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Política nacional de piso mínimo no transporte de cargas rodoviárias.

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A POLÍTICA NACIONAL DE PISO MÍNIMO NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS 1

Nedisandra Magalhães da Silva Orientador: Prof. Ms. Ricardo Luis Barcelos

RESUMO

Apesar de suas grandes possibilidades de exploração de transportes ferroviários e aquaviários, o Brasil tem a maior parte de suas cargas transportadas pelo modal rodoviário. Isso faz com que esse setor seja um dos mais fortes da economia do país, gerando milhares de empregos e receitas de bilhões de reais. As recentes manifestações dos transportadores demonstraram a força desse setor. Um dos resultados dessas manifestações foi a criação da política de piso mínimo do frete mediante a Lei 13.703/2018. Essa lei garante aos profissionais autônomos o recebimento de um valor de frete que possa cobrir pelo menos os gastos diretos da viagem, evitando que sejam explorados em virtude de sua vulnerabilidade econômica. Os empresários de alguns setores ingressaram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para invalidar a política de preços mínimos. Os aspectos dessas ações são analisados nesse trabalho, visando buscar a melhor solução para o impasse jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: Transporte Rodoviário. Logística em Transportes. Preço do

Frete.

ABSTRACT

Despite its great possibilities for exploring rail and water transport, Brazil has most of its cargo transported by road. This makes this sector one of the strongest in the country's economy, generating thousands of jobs and revenues of billions of reais. The recent demonstrations by the carriers demonstrated the strength of this sector. One of the results of these manifestations was the creation of the minimum floor freight policy through Law 13.703/2018. This law guarantees self-employed professionals the receipt of a freight charge that can cover at least the direct expenses of the trip, preventing them from being exploited due to their economic vulnerability. Entrepreneurs in some sectors filed Direct Actions of Unconstitutionality in the Federal Court of Justice to invalidate the minimum price policy. The aspects of these actions are analyzed in this work, aiming to seek the best solution to the legal impasse

KEYWORDS: Road Transport. Transport Logistics. Freight Price.

1 Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Gestão de Logística da Universidade Unisul -SC.

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1INTRODUÇÃO

A Política do Piso Mínimo de Frete foi criada pelo Governo Federal devido à paralização de motoristas de caminhão, ocorrida em maio de 2018. Esta paralização trouxe repercussões negativas para a economia brasileira, que deixou de movimentar bilhões. Segundo o Ministério da Fazenda (Brasil, 2018) a greve gerou um impacto negativo de cerca de 15,9 bilhões, aproximadamente 0,2% do Produto Interno Bruto (BRASIL, 2018f). Uma das reivindicações dos caminhoneiros autônomos na referida paralização foi a criação do piso mínimo de frete, também conhecida como Tabela de Frete.

Em 27 de maio de 2018, o Piso Mínimo de Frete foi instituído pela Medida Provisória 832, a qual foi convertida em lei pelo Congresso Nacional (Lei 13.703/2018), sendo regulamentado pela Resolução 5.820/2018, da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, ainda no Governo do Presidente Michel Temer. Várias alterações foram feitas nas regulamentações da ANTT, sendo editadas sucessivas resoluções, que foram aperfeiçoando a metodologia de cálculo do piso mínimo e os valores cobrados pelo frete.

Logo após a entrada em vigor da Medida Provisória 832, três entidades entraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o Piso Mínimo de Frete. Alegando que a política de piso mínimo do frete seria inconstitucional por ferir o princípio da liberdade econômica e do livre mercado. Essas três ações ainda não foram julgadas pelo STF, de acordo com última análise realizada em Abril de 2020.

Nota-se como problema, o impasse na implantação da tabela de frete, pois há uma falta de convergência sobre os benefícios e malefícios que, porventura, possam resultar após a efetivação da tabela. Assim, este trabalho se propõe a analisar os diversos enredos dessa disputa judicial e as divergências entre opiniões de cada ente envolvido no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).

O enfrentamento da questão envolve a discussão sobre diferentes direitos, sendo que o julgamento do STF deverá considerar os diferentes aspectos de cada direito envolvido e as suas consequências para a sociedade. A metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho foi entrevista não formal.

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2HISTÓRICODAPOLÍTICADEPISOMÍNIMODOFRETE

O surgimento da política de piso mínimo de frete teve origem num conjunto de fatores que, atuando simultaneamente, levaram ao que foi conhecido como “Greve dos Caminhoneiros” em 2014.

Em anos anteriores a greve, o planejamento no transporte rodoviário de cargas estava em expansão, com incentivos à aquisição de caminhões novos pelo governo, o que ocasionou um aumento da oferta de transportadores no mercado. Por outro lado, a recessão econômica reduziu a necessidade de serviços de transportes pelos contratantes, e assim, houve um excesso na oferta de transportadores, seguido pela redução do fluxo de mercadorias em razão da crise econômica. “O excesso de caminhões e a redução da circulação de cargas, como consequência da recessão dos últimos anos, derrubou o preço dos fretes, prejudicando as companhias de transporte” (EL PAIS, 2018).

