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Vista do Body Art e Comunicação Midiática. Signos do Consumo

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BODY ART E COMUNICAÇÃO

MIDIÁTICA. SIGNOS DO CONSUMO

RESUMO

Neste texto apresentamos as mídias, principalmente as audiovisuais, como fascinantes meios comunicacionais das linguagens artísticas, dentre elas, a Body Art (anos 60) e seu protagonista maior: o corpo físico, que escolhemos como nosso objeto de estudo. Enaltecido, sacralizado, experimentado, cavernoso, imolado ou efêmero (como assim é sua natureza), o corpo humano é, permanentemente, objeto e matéria da criação estética em seus mais diversificados suportes. As mídias exibem a abordagem estético-manipulatória do corpo na sociedade contemporânea do ciber-humano. Causa e consequência das avançadas tecnologias da informação, elas potencializam e propagandeiam este “objeto”, cobrando dele um modelo de idealização. Body Art e corpo buscam nas mídias digitais, enfim, em toda possibilidade de sincronização imagético-sonora, recursos propagandísticos para mostrarem suas vanguardas; por outro lado, a mídia também mantém sua audiência ampliada através das ousadias sensacionalistas de ambos.

PALAVRAS-CHAVE

Corpo; Arte; Mídias; Mídias Audiovisuais; Comunicação; Sociedade Contemporânea. ABSTRACT

In this text we present the media, especially audiovisual ones, as fascinating communication media of artistic languages, among them Body Art (1960s) and its main protagonist: the physical body, which we choose as our object of study. Exalted, sacralized, experienced, cavernous, immolated or ephemeral (as such is its nature), the human body is permanently the object and matter of aesthetic creation in its most diversified supports. The media exhibit the aesthetic-manipulative approach of the body in the contemporary cyber-human society. Cause and consequence of advanced information technologies, they potentiate and propagate this "object", charging it with a model of idealization. Body Art and body seek in the digital media, finally, in all possibility of sonic-image synchronization, propagandistic resources to show their vanguards; On the other hand, the media also keeps their audience broadened through the sensationalistic audacities of both.

KEY WORDS

Marlene Fortuna

Pós-Doutora em Comunicação e Arte pela UNICAMP. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora de: “Dramaturgia vertida em Oralidade na Arte Dramática” e “Transformação da letra “morta” (literatura) em sonora letra “viva” (fala). Docente. Escritora e Atriz com vasta experiência profissional nas três áreas.

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INTRODUÇÃO

Provocar, sacralizar, experimentar e até oferecer o corpo em holocausto, sempre foi o norte da Body Art desde sua origem. Enaltecendo-o ou imolando-o, o corpo foi se tornando objeto e matéria da criação de artistas, a partir dos anos 60, com o advento da chamada era Pós-Moderna. Até hoje, aliás, hoje mais do que nunca, o corpo humano é o protagonista de Instalações, pinturas e esculturas contemporâneas. Por que o corpo? Talvez porque seja próspero em possibilidades transformacionais. Ele gesta “um cem número de reflexões”, intenções e significações passíveis de raciocínios, dos mais modestos aos mais exóticos. A estética tem muito a fazer sobre performances e marcas registradas neste suporte e, por consequência ele se farta nas mãos da estética. Milhões de anos de História da Arte, só fizeram por provar e comprovar estas afirmações. Nada foi mais pintado, esculpido, escarafunchado, estetizado, estilizado e “usado” do que o corpo.

Ingrediente vasto para a materialização de criatividades extraordinárias, o corpo é razão de conceituações em profundidade, tanto por parte de receptores quanto de criadores. Além disso, a sociedade como causa e consequência das avançadas tecnologias da informação, potencializa e propagandeia “esta carcaça cheia de vida”, antes só feminina, agora também masculina. Cobra do usuário a beleza, o delgado das curvas, o “ser sarado”, o perfil longitudilíneo, a ausência de manchas, a depilação obsessiva, a maciez da pele, os vincos da senilidade, entre outras coisas. Nunca os tempos abriram tanto espaço para massagens, ginásticas, plásticas de toda ordem, próteses, botox, lipoesculturas, lipoaspirações, pillings, como agora. Daí a febre incontrolável de recursos médicos e estéticos que deem conta do metamorfoseamento do “corpo em si” em “corpo em ti”, ou seja, o humano, ávido por corresponder aos padrões exigidos pelo mercado, perde o domínio do próprio eu - corpo identidade - e o entrega ao domínio

