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A dieta mediterrânica nos provérbios portugueses

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Academic year: 2019

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Paremia, 23: 2014, pp. 163-174. ISSN 1132-8940.ISSN electrónico: 2172-10-68.

A dieta mediterrânica nos provérbios portugueses

Lucília CHACOTO

Universidade do Algarve & Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (PORTUGAL) lchacoto@ualg.pt

«Paro na rua para ver a montra da mercearia/ como se analisasse um poema».

(Nuno Júdice, 2008. «Rol», in A matéria do poema, Lisboa: Dom Quixote, 2008, p. 20.

Recibido: 11/06/2014 | Aceptado: 26/06/2014

Título: «La dieta mediterránea en los refranes portugueses».

Patrimonio Inmaterial de la Humanidad desde el 4 de diciembre de 2013, la dieta mediterránea es característica de los pueblos de la cuenca mediterránea (Portugal, España, Marruecos, Italia, Grecia, Chipre y Croacia), e incluye su cocina con los productos locales, sus tradiciones, su cultura, y su estilo de vida equilibrado.

Transmitida desde hace mucho de generación en generación sobre todo por vía oral, la dieta mediterránea está presente también en las unidades fraseológicas, especialmente en los refranes. El presente trabajo analiza los refranes portugueses con el objetivo de comprobar su importancia en la transmisión de los conocimientos sobre la cocina portuguesa, sus ingredientes, sus técnicas o formas de cocinar y la función social de las comidas compartidas, a diario o en ocasiones festivas. Además añadiremos a nuestro estudio los refranes sobre el descanso y la práctica de ejercicio físico diario porque también ellos tienen un papel esencial en la dieta mediterránea.

Titre : « La diète méditerranéenne dans les proverbes portugais ».

Patrimoine Immatériel de L’Humanité depuis le 4 décembre 2013, la diète méditerranéenne est une caractéristique des peuples du bassin de la Méditerranée (le Portugal, l’Espagne, le Maroc, l’Italie, la Grèce, le Cipre, et la Croatie), et elle inclut leur cuisine avec les produits locaux, leurs traditions, leur culture et leur style de vivre équilibré.

Transmise depuis longtemps d’une génération à l’autre surtout oralement, la diète méditerranée est aussi présente dans les unités phraséologiques, surtout dans les proverbes. Ce travail a pour but de faire l’analyse des proverbes portugais pour vérifier leur importance pour la transmission du savoir en ce qui concerne la cuisine portugaise, ses ingrédients, ses techniques ou façons de préparer les aliments et le rôle social des repas conjoint, au quotidien ou les jours de fête. On étudiera aussi les proverbes sur l’importance de l’exercice physique car il est aussi essentiel dans la diète méditerranéenne.

Title: «Mediterranean diet in Portuguese proverbs».

Mediterranean diet has been considered Immaterial World Patrimony since December 2013. It is characteristic of basin Mediterranean people (Portugal, Spain, Morocco, Italy, Greece, Cyprus and Croatia) and includes their gastronomy with local products, their traditions, their culture and their healthy lifestyle.

Mediterranean diet is passed on from one generation to another mostly orally and it is likewise present in phraseological units, especially in proverbs. This paper analyses Portuguese proverbs aiming to show their importance when transmitting cooking-related knowledge and information, such as, local ingredients, cooking techniques and the social function, both daily or on holidays. Since the practice of physical exercise is so important for the Mediterranean diet, our study includes physical exercise and relaxation-related proverbs as well.

Resume

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Résumé

Abs

trac

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Mots-clés

Parémiologie. Proverbe. Gastronomie. Portugais.

Palabras clave

Paremiología. Refrán. Gastronomía. Portugués.

Keywords

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Paremia, 23: 2014, pp. 163-174. ISSN 1132-8940.ISSN electrónico: 2172-10-68.

INTRODUÇÃO

onsiderada Património Imaterial da Humanidade desde 4 de Dezembro de 2013, a Dieta Mediterrânica é definida como um estilo de vida saudável, fruto de um regime nutricional equilibrado. Dieta alimentar à base de produtos locais, colhidos sazonalmente e confecionados segundo receitas tradicionais. As refeições desempenham uma função social e cultural, pois são partilhadas com familiares e amigos, no quotidiano ou em ocasiões festivas. Quer o repouso, necessário para restaurar forças físicas e anímicas, quer o exercício físico moderado (praticado diariamente) são parte integrante deste estilo de vida milenar – a Dieta Mediterrânica – que tem vindo a ser transmitido de geração em geração e é visto pela ciência contemporânea como um modelo a adotar.

O objetivo deste artigo é analisar os provérbios portugueses que concernem a alimentação, os ingredientes, as técnicas ou modos de conservação dos alimentos e sua preparação (segundo a gastronomia tradicional portuguesa), a função social das refeições partilhadas, e a relevância da prática regular do exercício físico. A partir desta análise visamos compreender o papel desempenhado pelos provérbios portugueses na transmissão dos saberes ancestrais que estão na origem da Dieta Mediterrânica.

