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Crimes contra a vida. Homicídio

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Academic year: 2022

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Crimes contra a vida. Homicídio DOLO

O resultado morte: percurso normativo.

Considere sucessivamente:

1. O resultado morte como elemento típico de uma norma incriminadora: o artigo 131º (homicídio); o artigo 137º (homicídio por negligência).

2. O resultado morte como condição objectiva de punibilidade (1): no artigo 151º (participação em rixa);

no artigo 135º, nº 1 (incitamento ou ajuda ao suicídio): o acto suicida ou a sua expressão mínima, como simplesmente tentado.

3. O resultado morte nos crimes agravados pelo resultado: o artigo 145º (agravação pelo resultado); a morte da vítima em resultado da privação da liberdade no sequestro (artigo 158º, nº 3); a morte que resultar da exposição ou abandono (artigo 138º, nºs 1 e 3, b); o suicídio como resultado da privação da liberdade no sequestro (artigo 158º, nº 2, e); o suicídio ou a morte da vítima como resultado dos comportamentos enumerados no artigo 177º, nº 3.

4. A morte de “outra pessoa”, prevista no nº 3 do artigo 210º (roubo).

5. No artigo 144º, alínea d), o resultado não é a morte, mas um perigo (concreto) para a vida: prevê-se a punição de quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, de forma a provocar-lhe “perigo para a vida”. No artigo 138º (exposição ou abandono) pune-se a colocação da vida em perigo (concreto), por exposição ou abandono. Veja ainda os artigos 272º, nºs 1, 2 e 3, e 291º, nºs 1, 2 e 3, entre outros, dos mesmos capítulos.

6. A morte como acidente: o toureiro colhido na arena. O touro não é (!) o “quem” com que se inicia a norma incriminadora.

7. Outros casos em que o resultado pode ser a morte: artigos 10º, nº 1; 18º; 22º, nº 2, alínea b); 24º, nºs 1 e 2; 25º.

Crimes de sangue. São assim designados, em técnica policial (técnica de investigação criminal) o homicídio voluntário, a morte premeditada (o “assassínio”), o parricídio, o infanticídio, o envenenamento.

O investigador procura logo fixar (com o concurso da medicina legal e da polícia científica) o modus operandi do criminoso: estrangulamento, morte por afogamento, por asfixia, pelo emprego de explosivos ou duma arma (de fogo, contundente, perfurante, cortante), por envenenamento, etc.

Ao investigador, perante o cadáver, põe-se geralmente o problema: crime, suicídio ou acidente?

1 As chamadas condições objectivas de punibilidade são elementos do crime que se situam fora tanto da ilicitude como da culpa, “não se exigindo, para a sua relevância, que entre elas e o agente exista uma qualquer conexão psicológico - intelectual, podendo ainda serem fruto do mero acaso” (Taipa de Carvalho).

Exemplo: o participante em rixa (artigo 151º, nº 1) só é punido se ocorrer morte ou ofensa corporal grave, funcionando esta condição como limitadora da punibilidade — e é punido independentemente de ter previsto ou querido que uma pessoa pudesse morrer ou ser gravemente atingida na sua integridade física.

A explicação de alguns autores assenta em que o comportamento básico incluído na exigência de culpa oferece já um certo grau de merecimento de pena, porque através dele se desencadeia um perigo.

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O dolo homicida: não se provando que o arguido agiu com dolo homicida, não pode ele ser condenado por homicídio voluntário tentado ou consumado.

Uma vez que o dolo homicida, seja na forma de dolo directo, necessário ou eventual, importa a prova de um elemento do foro íntimo do agente, essa descoberta só é alcançável através de dados exteriores, designadamente:

- a violência da agressão;

- a arma utilizada;

- a parte do corpo da vítima atingida;

- a personalidade do agressor;

- a motivação do crime,

assim se chegando à verdade prático-jurídica que sirva de suporte à decisão (acórdão do STJ de 12 de Novembro de 1986, BMJ-361-244).

O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial impõe-se, em princípio, ao julgador, que o tem que aceitar.

Mas o juízo sobre a “intenção de matar” não é um juízo técnico, científico ou artístico, nem tão pouco um juízo de técnica médica. A presunção de intenção de matar é apenas um juízo de probabilidade sobre aquela intenção.

O dolo é essencialmente representação e vontade, é a vontade de realizar um tipo penal conhecendo o sujeito todas as suas circunstâncias fácticas objectivas.

Assim o dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo consiste no conhecimento dos elementos objectivos desse tipo e na vontade de os praticar: a pessoa actua dolosamente quando conhece e quer os elementos objectivos de um tipo legal.

A partir desta noção podemos verificar que o dolo tem uma estrutura composta por dois elementos:

Um elemento intelectual ou cognitivo que se traduz no conhecer Um elemento volitivo que se traduz no querer

Em direito penal só podemos querer depois de conhecer, porque não podemos querer aquilo que desconhecemos

Por isso, dentro da estrutura do dolo o elemento intelectual precede sempre o elemento volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se conhece.

Quanto ao elemento volitivo – o querer – aqui distinguem-se basicamente três espécies de dolo que se encontram previstas no artº 14º, nº 1, 2 e 3 do C. Penal

São diferentes formas de graduação do dolo, diferentes formas de intensidade de querer um determinado resultado, já que uma pessoa pode querer um resultado ou pode querer um facto típico, com maior ou menor intensidade.

Do lado da vontade, entre o querer e o não querer existe abertura para uma progressão do mesmo tipo. No seu íntimo, o agente tanto pode aprovar o resultado criminoso que previu como possível, como encará-lo

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com a mais absoluta indiferença ou mesmo nem sequer o desejar. Consciência e vontade não são, assim, separáveis senão por necessidade de análise (Cavaleiro de Ferreira), são elementos que não podem ser vistos isoladamente.

O Código encerra uma terminante opção normativa, ao erigir em padrão decisivo da distinção, nos artigos 14º, nº 3 e 15º, alínea b), o critério da conformação ou não conformação do agente com o resultado típico por aquele previsto como possível.

Assim, quando uma pessoa quer directamente aquilo que prevê, com a intenção de realizar aquilo que prevê, estamos perante a forma mais intensa de querer, estamos perante o Dolo intenção ou dolo directo ou dolo de primeiro grau.

Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já não é tão intensa. São aquelas situações em que o agente quer algo em primeira linha, e quer essa coisa como sua intenção, mas sabe que para conseguir essa coisa, como consequência necessária da conduta tem de empreender para conseguir isso que quer, algo vai acontecer como consequência necessária da conduta.

Nestas situações estamos perante o dolo necessário ou dolo directo de segundo grau, previsto no artº 14º, nº 2 do C.P.

Nas situações de dolo eventual, que é a forma menos intensa da relação do querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente representa, prevê como possível que a sua actuação possa ocorrer um determinado resultado lesivo, um determinado tipo de crime.

E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização, actua conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do facto típico por ele previsto. È o chamado dolo eventual previsto no artº 14º, nº 3 do CP.

Para se considerar existente essa conformação, torna-se necessário que, para além da previsão do resultado como possível, o agente tome a sério a possibilidade de violação dos bens jurídicos respectivos e, não obstante isso, se decida pela execução do facto.

Exemplo:

A è proprietário de um navio que está seguro numa determinada companhia de seguros. A está com dificuldades económicas perante esta crise e, pretendendo receber a indemnização da companhia seguradora, resolve provocar um incêndio ou uma explosão no navio de tal forma que não existem duvidas de vir a receber a indemnização pela perda do navio seguro. Mas A sabe que necessariamente, em consequência desse incêndio e/ou explosão a tripulação do navio vai morrer.

O dolo directo de primeiro grau ou intenção do A é para com a burla relativa aos seguros. Aquilo que A quer obter directamente é a indemnização do seguro.

Mas sabe que como consequência necessária dessa sua actuação alguém vai morrer. Então a morte dos tripulantes do navio é imputada dolosamente a A não como sendo a sua primeira intenção, mas como sendo algo que o agente quer em segunda linha, como algo que tem necessariamente que acontecer para o agente obter aquilo que é na realidade a sua intenção.

Outro exemplo.

A quer matar um motorista de táxi de quem não gosta. E sabe que o seu horário de trabalho è das 14 h às 19 h. Então A faz deflagrar uma bomba no táxi, numa altura em que ele transporta um passageiro.

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Há um dolo directo de primeiro grau ou intenção relativamente à morte do taxista; e há um dolo necessário relativamente ao passageiro de táxi.

Uma situação de dolo eventual

O proprietário de um imóvel, na mira de receber uma indemnização pelo seguro, resolve incendiar o imóvel, sabendo ele que um determinado sem abrigo costuma dormir no interior daquele imóvel.

Temos dolo directo de primeiro grau ou intenção relativamente à burla de seguros.

Quanto á morte do sem abrigo, o A prevê-a como possível, mas actua na mesma, conformando-se com essa possibilidade, porque o que o agente pretende efectivamente é que o prédio arda para poder receber a indemnização do seguro. Esta atitude de indiferença quanto á sorte do sem abrigo revela de facto uma certa conformação com o resultado previsto pelo agente. E nesta conformação nós podemos ainda ver uma certa forma de intensidade, de querer aquele resultado que virtualmente vem a acontecer, que é a morte do sem abrigo.

Dai que em direito penal existem certos autores que defendem ser incorrecto dizer-se que dolo é sinonimo de intenção, porque intenção em termos rigorosos visa tão só uma das espécies de dolo, que é a forma mais intensa – artº 14º, nº 1 do CP.

Muito perto da figura do dolo eventual está uma outra figura que é a chamada negligência consciente.

Temos que distinguir estas figuras, porque actuar dolosamente ou negligentemente conduz a resultados práticos e dogmáticos diferentes.

Em primeiro lugar, a norma do artº 13º - (….) diz que a regra geral é a imputação por facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade criminal por facto negligente.

Por outro lado, a figura da tentativa e a tipicidade da tentativa e do facto tentado prevista no artº 22 é uma tipicidade dolosa. Não existe responsabilidade penal por tentativa negligente.

Como podemos distinguir então o dolo eventual da figura da chamada negligencia?

Enquanto que a estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o elemento intelectual (conhecer) e o elemento volitivo (querer);

Na negligência pode haver o elemento intelectual (o conhecer), como acontece na negligência consciente, ou pode não haver, como acontece na negligência inconsciente, mas não há nunca o elemento volitivo.

A primeira distinção é pois esta:

Enquanto no dolo se pode afirmar que o agente quis aquele resultado, ou quis empreender aquela actividade, aquela conduta típica;

Na negligência nunca se pode afirmar a vontade de realização típica ---não há querer, não há o elemento volitivo.

Vamos passar para os exemplos:

A, guarda da linha, abre as cancelas logo após a passagem de um comboio. B, mal o caminho fica livre, inicia a travessia da dupla via-férrea, ao volante do seu automóvel, onde viajavam outras três pessoas, mas o carro vem a ser aí embatido por um outro comboio, que surge em sentido contrário ao do primeiro.

B morreu e com ele dois dos passageiros. O outro ficou gravemente ferido.

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Considere as seguintes variantes:

a) A tinha-se levantado nesse dia descontente com a vida e "disposto a fazer sangue". Não lhe repugnava, até, que o seu nome viesse nas primeiras páginas dos jornais. Quando abriu as cancelas sabia muito bem que o segundo comboio estava prestes a passar pelo local e previu que o carro de B, que se aproximava, seria arrastado e esmagado pela composição.

b) A segunda composição era especial, destinada a transportar os adeptos dum clube nortenho que ia jogar à Capital. A não fora informado da passagem deste segundo comboio nem lhe era possível saber que esse comboio iria passar.

c) A fora informado da passagem do segundo comboio, mas esqueceu-se e foi por se ter esquecido que abriu as cancelas nas circunstâncias referidas.

d) A fora informado da passagem do segundo comboio, mas esqueceu-se. Foi por esquecimento que abriu as cancelas nas circunstâncias referidas. Encontrava-se na altura em estado de extrema fadiga por causa do trabalho a que vinha sendo submetido desde há dias. Com efeito, quem fazia os outros turnos, inclusivamente os turnos da noite, não comparecera ao serviço, e A não pregara olho. A chegou, inclusivamente, e por mais de uma vez, a protestar com veemência junto dos seus superiores, mas ninguém ligou.

