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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação do Porto Processo nº

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0452874

Relator: CUNHA BARBOSA Sessão: 21 Setembro 2004 Número: RP200409210452874 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.

ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO FALTA

RESIDÊNCIA PERMANENTE SEPARAÇÃO DE FACTO

Sumário

Não ocorre falta de residência permanente no locado, a justificar a resolução do contrato de arrendamento habitacional, se a arrendatária se separa de facto do seu marido, deixando de residir permanentemente, no lar conjugal, mas aí continua a fazê-lo, com carácter de estabilidade e permanência, o seu cônjuge.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:

No .. Juízo Cível do Tribunal da Comarca de ..., sob o nº ../2000, foi instaurada acção, com processo sumário, por B... e mulher, C..., contra D... e marido, E..., pedindo que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento e, por via disso, serem os RR. condenados a despejar imediatamente o arrendado.

Para tanto, alegaram que:

- São donos e senhores de um prédio constituído por casa de dois pavimentos, sito na Rua ..., freguesia de ..., ..., descrito na

Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..../..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o artigo 1630;

- Por contrato celebrado em 1.7.1971, deram de arrendamento ao 1º marido da Ré, F..., o referido prédio, mediante o pagamento da renda mensal

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de Esc.2.300$00, que à presente data, face às correcções efectuadas, é de Esc.14.779$00;

- Tal arrendamento destinava-se exclusivamente à habitação dos RR.;

- Em 3.5.1985, os AA. foram notificados que no âmbito de um processo de divórcio, que correu seus termos no Tribunal de Família do ..., o direito ao arrendamento referido tinha sido atribuído à Ré mulher;

- A Ré mulher não tem residência permanente no arrendado desde, pelo menos, Novembro de 1997, pois nela não vive e nela não tem instalada ou organizada a sua economia doméstica;

- No arrendado em causa reside o R. marido.

Conclui pela procedência da acção.

*

Os RR. apresentaram, cada um, a sua contestação.

O R. E... defende-se por excepção e por impugnação, sendo que: em sede excepção, invoca que casou com a co-Ré D... em 31 de Dezembro de 1991, tendo ambos e por acordo escolhido o arrendado para residência de família, e aí, desde então, ficaram instalados, e é onde o R. habitualmente dorme, come, recebe a sua correspondência, os seus amigos, passa as suas horas de lazer, e tem instalada e organizada a sua vida doméstica, o que fez com a co-Ré até a algum tempo, tendo a Ré, entretanto, se ausentado de casa devido a desentendimentos conjugais, sem embargo de permanecerem

casados e sem terem excluído a possibilidade de reatar a sua vida em comum;

em sede de impugnação, alega que não corresponde à verdade que a co-Ré não tenha a sua residência no arrendado.

A co-Ré D..., por sua vez, defende-se, também, por excepção, invocando o seu casamento com o co-R. E... e, bem assim, que escolheram o

arrendado para sua residência de família, embora, por desentendimentos havidos entre ambos os RR., tenha sido obrigada a abandonar

temporariamente o arrendado, nele tendo, todavia, permanecido o marido e sendo lá que este dorme, recebe a sua correspondência e tem organizada a sua vida doméstica, para além de que ambos não excluem a possibilidade de reatar a sua vida em comum no arrendado. Em sede de impugnação, alega não corresponder à verdade a factualidade vertida nos artigos 5º e 8º da petição inicial, em que se alega, essencialmente, a falta de residência permanente desta no arrendado.

Concluem pela improcedência da acção.

*

Os AA. apresentaram resposta à contestação em que, essencialmente, reiteram a falta de residência permanente da co-Ré no arrendado, tendo-a

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estabelecido, agora, na ..., inexistindo, actualmente, qualquer elo entre o arrendado e a Ré, sendo que se verificou uma total cisão no agregado familiar.

Conclui pela improcedência da invocada excepção.

*

Foi proferido saneador/sentença em que se julgou a excepção procedente e, em consequência se absolveram os RR. do pedido.

Os AA., não se conformando com a decisão proferida, interpuseram recurso de apelação, no seguimento do que veio a ser proferido, em 22 de Março de 2001, acórdão por este Tribunal da Relação em que se anulou o saneador/sentença proferido e se ordenou a ampliação da matéria de facto e o prosseguimento dos autos com julgamento.