Por outro lado, houve mudança na política de preços de combustíveis da Petrobrás, alterada em 2017, aumentando assim o custo do principal insumo do setor de transportes: o óleo diesel. Isso representou num significativo impacto nos custos dos transportes rodoviários, sendo que esse aumento dos custos não foi acompanhado pelo respectivo aumento dos valores pagos pelos serviços de transportes, aumentando a defasagem e reduzindo a parcela de ganho efetivo do transportador. Segundo a Associação Paranaense de Supermercados (APRAS, 2018, p. 1)

Desde que a Petrobras iniciou sua nova política de preços para os combustíveis, em 4 de julho do ano passado, o óleo diesel subiu 56,5% na refinaria, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) – passou de R$ 1,5006 para R$ 2,3488 (sem contar os impostos). O aumento acompanhou a cotação do petróleo no mercado internacional, exatamente a intenção da estatal. Mas, para os caminhoneiros, essa alta vem tornando sua atividade inviável.

Nesse sentido, em busca de reverter a situação e assegurar os direitos dos trabalhadores do setor de transportes, a categoria realizou um grande movimento de paralisação, conhecido como greve dos caminhoneiros, que provocou grande impacto na economia do país.

De acordo com Silva (2019), a greve provocou um efeito cascata, afetando a economia como um todo, inclusive a produção rural. Houve casos de milhões de litros de leite descartados e milhões filhotes de aves e outros animais sacrificados

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por falta de alimentação. A repercussão foi de tal magnitude que afetou o Produto Interno Bruto.

Assim, a Lei 13.703/18, de 8 de agosto de 2018 (Brasil, 2018e), instituiu a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, visando atender as reivindicações submetidas ao Governo Federal por ocasião da manifestação da categoria dos transportadores rodoviários. Dentre outras reivindicações, a categoria apresentou planilhas e documentos que indicavam que, em alguns casos, o valor pago pelo frete ao transportador não era suficiente para cobrir todos os custos do serviço. Custos estes que incluem elementos variáveis, sendo alguns de difícil estipulação devido à subjetividade deles, como o desgaste e a depreciação do caminhão. De acordo com estudos realizados por Araújo Bandeira e Campos (2014, p. 1):

Com os valores de fretes atualmente praticados no mercado de transporte, seria impossível para o transportador autônomo arcar com todos os custos operacionais e de gerenciamento, o que faz com que ele tenha que se submeter às distorções relacionadas à profissão, tais como: grande jornada de trabalho, dificuldade em trocar o veículo, negligenciar as manutenções do veículo, dentre outras.

A criação da Lei se deu mediante conversão da Medida Provisória nº 832/2018 (Brasil, 2018d), a qual foi editada pelo Governo Federal em virtude da urgência da situação, pois a greve realizada pelo setor de transporte rodoviário estava provocando diversos efeitos danosos na economia do país e na vida em sociedade. A justificativa pela edição de Medida Provisória, ao invés de Projeto de Lei está na Exposição de Motivos da MP 832/2018: “A urgência e relevância da Medida Provisória são notórias, tendo em vista a greve dos transportadores de carga iniciada no dia 21 de maio, a qual alcança o seu sétimo dia”. (BRASIL, 2018d, p. 1).

A razão dessa urgência se assentava nos efeitos da greve dos caminhoneiros, que provocou a falta de diversos produtos no mercado. Com a crise de desabastecimento de todos os tipos de itens, diversas atividades econômicas foram afetadas, no entanto, foram atingidos também órgãos e entidades que prestam serviços públicos, “serviços que atendem direitos individuais e sociais que também se configuram como direitos fundamentais, como os setores de educação, saúde, segurança pública e transportes coletivos” (SILVA, 2019, p. 3).

A Medida Provisória 832/18 foi publicada em 27 de maio de 2018, tendo sua tramitação dentro do período legal de 90 dias, prazo em que foi aprovada, com

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algumas alterações, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sendo convertida na Lei nº 13.703, de 8 de agosto de 2018, cuja ementa diz: Institui a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas (Brasil, 2018e).

Ou seja, a Lei não criou apenas uma tabela de piso mínimo para os valores dos serviços de transporte rodoviário de cargas, mas também instituiu uma política pública voltada à valorização de uma categoria profissional. De acordo com os preceitos estabelecidos na Lei 13.703/18, a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas tem a finalidade de promover condições mínimas para a realização de fretes no território nacional, de forma a proporcionar adequada retribuição ao serviço prestado” (BRASIL, 2018e, p. 1).