“Age com negligência...”: é assim que se exprime o artigo 15º do Código Penal.

Mas só é punível o facto praticado com negligência nos casos especiais previstos na lei: artigo 13º (princípio da excepcionalidade da punição das condutas negligentes, numerus clausus).

Não existe em direito penal o crimen culpae, um tipo geral de crime negligente que declare ilícita e puna qualquer violação do dever de cuidado.

Existem crimes negligentes concretos, crimina culposa, por ex., o homicídio negligente, os diversos crimes contra a integridade física por negligência, a receptação por negligência (artigo 231º, nº 2), etc.

Só uma parte, pequena, dos crimes dolosos é que tem um correspondente ilícito negligente, por ex., a ofensa à integridade física ou os crimes contra a vida tanto se prevêem e punem na forma dolosa como na negligente. Não acontece assim com o dano ou com o furto, que só têm expressão dolosa.

No Código podemos encontrar crimes negligentes de resultado e crimes negligentes de mera actividade.

Nestes, a lei limita-se a descrever a conduta que o agente realiza.

Um crime de simples actividade negligente é — já o vimos — o do artigo 292º, na parte em que pune a condução, pelo menos por negligência, de veículo com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.

Até há relativamente pouco tempo, os crimes negligentes tinham uma importância limitada.

Historicamente, foram sendo tratados como uma raridade, só saíram da sombra em que se encontravam com a progressiva industrialização e o aumento significativo dos veículos em circulação: a dogmática teve de se render ao número crescente dos homicídios e das ofensas à integridade física por negligência no tráfego rodoviário.

Na perspectiva clássica, a negligência recorta-se unicamente como problema de culpa. A teoria causal da acção limitava o conteúdo do ilícito do facto negligente à “causação do resultado” socialmente nocivo.

Passou posteriormente a distinguir-se, ainda no âmbito da culpa, entre dois elementos significativos: a inobservância do cuidado objectivamente necessário e o cuidado que o autor estava em condições de observar (Frank; Mezger).

Hoje em dia domina a opinião de que o delito involuntário constitui um tipo especial da acção penal com estruturas autónomas no que respeita à tipicidade, à ilicitude e à culpa: a negligência não é uma simples

"forma de culpa", mas um tipo especial de conduta punível que reúne elementos de ilicitude e de culpa (Jescheck, AT, p. 509).

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Não é o desvalor do resultado que separa os crimes dolosos dos negligentes. Tanto o artigo 131º (homicídio) como o artigo 137º (homicídio por negligência) começam pela expressão "quem matar outra pessoa": o resultado é o mesmo num caso como no outro.

O que separa os dois ilícitos é o desvalor da acção: o agente actua intencionalmente ou prevê a realização típica como consequência necessária da sua conduta ou conforma-se com essa realização (artigo 14º).

Noção e formas da negligência

O artigo 15º formula, ainda, um juízo de dois graus, na medida em que se dirige a quem não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz.

Aparentemente, o nosso Código Penal favorece a consideração de um dever de cuidado objectivo (ainda que concretizado), situado ao nível da ilicitude, a par de um dever subjectivo, situado ao nível da culpa, ao referir o cuidado a que o agente "está obrigado " e de que é "capaz" — em ambos os casos, "segundo as circunstâncias" — cfr. o artigo 15º. Rui Pereira, A relevância da lei penal inconstitucional de conteúdo mais favorável ao arguido, RPCC 1 (1991), p. 67.

Deste modo, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, não chega sequer a representar a possibilidade da realização típica (negligência inconsciente).

Age ainda negligentemente quem, de forma ilícita e censurável, representa como possível a realização típica mas actua sem se conformar com essa realização (negligência consciente).

Na negligência consciente - o agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actua sem se conformar com essa realização —o agente previu a possibilidade do resultado, por exemplo, um acidente, e apesar disso actua, ou deixa de tomar as medidas recomendadas na situação concreta.

Na negligência inconsciente - o agente não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto —o agente nem sequer pensou nas consequências, embora pudesse tê-lo feito e devesse tê-las previsto.

A fórmula da "conformação" é o elemento diferenciador do dolo eventual com a negligência consciente.

Entre nós, a definição tanto do dolo eventual como da negligência consciente encontra-se normativamente condicionada. Num caso como no outro, o agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime.

Compare-se a formulação dos artigos 14º, nº 3, e 15º, a): "...representada como consequência possível...",

"representar como possível...". A diferença está em que, neste último, o agente actua sem se conformar com a realização fáctica.

Às vezes, a lei prevê uma punição mais gravosa para a negligência grosseira. Cf., o artº 137, nº 2 , 156º, nº 3 e o artigo 351º.

E usa a expressão "grave incúria ou imprudência […], grave negligência”. Cf. o artigo 228º, nº 1, a) (insolvência negligente). No crime de receptação, a expressão "faz razoavelmente suspeitar", usada no artigo 231º, nº 2, aproxima-se da figura da negligência grosseira, "compreendida como fundada num especial grau de previsibilidade do agente" (Rui Carlos Pereira, O dolo de perigo, p. 111).

A doutrina moderna parece negar importância prática à distinção entre negligência consciente e inconsciente, e o legislador também lha não atribui, só lhe interessa separar a negligência consciente do dolo eventual.

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As duas formas de negligência recebem tratamento idêntico, estão estruturalmente equiparadas, relevando em qualquer delas a violação do dever de cuidado, que na negligência inconsciente se refere ao não reconhecimento do perigo e na consciente a uma sua falsa valoração.

Outra é a questão do "peso" com que cada uma delas contribui para a determinação concreta da pena, não faltando quem sustente que é na negligência inconsciente que reside a maior falta de respeito pelo outro (Stratenwerth).

Desvalor de acção e desvalor de resultado. Dissemos que o tipo de ilícito negligente supõe, no plano do desvalor da acção, a violação do dever objectivo de cuidado (violação do cuidado objectivamente devido) e a previsibilidade objectiva da realização típica.