*

Aditada a matéria de facto pertinente, em cumprimento do decidido naquele acórdão, veio a realizar-se julgamento e, proferida que foi a decisão sobre a matéria de facto controvertida, veio a ser elaborada sentença em que se julgou a acção procedente e, consequentemente, se condenaram os RR. a despejar o arrendado e a entregá-lo aos AA. livre de pessoas e coisas.

*

Não se conformando, agora, o R. E... com a decisão que veio a ser proferida, dela interpôs o presente recurso de apelação e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1ª - A presente acção começou por ser julgada no saneador favoravelmente ao ora Apelante e a sua mulher, a co-Ré D...;

2ª - O Tribunal da Relação do Porto, para onde os aqui apelados recorreram da sobredita decisão, revogou esta perfilhando o entendimento de que se torna necessária, para a boa decisão da causa, a ampliação da matéria de facto nos termos que desenvolveu, matéria essa que, segundo o respectivo Acórdão, tinha a ver com os factos narrados pelo ora Apelante nos artigos 2º, 4º a 11º e 13º a 16º da sua contestação;

3ª - No entendimento da Relação do Porto, se a correspondente matéria fosse como provada a acção teria que ser julgada improcedente pois essa

factualidade conduziria ao preenchimento da excepção peremptória contemplada no artigo 64º, nº 2, alínea c), do Regime do Arrendamento Urbano;

4ª - Cumprindo o ordenado pela Relação, o Senhor Juiz dos autos incluiu nos factos assentes e na base instrutória toda a matéria, relevante, que Aquela aí entendeu dever ser inserta;

5ª - Os Réus lograram fazer a prova dela;

6ª - Em consequência e atento o dito na 2ª conclusão a decisão da causa só podia ser no sentido da improcedência da acção visto ter ficado comprovada a

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verificação da excepção peremptória prevista no citado artigo 64º, nº 1, alínea, c) do RAU;

7ª - Os laços económicos que a doutrina e a jurisprudência têm

maioritariamente entendido que devem manter-se entre o inquilino e o seu agregado familiar que permaneça no arrendado para que o inquilino possa beneficiar da excepção prevista na alínea c) do nº 1 do artº 64º do RAU quando não tenha residência permanente no arrendado, não se aplica ao cônjuge do arrendatário mas apenas aos parentes em linha recta deste ou aos outros familiares dele que, neste último caso, com ele convivam há mais de um ano;

8ª - No caso dos autos acresce – sem prescindir – que os laços afectivos entre os Réus não se desagregaram – nem, consequentemente, e por lógica

implicância, o próprio agregado dos Réus – visto que estes não excluem a possibilidade de reatar a vida em comum no locado, mantendo-se por laços afectivos, como ficou provado;

9ª - Sempre bastaria, como basta, isto – e foi, afinal e bem vistas as coisas, o entendimento do Tribunal da Relação do Porto -, para que a acção improceda;

10ª- Decidindo como decidiu a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 64º, nº 2, alínea c), do RAU e 1682º-B do Código Civil.

*

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

Assim:

*

2. Conhecendo do recurso (apelação):

2.1 – Dos factos assentes:

Com relevância para o conhecimento do recurso, mostram-se assentes os seguintes factos:

a) – Por contrato escrito, registado na Repartição de Finanças de ...

em 14 de Julho de 1971, B... deu de arrendamento a F... uma moradia sita na Rua ..., nº ..., na freguesia da ..., concelho de ..., pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Julho de 1971 e a terminar em 1 de Julho de 1972, ‘considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes, não houver despedida com antecipação legal’, mediante o pagamento da renda mensal de dois mil e trezentos escudos, pagável na residência do senhorio, no primeiro dia útil do mês anterior ao que disser respeito;

b) – A propriedade do aludido imóvel, que se encontra descrito na

Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..../... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1630º, encontra-se inscrita a favor do autor

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B..., casado com C..., com registo de aquisição datado de 18 de Outubro de 1993, por sucessão deferida em partilha por óbito de B...;

c) – Por força das sucessivas actualizações efectuadas a renda mensal é actualmente de 14.779$00;

d) – Em 20 de Maio de 1985, o autor B... foi notificado de que por sentença de 3 desse mês e ano, proferida no processo nº .... da .. secção do ..

