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POESIA de Cesário Verde 1

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Academic year: 2022

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NOTA BIOGRÁFICA

José Joaquim Cesário Verde nasceu em 25 de fevereiro de 1855, em Lisboa, no seio de uma família burguesa economicamente desafogada. O pai, José Anastácio Verde, era comerciante de ferragens e dedicava-se também à agricultura, numa quinta em Linda-a-Pastora. Em 1872, Cesário trabalhava já como correspondente comercial na loja do pai e, em outubro de 1873, matriculou-se no Curso Superior de Letras, abandonando-o no fim do ano letivo.

Entre 1873 e 1880, Cesário publicou regularmente nos periódicos Diário de Notícias, Diário da Tarde e Revista de Coimbra. Os seus poemas foram recebidos ora com indignação ora com indiferença, pelo público, em geral, e até por aqueles que Cesário admirava – Ramalho Ortigão e Teófilo Braga, por exemplo. Desta atitude se ressentiu o poeta que, a propósito de O Sentimento dum Ocidental, escreveu: «Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação! Ninguém escreveu, ninguém falou, nem num noticiário, nem numa conversa comigo; ninguém disse bem, ninguém disse mal!»2. Após quatro anos de interregno, Cesário publicou o seu último poema – Nós – em 1884.

Atormentado pela doença, a tuberculose, que já vitimara a irmã e um irmão, Cesário expressou o seu desânimo a vários amigos e tendeu para um progressivo isolamento. Morreu em 19 de julho de 1886, no Lumiar, Lisboa, com 31 anos.

1 Sobre a tipologia textual, consultar a obra Preparar o Exame 2014 / Português, página 8 «Texto

POESIA

de Cesário Verde1

Conteúdos de Português | 11.º ano |

TEXTOS LÍRICOS

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O LIVRO DE CESÁRIO VERDE

Em 1887, um ano após a morte de Cesário Verde, Silva Pinto, amigo íntimo desde o Curso Superior de Letras, editou O Livro de Cesário Verde, uma recolha incompleta, organizada segundo os critérios do editor que introduziu várias alterações. Esta edição, de reduzida tiragem, destinou-se apenas a amigos, não entrando no circuito editorial.

Apenas em 1901, uma segunda edição chegou ao público em geral, o que, de certa forma, transformou Cesário, cronologicamente, no poeta do século XX que efetivamente foi. Em 1963, a edição de Joel Serrão apresentou um corpus completo da poesia de Cesário, fiel às versões publicadas em vida.

Apesar de partilhar o ideário cultural e político da Geração de 70, a vida literária de Cesário desenvolveu-se à margem de movimentos e tertúlias, quer pelo desfasamento etário relativamente aos autores desta geração quer pela sua atividade profissional. Porém, ignorado ou menosprezado em vida, Cesário impôs-se como um precursor do Modernismo e das diferentes correntes literárias do século XX: Fernando Pessoa elege-o como um dos seus mestres e a sua «lição» está presente em Alberto Caeiro e Álvaro de Campos; Mário de Sá-Carneiro apelida-o de «futurista»; os surrealistas valorizam-no.

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O REPÓRTER DO QUOTIDIANO

Parte substancial da poesia de Cesário Verde caracteriza-se pela existência de um sujeito poético inserido num determinado espaço e num determinado tempo, que aplica o seu olhar atento e reflexivo à realidade que o circunda. «Lira deambulatória, recebe o que os sentidos lhe dão do espetáculo das ruas, dos campos e das gentes, para depois repercutir tais sensações, transformadas em imagens»3.

Com efeito, os poemas de Cesário apresentam-nos o que podemos designar de «um “eu” em situação», isto é, um sujeito poético muitas vezes narrador e personagem que, num espaço e tempo precisos, descreve o que vê.

Assim, a temática geral da poesia cesárica tem a ver com a observação da realidade, seja ela a «Grande dama fatal» (Deslumbramentos) ou o seu inverso, a «pombinha tímida e quieta» (A Débil), o lento despertar burguês (Num Bairro Moderno) ou a quietude suburbana interrompida pelo trabalho que traz o progresso (Cristalizações), o anoitecer inquietante da cidade de Lisboa (O Sentimento dum Ocidental) ou a «aguarela» bucólica (De Tarde).

A atenção de um «eu» deambulante ao real e ao quotidiano leva à criação de quadros dinâmicos, que transmitem os ritmos citadino e campestre e que fixam instantâneos da realidade. Contudo, fixador de imagens em movimento, o olhar de Cesário é, apenas aparentemente, objetivo: a realidade, objeto da observação, é captada por um sujeito que dela apresenta o seu ponto de vista – não se trata de mimese (reprodução) da realidade, mas antes da sua representação a partir da captação sensorial. Os «quadros» de Cesário, partindo de uma observação objetiva da realidade, são elaborados por um olhar subjetivo, que contamina a realidade concreta e quotidiana com uma dimensão simbólica e que inscreve a sua memória no tempo-espaço do poema.

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A OPOSIÇÃO CIDADE / CAMPO

Poeta da cidade, Cesário descreve Lisboa nas suas rotinas, espaços e gentes, em poemas como, por exemplo, Num Bairro Moderno e O Sentimento dum Ocidental. Lisboa é a cidade do progresso e da burguesia comercial e industrial; mas Lisboa é também o espaço da exploração humana, da miséria e da injustiça social. A nível individual, à atração despertada pela cidade une-se o sentimento de aprisionamento e de opressão, originando um desejo de fuga.

