguintes assuntos: Saúde e Higiene, Educação, Aspectos Psicológicos do Desenvolvimento e Material para Crianças. Essa separação em assuntos também é importante na medida em que sabemos que a psicologia estava associada a ciências como educação e biologia (aqui tratadas como saúde e higiene). Esta análise constitui-se num importante aspecto do conhecimento da noção de infância presente nessa publicação, tendo em vista que ela será a nossa principal fonte de informações.

Para cada assunto analisado, existem textos de todos os anos da revista. Antes, porém, faremos uma análise da apresentação da revista em seu primeiro número, tendo em vista que é nesse texto que encontramos a declaração dos objetivos e do público-alvo da revista. A seguir abordaremos os assuntos mencionados acima.

A apresentação dos objetivos da revista, já apresentada anteriormente, e transcrita novamente a seguir, nos deixa bem informados a respeito da mesma e nos dá indícios dos temas a serem nela tratados. Vejamos:

“‘Infancia’ vem focalizar a vida e os problemas da criança. A novel

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para que, num porvir bem próximo, nos orgulhemos de possuir um povo mais

sadio e mais culto”.

A preocupação com o futuro educacional e cultural da nação está bem clara nestas breves linhas de apresentação da revista, as quais se harmonizam com a hipótese da noção de infância. Tal preocupação continua a ser expressa na frase a seguir:

“... a Cruzada Pró-Infância lança esta revista de educação e de

princípios básicos da criança, depois de avaliados os indices da mortalidade e

morbidade infantis, do grande numero de menores delinqüentes e certificar-se

de que as causas principaes dessas desgraças são a miséria e a ingnorancia”.

Mais uma vez, percebemos aqui que a educação é uma das principais preocupações da Cruzada e, portanto, também o será da revista.

Finalizando o texto, os editores explicam: “...esta revista não procura auferir lucros commerciaes e sim difundir entre a população, cada vez mais, os

ensinamentos e conselhos de technicos, especialistas nos vários assumptos

que interessam a criança. Conseguir multiplicar o numero de leitores, levando a

todos os rincões a palavra do educador e do scientista, eis nosso objectivo”

(Infancia, ano 1, nº 1, p. 2).

Como percebemos nessa apresentação da revista a preocupação principal é com que a informação seja científica e ao mesmo tempo prática e útil para a população em geral.

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O texto de abertura do quarto número da revista é “A parábola do pae pródigo”. Trata-se de uma paráfrase da parábola do filho pródigo relatada nos

evangelhos. Tal parábola coloca pai e filho em situação inversa à da parábola bíblica. “Havia um homem que tinha dois filhos e o menor delles lhe disse: ‘Pae, dá-me uma parte do teu tempo, da tua attenção, da tua companhia, e o

conselho e a direcção que me cabem’. E o pae dividiu com elle seus bens,

pagando-lhe suas contas, mandando-o a uma boa escola de preparatórios, a

escola de dansas e à universidade, e julgou que, com isso, cumpria o seu

dever de pae. (...) Quando cahiu em si, pensou (...) Irei a meu filho e lhe direi:

‘Filho, pequei contra o céu e contra ti, já não sou digno de ser chamado teu

pae. Ai de mim! nem mesmo um de teus companheiros.’ Mas o filho respondeu:

De maneira nenhuma. (...) é tarde demais. (...) Consegui então os

conhecimentos e a companhia, mas eram ambos errados e, agora, – ai de

mim! – sou um desgraçado na alma e no corpo e já não há mais nada que

possas fazer por mim. É tarde demais, tarde demais!” (Infância, nº 4, p. 1).

Os extratos da parábola acima demonstram o valor atribuído à família e também ao papel do pai e revelam alguns aspectos sobre sua participação na educação dos filhos, tendo em vista que no período de publicação da revista a tarefa de educação dos filhos cabia principalmente à mãe. De uma maneira geral a revista publicava textos e opiniões com fundo moral e de valorização da família.