Juízo do Tribunal de Família do ..., o direito ao arrendamento da casa supra identificada foi atribuído à ré D...;

e) – Em 31 de Dezembro de 1991, E... e D... contraíram entre si casamento, sob o regime imperativo da separação de bens, não tendo o mesmo sido dissolvido;

f) – Desde a data do referido casamento que o réu E... no locado

habitualmente dorme, come, recebe a sua correspondência e os seus amigos, passa as suas horas de lazer e tem instalada e organizada a sua vida

doméstica;

g) – A ré, pelo menos, desde Novembro de 1997, ausentou-se de casa;

h) – Pelo menos desde o ano de 1997, a Ré D... não tem instalada e organizada a sua economia doméstica na mencionada habitação;

i) – Quando casaram os réus escolheram de comum acordo o locado em causa para residência da família;

j) – Os réus não excluem a possibilidade de reatar a vida em comum no locado, dado manterem-se ligados por laços afectivos;

l) – Em 1997 a ré foi habitar para uma casa na ... . 2.2 – Dos fundamentos do recurso:

De acordo com as conclusões formuladas pelo R./apelante, as quais delimitam o objecto do recurso – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que, em essência e síntese, haverá apenas uma questão a resolver, a qual consiste em saber se ocorre falta de residência permanente, por parte do arrendatário, determinativa de causa de resolução do contrato de arrendamento.

Vejamos.

O A./apelado, por contrato escrito registado na Repartição de Finanças de ... em 14 de Julho de 1971, deu de arrendamento a F... uma moradia sita na Rua ..., nº ..., na freguesia da ..., concelho de ..., pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Julho de 1971 e a terminar em 1 de Julho de 1972, ‘considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes, não houver despedida com antecipação legal’, mediante o pagamento da renda mensal de dois mil e trezentos escudos, a qual por força das sucessivas

actualizações é actualmente de Esc.14.779$00, pagável na residência do senhorio, no primeiro dia útil do mês anterior ao que disser respeito.

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Todavia, por sentença de 3 de Maio de 1985, proferida no âmbito do processo nº .... da .. Secção do .. Juízo do Tribunal de Família do ..., a qual veio a ser notificada ao A. em 20 de Maio de 1985, o direito ao arrendamento da casa supra identificada foi atribuído à Ré D... .

Sucede que a Ré D..., em 31 de Dezembro de 1991, contraiu casamento com o R./apelante E..., sob o regime de separação de bens, não tendo o mesmo sido dissolvido, sendo que, aquando desse casamento, escolheram de comum acordo aquela casa, objecto do contrato de arrendamento referido, para a residência de família, onde, desde então, o R. E... habitualmente dorme, come, recebe a sua correspondência e os seus amigos, passa as suas horas de lazer e tem instalada e organizada a sua vida doméstica.

Da factualidade enunciada impõe-se concluir que a Ré D... é a titular do contrato de arrendamento, enquanto arrendatária, sendo que o R./apelante passou a usar a casa objecto do mesmo em virtude de ter casado com aquela, portanto, por ser seu marido, e ambos terem decidido aí instalar a sua

residência de família.

A fruição do arrendado pelos RR. era, por isso, mau grado ser tão só a Ré mulher a titular do arrendamento (como arrendatária) e esta posição não ser comunicável ao R. marido (cônjuge) em face do disposto no artº 83º do RAU, consentida legalmente pelo artº 76º do RAU.

Porém, a Ré mulher (arrendatária) desde Novembro de 1997, pelo menos, ausentou-se de casa (o arrendado) e nela não tem, desde o ano de 1997, instalada e organizada a sua economia doméstica e foi habitar uma casa na ... .

Surge, então, a questão de saber se esta conduta da Ré mulher (arrendatária) é susceptível de fazer perigar a manutenção da relação locatícia, supra

mencionada, por poder integrar uma das causas resolutivas previstas no artº 64º, nº 1 do RAU, designadamente na sua al. i), determinativa de

insustentabilidade legal da ocupação e fruição que do arrendado vem sendo feita pelo R. marido, e, consequentemente, ser este obrigado a desocupá-lo.

Não há dúvida, sendo até que nenhuma das partes o questiona, que a Ré mulher, desde 1997, não tem instalada e organizada a sua economia

doméstica, donde se ausentou, pelo menos, desde Novembro de 1997, na casa arrendada, deixando, portanto e desde então, de aí ter a sua residência

permanente.