Para deflagar a greve, o Governo Federal adotou três medidas: a redução de R$0,46 no preço do litro do óleo diesel na bomba; a suavização da política de preços da Petrobrás e a proposta de criação de uma tabela de preços mínimos do frete para transporte rodoviário de cargas. Ocorre que não existia previsão legal de fixação de preços mínimos, e assim, foi necessária a criação de um aparato legislativo para respaldar a ação do poder Executivo nesse sentido. Assim, a Lei 13.703/2018 estabeleceu em seu artigo 4º:

Art. 4º O transporte rodoviário de cargas, em âmbito nacional, deverá ter seu frete remunerado em patamar igual ou superior aos pisos mínimos de frete fixados com base nesta Lei.

§ 1º Os pisos mínimos de frete deverão refletir os custos operacionais totais do transporte, definidos e divulgados nos termos de regulamentação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com priorização dos custos referentes ao óleo diesel e aos pedágios (BRASIL, 2018e, p. 1).

No entanto, em que pese a criação da lei estabelecendo um piso mínimo de valores, essa lei não criou efetivamente esse piso. Em virtude da dinâmica de mercado e das flutuações inflacionárias, uma lei fixa não teria a condição de garantir o direito ao piso mínimo. Assim, a elaboração e atualização da tabela foi delegada à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Ou seja, esta entidade governamental que passou estabelecer a tabela do piso mínimo. Para cumprir essa atribuição, editou diversas normas no sentido de estabelecer critérios objetivos para a elaboração e atualização da tabela. Assim como, para a fiscalização do cumprimento da tabela pelos contratantes de frete rodoviário.

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Com as novas atividades atribuídas, a agência passou a editar as normas referentes à criação da tabela e da fiscalização do cumprimento das normas. Como as Medidas Provisórias entram em vigor imediatamente, logo após a publicação da MP 832 de dia 27 de maio de 2018, no dia 30 de maio, a ANTT publicou a Resolução nº 5820, a qual “Estabelece a metodologia e publica a tabela com preços mínimos vinculantes, referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, instituído pela Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas. (BRASIL, 2018g, p. 1).

Após a conversão da MP 832 na Lei 13.703/2018 a entidade editou nova Resolução, revogando a Resolução no5820. E assim, de acordo com cada nova atualização da tabela, foram sendo editadas novas resoluções, que revogavam as anteriores. Atualmente está em vigor a Resolução nº 5.867, de 14 de janeiro de 2020. Esta nova resolução detalha diversos tipos de fatores que compõem o custo total do frete, tanto fatores diretos como indiretos, tanto os custos fixos quanto os custos variáveis. As tabelas envolvem diversas equações que consideram desde os tipos de carga, tipo e características do caminhão, até os valores de alimentação do motorista, combustíveis, pedágios, e muitos outros (BRASIL, 2020).

Já para o cumprimento das resoluções, ANTT utiliza o seu atributo de poder de polícia para fiscalizar a aplicação correta da tabela, verificando caminhões aleatoriamente. Conferindo os dados referentes à carga, peso, distância e outros, sendo lavrados Autos de Infração para aqueles que não cumprem a tabela. Esse poder lhe foi atribuído pela Lei 13.703/18, nos termos do Art. 5º, § 6º (BRASIL, 2018e).

Uma questão é necessária ressaltar, a finalidade da criação da política de piso mínimo é de apenas evitar que o transportador tenha um saldo negativo na prestação do serviço de fretes, uma vez que o lucro do profissional não está incluído no cálculo. Ou seja, a princípio, respeitados os parâmetros estabelecidos pela metodologia dos cálculos, nenhum valor do piso mínimo será superior às despesas reais de cada viagem do transportador.

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3METODOLOGIA

Conforme Marconi e Lakatos (2003), a busca pela resolução de um problema prático, no caso a nível sócio econômico, procurando entendimento para a problemática que atinge o setor de transporte de cargas no Brasil, classifica esta pesquisa como aplicada.

Quanto ao objetivo esta pesquisa como exploratória e explicativa. Pois, pesquisas exploratórias tem como objetivo proporcionar uma visão geral acerca de um determinado fato. E oportunizam o ajuste da visão sobre o fato pesquisado, sendo que para isso é pratica a utilização de levantamentos bibliográficos, entrevistas não padronizadas e estudos de caso (GIL, 2008). Já as pesquisas explicativas, conforme classifica Gil (1994), são aquelas cuja preocupação central é a identificação dos fatores que contribuem para a ocorrência de um determinado fenômeno.

Quanto a forma de abordagem essa pesquisa, já alinhada aos objetivos se classifica como qualitativa. A Pesquisa Qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, e não se pode traduzir em números. A interpretação dos fenômenos é básica no processo de pesquisa qualitativa. Sendo o ambiente natural a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave (GIL, 1994).

Com relação a consideração aos autores e aos procedimentos necessários, esta pesquisa se classifica como bibliográfica, levantamento e participante. A Pesquisa Bibliográfica é aquela que se utiliza de material já publicado, constituído, principalmente de livros e artigos científicos. Já a pesquisa é denominada Levantamento quando envolve a interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. E quando se desenvolve a partir da interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas, a pesquisa é denominada Participante (GIL, 2008).