do outro - corpo alteridade (mulheres lançam mão de cirurgias profundas, para se transformarem em homens, estes para se transfazerem em mulheres; outros então, desejando se identificar com as famosas Celebridades buscam os mais incríveis procedimentos cirúrgicos: “quero ter a aparência perfeita da inesquecível Barbie da minha infância”; “é minha vontade ter o rosto da fanqueira Anitta”; “é meu desejo de consumo ter o rosto do Queen” (marido da Barbie) e vai por aí… com os mitos contemporâneos também internacionais. Não nos esqueçamos das operações vaginais, dos homens com próteses penianas, para aumento e ereção permanente do membro).

Torna-se cada vez mais incomensurável o caldeirão das vaidades, dos fetiches, das futilidades, das obsessões, do escape do SENSO, da evasão do SER. Candidatas aos Concursos de Miss são capazes de fazer até trinta cirurgias em períodos intercalados, para atingirem as exatas medidas corporais cobradas pelas Comissões Julgadoras. Fato bem próximo, ocorrido em um concurso de Miss Brasil, confessado pela própria vencedora. Nas Agremiações Carnavalescas, inclusive, celebridades da mídia e membros das Escolas de Samba, são capazes de investirem o possível e o impossível, com os olhos voltados, durante todo o ano, somente para isto: a perfeição do corpo! Muito sol aqui, muita malhação ali, muito bronzeamento artificial, muita reparação cirúrgica, para os esperados desfiles sob holofotes resplandecentes nas avenidas coloridas das metrópoles. Tudo muito bom, enquanto a individualidade permanece centrada, mas há casos graves, já vistos e provados em que alguns transgêneros optam por caricaturas e chegam a óbito perdendo-se na personalidade, na mente e na alma. Não sabem mais quem são!

É importante esclarecer: afinal do que tratamos, de Body Art ou do “corpo sarado”? Falamos de ambos, comentamos excessos, localizamos aberrações, nos estarrecemos frente às perplexidades provocadas. Serão nossos objetos de estudo, porque embora

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a Body Art destaca-se, geralmente, por máculas corpóreas e o “corpo sarado” pela beleza imposta pelo consumo, por padrões sociais e enfermidades congestionadas no contemporâneo, estão linkados por fios condutores comuns: comunicação, mídia e expressão.

Body Art e corpo buscam na televisão, no cinema, nas mídias audiovisuais, enfim, em toda possibilidade de sincronização imagético-sonora, recursos propagandísticos para mostrar suas vanguardas; por outro lado, a mídia também mantém sua audiência ampliada através das ousadias sensacionalistas de seus representantes, como por exemplo, as indumentárias e maquiagens deliciosas de Elke Maravilha.

AS ORIGENS DA BODY ART

Como o próprio nome indica, a Body Art é uma arte que tem o corpo como protagonista, agente e paciente de si mesmo. Em alguns casos, sua matéria e energia são manipuladas para a expressão da beleza; em outros, para a mais terrível manifestação do mórbido: o corpo ferido, machucado, travestido, espetado, cortado, pinçado. Havendo público para apreciar o corpo de mil maneiras performatizado, haverá Body Art. É transformado em expressão estetizada, de forma a atender as dimensões da pintura, da dança, da mímica, da do teatro, das expressões tridimensionalizadas etc. O corpo permanece vivificado, nesta modalidade artística, carregada de cinetismos, gestualidades, vocalizações, mobilizações do rosto, escarificações e ranhuras da pele. Portanto, é uma exposição de pura presentidade, basta o artista abandonar o espaço de atuação e a obra desaparece.

No início, a Body Art foi encarada como “vitalidade elevada”, confundindo-se com “arte dos processos vitais”. Aos poucos, este estilo iniciado na Pós-Modernidade, por volta dos anos 60, foi se plurifacetando e cada artista inventava mais e mais loucuras

com este suporte humano. A criação é autocriada: o corpo é estetizado, estilizado, para o bem ou para o mau gosto, sobre si mesmo.