Para a constituição das listas de provérbios, compulsámos as seguintes obras: Provérbios Portugueses, de António Moreira (2003); O Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado (2005); e Vozes da Sabedoria, de Sousa Carrusca (1974-76).

No total foram listados 800 provérbios sobre a Dieta Mediterrânica (incluindo os modos de conservação e confecção de alimentos, o carácter social das refeições partilhadas e a importância da prática de exercício físico regular).

1. ANÁLISE

A análise foca, em primeiro lugar, os provérbios que aludem aos alimentos e à sua importância no regime nutricional dos portugueses, abordando em seguida os processos de conservação e os modos de preparação dos alimentos, bem como os utensílios de cozinha. Por último, analisamos as parémias populares que fazem referência às maneiras à mesa, bem como à função social e cultural das refeições partilhadas, e à prática de exercício físico como fonte de bem-estar.

1.1. A trilogia da alimentação mediterrânica: o pão, o vinho e o azeite

A alimentação mediterrânica assenta em três alimentos: o pão, o vinho e o azeite. Ora, segundo Montanari (1998a: 95), esses alimentos correspondem ao modelo dietético elaborado pela ideologia grega e romana. O cristianismo (idem: 100-101), «ao sacralizar o pão e o vinho1

(bem como o azeite, matéria sacramental por excelência)», reforçou o valor destes alimentos e transmitiu-os à Idade Média.

1.1.1. O pão

Os portugueses sempre foram grandes consumidores de pão2, sobretudo de trigo ou mistura

na região centro-meridional e de milho na região norte, mas também de centeio ou integral. O pão e o vinho são a base da alimentação do povo3 e reduzem os demais alimentos à

condição de mero acompanhamento, de conduto (segundo a designação popular): Antes quero

1 Na liturgia cristã, o pão e o vinho são, respetivamente, o corpo e o sangue de Cristo.

2 Os cereais e seus derivados estão na base da Pirâmide Alimentar e devem constituir a componente dominante da alimentação. O pão é rico em fibras e hidratos de carbono, vitaminas do complexo B e ferro.

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pão enxuto que tal conduto. (Machado 2005: 84) Assume-se, aliás, que o pão deve estar sempre presente nas refeições e ser em quantidade superior ao acompanhamento: Comida sem pão é comida de lambão (Moreira, 2003: 75, nº 660).

O pão desempenha um papel central no regime alimentar dos portugueses, podendo, por vezes, utilizar-se o termo com o valor genérico de «comida»: Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão (Moreira, 2003: 105, nº 213).

O pão serve igualmente para fazer sopas: Boas sopas se farão, com bom adubo4 e bom pão. (Moreira 2003: 57, nº 212) Segundo Flandrin (2001, cap. XXXIII: 194), «na Idade Média “sopa” designou primeiro uma fatia de pão». De notar que ainda se utiliza, no Alentejo, o termo «sopa» com essa aceção: Sopas de pão com vinho5 fazem o velho menino (Machado, 2005: 592).

Os ofícios da panificação estão presentes nos provérbios: o moleiro, a forneira, a padeira ou o padeiro6. Os moleiros detinham o monopólio da moenda, e moíam o grão dos cereais que lhes

levavam. Porém, tinham fama de preguiçosos, desleixados e desonestos: A fio rouba o moleiro e mais dão-lhe pão (Carrusca, 1975, vol. II: 236).

O forneiro, cujo ofício consistia em cozer o pão que lhe traziam sob a forma de massa, podia vender os pães que recebia como pagamento dos padeiros7 e dos particulares. Talvez o facto de

se tratar de um ofício, de certo modo, lucrativo, e um dos poucos que podia ser desempenhado também por uma mulher, esteja na origem do provérbio: No Inverno forneira, no Verão taberneira (Moreira, 2003: 186, nº 1015).

De tal forma o pão é importante na alimentação, que todos aqueles que têm posses para comprá-lo não deixam de o consumir. Daí que se diga: Ano caro, padeira em todo o caso (Delicado, séc. XVII: 270, apud Machado, 2005: 79).

Quanto aos tipos de pão, o mais apreciado era o de trigo candial. Na ausência deste cereal (e foram muitas as crises cerealíferas), recorria-se ao milho (diferente do que conhecemos hoje e que só chegou mais tarde à Europa8) ou ao centeio. Também a castanha e a bolota foram

utilizadas em momentos de maior carência. A preferência pelo pão de trigo está patente na parémia popular: Quando não há trigo, come-se de milho (Machado 2005: 482).

Segundo Oliveira Marques (1964:15): «O termo broa surge já no Cancioneiro Geral a designar pão de milho». Este vocábulo surge também no provérbio: Em broa encetada todos querem tirar uma côdea (Moreira, 2003: 104, nº 171).