Trata-se de dois elementos internamente ligados e que não devem ser apreciados isoladamente. Escreve Kühl que os dois pressupostos típicos não se encontram um ao lado do outro, mas estão tão “intimamente unidos” que “não podem ser apreciados isoladamente”.

Wessels exprime assim esta articulação: “falta de atenção exigida pelo tráfico (= violação do dever de cuidado) como pressuposto objectivo do resultado típico”. Alguns autores contestam a necessidade da violação do dever de cuidado; outros, como Roxin, consideram-no irrelevante, por não trazer nada de novo relativamente aos critérios gerais de imputação objectiva, na medida em que só haverá negligência se o agente criar um perigo não permitido (AT, p. 892 e ss.).

Além da violação do dever de cuidado e da previsibilidade objectiva, concorre o resultado como elemento dos crimes negligentes de resultado.

Quem conduz um automóvel e, por seguir distraído, não pára num sinal vermelho, age com manifesta falta de cuidado, mas se nada aconteceu, se o condutor não matou ninguém ou se nenhum peão ficou ferido, falta a concorrência dum evento típico — consequentemente, não preenche a conduta o crime do artigo 137º, nem o do 148º, quanto muito uma contra-ordenação estradal, ou o crime do artigo 291º, se estiverem presentes os restantes pressupostos.

Abordemos agora, com outro pormenor, todos esses elementos, começando pela conduta descuidada do agente.

a) A violação do dever de cuidado (=violação do dever de diligência) determina-se por critérios objectivos, nomeadamente, pelas exigências postas a um homem avisado e prudente na situação concreta do agente. A extensão do dever de cuidado é referida ao homem médio do círculo social ou profissional do agente, i. e, do concreto círculo de responsabilidades em que o agente se move (por ex., como médico, como motorista de pesados, etc.).

A medida do cuidado devido é portanto independente da capacidade de cada um (opinião maioritária).

b) O dever objectivo de diligência concretiza-se, em numerosos sectores da vida, através de regras de conduta (normas específicas, como as normas de trânsito - que são as mais frequentemente invocadas, em vista do desenvolvimento a que chegou a circulação automóvel—, regulamentos da construção civil, regras de conservação de edifícios, etc.) ou por regras de experiência, por ex., as leges artis de determinadas profissões ou grupos profissionais, como o dos médicos, engenheiros, etc. - cf, especialmente, Figueiredo Dias, Velhos e novos problemas, que, a propósito do que se passa com "as normas profissionais e análogas (nomeadamente as de carácter técnico, as chamadas leges artis)" alude à actividade de "médicos, dentistas, enfermeiros, engenheiros, arquitectos, caçadores, desportistas, guardas prisionais, soldados, hoteleiros ou outras pessoas ligadas a qualquer nível, à cadeia alimentar".

O médico, quando leva a efeito uma diligência da sua especialidade, em especial uma operação, deve agir de forma a evitar danos, procedendo como mandam as regras e a experiência da arte médica. Trata-se de

“normas de trabalho”, expressas ou não, criadas por associações de interesse privado, nomeadamente, em

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áreas técnicas, que são o resultado da experiência e da prática de prevenir e de lidar com o perigo e que por isso estabelecem claramente os limites do risco permitido.

O que em abstracto é perigoso poderá não o ser em concreto (Roxin).

Todos esses preceitos e regras fornecem indicações para a determinação da medida de cuidado — a sua violação indicia, em medida elevada, uma falta de cuidado. Contudo, trata-se unicamente de indícios.

Exemplo - Se numa emergência, para evitar atropelar uma criança que surge na via de forma inopinada, o automobilista invade a faixa esquerda, violando a norma que o manda circular pela direita, e vem a embater numa pessoa que na paragem aguarda o autocarro, causando-lhe ferimentos, compreende-se que esta violação é necessária para preservar o bem jurídico da vida da criança — não será essa circunstância que fundamenta uma conduta ilícita.

Outro exemplo - Para evitar uma colisão, o condutor de um dos veículos pode — e deve — imprimir à sua viatura uma velocidade bem acima dos limites permitidos se essa for a forma de evitar embater no carro que vem em sentido contrário.

Mas a observância de tais regras não exclui necessariamente a negligência.

Numa central nuclear, o director, um perito altamente qualificado, apercebe-se em determinado momento duma estranha avaria no reactor e conclui imediatamente que, se cumprir o que está administrativamente determinado, poderá produzir-se uma fuga radioactiva de proporções catastróficas. As consequências poderão, todavia, minimizar-se se se contrariarem os regulamentos.

Neste caso, o que se exige ao perito é que infrinja a norma, mesmo que, assim, se vá criar um outro risco.

Em todos estes exemplos o essencial é que o desvalor objectivo da acção, seja menor e se evite o perigo, sendo o risco criado um risco permitido. Consequentemente, não poderíamos apontar ao perito a violação dum dever de cuidado.

Pense-se, aliás, na susceptibilidade de reconduzir os factos a uma situação de necessidade e a um conflito entre dois males desiguais que pode chegar a impor a infracção da norma especial para evitar o mal maior. O estado de necessidade seria, in casu, de molde a excluir o desvalor objectivo da acção, ainda que subsistindo um desvalor de resultado.

c) O Direito impõe a todos o dever de evitar a lesão de terceiros: é o dever geral de cuidado, de forma que, quando falamos das características típicas dos crimes negligentes e trabalhamos metodicamente, devemos indagar quais são os comportamentos que a ordem jurídica exige numa determinada situação — só assim poderemos medir a conduta do agente (Kühl), saber se ela corresponde à do homem avisado e prudente na situação concreta do agente.

A medida do cuidado exigível coincidirá com o que for necessário para evitar a produção do resultado típico (Jescheck).

Nas modernas sociedades industrializadas torna-se impossível proibir toda e qualquer acção que implique um perigo de lesão de bens jurídicos. No entanto, na prática torna-se igualmente impossível sistematizar cada um dos deveres de cuidado, tão diferentes são entre si. Mas o dever de cuidado radica, desde logo, na abstenção de qualquer acção idónea ao preenchimento do tipo de delito imprudente — cuidado como omissão de acções perigosas.