Assim, a coleta de dados da pesquisa foi realizada através de documentos como jornais, revistas, artigos, leis, e decisões judiciais; e através de entrevistas. Buscando interagir com pessoas e documentos que estivessem diretamente ligadas ao caso em questão. A coleta de dados e o acompanhamento dos desdobramentos judiciais relacionados ao tema se estenderam até o dia 01 de abril de 2020.

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O trabalho se desenvolveu a partir da apresentação e introdução dos acontecimentos que precederam a edição da Medida Provisória 832/2018 e de seus desdobramentos, tais como as resoluções que foram publicadas pela ANTT no sentido de regulamentar a política do piso mínimo e criar normas para a fiscalização do cumprimento da tabela de preços do frete pelos contratantes dos serviços de transportes de cargas.

Em seguida, foram analisadas as possíveis repercussões sobre a economia do país e sobre a sociedade em geral devido à manutenção da atual política do piso mínimo, sendo verificados os artigos da Lei 13.703/2018 e suas características, buscando identificar quais seriam os efeitos práticos da aplicação da nova lei e quais seriam as consequências dela sobre a sociedade.

Finalmente, foram analisados os aspectos jurídicos relacionados à disputa judicial decorrente das ações diretas de inconstitucionalidade que foram impetradas pelas três entidades que se sentiram lesadas pela adoção da nova política de preços. Vários aspectos são abordados, principalmente os princípios jurídicos envolvidos na questão e a inevitável ponderação de princípios que deverá ser realizada pelo STF para decidir a controvérsia.

4RESULTADOS

4.1 Repercussões da implantação da política de piso mínimo

Quando uma lei nova entra em vigor algumas relações sociais podem ser alteradas. Assim, há que se considerar quais seriam as repercussões da implantação da política do piso mínimo do frete nas relações trabalhistas e contratuais, e ainda, verificar os eventuais impactos das novas exigências legais na sociedade como um todo.

Nesse sentido, a nova política de piso mínimo do frete estabelece que o valor desse piso mínimo será calculado com base apenas nos custos efetivos da prestação desse serviço. Ou seja, a nova metodologia, na prática, não altera em nada os valores que já vinham sendo praticados. Mas em sentido contrário, é certo que todo prestador de serviço, ao formar o preço que irá cobrar, calculará todos os seus gastos nesse serviço e somará algum valor, que seria o lucro pelo serviço prestado.

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Verifica-se que a simples aplicação do piso mínimo para os serviços de fretes seria ineficaz, uma vez que os preços dessa tabela não incluem o lucro do prestador do serviço, mas apenas os custos efetivos (fixos e variáveis). Ou seja, para que possa alcançar algum rendimento com o seu trabalho, o transportador terá que cobrar um valor superior ao valor estabelecido na tabela do piso mínimo de acordo com a Lei 13.703/2018.

Isso é explicado pelo entrevistado 01, através de uma entrevista não formal.

Ocorre que a contratação dos serviços de frete tem peculiaridades que a diferencia das outras contratações de serviço. Geralmente, a contratação não se dá em um estabelecimento comercial, em uma loja ou escritório. Em grande parte das vezes, a negociação se dá em locais sem estrutura urbana, e na maioria das vezes, em locais distantes da residência do transportador. Assim, após a prestação de um serviço de frete e entrega da mercadoria, o motorista se vê em uma situação de vulnerabilidade, devido a estar longe de casa e encontrar dificuldade logística para conseguir um frete de retorno. Assim, a viagem de volta por longos trechos com o caminhão vazio significa prejuízo, uma vez que um caminhão em movimento tem os seus custos de operação, esteja carregado ou esteja vazio.

E é exatamente nesse momento que aparecem os

aproveitadores, que, sabendo dessa situação de

vulnerabilidade do motorista, o contratam para prestar serviço de frete pagando valores muito abaixo do próprio custo do combustível a ser usado na viagem. É exatamente para esse tipo de situação que foi criada a política de preços mínimos do frete. Para evitar que o trabalhador seja explorado indevidamente por empresários e produtores que almejam o lucro a qualquer custo.

Mas esse tipo de situação não ocorre na maioria das vezes, e assim, a tabela de preços mínimos irá apenas

resguardar alguns motoristas de serem explorados

indevidamente, ou seja, será apenas uma garantia de respeito à dignidade humana, uma garantia de que o trabalhador não será explorado devido a sua vulnerabilidade.