O campo de possibilidades criativas que o corpo oferece para a confecção estética é enorme, desde aproveitar dele o que há de mais belo (Instalações construídas com mulheres maravilhosas, de grandes olhos azuis, de lindos cachos dourados), até o que há de mais temível: detritos e dejetos transformados em rituais orgiásticos ou em sacrifícios (sangue, esperma, urina, fezes, catarro, saliva, suor etc.).

A Body Art originou-se com um grupo de ativistas de Viena na Áustria. Gestos e comportamentos satânicos tornaram-se a tônica maior destas posturas, como por exemplo: Rudolf Schwarzkogler suicidou-se com apenas 29 anos, diante do público, que o apreciava infligindo sevícias contra o pênis. O artista foi, pouco a pouco, navalhando seu membro, como se quisesse se libertar de um “algo a mais que o perturbava”. Desencadeou um mecanismo de autodestruição que acabou, realmente, enaltecendo seu ego ao revés. Implica afirmar que, se uma das características da auto-estima masculina é a perfeição e a competente funcionalidade da glande peniana, para o artista, a ausência do falo era realmente o que o satisfazia. Além das questões psicológicas, temos as de caráter político-social: Schwarzkogler encontrou

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neste gesto de auto-amputação, uma forma de agredir, reivindicar e provocar a sociedade, a religião, a família, o Estado etc.. Certamente a psiquiatria é necessária para dialogar com a Body Art, porque, em casos extremados como no exemplo acima, é impossível não questionar sobre: Body Art e/ou Arte? Arte ou Autodestruição? Body Art e/ou Loucura? Arte e/ou Autopunição? Body Art ou Auto-Adoração? Corpo e/ou Reivindicação? Arte ou autotranscendência do espírito destruindo a matéria? Arte ou Contestação ao extremo? Arte ou narcisismo melancólico? Body Art ou experimentações maquiavélicas ao limite? Queimaduras, cortes, perfurações, ferimentos, masturbação com objetos pontiagudos e sodomização, constituíam fortes diretrizes das manifestações destes ativistas vienenses. O que desejavam, realmente, manifestar? Sadomasoquismo apenas como uma doença que incomodava, amedrontava e perturbava a sociedade? Ou havia algo a mais a dizer, a criticar, a revelar, a repudiar, a denunciar, através da violência das expressões da Body Art? Há um paralelo entre ela e algumas práticas existentes em todos os tempos, em várias culturas primitivas e modernas: escarificações em regiões espalhadas do corpo dos indígenas;

tatuagens e peircings em jovens e adultos; aberrações no travestimento dos sexos; maquiagens ritualísticas ancestrais etc.

Na pluralidade de manifestações da Body Art, por demais sensacionalistas atualmente, muito se tem anexado de material orgânico tornando-a ainda mais repugnante como, por exemplo, várias Instalações expostas em Bienais, apresentando dois corpos humanos vivos (artistas presentes), com as pontas das línguas costuradas uma a outra e um filete de sangue gotejando, ininterruptamente. Foram flagradas outras Instalações com fezes cobrindo partes do corpo e resina sobre elas para evitar a dissolvência, o mau cheiro das mesmas e garantir a petrificação. Os sentidos dos apreciadores são, por certo, sempre violentados: odor desagradável, visualizações impressionantes, sons horríveis; no caso do olfato, tem-se uma ampliação do cheiro fétido, cada vez mais significativa, até a medida do insuportável, pois o material orgânico associado à Body Art tende a apodrecer rapidamente e a infectar o espaço. Para evitar tamanho desconforto é necessário um preparo anticéptico, o que garante a manutenção da Instalação por algum, mas não por muito tempo.

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O artista da Body Art, Marc Quinn, fazendo acrobacias com a própria identidade, realizou uma escultura de si mesmo intitulada Self. Desejando mostrar a fragilidade dos limites entre a vida e a morte, Quinn construiu um autoretrato enfocando apenas sua cabeça confeccionada com cinco litros de sangue (dele mesmo), instalada dentro de uma redoma - uma câmara refrigerada a seis graus centígrados. E o curioso desta Instalação é que, desligado o sistema de refrigeração, a escultura se dissolvia e o sangue se liquefazia. Considerando que este viscoso líquido vermelho, matéria-prima utilizada, detém todas as características do ser que o contém, Marc Quinn decidiu dar forma a estas relações moldando sua própria cabeça. Articulando de maneira eloquente todos os elementos que entraram na composição de Self, o artista chamou a atenção, não para a permanência das coisas, mas para a evanescência, a fugacidade e a fluidez delas.