Quem pretender conduzir um camião deverá frequentar o número de aulas suficiente para obter a respectiva licença (Jescheck, p. 523 e s.). Também Roxin, p. 902, entende que onde não existem modelos de comportamento formulados para áreas especializadas devem servir duas regras gerais de orientação:

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quem pretender levar a cabo uma certa conduta cujo risco não está em condições de avaliar, deverá informar-se; se não se puder informar ou esclarecer deverá abster-se de agir.

Também o Professor Figueiredo Dias – em Velhos e Novos problemas – aborda dois exemplos, sem dúvida actuais: o da eventual responsabilização das instâncias decisoras, do procedimento de co- incineração, "se previamente se não tiverem esgotado todas as possibilidades oferecidas pelo conhecimento científico actual de determinação dos perigos para bens jurídicos individuais e colectivos"

— e a utilização na guerra de munições com urânio empobrecido. Em muitos domínios, a afirmação de que a negligência começa quando se ultrapassam os limites do risco permitido, é uma ideia perfeitamente apreensível.

Consideremos a condução automóvel, que, como outras actividades próprias das sociedades modernas — e como tal imprescindíveis— comportam riscos que, em certas ocasiões, nem mesmo com o maior cuidado se podem evitar.

Põe-se em relação a tais actividades a questão da sua necessidade social ou da sua utilidade social e, por isso mesmo, o Direito aceita-as, não as proíbe, não obstante os perigos que lhes estão associados.

As condutas realizadas ao abrigo do risco permitido não são negligentes, não chegam a preencher o tipo de ilícito negligente. Se o agente não criou ou incrementou qualquer perigo juridicamente relevante não existe sequer a violação de um dever de cuidado.

A negligência exclui-se se o agente se contém nos limites do risco permitido, se num atropelamento não criou nem potenciou um risco para a vida ou para a integridade física da vítima. Não actua de forma negligente quem se mantém nos limites dum risco permitido.

As actividades perigosas autorizadas pela ordem jurídica (transportes ferroviários, marítimos e aéreos, actividades mineira e industrial, etc.) e as que são permitidas no tráfego rodoviário a quem está habilitado não constituem qualquer causa de justificação para o homicídio, as lesões corporais, os danos, etc., que ocorram no âmbito de actividades perigosas, pois isso não necessita qualquer justificação, na medida em que a acção causadora do resultado — que assim não representa uma lesão do dever de cuidado nem tão pouco a realização dolosa de um tipo de ilícito — não ultrapasse o âmbito do risco permitido.

Deste modo, actua negligentemente quem causa um resultado típico através de uma acção que aumenta o risco acima da medida permitida (aumento do risco da produção do resultado), como conduzir em velocidade desmedida, fazer uso de pneus gastos, pôr a navegar um navio incapaz, etc.

Para poder chegar à formulação do risco permitido foi preciso, por um lado, que se produzisse um aumento quantitativo dum novo tipo de perigos, que se tornou evidente especialmente no âmbito do tráfego ferroviário e rodoviário, e, por outro, que se soubesse até que ponto era possível dominar, com um comportamento cuidadoso, o âmbito do risco nas actividades perigosas que se iam ampliando — e mesmo saber até que ponto é que isso só se poderia obter renunciando ao "progresso". G. Jakobs, El delito imprudente, p. 173.

d) O princípio da confiança: ninguém terá em princípio de responder por faltas de cuidado de outrem.

Uma limitação (sensata: Wessels) das exigências de cuidado deriva do princípio da confiança.

Provindo o perigo da actuação de outras pessoas, não precisará o agente de entrar em conta com tal risco,

"uma vez que as outras pessoas são (ou devem supor-se), elas próprias, seres responsáveis. Por outras palavras, ninguém terá em princípio de responder por faltas de cuidado de outrem, antes se pode confiar em que as outras pessoas observarão os deveres que lhes incumbem" (Figueiredo Dias, Direito penal, sumários e notas, Coimbra, 1976, p. 73).

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Exemplo - Se o condutor que goza de prioridade fosse obrigado a parar por via de uma possível transgressão do condutor obrigado a deter-se, então o direito de prioridade seria progressivamente desvalorizado e nunca mais seria possível um tráfego fluído.

É uma conclusão inteiramente de acordo com o pensamento do risco permitido. Quem actua de acordo com as normas de trânsito pode pois contar com idêntico comportamento por banda dos demais utentes.

Mas não se pode prevalecer do princípio da confiança quem não se conduz de acordo com as normas.

O princípio também não é aplicável nos casos em que reconhecidamente se não justifica a confiança num comportamento regular de outrem.

Exemplo: condutas inábeis de pessoas muito idosas ou de crianças; de peões manifestamente desorientados; situações de trânsito especialmente perigosas e complicadas; sempre que outro utente da via deixe entender, pelo seu comportamento, que não está a cumprir as regras de trânsito: se um condutor repara que outro não observa a prioridade deve também ele deter-se e não deve prosseguir, confiando no seu “direito”.

O princípio da confiança não vale apenas para o trânsito rodoviário, mas em todos os casos em que muitos são "responsáveis" por um perigo" — trabalho de equipa (cf. Jakobs, El delito imprudente, p.

176).

Define-se a diligência de cada um e o risco permitido mediante a compartimentação do círculo de responsabilidades (conf., por ex., para a colaboração em operações, experiências científicas, acções de salvamento e semelhantes).

Se não confiássemos nos outros não só seria impossível repartir tarefas como teríamos que omitir as condutas susceptíveis de serem influenciadas por uma conduta alheia.

Um exemplo: em qualquer cruzamento de ruas deparamos com sinais de prioridade.

O princípio da desconfiança. Quem se comporta de maneira não cuidadosa confia na desconfiança dos outros?

Quem entra numa via rápida com muito trânsito confia em que os condutores que vêm atrás travem? De acordo com jurisprudência constante, trata-se de uma confiança que não o deve ser, i. é, que não está permitida. Jakobs, El delito imprudente, p. 177.

Dever de diligência e princípio da confiança no âmbito da circulação rodoviária. As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias: artigo 3º, nº 2, do Código da Estrada.