Há que se salientar que a dignidade humana é um direito fundamental, assegurado pela Constituição. É um direito tão importante que vem estampado logo no artigo primeiro da Constituição do Brasil (Brasil, 1988, p. 11):

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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I - a soberania; II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”

Da mesma forma, ao tratar da ordem econômica, a Constituição voltou a repetir que a dignidade é um direito intrínseco do ser humano, inserindo esse direito nas relações econômicas, o que envolve, certamente, as relações de trabalho nos serviços de frete. De acordo com a Constituição (Brasil, 1988, p. 109): “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existências dignas, conforme os ditames da justiça social”.

O direito à dignidade se apresenta como um direito superior, um verdadeiro parâmetro para a aplicação de outros direitos, devendo ser respeitado e garantido a todas as pessoas, em todas as situações, pois é a garantia da oferta de condições mínimas de vida em sociedade. De acordo com Sarlet (2005, p. 20):

Não se deverá olvidar que a dignidade - ao menos de acordo com o que parece ser a opinião largamente majoritária - independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos - mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas - ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos.

Assim, é necessário uma análise mais profunda sobre os termos legais em que se norteiam a Lei 13.703/2018, a ser visto a seguir.

4.2 Dos questionamentos legais sobre a Lei 13.703/2018

A mudança na metodologia de cálculo dos valores dos fretes provocou a reação de alguns setores, principalmente empresas que terceirizam o frete de caminhoneiros individuais. Assim, algumas entidades entraram com ações judiciais contra as alterações assim que a Medida Provisória 832 entrou em vigor.

A primeira entidade a se sentir prejudicada foi a Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil, que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal, no dia 07 de junho de 2018. Nas alegações apresentadas, a entidade requer a declaração de

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inconstitucionalidade da íntegra da MP 832, afirmando que “a instituição do tabelamento de preço do transporte rodoviário de cargas, sem embargo de sua inconstitucionalidade, fere a economia de mercado como um todo” (ADI 5956, 2018, p. 6).

Verifica-se que o fundamento legal apresentado pela entidade se refere à liberdade de mercado, princípio estabelecido constitucionalmente no Brasil. Assim, a alegação é de que a interferência do Estado nas relações privadas por meio da imposição de um preço mínimo a ser pago por serviços privados fere frontalmente o princípio da liberdade econômica.

Antes de adentrar na análise dos fundamentos apresentados (que se repetiram com outras entidades), há que se questionar a estranheza diante do fato de uma entidade que congrega transportadores de carga ter ingressado com uma ação judicial contra uma lei que, segundo eles próprios, beneficiaria os transportadores. Como explicar tal incoerência?

A resposta está nas declarações apresentadas na petição inicial da ADI 5956, pois, segundo a própria Associação.

Os associados da requerente atuam predominantemente no transporte de carga a granel (líquida ou seca), modalidade consignada no artigo 3º, inciso II, da MP 832/2018, justamente o segmento de transporte rodoviário que arregimenta o motorista autônomo em grande escala. Segue-se que a fixação de preços mínimos vinculantes não atinge com a mesma gravidade e força a generalidade dos segmentos ou perfis de empresas de transporte rodoviário, mas principalmente aquelas que se utilizam intensivamente dos serviços de motoristas autônomos, como é o caso dos associados.

Interessante observar que na própria petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil confessa que está utilizando o aparato judicial para defender interesses escusos, buscando garantir a sua condição de “atravessador” de serviços de frete prestados por motoristas autônomos.

A questão invocada pela Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil demonstra a falta de sensibilidade dos empresários do setor de transportes, pois a própria requerente confessa claramente na sua petição inicial que seu verdadeiro objetivo ao questionar a constitucionalidade da política do piso mínimo do frete é garantir o seu lucro sobre as subcontratações de motoristas autônomos para

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que prestem serviços como terceirizados, e não lutar pela democracia e pela liberdade de mercado. (ADI 5956, p. 28):

O valor do frete pago ao motorista autônomo até a vigência da MP 832/2018 era regido pelas leis de mercado, contra as quais não se poderia investir, mesmo porque erguia-se robusta jurisprudência no sentido de que ao empresário cabe o risco do negócio. Agora, com a tabela, o valor do frete que deve ser pago ao motorista autônomo igualou e até superou o valor que o contratante original do transporte (indústria e empresas do agronegócio) paga aos associados. Em outras palavras, os associados, em muitos casos, receberão frete menor do que aquele que deve pagar ao motorista autônomo, que é o seu subcontratado.

Ou seja, essa Associação contrata o serviço de frete com um cliente e repassa a execução desse serviço para o motorista autônomo. É evidente que nessa terceirização a Associação recebe uma boa fatia do valor do frete, fatia essa que deveria ficar com aquele que efetivamente trabalhou. Segundo a Bsoft (2018), é percebível que toda a cadeia de suprimentos pode ser favorecida com a redução dos custos envolvidos na movimentação de mercadorias. No que se refere à contratação de um transportador autônomo, a economia é considerada bastante benéfica.