O pão de centeio, porém, não era muito apreciado: Quem guerreia por pão de centeio, ou a fome é muita ou a vergonha é pouca (Moreira, 2003: 252, nº 845).

O próprio pão de farinha candeal apresentava duas (ou três) variedades. Desportes (2001, cap. XXIV: 48) descreve a existência, a partir do séc. XIII, das seguintes variedades de pão de

3 Cf. Oliveira Marques (1964: 15): «a base da alimentação medieval, especialmente quanto ao povo miúdo, residia nos cereais e no vinho. Farinha e pão, de trigo, milho ou centeio, e também cevada e aveia, ao lado do vinho, compunham os elementos fundamentais da nutrição medieva».

4 Os adubos são os condimentos, com que se temperam os pratos. Embora este termo seja ainda utilizado, é hoje um regionalismo.

5 Este prato é popularmente conhecido como «sopas de cavalo cansado».

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trigo: «A qualidade superior feita da flor de farinha, com o miolo branco e arejado sob uma côdea delicadamente dourada (…) correspondia às exigências dos privilegiados»: Azeitona com pão alvo é comida de fidalgo. (Carrusca 1976, vol. III: 148) Note-se que este hábito de comer pão com azeitonas perdura ainda hoje na região do Alentejo.

No que concerne aos vários tipos de pão de trigo, esclarece ainda Desportes (ibidem): «A qualidade média destinava-se a uma clientela mais alargada, os oficiais e os domésticos que dispunham de recursos regulares. É representada pelos chamados pães trigueiros, pães escuros ou pães de rolão. (…) Quanto ao pão integral, “pão de tudo”, “pão de todo o trigo”, era habitualmente consumido pelos mais pobres e servia para todo o tipo de confecções culinárias». Recorde-se, a propósito, o provérbio: Quem não tem pão alvo, come do ralo (Moreira, 2003: 261, nº 1224).

1.1.2. O vinho

Portugal é um país de tradição vitivinícola e os provérbios sobre o vinho (e a vinha) são numerosos9. Segundo Chacoto (2013: 159): «O vinho que, segundo alguns, corresponde ao

sangue da videira, é considerado a bebida da vida ou da imortalidade e o símbolo do conhecimento e da iniciação, pela embriaguez que provoca. Aliado à alimentação ou como forma de evasão ou sinal de hospitalidade, o vinho está presente em múltiplas circunstâncias da vida do homem».

A par do seu considerável valor nutritivo, o vinho possui propriedades medicinais, sobretudo anti-sépticas: O bom vinho faz bom sangue (Moreira, 2003: 193, nº 115). Integrando uma refeição ou em momentos de lazer, o vinho surge aliado ao convívio e é considerado a bebida de prestígio por excelência. É presença obrigatória na celebração de determinadas datas festivas: No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho (Moreira, 2003: 186, nº 994). Porém, nem todo o vinho apresenta igual qualidade, por isso a advertência feita no provérbio: O bom vinho arruína a bolsa e o mau o estômago (Moreira, 2003: 193, nº 112).

1.1.3. O azeite

O azeite integra a tríade das gorduras utilizadas na alimentação ocidental, a par da banha de porco (obtida do toucinho) e da manteiga (produto lácteo). É uma gordura vegetal, enquanto as outras duas são gorduras de origem animal, o que as torna objecto de interdição religiosa, nos dias de abstinência. De salientar que, contrariamente à banha e à manteiga, gorduras saturadas, o azeite é uma gordura monoinsaturada e, por conseguinte, preferível para a saúde: Azeite de oliva todo o mal tira (Delicado, séc. XVII: 197, apud Machado, 2005: 107).

O gosto dos mediterrânicos em geral, e dos portugueses em particular, pelo consumo de azeite na alimentação10 está na origem do provérbio: A melhor cozinheira é a azeiteira (Moreira,

2003: 20, nº 440).

2. OUTROSALIMENTOS

Para além da trilogia mediterrânica (o pão, o vinho e o azeite), o regime alimentar quotidiano inclui outros produtos locais, colhidos sazonalmente, como frutos, legumes, e também peixe, ovos, leite e alguma carne.

9 O tema da vinha e do vinho nos provérbios portugueses foi por nós anteriormente tratado (vide Chacoto 2013), pelo que, no âmbito deste estudo, faremos somente alguns breves comentários.

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2.1. A carne

A carne, embora apreciada, ocupa um lugar marginal na alimentação das classes economicamente desfavorecidas, sendo, em geral, reservada para as ocasiões especiais (datas festivas): Por carne, vinho e pão, deixo quantos manjares são (Moreira, 2003: 226, nº 530). Pelo contrário, o consumo da carne representará um importante papel no regime alimentar das classes abastadas, baseadas no modelo alimentar bárbaro11, porque, como diziam os antigos: A carne, carne cria (Moreira, 2003: 14, nº 143), exacerbando deste modo o valor nutritivo da carne12.