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“‘E a criança, falou, dizendo: Eu sou teu filho amado a quem trouxeste

ao mundo, sem consultar-me. 1) Amarás a teu filho com todo o teu coração e

não vacilarás em manifestar o teu interesse e carinho para com elle. Este, o

mandamento primeiro e primordial. 2) Não farás para ti imagem de teu negócio

(...). 3) Não tomarás em vão o nome de ‘pae’, porque Deus não terá por

inocente aquele que considere de pouca importancia as responsabilidades da

paternidade. 4) Dá atenção à parte do teu tempo que cabe ao teu filho (...). 5)

Honra tua mulher, minha mãe, porque eu, teu filho a amo ternamente (...). 6)

Aconselharás teu filho em tudo, e com ele compartilharás o segredo do teu

coração. 7) Firme serás em tua disciplina (...). 8) Terás fé e confiança em teu

filho e paciência (...) em todas as suas faltas. 9) Manterás um caminho recto

perante os homens e tuas acções (...). 10) Não te esquecerás de que foste

criança, nem tão pouco esquecerás que os tempos estão muito mudados,

desde os dias em que eras joven ” (Infancia, ano 2, nº 8, s/p.).

Percebemos nesse texto de abertura do número uma analogia com a passagem bíblica dos Dez Mandamentos. As ordens dadas ao pai têm um teor forte e algumas vezes ameaçador. Isso nos mostra como era importante a idéia de que a criança deveria ser vista com seriedade e ser assunto de grande preocupação e dedicação por parte dos pais.

Agora que já temos algumas informações sobre os conteúdos que compõem a revista, passaremos a dividir a análise conforme descrevemos anteriormente.

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Consideramos como pertencentes a esse grupo os textos que tratam de maneira direta sobre a saúde da mãe e da criança e ainda aqueles que pretendem didaticamente ensinar pais, mães e professores os princípios básicos de higiene. Estes textos foram em geral escritos por médicos sanitaristas, pediatras e educadoras sanitárias.

Percebemos que os textos refletem os objetivos da revista, já que tratam da saúde e da educação da criança. Textos publicados no primeiro ano da revista, como, por exemplo, “Hygiene da Criança”, “A Criança ao Ar Livre”, “Saúde”, “O Appetite do Bebê” e “Cardápio da Criança”, tratam da saúde da criança nos primeiros anos de vida. Dentre os textos citados acima, apenas “A criança ao Ar Livre” e “Saúde” são assinados. Dr. Itapema Alves e Myrianto ensinam as mães e a própria criança a terem boas práticas de saúde, principalmente de higiene, como podemos observar na seguinte afirmação: “... a água é o factor primordial na hygiene geral. Banho nunca é demais” (Infância,

Ano 1, nº 1, p. 9). Já para as crianças Myrianto escreve: “Que quer dizer saúde? Força para o homem, Belleza para a mulher. Força e Belleza, andam,

de mãos dadas, com a Saúde. (...) A saúde, só gosta de morar em casas bem

construídas, com paredes bem fortes, com alicerces bem firmes e resistentes”

(Infância, Ano 1, nº 1, p. 10). Finalizando o mesmo texto, Myrianto escreve:

“Crianças:

Trabalhar para ser forte, é ser bom paulista, é ser patriota.

Criança! Cumpre teu dever de bom paulista.

Sê forte!

A força de teu corpo, é uma parcella sobre a qual repousa a grandeza de

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Só os fortes luctam, só os fortes vencem.

Sê um delles”. (Infância, Ano 1, nº 1, p. 9).

Notamos aqui que, além da preocupação com a saúde, a mensagem de patriotismo e força também permeia os textos da revista. Em “O Appetite do Bebê”, as informações são quanto ao uso da mamadeira e de como a má higienização pode causar transtornos gastrintestinais que podem até ocasionar a morte de crianças. Para finalizar o texto, a mensagem de “educação” também se faz presente: “Com um bebê bem acostumado, de cinco mezes, a mamãe pode sustentar a mamadeira com a sua mão esquerda e com a outra tomar um

livro e lê-lo tranqüilamente durante 15 minutos” (Infância, Ano 1, nº 1, p. 21).