Cinco dias após o ajuizamento dessa ADI, no dia 12 de junho de 2018, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil também ingressou com uma ADI no STF, essa sob o número 5959. O fundamento desse pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade da Lei 13.703/2018 também é a interferência do Estado na atividade econômica privada.

A petição inicial da CNA alega que (ADI 5959, 2018, p. 4):

A supressão da liberdade de fixação do valor dos fretes no transporte de cargas rodoviárias, mediante a instituição de uma política de preços mínimos consubstanciada em edição de tabela de aplicação imediata e de natureza vinculativa, com previsão de aplicação de penalidade ao seu infrator, viola frontalmente o texto constitucional que consagra, como fundamento da República Federativa do Brasil a livre iniciativa (art. 1º, IV2 ); como objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre (art. 3º, I3 ), cujo fundamento principal, no âmbito econômico, é a livre-iniciativa; além de violar um dos fundamentos da ordem econômica do País: a livre iniciativa (art. 170, caput4 ); diversos princípios da ordem econômica, tais como: a propriedade privada (art. 170, II5 ), a livre concorrência (art. 170, IV6 ) e a defesa do consumidor (art. 170, V7 ); além de violar diretrizes da política agrícola (art. 187, caput e inciso II8 ).

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Verifica-se que essa ADI utiliza os mesmos fundamentos da anterior, qual seja, a liberdade de mercado e da livre iniciativa. Assim, foi apensada à ADI 5956 para que a tramitação e o julgamento sejam feitos de forma conjunta.

Ocorre que, três dias após o ingresso da ADI 5959, a Confederação Nacional da Indústria também ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da política de piso mínimo do frete, no dia 15 de junho de 2018 (ADI 5964).

Em seu pedido de reconhecimento de inconstitucionalidade, a CNI alega que (ADI 5964, p. 7):

Violação aos Princípios Gerais da Atividade Econômica, inscritos no art. 170, caput e incisos IV, V, VII e VIII da CF, a saber:

Art. 170, caput e parágrafo único – livre iniciativa, que tem como um dos seus conteúdos a propriedade privada, a liberdade de exercício de atividades econômicas, a liberdade de negociação, a liberdade de concorrência; inciso IV - livre concorrência - pela intervenção indevida do Estado no domínio econômico e pela intervenção indevida na formação dos preços, que, por pressuposto constitucional, deve ser fixada pelos agentes econômicos e não pelo Estado; inciso V - defesa do consumidor, pois o aumento do frete no custo das empresas refletirá em aumentos dos preços finais dos produtos ao consumidor;

Observa-se que as três ações se fundamentam no mesmo princípio: a liberdade de mercado. Por isso elas foram reunidas para julgamento conjunto.

4.3 Discussões dos resultados

Cabe observar que, como dito anteriormente, a criação da tabela do piso mínimo busca resguardar o trabalhador autônomo, que é a parte mais fraca e vulnerável nessa relação contratual. O entrevistado 2, através de uma entrevista não formal, explica:

Todo autônomo necessita documentar a carga para transportar, não sendo ele pessoa jurídica, este apela a transportadora. Assim, a transportadora se responsabilizará pelo produto acabado ou matéria prima, dando quitação do seguro da carga e pagando dos impostos necessários como INSS, ISS ou ISQN, SEST SENAT e IRRF. Assim, o autônomo por não ter registro pessoa Jurídica (CNPJ), se sujeita a arcar com o chamado frete de retorno, o qual possui um custo, em média, em torno de 33% à menor do frete total.

Assim, pode-se dizer que o presente caso se iguala aos casos (historicamente reconhecidos como constitucionais), de interferência do Estado na

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atividade privada para proteger o consumidor (na seara do direito consumerista) e do trabalhador (conforme as normas de proteção do direito do trabalho). Nesse sentido, Nunes (2008, p.130) afirma que “o Estado deve atuar de forma direta para proteger efetivamente o consumidor, não só visando assegurar-lhe acesso aos produtos e serviços essenciais como para garantir qualidade e adequação dos produtos e serviços”.

Ressalta-se que nesses dois casos existe uma forte interferência do Estado na atividade econômica privada, em razão da obrigação do Estado de agir para reduzir as desigualdades sociais e o desequilíbrio entre partes com grandes diferenças de poder econômico.

Nota-se que os questionamentos levados ao STF nas três ações consideram apenas a incidência do princípio da liberdade econômica, porém, na análise das relações sociais, e principalmente, das relações contratuais e trabalhistas, diversos outros princípios devem ser considerados, sopesados e ponderados. Esse tipo de análise é conhecido como ponderação de princípios e normas, e deve ser realizado segundo critérios objetivos, conforme lembra Lazari (2017, p. 133):

São três as etapas da ponderação. Na primeira, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas; na segunda, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos; por fim, é na terceira etapa que a ponderação irá se materializar como método ensimesmado, pois os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinadas de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso.