Ora, tendo-se em conta que, de acordo com o disposto no artº 64º, nº 1, al. i) do RAU, o senhorio pode resolver o contrato de arrendamento, destinando-se o prédio a habitação, sempre que o arrendatário nele não tenha residência

permanente, habite ou não outra casa, própria ou alheia, outra solução não nos restaria que não fosse o decretamento da resolução do contrato de

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arrendamento accionado, porquanto, como já se deixou afirmado, a Ré mulher, titular do arrendamento como arrendatária, no arrendado não tem residência permanente, sendo certo que este se destinava a habitação.

Todavia, dispõe-se no artº 64º, nº 2, do RAU que

“...

2. Não tem aplicação o disposto na alínea i) do número anterior:

a) Em caso de força maior ou de doença;

b) Se o arrendatário se ausentar por tempo não superior a dois anos, em cumprimento de deveres militares, ou no exercício de outras funções públicas ou de serviço particular por conta de outrem, e bem assim, sem dependência de prazo, se a ausência resultar de comissão de serviço público, civil ou militar, por tempo determinado;

c) Se permanecerem no prédio o cônjuge ou parentes em linha recta do arrendatário ou outros familiares dele, desde que, neste último caso, com ele convivessem há mais de um ano.

...” (sublinhado nosso)

Assim, ocorrendo alguma das situações excepcionais mencionadas no transcrito normativo legal, que constituem verdadeiras excepções

peremptórias – cfr. artº 493º, nº 3 do CPCivil, deixa de ter aplicabilidade o disposto na al. i) do nº 1 do artº 64º do RAU, isto é, no que ao caso em apreço importa, a falta de residência permanente deixa de operar e,

consequentemente, é insusceptível de determinar a resolução do contrato de arrendamento.

No caso ‘sub judice’, como resulta da matéria de facto provada, no arrendado permaneceu o cônjuge da arrendatária, habitando-o com habitualidade, lá dormindo, comendo, recebendo a sua correspondência e os seus amigos, passando as suas horas de lazer e tendo instalada e organizada a sua vida doméstica, pelo que, numa primeira abordagem, verificada estaria a situação excepcional prevista na al. c) do nº 2 do artº 64º do RAU, não operando, a causa de resolução de arrendamento ‘falta de residência permanente’ da arrendatária.

Na sentença sob recurso, decidiu-se que, mau grado a permanência do R.

marido (cônjuge da arrendatária) no arrendado, esta não era suficiente à integração daquela situação excepcional – artº 64º, nº 2 e al. c) do RAU -, já que, face ao disposto no artº 76º do RAU, impunha-se aos RR., enquanto facto impeditivo do exercício do direito de resolução do contrato por parte do

senhorio (cfr. artº 342º, nº 2 do CCivil), demonstrar ainda que existia ‘um elo ou vínculo de dependência económica’ entre o arrendatário e os familiares que aí permaneçam, o que não haviam logrado, e, consequentemente, decretou-se

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a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de residência permanente da arrendatária – a R. mulher.

O R./apelante insurge-se contra o que, assim, veio a ser decidido, pretendendo que tal decisão briga com a protecção à ‘casa de morada de família’

consagrada no artº 1682º-B do CCivil e 64º, nº 2, al. c) do RAU.

Afigura-se-nos que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, assistirá razão ao apelante, como se procurará demonstrar.

Efectivamente, dispõe-se no artº 76º do RAU que

“...

Artigo 76º

(Pessoas que podem residir no prédio)

1. - Nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário:

a) Todos os que vivam com ele em economia comum;

b) Um máximo de três hóspedes, salvo cláusula em contrário.

2. - Consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum os seus parentes ou afins na linha recta ou até ao 3º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos.

3. - Apenas se consideram hóspedes as pessoas a quem o arrendatário

proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição.

...”. (sublinhado nosso)

Em face do teor deste normativo, crê-se que nenhuma dúvida pode existir quanto ao facto de ser com fundamento na al. a) do nº 1 que na sentença sob recurso se exige que os RR. (arrendatária e cônjuge) tivessem alegado e

provado a existência de ‘um elo ou vínculo de dependência económica’ entre o arrendatário e os familiares que aí permaneçam, isto é, que vivessem em economia comum.

De igual forma, dúvidas não podem subsistir quanto à inexistência de alegação, por qualquer das partes (AA. e RR.), e, menos ainda, prova de

factualidade susceptível de integrar o conceito de vida em economia comum e por referência aos RR. – arrendatário e seu cônjuge.