Quebrando todos os códigos de valor instituídos, dessacralizando hábitos convencionais, rompendo noções do permissivo, a Body Art se utiliza da voz, dos gestos, fotos, raios x, dos exames clínicos, cabelos, unhas, excrementos, do sangue, da urina, fezes, próteses, cirurgias plásticas, silicones, preenchimentos, implantes, reduções, maquiagens e clonagens. Por outro viés, o corpo é um diamante que pode também ser aproveitado como o sublime elixir da plenitude e assim oferecer um vasto espectro de ideias para expressões diversificadas, entre esquisitas e belas! Neste sentido, são emblemáticas as teorizações de Gina Pane acerca da Instalação de Starlac (artista plástico, parisiense, 1974):

Interpelou seu público com fluídos corporais desagradáveis. Ingeria carne estragada, cortava-se com lâminas e se queimava com tochas. Em 1974, em uma famosa galeria de Paris, realizou uma performance intitulada Psyché: ajoelhado no chão, a cabeça sobre

um espelho, o artista nele reproduziu seus traços, como uma espécie de maquiagem inscrita no vidro. Cortava os supercílios com uma gilete, de modo que o sangue real acabava por realçar a imagem especular fazendo-a reverberar no espaço da Instalação (PEREIRA: 2000, 49).

Apostando nas fronteiras inexauríveis da matéria, a Body Art entrega-se ao sofrimento, à purgação de uma ferida, ao registro de uma cicatriz, ao experimento da suportabilidade da dor. O artista faz do corpo uma alucinante aventura, aventurando-se nele. Tudo aguenta. Tudo resiste. Tudo suporta em nome dos limites implacáveis da provocação. Há, no conjunto de artistas da Body Art, os que perdem completamente as noções de realidade e literalmente surtam, são os chamados artistas outsiders. Experimentam os malabarismos do corpo em seu âmago, e cada vez que conseguem uma façanha, inventam outra mais... e mais outra..., sucessivamente hiperbólicas! Para alguns pesquisadores, macular o corpo humano (vivo) como a Body Art macula, significa comprometer todas as noções de estética, acabando por se confundir com outras áreas do conhecimento:

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psicanálise, religião, ontologia, filosofia. Diante de certas performances, são comuns as indagações que denunciam anomalias de personalidade. São cotejadas a vida e a morte no limiar de cada uma. Todos amálgamas questionáveis através da purgação a que o corpo é submetido na Body Art. As performances Body Art, ora funestas - impossibilitando a centralidade do observador para a reflexão - ora direcionadas para o pensamento, discutem, basicamente, a relação primordial da finitude com a infinitude do ser.

Os séculos XX e XXI são exemplares na apropriação das matérias tão expressivas como uma geleia, com a qual tudo se pode fazer, moldar, desfazer e recolar. Pelo menos, assim pensavam e ainda pensa uma grande parte das sociedades.

A BODY ART ENALTECIDA PELAS MÍDIAS E A MÍDIA AMPLIANDO A AUDIÊNCIA ATRAVÉS DA BODY ART

A discussão neste excerto, versará sobre os conluios entre Corpo, Body Art, Mídias Audiovisuais, Novas Tecnologias da Informação e requintadas Tecnologias Digitais.

Os recursos que as mídias oferecem, aí estão para demonstrar a abordagem ética e estética do corpo humano na sociedade espetacularizada. Seus “usuários” recorrem aos meios de comunicação, entremesclados no visual e no sonoro para propagandearem suas novidades. De outro lado, a mídia também acaba por alavancar a audiência, demonstrando beldades esculturais expostas nas novelas, por exemplo. Qual o espectador que não se satisfaz ou até se identifica, sobretudo se for portador de certo desejo atávico de morbidez, com programas policiais que expõem curiosidades mórbidas e conspirações malévolas, cujos resultados são, muitas vezes, corpos abjetados em sangue?