Observa-se que a ponderação deve ser aplicada no julgamento de um caso concreto em que exista algum tipo de colisão entre princípios e interesses, no caso, direitos específicos amparados por princípios, sendo certo que nenhum dos princípios ou direitos será totalmente afastado, havendo apenas a aplicação deles em conjunto, de forma que um prevaleça sobre o outro. É o que está ocorrendo no presente caso, em que o STF deverá fazer a ponderação entre o princípio da liberdade econômica e do livre mercado em comparação com os princípios da dignidade humana e da igualda perante a lei, igualdade esse que deve levar em consideração a condição de vulnerabilidade de uma das partes envolvidas,

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No tocante ao uso da ponderação de princípios em julgamentos do Poder Judiciário, o entendimento de Fernandes (2017, p. 185):

Tal noção está intimamente ligada à ponderação de bens ou valores, a ser realizada como método de solução de colisões (tensão). Nesse caso, havendo uma colisão (à luz de um caso concreto) o intérprete deve ponderar os bens jurídicos em tensão, realizando uma redução proporcional de modo que a aplicação de uma norma não implique sacrifício ou extirpação total da outra norma.

As alegações apresentadas pelas três entidades nas respectivas ações se fundamentam apenas em um princípio, o da liberdade econômica, sendo que, em ações dessa complexidade, diversos princípios e aspectos devem ser levados em conta. Observa-se que a visão simplista das entidades solicitou o reconhecimento da inconstitucionalidade da política do piso mínimo baseado apenas nesse princípio. Além disso, da forma como foi levado ao STF, as entidades consideram que todas as partes envolvidas na questão são iguais, e assim, o Estado não deveria intervir na política de formação de preços, deixando tudo para ser determinado de acordo com as variações do mercado.

No entanto, essa concepção de igualdade que foi apresentada pelas entidades nas ADIs está ultrapassada, e não corresponde ao atual entendimento de igualdade, conforme ressalta Vilaça (2018):

A concepção de uma igualdade puramente formal, assente no princípio geral da igualdade perante a lei, começou a ser questionada, quando se constatou que a igualdade de direitos não era, por si só, suficiente para tornar acessíveis a quem era socialmente desfavorecido as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Importaria, pois, colocar os primeiros ao mesmo nível de partida. Em vez de igualdade de oportunidades, importava falar em igualdade de condições.

Além de todos esses motivos que influem diretamente na análise da ponderação de princípios e normas, há de ser considerado também que não existe princípio absoluto. Nenhum princípio, por mais importante que seja, pode ser aplicado de forma cega e absoluta, pois sempre haverá alguma exceção, alguma comparação a ser feita, e é nesse sentido que deve ser utilizada a ponderação de princípios.

Assim, a simples alegação de que uma norma deve ser considerada inconstitucional porque fere um princípio não é suficiente para que seja reconhecida a inconstitucionalidade dessa norma, pois deverá haver a mitigação dos efeitos do

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princípio e a devida ponderação. O entrevistado 3 assim se refere ao assunto através de entrevista não formal:

No tocante ao princípio da liberdade de mercado e da livre iniciativa, que se baseia na não interferência dos órgãos do Estado nas relações privadas, deixando tudo ao livre alvedrio das leis da oferta e da procura, já existe entendimento cristalizado de que se trata de um princípio relativo. Vejam-se os casos notórios e históricos de interferência do Estado nas relações privadas que sempre ocorreram em diversas áreas: tabelamento dos preços dos combustíveis e de outros produtos; políticas de preço mínimo para produtos da safra agrícola e até mesmo alguns industrializados, determinação obrigatória de índices de reajustes de contratos, principalmente de aluguéis; e o mais conhecido de todos: o salário mínimo.

Nota-se que o princípio da liberdade de mercado não é absoluto, conforme ressalta Barroso (2001, p. 3):

De fato, não tendo o princípio caráter absoluto, pode haver situações excepcionais de intervenção estatal legítima em matéria de preços. Esta possibilidade, eventual e drástica, não se confunde com a ideia que tem ganho curso em certos segmentos governamentais: a de que a livre iniciativa, decisão política fundamental do constituinte de 1988, deva ceder passo diante de todos os demais bens em alguma medida valorados pela Constituição.

Com relação a discussão ao citado acima,o entrevistado 4, através de uma entrevista não formal, se manifesta da seguinte forma:

Todas essas interferências são aceitas pela sociedade e pelos Tribunais, sem que tenha havido algum questionamento quanto a lesão ao princípio do livre mercado. Comparativamente, imagine-se que, em atendimento às alegações levadas ao STF pelas referidas entidades, a política de preço mínimo para os fretes fosse considerada inconstitucional, e que se permitisse a continuidade da prática exploratória que sempre ocorreu contra os motoristas autônomos. Nesse caso, o trabalhador que tem um caminhão a serviço de fretes (que normalmente já trabalha muito mais que o limite de oito horas diárias de todo trabalhador comum), não teria garantia de um rendimento

mínimo – tal qual existe com o salário mínimo. E assim, seria

explorado indevidamente, sem que o Estado cumprisse a sua obrigação e o socorresse em virtude da sua vulnerabilidade quanto aos grandes empresários.