No segundo número da revista encontram-se mais textos sobre a higiene. O texto “Hygiene da Criança” ensina às mães e educadores como se deve lavar a cabeça, escovar os dentes e a importância destes atos para a saúde geral da criança. Ainda no segundo número da revista, o texto intitulado “Puericultura – 22 conselhos para o bem da criança”, escrito pelo Dr. Pedro de Alcântara8, orienta os futuros pais sobre práticas de higiene e saúde para a

8 Pedro de Alcântara Marcondes Machado (1901-1979) nasceu na capital paulista. Concluiu em

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criança. Instruindo aqueles que desejam ser pais a procurarem orientação médica, antes mesmo de se casarem, ele afirma: “Casar-se em boas condições de saúde contribue, para a felicidade dos filhos, mais do que longos e penosos

annos de trabalhos e fadigas”. (Infância, Ano 1, nº 2, p. 5). Entre os 22

conselhos do Dr. Pedro Alcântara, encontramos os seguintes: não dar medicamento à criança sem orientação médica, não carregar a criança no colo durante os primeiros meses, vacinar a criança no primeiro ano de vida, banhá-la diariamente, agasalhá -banhá-la conforme o clima, não deixar a criança próxima a escadas, manter o quarto da criança muito limpo e bem ventilado, usar a chupeta somente quando não é possível acalmar a criança, não beijar a criança para evitar a transmissão de doenças, não obedecer aos caprichos da criança. O texto foi concluído no número seguinte, que não foi localizado. No entanto, tais conselhos nos dão uma boa noção dos aspectos importantes para os médicos da época sobre a saúde da criança. Verificamos que alguns desses conselhos podem ser encontrados ainda hoje nos manuais de puericultura e saúde da criança.

Como já vimos os textos publicados refletem os objetivos da revista, a propagação das idéias sobre saúde e higiene. Naquela época estes eram motivos de grande preocupação. Os higienistas buscavam cada vez mais difundir suas idéias e a noção de saúde pública, e a prevenção ganhava cada vez mais espaço num país onde as condições precárias de moradia e higiene faziam muitas vítimas, principalmente entre as crianças. Em textos como “Hygeia”, “O problema da puericultura no Brasil”, “A tuberculose de typo

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infantil”, “As crianças e os adolescentes são os mais beneficiados pelos banhos de mar”, “Sobre a alimentação mixta”, “A fructa reforça as reservas alcalinas do nosso organismo”, “Cardápio Infantil” e “Puericultura” tratam da saúde da criança nos primeiros anos de vida e da mãe que acabou de dar a luz. Médicos e professores como o Dr. Edgard Braga9, Dr. Frederico Lewis, Dr. Guilhermo Narvajas e Dr. Luis Morquio tratam de temas que ensinam as mães a combater o problema da mortalidade infantil e prevenir doenças como a tuberculose e outras doenças relacionadas à má alimentação e má higienização. “Temos procurado instruir ás boas mães, infundir-lhe conselhos ditados pela

experiência, razão, lógica, tudo bem documentado” (Infância, Ano 2, nº 8, p. 5),

afirma o Dr. Edgard Braga, colaborador assíduo da revista. Já o Dr. Frederico Lewis encerra seu texto sobre a tuberculose da seguinte maneira: “E digamos, para terminar, que jamais se deverá allegar ignorância em assumptos de tal

ordem, pois tal ignorancia é intolerável quando se trata de uma molestia tão

grave como a tuberculose pulmonar” (Infância, Ano 2, nº 8, p. 8).