As relações do princípio da confiança com as regras de cuidado no âmbito da circulação rodoviária analisam-se numa série quase infindável de decisões judiciais, cujos principais exemplos se podem ver coligidos no lúcido comentário de Paula Ribeiro de Faria, no Conimbricense, PE, tomo I, p. 264 e s., bem como outras indicações úteis relativamente à construção de edifícios ou outras obras e às lesões da integridade física e ainda a aplicação do artigo 148º do Código Penal no âmbito da actividade médica.

Afirmamos a previsibilidade objectiva do resultado quando, segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer, o resultado produzido pela acção é consequência idónea (adequada) da conduta do agente.

Consequências imprevisíveis, anómalas ou de verificação rara serão juridicamente irrelevantes (Figueiredo Dias, Sumários, p. 156).

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- Objectivamente previsível tem que ser, não só o próprio resultado, como igualmente o processo causal, ainda que apenas nos seus traços essenciais.

A relação de causalidade é um elemento do tipo, como o são a acção e o resultado.

Consequentemente, a previsibilidade do agente deve estender-se também ao nexo causal entre a acção do agente e o resultado.

Deve contudo reparar-se que normalmente só um especialista poderá dominar inteiramente o processo causal — na maior parte dos casos, o devir causal só será previsível de forma imperfeita. De modo que o jurista aceita a ideia da representação da relação causal por parte do agente em traços largos, nas suas linhas gerais, essenciais.

Exemplo - A é atropelado e fica tão ferido que não restam quaisquer esperanças de o salvar. Ainda assim, é conduzido ao hospital, mas no trajecto a ambulância despista-se e A morre, não dos ferimentos produzidos no atropelamento mas por causa do despiste da ambulância. O autor do atropelamento não poderá ser responsabilizado pela autoria negligente do homicídio de A, nos termos do artigo 137º, nº 1, mas só pelas ofensas corporais (artigo 148º, nº 1) produzidas.

É agora a altura de abordarmos os problemas de causalidade e de imputação objectiva.

No plano objectivo, o nexo de imputação entre acção e resultado vale tanto para os crimes dolosos como para os negligentes.

Há fundamentalmente dois caminhos para responder à questão da conexão entre acção e resultado:

causalidade e imputação.

Ao falarmos de causalidade estamos a pensar na acção (causa) que provoca um determinado evento ou resultado (efeito).

Quando falamos de imputação partimos do resultado para a acção. O primeiro caminho corresponde à doutrina clássica. O segundo caminho busca resolver insuficiências dos pontos de vista tradicionais.

a) A teoria da adequação parte da teoria da equivalência das condições, na medida em que pressupõe uma condição do resultado que não se possa eliminar mentalmente, mas só a considera causal se for adequada para produzir o resultado segundo a experiência geral.

Não está em causa unicamente a conexão naturalística entre acção e resultado, mas também uma valoração jurídica.

Excluem-se, consequentemente, os processos causais atípicos que só produzem o resultado típico devido a um encadeamento extraordinário e improvável de circunstâncias.

Deste modo, não haverá realização causal (adequada) se a produção do resultado depender de um curso causal anormal e atípico, ou seja, se depender de uma série completamente inusitada e improvável de circunstâncias com as quais, segundo a experiência da vida diária, não se poderia contar.

b) Podemos, aliás, recorrer a outros critérios de imputação objectiva, associados à teoria do risco.

Por ex., excluindo a imputação nos processos causais atípicos, que fogem inteiramente às regras da experiência, com os quais se não pode razoavelmente contar empregando um juízo de adequação.

Se A ao conduzir o seu automóvel toca ligeiramente em B, produzindo-lhe pouco mais do que um arranhão e este vem a morrer por ser hemofílico, não lhe poderá ser imputada a morte mas só ofensas corporais por negligência — faltará o nexo de risco.

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Pressupõe-se, por outro lado, uma determinada conexão de ilicitude: não basta para a imputação de um evento a alguém que o resultado tenha surgido em consequência da conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que tenha sido precisamente em virtude do carácter ilícito dessa conduta que o resultado se verificou.

Com efeito, "as acções negligentes de resultado pressupõem uma estrutura limitadora da responsabilidade que se perfila de forma dúplice: de um lado, a violação de um dever objectivo de cuidado (...), valorado também pelo critério individual e geral, e de outro, a exigência de um especial nexo, no "sentido de uma conexão de condições entre a violação do dever e o resultado". Prof. Faria Costa, O Perigo, p. 487.

Dizendo doutro modo: o resultado só é objectivamente imputável ao agente se assentar na respectiva acção e no nexo de ilicitude. Falta este no caso em que o resultado se teria produzido também se o agente tivesse respeitado o cuidado a que estava obrigado.

Exemplo - A, condutor de um camião, ultrapassa B, ciclista embriagado, guardando apenas a distância de 75 cms. B dá uma guinada para a esquerda, devido a uma inesperada reacção provocada pelo álcool, cai e é atropelado pelas rodas traseiras do camião. Se o condutor tivesse observado a distância regulamentar (1m, 1,5m) o acidente mortal teria comprovadamente ocorrido e com ele o resultado mortal. Se se puder suprimir mentalmente, não a acção de A (ultrapassagem), mas a contraditoriedade ao dever dessa acção (ultrapassar a curta distância) sem que o resultado desapareça com a necessária segurança, então não falta a causalidade mas a conexão de ilicitude.

A actuação de A não é punível (cf., nomeadamente, Curado Neves).

Consequentemente, nos crimes negligentes de resultado, como o homicídio (artigo 137º) ou as ofensas à integridade física (artigo 148º), a causação do resultado e a violação do dever de cuidado, só por si, não preenchem o correspondente ilícito típico.

Para além da causalidade da conduta, o resultado tem que ser "obra" do sujeito, tem que lhe ser objectivamente imputável.

Exemplo - Se A, por atropelamento, sofreu pouco mais do que uns arranhões, pode vir a morrer no despiste da ambulância que o transporta ao hospital.

Exemplo - Se a vítima partiu uma perna pode vir a morrer de embolia entretanto sobrevinda como complicação.

Devemos responsabilizar o condutor do carro pela morte do atropelado, como "obra" sua?

E se a vítima vem a morrer por, ela própria, se ter recusado a fazer o tratamento adequado?