As mídias têm contribuído, e muito, na divulgação da Body Art entusiasmando o público na visitação a Bienais, Exposições, Performances, Happenings, em que o corpo humano é primordialmente o soberano! Ele “alterado” não é somente o protagonista da Body Art, mas dele mesmo. Nunca a sociedade viveu uma febre tão intensa de lipoaspirações, cirurgias plásticas, silicones, drenagens linfáticas, botox, preenchimentos, academias de ginástica, massoterapias, pellings etc. As mídias são as que dão conta destas divulgações.

Torna-se oportuno referenciar que o facebook, a internet, os whatsapps, a televisão em si, são dos mais poderosos meios de comunicação e vivem talvez muito mais da espetacularização do feio do que da reverência ao belo. Para estes instrumentos midiáticos, o feio contém um toque de magia, sedução e carisma que lhe é importante, porque o público bebe nas fontes do insuportável, seja por uma paixão atávica pelo grotesco, ou por uma simples curiosidade em apreciá-lo: condutores de veículos, dificilmente estacionam seus automóveis para apreciarem o por-do-sol ou um ipê florido, mas quase sempre param diante de um acidente, “mais gostosamente” observado se houver vítimas fatais. A pornografia, o abuso sexual, a pedofilia, o espancamento das mulheres, o estupro, nunca preencheram tanto as mídias como agora, e são todos corportamentos que tem o corpo como personagem principal. Daí o sensacionalismo, a apelação, a provocação que a televisão faz no sentido de escancarar o ridículo, o caricaturesco, o tosco, o bronco, o bufo, o grosseiro, o despolido, o rude, o anômalo, o aberrante, o degradado, o perverso, o chocante, o rústico, o escatológico. Estes substantivos são fartos alimentos da mídia atual. Sendo assim, a Body Art e as trapezices que o ser humano faz com o corpo, são um “prato cheio” para ela.

Ao tratarmos de BODY ART E COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA - Signos do Consumo, advertimo-nos para algumas discussões pertinentes: qual é o

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alvo da Body Art, o público da mídia ou o público da arte? A Body Art, quando horrenda, agrada a um determinado nicho de mercado, ou agrada a todos, indistintamente? Por que? Se for um nicho, qual seu perfil? Seria o público funk, gótico, punk, trevático, rap, os apaixonados por vampiros, os necrófilos, ou ela serve também para refletirmos sobre as dolorosas questões mal resolvidas do humano? O poder simbólico do patológico como atração, é revelador no mercado de consumo e na indústria do divertimento, que o reconhece através do fascínio midiático e das estratégias de marketing: responsáveis pela transmissão de mensagens; os profissionais dos bastidores dominam com os avanços tecnológicos do contemporâneo, esse poder magnético com uma competência e criatividade nunca vistas.

Estamos inseridos na era das imagens de forma proliferante. Nada sintetiza mais o rosto do hoje, do que o apetite insaciável pelas imagens que vemos e vivemos. Imagens nos entram pelos olhos, pela boca, pelo tato, pelos ouvidos, por todos os sentidos. Invadem-nos, sem que tenhamos tempo de processá-las cognitivamente. Uma cascata de imagens é insuflada no receptor. Corpo transformado e Body Art são imagens vivas, que recebemos através das mídias audiovisuais e seus tentáculos.

Nos Estados Unidos, a Body Art surgiu em um momento pós-guerra de afloramento das forças consumistas e mercantilistas. Vista deste ângulo, esta modalidade estética gera suspeitas e dúvidas inevitáveis pela própria natureza de suas criações. Produções nascidas da indústria cultural, advindas do mercado, para e pelo consumo, deixam de ser artísticas? É possível elevar o conteúdo das emissoras de televisão por assinatura como a NET, a TV A CABO, TV A, SKY etc. à categoria de arte? Mas como vai a nossa televisãozinha comum, a de tudo e a de todos, a de todo dia, a de toda hora, a das massas, com seus canais de pouquíssimo noticiário, pouquíssima cultura, mas muito de sensacionalismo, glamourismo e demagogia? Na TV paga e na