Todavia, salvo o devido respeito, a afirmação e exigência contida na sentença olvida totalmente o disposto no nº 2 do mencionado artº 76º do RAU e,

consequentemente, não equaciona os efeitos jurídicos que de tal dispositivo legal resultam; na realidade, em tal normativo, estabelece-se de forma clara e

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inequívoca que «... consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum... as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos, ...», entre os quais se inclui, obviamente, o

cônjuge do arrendatário, estabelecendo-se desta forma uma presunção ‘juris et de jure’, já que ao determinar-se legalmente que se ‘considera sempre’

outra conclusão se não pode extrair que não seja a de que, verificada qualquer das situações aí previstas, não é admissível a prova do contrário (cfr. artº

350º, nº 2, 2ª parte do CCivil), como, aliás, de forma directa o afirma o Senhor Juiz Conselheiro Aragão Seia [Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, 3ª edição, nota 3 ao artº 76º, pág. 414] «...O nº 2 integra uma presunção juris et de jure de que as pessoas aí referidas vivem em economia comum com o arrendatário. ...».

Daí que, contrariamente ao propugnado na sentença sob recurso, sobre os RR.

não impendesse o ónus de alegação e prova de entre eles – arrendatária e cônjuge – ocorrer uma vida em economia comum; aliás, admitindo-se por mera necessidade de raciocínio, que no citado normativo – nº 2 do artº 76º do RAU - se estabeleceria tão só uma presunção ‘juris tantum’, sempre a alegação e prova da factualidade integradora de tal conceito jurídico (‘vida em economia comum’) incumbiria, por força do disposto nos artsº 350º, nº 1 e 344º nº 1 do CCivil, aos AA. (senhorios), o que, reafirma-se, não fizeram.

Assim, manifesto se torna concluir pela improcedência da acção, já que a falta de residência permanente da arrendatária invocada e integradora da causa resolutiva prevista na al. i) do artº 64º do RAU é, face à permanência do cônjuge da arrendatária no arrendado, inoperante no caso ‘sub judice’ por força do disposto no nº 2, al. c) do mesmo normativo.

Aliás, tal solução é tanto mais justificável quanto é certo que está em causa a

‘casa de morada de família’, a cuja defesa não é estranho o disposto no referido dispositivo legal (al. c) nº 2 do artº 76º do RAU), sendo certo que os RR. (arrendatária e marido) estabeleceram no arrendado a sua ‘casa de morada de família, porquanto, aquando do seu casamento, aí estabeleceram de comum acordo a sua residência de família, aí dormindo, comendo e

recebendo a sua correspondência e amigos, passando as suas horas de lazer, o que se verificou, pelo menos, até Novembro de 1997, data em que a Ré

mulher, por razões não apuradas, mas sem carácter definitivo, dela se ausentou.

Na realidade, mau grado a posição de arrendatário não ser comunicável ao cônjuge e caducar por morte – cfr. artº 83º do RAU, o legislador não deixou de acautelar a posição do cônjuge não arrendatário permitindo que para este possa ser legalmente transmissível tal posição, quer em caso de divórcio – cfr.

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artº 84º do RAU, quer em caso de morte do cônjuge arrendatário – cfr. artº 85º, nº 1, al. a) do RAU.

A sensibilidade do legislador à defesa da ‘casa de morada de família’ e,

consequentemente, da posição do cônjuge não arrendatário, não se ficou por aí, sendo que, no que se refere à disposição do direito ao arrendamento relativo à casa de morada de família, veio a estabelecer restrições quanto à possibilidade de o cônjuge arrendatário, por si só, poder pôr fim ao contrato de arrendamento (resolução ou revogação) ou ceder a sua posição contratual, ou subarrendar ou emprestar (total ou parcialmente), exigindo, para tanto, o consentimento de ambos os cônjuges – cfr. artº 1682º - B do CCivil.

Ora, o que vem disposto na al. c) do nº 2 do artº 64º do RAU insere-se nesta mesma linha de protecção da ‘casa de morada de família’, na medida em que obsta a que a falta de residência permanente do cônjuge arrendatário não determine por si só a verificação da causa resolutiva prevista na al. i) do nº 1 do artº 64º do RAU, ou mais propriamente, que esta, a verificar-se, possa ser operante, designadamente quando no arrendado, entre outros, tenha

permanecido o cônjuge não arrendatário, sendo certo que se mantém a sociedade conjugal por não dissolvida, produzindo o casamento todos os efeitos jurídicos, quer nas relações internas quer externas, com todos os inerentes direitos e deveres, ainda que, respectivamente, não exercidos ou violados.