Exemplo - A chocou violentamente com o carro de B quando procurava chegar a horas ao aeroporto.

Sofreu lesões na cabeça, mas apesar das dores violentas e do conselho dos médicos, não desistiu da viagem e veio a morrer no avião. Se tivesse sido operado a tempo, havia todas as probabilidades de ser salvo.

A responsabilidade penal do outro condutor não se pode estender à morte de A, mas não se exclui a eventualidade de o condenar por ofensas à integridade física negligentes.

Como se vê, à causalidade acresce a necessidade da imputação objectiva do evento.

Ao lado dum risco básico permitido, que não pode ser excluído mesmo quando concorram condições ideais, existe a permissão de correr riscos incrementados (trajectos com nevoeiro, partes de estradas com gelo, deslocações em horas de ponta) sempre que a realização da actividade sob as condições que incrementam o risco se considere mais útil do que a sua proibição absoluta.

A mais do que se disse, não serão imputáveis resultados que não caiam na esfera de protecção da norma de cuidado violada pelo agente:

Exemplo - O condutor A segue a alta velocidade e atropela o menor B que atravessa de modo imprevisto.

A causa a morte de B no exercício da condução, todavia, mesmo à velocidade regulamentar, o acidente não teria sido evitado: pode invocar-se aqui um comportamento lícito alternativo. Se concluirmos que o comportamento lícito alternativo teria igualmente produzido o resultado danoso, este não dever ser imputado ao agente.

A doutrina dominante limita a imputação objectiva com o fim de protecção da norma: não são imputáveis resultados que não caem na esfera de protecção da norma de cuidado violada pelo agente.

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Deste modo, mesmo que tenha violado um dever objectivo de cuidado, o agente não é responsável se a norma donde este cuidado deriva não tinha por finalidade evitar resultados como o produzido.

Exemplo: A conduz junto de um hospital à velocidade de 50 quilómetros por hora, excessiva, por haver no local sinalização indicadora de hospital e da proibição de se circular a mais de 30. Se um peão, imprevistamente, sai por detrás de um automóvel estacionado e em correria se mete na frente do carro de A, não tendo este qualquer possibilidade de travar ou de se desviar, o condutor, na ausência de um nexo de protecção, não deve ser responsabilizado pelas ofensas corporais porventura sofridas pelo peão pelo simples facto de circular a 50, já que a velocidade indicada no sinal tinha por exclusiva função evitar ruídos exagerados que perturbassem os doentes e não a disciplina do trânsito.

Outro exemplo, no domínio dos cuidados médicos: um doente tem que ser anestesiado para ser submetido a uma operação, mas o seu médico, antes disso, não trata de averiguar, recorrendo a especialistas, se ele suportará a anestesia. O médico não poderá ser responsabilizado por homicídio involuntário, caso o paciente não sobreviva à anestesia, se se chegar à conclusão que não havia nenhuma contra-indicação relativamente à anestesia mas simplesmente que a vida do doente teria sido prolongada com o adiamento da operação.

A função do dever de cuidado que impõe ao médico que mande verificar em primeiro lugar a tolerância do doente à anestesia não é conseguir aquele prolongamento. Na verdade, "o âmbito de protecção e a finalidade prosseguidos pela norma devem prevalecer sobre o registo do seu rigoroso cumprimento"

(Prof. Faria Costa, O Perigo, p. 499).

Faltará um nexo de ilicitude se se concluir que o resultado produzido também não teria sido evitado conduzindo-se o sujeito de acordo com o direito, i. e., usando do necessário cuidado.

De acordo com a fórmula do comportamento lícito alternativo, haverá que colocar a seguinte hipótese: "O que é que teria acontecido se, na situação concreta, o agente se tivesse comportado de acordo com o direito?

Roxin estabeleceu, em 1962, a sua teoria do "aumento do risco", que não opera com nenhuma especulação hipotética, mas apenas com saber se a conduta negligente, em comparação com a correcta, incrementou ou não o risco de produção do resultado.

Com a realização do tipo de ilícito fica indiciada a ilicitude da conduta, a exemplo do que se passa com os crimes dolosos.

No domínio das causas de justificação, as mais significativas serão, nesta área, a legítima defesa, o estado de necessidade e o consentimento que não exclua a tipicidade.

Em resumo

A negligência supõe que o agente seja capaz de cumprir o dever de cuidado e de prever o resultado típico.

Só age negligentemente quem estava em condições de satisfazer as exigências objectivas de cuidado — podendo então ser-lhe censurada a conduta violadora do dever de cuidado e o facto de ter agido não obstante a previsibilidade do resultado. Dizendo por outras palavras: para que exista culpa negligente é necessário que o agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que estava obrigado; deve portanto comprovar-se se o autor, de acordo com as suas qualidades e capacidade individual, estava em condições de satisfazer as correspondentes exigências objectivas. Para tanto, deve ter-se em atenção a sua inteligência, formação, experiência de vida; deve olhar-se também às especialidades da situação em que se actua (medo, perturbação, fadiga).

Se o agente, por uma deficiência mental ou física, ao tempo da sua actuação não estava em condições de corresponder às exigências de cuidado, não poderá ser censurado pela sua conduta.

Ao tipo de culpa dos crimes negligentes pertence assim a previsibilidade individual (subjectiva). A previsibilidade do resultado típico e do processo causal nos seus elementos essenciais deverá verificar-se não só no plano objectivo, mas igualmente no plano subjectivo, de acordo com a capacidade individual do agente.

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Na negligência inconsciente o agente não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto, ficando excluída a previsibilidade individual, especialmente por falhas de inteligência ou de experiência.

Na negligência consciente o agente representa sempre como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime.

Recapitulando: Tal como o "dolo", o conceito jurídico da "negligência" tem, como forma de conduta e forma de culpa, uma dupla natureza, o que implica um exame "de dois graus".

Dentro do tipo de ilícito deve comprovar-se que não foi observado o cuidado exigido objectivamente. No âmbito da culpa deverá apurar-se se o autor, de acordo com a sua capacidade individual, estava em condições de satisfazer as exigências objectivas de cuidado. Consequentemente, uma coisa é a negligência enquanto elemento típico que fundamenta a ilicitude, outra a negligência como elemento da culpa.