O gado bovino, caprino, ovino e suíno desempenhavam funções distintas na alimentação. A vaca era criada pelo leite e seus derivados (queijo e manteiga) e o boi para trabalhar nos campos. Efetivamente, segundo Montanari (1998b, cap. XVI: 254), «até ao fim do século XV, os livros medievais de cozinha nunca prestarão grande atenção a esta carne [de bovino], considerada grosseira e perigosa para a saúde».

O gado ovino e caprino fornecia lã, carne, leite e seus derivados (produtos lácteos) e peles: Queijo de ovelha, manteiga de vaca, leite de cabra (Moreira, 2003: 240, nº 286).

As aves selvagens, como a perdiz, ou as aves de capoeira, como a galinha e o peru, eram muito apreciadas pelas elites: Carne de pena tira do rosto a ruga (Delicado, séc. XVII: 198, apud Machado, 2005: 137).

As aves de capoeira forneciam ovos (muito valorizados na confeção das mais variadas iguarias) e, por isso, apenas eram consumidas pelo povo em ocasiões festivas ou cozinhadas para a alimentação de enfermos. Galinha e pirum tudo é um (Moreira, 2003: 123, nº 21). O provérbio anterior frisa a semelhança entre a galinha e o peru (note-se que a forma popular pirum introduz a rima interna no provérbio). O peru, originário da América do Norte, foi trazido para a Europa no séc. XVI, onde começou logo a ser criado e servido nas mesas aristocráticas.

O porco, muito apreciado pelos celtas, é o único animal destinado exclusivamente ao consumo. É a carne economicamente mais acessível às classes mais desfavorecidas e, por isso, desempenha um papel importante no regime alimentar do povo: Um sabor tem cada caça, mas o porco cento alcança (Machado, 2005: 621). A sua carne é consumida fresca ou salgada, e também em enchidos. O porco fornece ainda o toucinho e a banha, gordura comum em muitas regiões: Não há sermão sem Santo Agostinho, nem panela sem toucinho (Moreira, 2003: 174, nº 482).

A cozinha popular é criativa nas múltiplas formas de aproveitar as tripas e o sangue dos animais para fazer enchidos: Quem tem porco tem chouriço (Machado, 2005: 553).

2.2. O peixe

O peixe, rico em cálcio, era considerado menos nutritivo do que a carne: Peixe não puxa carroça (Machado, 2005: 454).

Associado à penitência, o peixe era consumido pelas elites sociais na Quaresma, quando não lhes era permitido ingerir carne13. Essa prática continua, aliás, a ser seguida por todos os

católicos.

A pesca constitui ainda hoje uma atividade fundamental para a subsistência dos portugueses, tanto mais compreensível se considerarmos a vasta costa marítima rica em pesca (quer a costa atlântica, quer a costa mediterrânica).

11 Cf. Montanari (1998, cap. XVI: 252).

12 Cf.: Riera-Melis (2001, vol. II, cap. XXII: 20), a propósito da alimentação nos sécs. XII-XIII, afirma: «quem come muito domina os outros. No imaginário colectivo da época, a alimentação abundante e sobretudo a quantidade de carne são símbolos de poder, de fonte de energia física, de potência sexual e constituem uma das principais manifestações da alegria de viver e da felicidade».

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Múltiplas são, consequentemente, as referências nos provérbios portugueses quer a peixes de água doce (como a lampreia, o salmão, a truta, o sável), quer a peixes de água salgada (como o bacalhau, a pescada, entre outros). Veja-se o provérbio: Boa é a truta, bom é o sável, bom é o salmão quando é sezão (Moreira, 2003: 57, nº 184), que ilustra o apreço dos portugueses pelo peixe fresco na sua alimentação, desde que pescados na época propícia («quando é sezão»).

Alguns peixes constam dos livros de culinária desde a Baixa Idade Média, prova de que são valorizados e de preço superior: A lampreia faz a bolsa feia (Moreira, 2003: 18, nº 372). Já outros como a sardinha14 e o bacalhau deveriam ser abundantes e de baixo custo, razão essa para os mais ricos os menosprezarem e, não sendo considerados peixes nobres, figurarem apenas na alimentação das classes menos abastadas. Explica-se assim o uso do fraseologismo: Para quem é bacalhau basta (Machado, 2005: 449), utilizado para indicar que «qualquer coisa serve, sendo desnecessários o esmero ou o cuidado, visto o destinatário não merecer apreço ou atenção»15.

O provérbio: O hóspede e o peixe aos três dias fedem (Machado, 2005: 402) estabelece uma associação entre a duração da hospedagem privada facultada a alguém e a duração da comestibilidade do peixe fresco16. Consistiria numa forma de proteger o anfitrião dos abusos dos hóspedes (que pecavam, por vezes, por uma estadia excessivamente prolongada, com os custos que isso acarretava para as reservas alimentares do anfitrião).