Isso seria o mesmo que dizer que a interferência do Estado nas relações trabalhistas privadas é inconstitucional, porque o valor do salário do trabalhador deve ser determinado pelo mercado, em atendimento ao princípio da livre iniciativa.

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Ou seja, se o STF acolher as alegações das três ADIs em análise nesse momento e derrubar a validade da Lei 13.703/2018, criará um precedente e abrindo o caminho para, em decisão análoga, aceitar o reconhecimento da inconstitucionalidade do salário mínimo.

A política de preços mínimos para o frete no transporte rodoviário de cargas foi instituída em resposta às reivindicações dos caminhoneiros autônomos em meio às greves e manifestações da categoria. A análise dos dados pesquisados demonstra que essa política é uma forma de garantir um rendimento mínimo para esses profissionais, da mesma forma que é garantido a todos os trabalhadores por meio da política do salário mínimo.

Observa-se que o sistema criado para o cálculo dos valores mínimos do frete busca apenas a reposição dos custos reais do transporte, pois não inclui o eventual lucro do motorista, sendo por isso, apenas um instrumento de formação de preços, tal qual é feito em todas as empresas. Afinal, se nenhuma empresa vende seus produtos ou serviços por preços inferiores ao custo efetivo deles, por que os caminhoneiros deveriam fazer isso?

No entanto, trata-se de questão que envolve diversos interesses, tendo em vista que o serviço de transporte rodoviário tem peculiaridades que afastam a simples contratação de serviços entre o tomador e o prestador do serviço. É um setor em que a maioria dos contratos são realizados de forma terceirizada, ou seja, o contrato não é feito diretamente entre o tomador e o prestador. Nesse sentido, foram adicionados ao texto diversos entendimentos de autores que demonstram que tal princípio não é absoluto, e que não pode prevalecer sobre o direito à dignidade humana.

Assim, o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade pelo STF deve se pautar pela ponderação de princípios, onde serão colocados na balança o princípio da liberdade econômica e o princípio da dignidade humana. O andamento dessas ações passou por diversos revezes e adiamentos, sendo que a atualização mais recente foi uma reunião ocorrida no dia 10 de março de 2020 entre as diferentes partes interessadas na questão.

O diálogo entre as partes aponta para o caminho de um acordo entre as partes, conforme demonstrado na decisão do Ministro Luiz Fux prolatada em 10/03/2020 (STF, ADI 5959):

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DECISÃO: Após audiência realizada nesta data com a presença das entidades requerentes, do Advogado-Geral da União, bem como de representantes dos transportadores autônomos admitidos nos autos como amici curiae, as partes se comprometeram a avaliar as propostas de solução consensual apresentadas e a comparecerem a nova audiência, que designo para o dia 27 de abril de 2020, às 16 horas, no gabinete deste Relator.

Estas ADIs levadas ao STF pela entidades CNI, CNA e Associação de Transporte de carga Rodoviárias , buscam a extinção do Piso Mínimo de Frete como Inconstitucional, direito adquirido pelos transportadores autônomos de carga através da Lei 13.307/18 instituída pelo Governo Federal.

Dessa forma, discutido os pontos levantados nos documentos e entrevistas este trabalho encerra com algumas considerações.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

Este trabalho trouxe, ao longo de seu texto, informações, considerações de entrevistados e textos relevantes ao assunto abordado, e uma discussão a cerca das relações envolvidas no assunto. Desta forma atingiu-se o objetivo proposto neste trabalho que ensejava de analisar os diversos enredos da disputa judicial e as divergências entre opiniões dos envolvidos no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) sobre a Tabela de Preço Mínimo de Frete.

A discussão feita revela que os desdobramentos judiciais referentes à política do piso mínimo apontam para uma decisão jurídica em um assunto em que, a princípio, caberiam apenas decisões técnicas, uma vez que envolve aspectos referentes à logística de transportes e à formação do preço de serviços privados.

De forma geral, espera se que o reajuste do Piso Mínimo de acordo com estipulado pela ANTT à cada 6 meses venha beneficiar o transportador autônomo suprindo os custos reais do veículo de transporte. Acredita se também que as entidades empresariais, de acordo com decisão do STF, mantenha a correta alíquota de reajuste no que tange ao produto acabado, evitando malefícios de acréscimo à população em geral.

Mas, espera-se que essa “solução consensual” a ser tomada no julgamento das ADI’s não seja dominada pelo poder econômico de acordo com o interesse das grandes empresas, mas sim, que busque realmente um ponto de equilíbrio onde

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ambas às partes possam definir parâmetros, normas e ações que atendam às necessidades mútuas.

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