Elementos da culpa serão a capacidade de culpa, a consciência da ilicitude, ao menos na forma potencial, e a exigibilidade (recordem-se certas situações de conflito, que levam à exclusão da culpa, não obstante a violação do dever de cuidado). Acrescem os elementos específicos da negligência individual.

Esquematicamente, a estrutura dos crimes negligentes poderá ser assim representada:

Tipo-de-ilícito

Acção ou omissão da acção devida.

Violação do dever objectivo de cuidado.

A violação do dever de cuidado determina-se por critérios objectivos, nomeadamente, pelas exigências postas a um homem avisado e prudente na situação concreta do agente.

A extensão do dever de cuidado é referida ao homem médio do concreto círculo de responsabilidades em que o agente se move (por ex., como médico, como motorista de pesados, etc.).

O dever de cuidado é limitado pelo princípio da confiança: ninguém terá em princípio de responder por faltas de cuidado de outrem, antes se pode confiar em que as outras pessoas observarão os deveres que lhes incumbem.

Produção do resultado típico nos crimes negligentes de resultado.

Por ex., a morte de “outra pessoa”, no artigo 137º, nº 1.

Previsibilidade objectiva do resultado, incluindo o processo causal.

Um resultado será objectivamente previsível se for previsível para um homem sensato e prudente, colocado na situação do agente no momento da acção, de acordo com a experiência geral (juízo de adequação).

Imputação objectiva desse resultado à acção do sujeito.

Causalidade. Imputação normativa. Adequação, nexo de risco, aumento do risco perante comportamento lícito alternativo. A produção do resultado pode ficar fora do âmbito de protecção da norma; o resultado pode verificar-se também em caso de comportamento lícito alternativo.Concorrência, ou não, de uma causa de justificação

Tipo-de-culpa

Censurabilidade da acção objectivamente violadora do dever de cuidado.

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Capacidade de culpa - a negligência supõe que o agente seja capaz de cumprir o dever de cuidado e de prever o resultado típico.

Deve comprovar-se se o autor, de acordo com as suas qualidades e capacidade individual, estava em condições de satisfazer as correspondentes exigências objectivas, tendo em atenção a sua inteligência, formação, experiência de vida; deve olhar-se também às especialidades da situação em que se actua (medo, perturbação, fadiga).

Se o agente, por uma deficiência mental ou física, ao tempo da sua actuação não estava em condições de corresponder às exigências de cuidado, não poderá ser censurado pela sua conduta.

Previsibilidade individual – a previsibilidade individual está excluída na negligência inconsciente;

Na negligência consciente o agente representa sempre como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime. A punibilidade poderá ocorrer por culpa na assunção.

Exigibilidade do comportamento lícito - a conduta cuidadosa não será exigível quando a sua adopção não for de esperar duma pessoa na situação do agente.

Ainda quanto a esta matéria da Imputação Subjectiva, há que traçar uma diferença entre o chamado dolo de dano ou dolo de lesão e o dolo de perigo.

Existem varias modalidades de dolo, que é o dolo de lesão, previstas no artº 14º, nº 1 do C.P.

O dolo de perigo há-de ser um dolo que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio legislativo, contudo não é compaginavel com a figura do dolo directo de primeiro grau ou intenção prevista no artº 14º, nº 1, porque é difícil conceber que quem actua querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e querendo directamente aquele perigo, pelo menos não se conforme com a possibilidade de lesão.

Também não é concebível uma situação de dolo eventual de perigo, porque se o dolo eventual, nos termos do nº 3 do artº 14 é aquela situação em que o agente representa como possível que da sua conduta vã ocorrer a lesão e actua conformando-se com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o perigo, está a prever a possibilidade da possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade de lesão.

Assim, o dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de perigo, que pode ser recortado os moldes do nº 2 do artº 14º

Neste enquadramento para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos negativos:

Elemento positivo – È a consciência que o agente tem da situação de perigo, ou seja o agente tem de representar, tem de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da possibilidade de lesão que é o perigo

Elementos negativos – È preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a possibilidade de lesão, não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que previu como perigoso não irá ocorrer, porque nesse caso temos uma situação de negligência consciente ( nos termos do artº 15º, nº 1 do CP).

Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência desse perigo, ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo e se auto-conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear em lesão, então já temos uma situação de dolo eventual de lesão.

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Exemplo

A vai a conduzir o seu automóvel.Vai em excesso de velocidade, está a chover, o piso está molhado.

Perante este circunstancialismo, o agente pensa: poderei atropelar alguém, porque se alguém se atravessa à frente do carro poderei não ter tempo de travar.

Mas como está com pressa de chegar a casa e o que lhe interessa é andar rapidamente, o A continua em excesso de velocidade.

Neste exemplo o A prevê o perigo – a possibilidade de lesão (possibilidade de ferir ou matar alguém) – e actua conformando-se com essa possibilidade; haja o que houver, actua da mesma maneira, porque o que ele quer è chegar a casa o mais rápido possível.

Assim, se A atropelar alguém, temos uma situação de dolo eventual de lesão, isto porque, o A representou o perigo que é a possibilidade de lesão e actuou conformando-se com essa possibilidade.

Outro exemplo:

O mesmo condutor, nas mesmas circunstancias. O A pensa: O piso está molhado, poderei atropelar alguém. Mas depois pensa: “ Eu sou um condutor com muita experiência, tenho um óptimo carro, ainda ontem ele veio da revisão, os travões estão em excelentes condições. Se se atravessar uma pessoa à frente do carro terei mais do que tempo para travar e evitar o acidente.

Neste exemplo se efectivamente A atropelar alguém tem aqui uma situação de negligência consciente.

O A representou o perigo, que é a possibilidade de lesão, mas auto-tranquilizou-se no sentido de que o perigo por ele previsto não se iria desencadear em lesão. Consequentemente, terá actuado com negligência consciente.

Sintetizando, o dolo de perigo é um dolo necessário de perigo, composto por três elementos:

Um elemento positivo, que é a representação do perigo (possibilidade de lesão).

Dois elementos negativos Uma não auto-tranquilização Uma não auto-conformação

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