2.3. Os produtos hortícolas

Os legumes são uma fonte importante de vitaminas e sais minerais e contêm antioxidantes. Entravam no regime alimentar dos pobres, por razões económicas (entre outras), legumes como a couve, os grelos, a nabiça: Nabiça quer unto, grelo azeite e nabo presunto (Moreira, 2003: 164, nº 61).

Presentes estão também no seu regime alimentar, bolbos como o alho e a cebola17: À falta de

capão, cebola e pão (Moreira, 2003: 16, nº 250). Muitas vezes, estes bolbos eram ingeridos com pão, tal como refere o provérbio anterior, sendo o único acompanhamento que os mais pobres podiam permitir-se.

O provérbio: Mais vale dois bocados de vaca que sete de batata (Moreira, 2003: 145, nº 180) é muito interessante, visto que alude à utilização da batata na alimentação. De facto, apesar de a batateira, solanácea oriunda da América, ter sido trazida para a Europa no séc. XVI, somente a partir do séc. XVIII18 a batata viria a ser adoptada e introduzida na alimentação ocidental, e no

séc. XIX, devido ao crescimento demográfico, seria totalmente aceite em toda a Europa.

Saliente-se que este tubérculo, que tem hoje um papel tão importante na nossa alimentação, antes era utilizado para alimentar o gado19.

O tomate, rico em cálcio, fósforo, potássio e vitaminas A e C, é oriundo da América e, apesar de integrar a alimentação dos italianos, espanhóis, provençais e dos habitantes do Languedoc, desde o séc. XVI ou XVII, só se espalhou pela Europa no fim do séc. XVIII ou princípios do XIX20.

14 O modo mais usual de confeccionar a sardinha é assando-a na brasa, daí o provérbio sobejamente conhecido: «Cada um puxa a brasa à sua sardinha» (Machado, 2005: 131).

15 In: Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, v. bacalhau.

16 Peyer (2001, cap. XXV: 57) afirma que: «[Na Antiguidade] Civilizações que ainda ignoravam o uso do dinheiro ou que só conheciam as suas formas primitivas concediam ao visitante alojamento, protecção e comida durante um período limitado, geralmente três dias».

17 Cf. Montanari (1998, cap. XVI: 256): «A cebola, o alho-porro, o alho são produtos básicos da alimentação camponesa».

18 Em Sevilha e na Holanda, a batata começou a ser consumida logo nos finais do séc. XVI. Cf. Flandrin (2001: 131).

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O tomate detém um importante lugar no regime alimentar dos portugueses, sendo consumido de diversas formas, cru ou cozinhado, nomeadamente, em saladas, refogados e molhos: Ao pé dos tomateiros, não há maus cozinheiros (Moreira, 2003: 43, nº 1489).

2.4. A fruta

A fruta fresca, rica em vitaminas, minerais, fibras e hidratos de carbono, está muito presente na alimentação do povo português: Se queres ser são, come fruta com pão (Machado, 2005: 580). Hábito este que ainda se mantém no Alentejo, onde sobretudo as pessoas mais idosas continuam a comer pão com a fruta.

Os figos, embora existam em várias regiões de Portugal, é um fruto típico do Algarve, onde depois de seco é muito utilizado na doçaria regional. O provérbio: O figo para ser bom deve ter pescoço de enforcado, roupa de pobre e olho de viúva (Moreira, 2003: 196, nº 242) ensina a escolher o figo, recorrendo a uma personificação: o pescoço de enforcado (a parte superior deve estar enrugada), a roupa de pobre (a casca deve apresentar fissuras) e o olho de viúva (a abertura na parte inferior deve ser grande).

Os provérbios: Água ao figo e à pêra vinho (Delicado, séc. XVII: 196, apud Machado 2005: 67) e Por cima de pêras, vinho bebas; e tanto que nadem as pêras (Moreira, 2003: 226, nº 536) ilustram uma prática arcaica, com origem na dietética antiga21 que prescrevia que cada

indivíduo deveria ingerir alimentos que estivessem de acordo com o seu temperamento (ditados pelo predomínio de um dos quatro humores: o sangue, a cólera, a fleuma e a melancolia). O princípio do reequilíbrio pelos contrários, a partir do séc. XVI, deixa de ser um princípio terapêutico e passa a ser uma regra dietética. De salientar, a propósito, que a gastronomia, no princípio do séc. XIX, surge com o objetivo de preparar iguarias para proporcionar prazer a quem come. Preocupa-se com a harmonia dos sabores e não com a sua função dietética.

Por último, os frutos secos proporcionavam um importante contributo calórico: Com pinha, castanha e bolota, a fome não bate à porta (Carrusca, 1976, vol. III: 160).

3. CONSERVAÇÃOEMODOSDEPREPARAÇÃO

Os processos de conservação dos alimentos, como a salga e a fumagem, permitem mantê-los comestíveis, impedindo-os de se tornarem tóxicos. Ambos os processos citados estão ilustrados em provérbios como: Amarelo, salgado, cru e mau, chama o povo ao bacalhau (Moreira, 2003: 34, nº 1105) e Em Janeiro um porco ao sol, outro no fumeiro (Machado, 2005: 220).