Aliás, nem doutra forma seria compreensível o cuidado do legislador ao exigir o consentimento de ambos os cônjuges nos casos referidos do artº 1682º-B do CCivil, para depois, perante uma ausência ou saída do arrendado por parte do cônjuge arrendatário em função de uma mera separação de facto (quiçá,

violadora dos mais elementares deveres conjugais ou até temporária, por menos reflectida), fizesse perigar a ‘casa de morada de família’, até por mero conluio entre arrendatário e locador, sendo certo que, por não dissolvido o casamento, o cônjuge não arrendatário se via impedido, apesar de ter todas as razões para tal, de obter a transmissão do arrendamento nos termos do

disposto no artº 84º do RAU.

No que concerne à salvaguarda da casa de morada de família contida na al. c) do nº 2 do artº 64º do RAU, crê-se ser de toda a conveniência citar Nuno de Salter Cid [A protecção da Casa de Morada da Família no Direito Português, pág. 203 e ss], o qual, a tal propósito, afirma que «... A al. c) contém a última das excepções ao direito de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de residência permanente do arrendatário no prédio. Aqui, sim,

parece-nos dever interpretar-se a lei no sentido da protecção da casa de morada de família, protecção esta que, devidamente equacionada – e

complementada com regras processuais adiante focadas -, opera sobretudo na

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‘frente externa’, mas também opera na ‘frente interna’. / Como notamos, o R.A.U. adoptou para esta alínea uma redacção diferente da que constava do art. 1093º, mas, pelo confronto entre as duas, resulta claro que apenas se pretendeu introduzir o requisito acrescido de convivência ‘há mais de um ano’

relativamente aos ‘familiares’ do arrendatário não unidos a este pelo vínculo conjugal ou do parentesco na linha recta. Assim, de acordo com a nova

formulação da lei, ainda que o arrendatário não tenha no prédio residência permanente, o senhorio não poderá resolver o contrato se permanecerem no prédio o cônjuge, descendentes, ascendentes, ou outros familiares daquele.

...» e, continua mais adiante «... Deve ter-se presente, além do mais, que a jurisprudência tem entendido não ser possível a transmissão forçada (ou por acordo) da posição de arrendatário havendo simples separação de facto (cf.

art. 84º do R.A.U.). Ora, a considerar correcto o entendimento subjacente às duas primeiras posições focadas, se o cônjuge arrendatário abandona

deliberadamente a casa e a família, sem o mínimo propósito de àquela regressar e de com esta restabelecer a vida em comum, bem delicada fica a situação da família. Não cremos que possa defender-se não ter a lei deixado outra alternativa ao cônjuge não arrendatário senão instaurar contra o outro a acção de divórcio ou de separação de pessoas e bens, a fim de salvaguardar a possibilidade de continuar (eventualmente com os filhos) a habitar a casa mediante a transmissão (transferência) forçada do direito ao arrendamento.

...».

De tudo se haverá de concluir que a falta de residência permanente por banda do cônjuge arrendatário – a Ré mulher – não é, no caso ‘sub judice’, operante na medida em que no arrendado, em que se mostra estabelecida a casa de morada de família, permanece o cônjuge não arrendatário – o R. marido/

apelante -, habitando-o habitualmente como sempre fez após o casamento de ambos, porquanto ocorre a excepção contida na al. c) do nº 2 do artº 64º do RAU que determina a inaplicabilidade do disposto na al. i) do nº 1 do mesmo normativo legal.

Assim, procede a apelação e, consequentemente, improcede a acção, devendo, por isso, na revogação da sentença, os RR. ser absolvidos do pedido.

*

3. Decisão:

Nos termos supra expostos, acorda-se em:

a) – julgar procedente a apelação, revogando-se, consequentemente, a sentença;

b) – julgar improcedente a acção, absolvendo-se os RR. do pedido;

c) – condenar os AA. nas custas do recurso e da acção.

*

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Porto, 21 de Setembro de 2004 José da Cunha Barbosa

José Augusto Fernandes do Vale António Manuel Martins Lopes

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