A cidade é igualmente um lugar de doença e de morte: às condições de vida miseráveis, referidas em O Sentimento dum Ocidental (as varinas «apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de infeção!») e em Nós («Sem canalização em muitos burgos ermos, / Secavam dejeções cobertas de mosqueiros»), junta-se a evocação da «calamidade», da «enorme mortandade».

Poeta do campo, Cesário associa a este espaço as ideias de saúde e de vitalidade, de uma existência pautada pelos ritmos naturais, de uma tendência para a igualdade social, mas também a descrição de uma vida rude e custosa.

De uma visão mais idealizada do campo (por exemplo, em De Verão), Cesário evolui para um retrato vivo e concreto da realidade rural (Nós): trata-se de uma mudança operada pela passagem da situação de quem vai ao campo à de quem vive no campo.

Uma abordagem simplista da poesia de Cesário Verde tende a concluir que existe uma irredutível oposição cidade/campo, representando o primeiro elemento o eixo negativo e o segundo, o eixo positivo. Apesar da temática do binómio cidade/campo se desenvolver através de antinomias interpretáveis segundo essa valorização, os dois polos interpenetram-se: por um lado, existem elementos do campo presentes nos poemas relativos à cidade; por outro lado, também ao campo acaba por ser atribuída uma valorização negativa porque também ele é lugar da exploração e do sofrimento do indivíduo e também ele é lugar da morte.

Nós, último poema terminado e publicado por Cesário, disso dá conta, existindo um círculo que se completa, abarcando um longo período da vida familiar e individual. A fuga da «capital maldita» para «o campo» que «É todo o meu amor de todos estes anos!» originará a vivência plena dos «provincianos», mas também o contacto com a morte: observável nos ritmos da natureza e sentida quando atinge o núcleo familiar – no campo morre a irmã («minha mártir, minha virgem, minha / Infeliz e celeste criatura») e, de regresso dele, o irmão («Pobre rapaz robusto e cheio de futuro!»).

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ESTILO E INOVAÇÃO POÉTICA

A poesia de Cesário, sem dúvida desconcertante para a época, revela a influência de correntes como o Realismo, o Parnasianismo, o Simbolismo e o Impressionismo, e antecipa correntes do século XX como o Sensacionismo e o Surrealismo.

Os poemas de Cesário distinguem-se pela busca da perfeição formal – existe regularidade métrica (verso decassílabo e verso alexandrino), rimática e estrófica – e pelo prosaísmo – a linguagem poética simula o ritmo da prosa e integra vocabulário corrente e específico de determinadas áreas lexicais; por outro lado, a linguagem é plástica, no sentido em que cria e explora um profundo visualismo, recorrendo à adjetivação expressiva, à comparação, à sinestesia, à imagem e à metáfora.

«Poeta-pintor»4 (afirmou, em Nós, «Pinto quadros por letras, por sinais»), Cesário constrói representações da realidade baseadas na sua condição, necessariamente subjetiva, de observador e de intérprete do mundo, a partir de uma atitude consciente; daí as diferentes referências à reflexão sobre o trabalho poético que se inscrevem no próprio corpo do poema: «E apuro-me em lançar originais e exatos, / Os meus alexandrinos…»

(Contrariedades); «E eu, que urdia estes fáceis esbocetos» (A Débil); «E eu que medito um livro que exacerbe / Quisera que o real e a análise mo dessem», «Não poder pintar / Com versos magistrais, salubres e sinceros» (O Sentimento dum Ocidental); «Eu vinha de polir isto tranquilamente» (Nós).

Exercício consciente da «visão de artista» (Num Bairro Moderno), suportada pelos cinco sentidos – «tangem-me, excitados, sacudidos, / O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!» (Cristalizações) –, espaço da fixação da realidade imediata e da memória, a poesia torna-se em Cesário o lugar da sua própria reflexão, abrindo a porta à modernidade literária.

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Obras consultadas

COELHO, Jacinto do Prado, «Para a compreensão d’Os Maias como um todo orgânico», in Ao contrário de Penélope, Venda Nova, Bertrand, 1976

DINE, Madalena, «Cesário, Mestre de Campos», in Álvaro de Campos, o Engenheiro de Tavira – I Encontro Internacional Álvaro de Campos, Tavira, Associação Álvaro de Campos, 2011 MACEDO, Hélder, Nós, uma leitura de Cesário Verde, 3.ª ed., Dom Quixote,

1986

MARTINS, Fernando Cabral, «Cesário Verde ou a transformação do mundo», in O Trabalho das Imagens, Lisboa, Aríon, 2000

MOURÃO-FERREIRA, David, «Notas sobre Cesário Verde», in Hospital das Letras, 2.ª ed., Lisboa, IN-CM, 1981

VERDE, Cesário, Poesia Completa – 1855-1886, fixação de texto e nota introdutória de Joel Serrão, Lisboa, Dom Quixote, 2001 VERDE, Cesário, Cânticos do Realismo e outros poemas. 32 Cartas [Prefácio

de Fialho de Almeida e Estudo crítico de Fernando Pessoa], edição de Teresa Sobral Cunha, Lisboa, Relógio D’Água, 2006

Referências

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