Quanto aos modos de preparação (temperos e formas de cozedura), os procedimentos culinários são distintos de um povo para outro, em função dos hábitos alimentares, segundo a sua cultura22. Atente-se, por exemplo, no provérbio: Carne mal lograda, cozida e não assada

(Moreira, 2003: 66, nº 245).

Segundo Montanari (1998b: 257), as elites preferiam a cozedura direta, isto é, a carne assada, enquanto os camponeses optavam pela cozedura indireta, visto que a carne cozida permitia aproveitar na íntegra os sucos. Além disso, como a carne era em geral salgada, a cozedura em água ou em caldo suavizava o gosto do sal e tornava-a menos coriácea.

Alguns provérbios especificam mesmo que, segundo a qualidade da carne, se devem eleger modos de preparação distintos: O leitão e pato, do cutelo ao espeto (Moreira, 2003: 197, nº 305). Outras parémias populares consideram adequadas quer a cozedura direta quer a cozedura

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indireta, aconselhando, porém, graus de cozedura diferentes: Vaca, bem cozida e mal assada (Moreira, 2003: 309, nº 5).

Ainda relativamente aos modos de preparação, os provérbios portugueses realçam que o peixe deve ser preparado de acordo com a variedade a que pertence: Enguia em empada, lampreia em escabeche (Moreira, 2003: 109, nº 387) e Sardinha bem salgada, bem cozida, mal assada (Moreira, 2003: 282, nº 79).

Por fim, o provérbio: Ovo assado, meio ovo; ovo cozido, ovo inteiro; ovo frito, ovo e meio (Moreira, 2003: 213, nº 1040) é particularmente interessante por apresentar três procedimentos culinários diferentes, considerando que, do ponto de vista gastronómico, o ovo frito é o mais saboroso.

Quanto aos condimentos, cuja função não é diretamente nutricional, têm um papel importante na nossa culinária, tornando os alimentos mais digestos e agradáveis ao paladar.

As substâncias aromáticas autóctones como o alho, a salsa, os coentros, o funcho, os poejos e a hortelã são mais acessíveis às classes menos abastadas, contrariamente ao que se verifica com as especiarias: Se não houvesse mais alhos que canela, o que eles valem valeria ela (Carrusca, 1976, vol. III: 141).

Também o sal é um condimento com uma função gastronómica: Panela sem sal faz de conta que não tem manjar (Moreira, 2003: 216, nº 60). Porém, o sal tem paralelamente uma função dietética, ajudando a manter o equilíbrio hídrico do organismo. Não deve, contudo, ser ingerido em excesso, pois pode provocar hipertensão arterial e perturbações cardíacas. Daí que nos hospitais a comida seja insonsa: Quem quiser comer arroz sem sal, vá para o hospital (Moreira, 2003: 266, nº 1442).

O açúcar, introduzido na Península Ibérica pelos árabes, e inicialmente considerado um medicamento, passou a ser integrado na alimentação e a ter uma função de adoçante como o mel: Com açúcar e com mel, até as pedras sabem bem (Moreira 2003: 71, nº 498). O apreço pelo sabor doce, graças ao açúcar e ao mel, faz-se sentir sobretudo a partir do séc. XV23: O que

é doce nunca amargou (Moreira, 2003: 202, nº 536). De salientar que o consumo de açúcar viria a aumentar consideravelmente com a introdução na alimentação europeia do chocolate, do café e do chá.

O café, originário da Etiópia e do Iémen, foi introduzido na Europa pelos turcos (os venezianos já o conhecem no séc. XVI, mas só se desenvolve nas cidades italianas a partir do séc. XVII) e levaria algum tempo a ser adotado pelos outros países24.

O chá foi o último a chegar e foi-nos dado a conhecer pelos chineses, pelo que os primeiros a beber chá na Europa devem ter sido os portugueses25. Curioso resulta o provérbio: Café do

primeiro, chá do último (Moreira, 2003: 63, nº 131) que aconselha a evitar as borras do café e a aguardar que o chá obtenha o seu sabor mais acentuado.

4. UTENSÍLIOSDECOZINHA

Os provérbios assinalam a utilização de recipientes variados na preparação de diversos tipos de cozinhados (nomeadamente, a panela, a sertã e a olha): Em casa bem regrada, ao meio dia a

23 Cf.: Laurioux (2001, vol. II, cap. XXVI: 74): «As percentagens extremamente elevadas atingidas no fim do século XV no Sul da Itália ou em Portugal – em que dois terços das receitas podem incluir açúcar – explicam-se nomeadamente pelo hábito ibérico de polvilhar os pratos com uma mistura de açúcar e canela, toque final num prato muitas vezes já abundantemente açucarado». Note-se, porém, que alguns dos provérbios portugueses aconselham a ingestão moderada de mel: Mel se o achaste, come o que baste (Moreira, 2003: 152, nº 511).