No nono número da revista encontramos outros textos sobre saúde e higiene. O texto “O crescimento dos ossos longos e deduções úteis em educação physica” aconselha pais e educadores sobre como é importante

9

Dr. Edgard Braga (1897–1985) foi colaborador em todos os números da revista Infância. Nasceu em Maceió, Alagoas, e radicou-se, ainda muito jovem, em São Paulo, onde exerceu, com grande sucesso, a profissão de médico obstetra. Desde cedo se dedicou à poesia, marcada, em seu início, por forte influência parnaso-simbolista. Teve a oportunidade de privar com Oswald de Andrade, entre outros tantos poetas que se tornaram célebres. Mas a sua obra se transformou depois de seu contato com os poetas concretistas muito mais jovens do que ele, na década de 60, a partir de quando se dedicou às experimentações reunidas em seus livros: Soma (1963), Algo (1971), Tatuagens (1976), Murograma (1982) e especialmente Desbragada (1984), que abriga praticamente toda a sua obra elaborada sob o signo da experimentação. Descobriu um caminho bem próprio, marcado pela tônica do

caligráfico-gestual. Tornou-se vanguarda. (Fonte:

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estar atento aos exercícios e à postura adotada pelas crianças e como isso pode afetar a sua saúde geral. No mesmo número, o Dr. Edgard Braga, no texto intitulado “Do leite materno”, pretende orientar as mães quanto à importância do aleitamento materno. “O leite materno é a vida da criança e substituil-o por outro seria cercear a defesa orgânica do pequenino ser na luta

em que se empenhará com o meio ambiente e os elementos mórbidos que o

cercam” (Infância, Ano 2, nº 9, p. 8). No texto “Cardápio Infantil” é interessante notar que, embora não haja nenhuma propaganda na página, é recomendado o achocolatado Nescao. “(...) Entre os preparados existentes a base de cacau existe o Nescao que é composto de cacao, leite, assucar e farinha de cereaes

maltada. (...) O chocolate em pó Nestlé isento de gordura pode ser dado

também ás crianças.” (Infância, Ano 2, nº 9, p. 10).

Há ainda o texto “O banho de sol e a saúde das crianças”, no qual podemos encontrar o seguinte: “Os benefícios do repouso ao ar livre e a exposição do corpo nu aos raios solares não precisam ser realçados” (Infância, Ano 2, nº 9, p. 14). Nesse mesmo texto há informações sobre o banho de sol nas crianças antes dos 18 meses de idade, depois dos 18 meses e depois dos dois anos. O texto tem a seguinte mensagem final: “Depois de cada banho de sol, a criança deverá descansar durante meia hora mais ou menos, para que a

cura produza um effeito completo” (Infância, Ano 2, nº 9, p. 26). Um aspecto

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grupos escolares. Neste discurso ela fala sobre a importância de se ensinar as jovens solteiras sobre as tarefas da maternidade para que desde cedo elas saibam educar as crianças e prevenir doenças. Ela informa que as seguintes atividades fazem parte do programa do curso: “observação da curva do crescimento (...); observação da alimentação natural, artificial, desmame (...);

observação em domicílio (...); excursões educativas (...) e exposição de

trabalhos...” (Infância, Ano 2, nº 9, p. 19). Percebemos aqui que a preocupação em formar uma nova mentalidade nas mães estava fortemente associada às atividades da Cruzada e era um dos objetivos da revista Infância. O curso também era composto de atividades práticas, pois tinha como objetivo que essas senhoritas não fossem apenas educadas academicamente, mas pudessem utilizar e saber como utilizar os conhecimentos adquiridos no curso. Outro texto nesse mesmo número destinado à saúde intitula-se “É mistér combater nas crianças o hábito de roer as unhas”. O texto informa aos pais e educadores sobre os desagradáveis resultados desse hábito que pode ser combatido. O número seguinte também traz assuntos como, por exemplo, “A Coqueluche constitue uma seria ameaça para a infância”, “O melhor amigo da criança”, “Ninguém deve pretender ensinar seus filhos a andar”, “A melhor amiga da criança” e “Cardápio da Criança”, que estão voltados para o tema da saúde. Notamos que no mesmo número são tratados “o melhor” e “a melhor” amiga das crianças, respectivamente o médico e a água. No texto sobre o melhor amigo encontramos o seguinte: “Não há mãe rica ou pobre que não saiba recorrer ao médico para cuidar da enfermidade de seu filhinho. (...) Mais

intelligente do que chamar ao médico para que attenda a uma criança enferma

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Tabela 1. Destinatários dos conteúdos da revista Infância nos anos de 1935-1937
Tabela 4. Autoria dos textos por ano
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Referências

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