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olha e à noite a salada (Carrusca, 1976, vol. III: 175). A olha é uma marmita em barro cozido ou em pedra resistente ao fogo, usada em tempos idos para preparar os alimentos por meio de cozedura indireta.

Constata-se também que, através dos provérbios, se ensina quais os utensílios adequados para servir à mesa os diversos alimentos: De sopas a tigela – de carne a escudela (Carrusca, 1976, vol. III: 119).

A escudela servia para duas ou mais pessoas, e a mulher partilhava da escudela do marido26. Daí resultando talvez o provérbio: Entre marido e mulher, nunca metas a colher (Moreira, 2003: 111, nº 452), pois, sendo os alimentos retirados por meio de uma colher, alguém que se servisse da mesma escudela poderia apartar os cônjuges e causar a desarmonia entre ambos.

Por seu turno, o provérbio: Comida meada, faca embainhada (Delicado, séc. XVII: 140, apud Machado 2005: 157) alude ao uso da faca. Com efeito, era usual os homens transportarem consigo uma faca para cortarem a carne ou demais alimentos, após o que a deveriam guardar, visto que a convivialidade própria dos comensais não deveria ser comprometida por atitudes que poderiam ser entendidas como ameaçadoras. Note-se que ainda hoje alguns homens do povo trazem no bolso um canivete que usam para cortar o pão e demais alimentos.

5. MANEIRASÀMESA

Tal como a arte gastronómica, também o comportamento à mesa e os aparatos utilizados variam consoante as classes sociais.

As regras de bom comportamento à mesa (enquanto código regido por leis cujo não cumprimento é passível de sanções) são definidas, segundo afirma Montanari (2001: 10), a meio da Idade Média e assentam na oposição entre as maneiras «corteses» e «urbanas» por oposição ao comportamento camponês, ou seja, as boas maneiras são definidas em primeiro lugar como a recusa do que é «vilão».

As boas maneiras à mesa estão ligadas ao imperativo de não causar constrangimento aos outros convivas27.

O não cumprimento desse código de boas maneiras é classificado como um comportamento indigno de um nobre: Mesa sem pão é mesa de vilão. (Machado 2005: 311). No provérbio supracitado, a ausência do pão parece ser considerada uma falta grave, associada à pertença a uma classe baixa. Também no provérbio: A canalha não precisa toalha. (Moreira, 2003: 14, nº 133) se classifica o comportamento da população da classe mais baixa, a ralé, pela diferença dos aparatos à mesa, nomeadamente, a ausência de toalha.

Quanto à utilização de talheres, o provérbio: Sardinha e galinha, só com a mãozinha (Moreira 2003: 283, nº 83) justifica a ausência do uso de talheres para a ingestão de ambos os alimentos. Note-se, porém, que quer um quer outro estão amiúde presentes na mesa das classes baixas.

Em suma, tal como diz o provérbio: No jogo e na mesa a educação se conhece (Moreira, 2003: 186, nº 1017).

6. FUNÇÃOSOCIALECULTURALDASREFEIÇÕES

Uma refeição partilhada servia para estabelecer laços de aliança (cf.: Enquanto ferve a panela, floresce a amizade, Carrusca, 1974, vol. I: 106), servia também para fortalecer os laços

26 Cf. Aguilera (2001: 122).

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de amizade entre os convivas (cf.: Aquele é meu amigo que come o seu pão comigo, Machado, 2005: 94) ou tornar mais sólidas as relações profissionais ou interpessoais, dando-lhes visibilidade28, porque como diz o provérbio: Não confies senão naquele com quem já comeste

um moio de sal (Machado, 2005: 335).

O banquete ou a boda eram uma forma de assumir publicamente o compromisso celebrado perante Deus e os homens. A refeição comum é sinal de integração ou pertença a um grupo: A boda e a baptizado não vás sem ser convidado (Machado, 2005: 21), isto é, comparecer sem convite é forjar (ou forçar) uma relação inexistente29.

Um outro tipo de banquete tem lugar por ocasião das exéquias de um ente querido. A ele alude o provérbio: O morto à cova e o vivo à fogaça (Moreira, 2003: 199, nº 404). Também designado «banquete de funeral», o banquete de exéquias realiza-se depois das cerimónias fúnebres e é descrito por Riera-Melis (2001, cap. XXII: 28) como: «uma refeição ritual que tem como função restabelecer a coesão no seio da comunidade depois do desaparecimento de um dos seus membros». Serve ainda para assegurar a perenidade da recordação do falecido30.

7. EXERCÍCIOFÍSICO

Os provérbios portugueses não fazem referência ao desporto ou à prática regular de exercício físico. Talvez porque o sedentarismo, em parte uma consequência do desenvolvimento tecnológico da nossa era, seja um problema que afecta fundamentalmente a sociedade moderna.

As classes menos abastadas sempre necessitaram de trabalhar e, quer o fizessem no sector da pesca, no da agricultura, quer em outro, isso implicava realizar esforços físicos. Daí que no rifoneiro português a dicotomia se estabeleça entre o labor e o repouso, isto é, trabalho versus descanso, este último necessário para restaurar as forças físicas e anímicas: Para quem trabalha fez Deus o descanso (Moreira, 2003: 219, nº 198).

Observe-se, nomeadamente, o provérbio Três horas dorme o santo, quatro ou cinco quem não é tanto, seis ou sete o estudante, oito o viajante, nove o porco e dez o morto (Machado, 2005: 611) que estipula uma diferença significativa no número de horas de sono necessárias ao indivíduo consoante a atividade que ele desenvolve.

A crítica ao sedentarismo faz-se, contudo, em provérbios como: Nem na mesa sem comer, nem na igreja sem rezar, nem na cama sem dormir, nem na festa sem dançar (Moreira, 2003: 182, nº 824).

De igual modo, se diz Quem ceia e se vai deitar, má noite há-de passar (Moreira, 2003: 244, nº 495), defendendo que à última refeição31 não se deve imediatamente seguir o repouso

nocturno. Alguns provérbios aconselham mesmo a caminhar um pouco32.

28 Cf. Flandrin (1998: 22-23).

29 Segundo Montanari (1998: 92): «a mesa funciona como agente de agregação e de unidade mas também de separação e de marginalização. O facto de ser aceite à mesa comum ou de ser excluído dela (…). A participação no banquete e a integração na comunidade continuarão, aliás, a estar intimamente ligadas na sociedade ocidental, na Idade Média e nas épocas seguintes: a excomunhão – em sentido literal a exclusão da comunidade – assumirá muitas vezes a forma de afastamento da mesa comum, nas sociedades tanto laica como eclesiástica e monástica».

30 Cf. Althoff (1998, cap. XVIII: 273): «Comia-se e bebia-se em memória dos defuntos, reforçando, assim, a comunhão dos vivos com os mortos, a qual assegurava nomeadamente a perenidade da recordação».

31 De referir que, segundo Oliveira Marques (1964: 7), na Idade Média a ceia correspondia à última refeição do dia e era ingerida por volta das 6 ou 7 horas da tarde.

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Por último, os provérbios portugueses alertam para a importância de comer a horas (Comer a horas, vestir a tempo, Moreira, 2003: 74, nº 635), moderadamente e mastigar bem (Quem muito come, mal mastiga, Moreira, 2003: 256, nº 1012 ou Quem come a correr do estômago vem a sofrer (Machado, 2005: 501), e inversamente Quem comer e mastigar devagarinho cria boa carne e bom toucinho (Machado, 2005: 502).

CONCLUSÃO

A análise dos 800 provérbios listados permitiu compreender que os provérbios portugueses desempenham um papel fundamental na transmissão dos saberes ancestrais que estão na origem da Dieta Mediterrânica.

Sendo frases fixas, em geral bimembres, memorizadas em bloco e transmitidas de geração em geração, os provérbios preservam do olvido as tradições, o estilo de vida, os conhecimentos empíricos, em suma, a memória cultural de um povo.

Os provérbios portugueses são um precioso testemunho das práticas alimentares, culinárias e gastronómicas dos portugueses através das épocas. Ao difundirem a sua cultura dietética e gastronómica, os provérbios servem de inspiração aos portugueses e veículo transmissor de conhecimentos (e gostos) ao longo dos tempos, podendo inclusive ter favorecido a adoção ou promovido a divulgação de um alimento ou de uma técnica de confeção.

A reconstituição do regime alimentar do povo, das suas práticas alimentares, aquele que menos surge na documentação remanescente, é uma tarefa delicada, dado que não existem fontes directas, tornando necessário o recurso a informações esparsas e dispersas por um acervo de documentos vários. Pensamos, por conseguinte, que os provérbios poderão representar uma fonte suplementar de informações para a história da alimentação.

Por outro lado, a referência a certos alimentos (como a batata) ou utensílios (como o garfo) pode permitir a datação relativa desses provérbios, pois sabemos a sua origem e o século em que integraram o nosso regime alimentar.

Em suma, os provérbios portugueses não descrevem apenas um regime nutricional, que dá preferência aos alimentos locais colhidos sazonalmente, e preparados segundo receitas tradicionais. Sem descurarem obviamente a importância da alimentação como fonte de bem-estar, os provérbios, tal como a Dieta Mediterrânica e a nova Pirâmide Alimentar, aconselham-nos ainda a adotar um estilo de vida equilibrado e saudável, a prezar e valorizar as refeições partilhadas, a celebrar em família as festividades de carácter laico e religioso, a observar algumas regras comportamentais a fim de evitar constrangimentos aos outros convivas à mesa, advertindo-nos frequentemente para a necessidade de nos pautarmos pela moderação.

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Gráfica. [ed. da autora]

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Referências

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