TV comercial Body Art e corpo são recebidos por seus respectivos públicos de diferentes maneiras, sendo-lhes conferidos também diferentes valores? Seria, nas emissoras reconhecidas como populares, o corpo encarado como um pacote massificado, um objeto, uma coisa, com direito à “abolição do sujeito” e nas TVs ditas “mais elaboradas” o corpo receberia um tratamento em si e de divulgação, mais requintado e artisticamente tratado? As mídias digitais, se não colaboram diretamente, pelo menos espelham a realidade da arte atual: arte das massas, da tecnologia, arte democratizada, globalizada, informatizada, arte da revolução do suporte, arte digital, arte de criadores, fruidores, críticos e patrocinadores diferentes do passado. Há que se pensar…

Sendo a comunicação midiática um produto do capitalismo avançado, ela tem de ser vista no contexto da promoção de uma cultura do consumo marcada por um caráter mercadológico. Os caminhos das mídias audiovisuais e os caminhos da arte são um tanto diferentes. Os meios e processos de criação em ambos implicam em rastros, resíduos, tratamento complexo de confecções, rasuras, experimentações, engrenagens dessemelhantes, de obscuras fronteiras. As tecnologias são mais imediatas. Não sustentam o tempo de um processo de criação mais esmerado, mediato, criterioso e cuidadoso como a arte confeccional.

A televisão, por exemplo, é um fomento de necessidades e desejos recíprocos. Mobiliza a fantasia do receptor que lhe devolve em audiência. É a política da distração e o paradigma da alienação. Vivemos para o vídeo. Vivemos pelo vídeo. Vivemos no vídeo. A televisão é o nosso vídeo-viver.

Uma performance Body Art, quando produzida para a TV ganha em determinados apelos e perde em outros, mas quando construída para passar um tempo em uma exposição, sujeita aos olhos vivos do observador, submete-se a profundas alterações de percepção. Ainda há pouco, assistíamos em um canal pago da REDE NET, a uma Sessão de Faquires (uma modalidade de Body Art que consiste em uma pessoa

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se exibir, suportando atos de natureza molesta sem dar sinais de sofrimento, dor ou sensibilidade). Um rapaz içado por ganchos presos a sua carne, era suspenso, ora por toda parte de trás do corpo, ora por toda parte da frente. O diferencial consistia, em que esta sessão que tinha tudo para ser meramente espetacularizada, que tinha tudo para vibrar somente nas cordas do showman, tudo para ser única e levar o público a terríveis arrepios, teve seu foco redirecionado à ciência com explicações médicas sobre estímulos físicos dolorosos. O que acontece com um corpo quando erguido por ganchos e suspenso por determinado tempo. O que acontece com a pele, com a carne, com o sangue, com as veias. Por que a ausência da dor? Há alguma sustentação psicológica para isto? Enfim, o médico inglês respondendo questões assim complexas para nós espectadores presenteou-nos com uma verdadeira aula de anatomia. Resultado: a Body Art, a despeito de ser permanentemente interrogada quanto a sua peculiar dimensão estética, pode ter, através da mídia, outras funções dissimilares. O corpo, sucessivamente em experimentação, não pode passar incólume à consciência de espectadores mais perspicazes. Mesmo a audiência mais inexpressiva, não permanece totalmente passiva diante de cenas chocantes como assistir alguns roqueiros enfiando agulhas e estiletes em seus membros, quando em consonância com determinado compasso musical e ainda sob efeito de luzes estroboscópicas e gelo seco.

O poder das mídias plurais na sociedade é tão forte, que a imagem de um objeto passou a valer mais do que o próprio objeto, sobretudo pela qualidade e quantidade de parafernálias tecnológicas que se pode fazer sobre ela: imagem a laser, imagem computadorizada, imagem scanneada, imagem a neon, imagem em terceira, quarta, quinta e sexta dimensões. Nossa civilização visual é implacável na retórica do mercado. É inacreditável quando se constata, o que podem fazer as avançadas tecnologias da informação para nos impressionar. Elas não medem esforços e não têm escrúpulos para atingirem seus objetivos. É verdade que

incentivam a arte, mas esta, por outro lado, exerce um poder de coerção sobre as mídias, eternamente submetida às duras leis das vendas e das pesquisas do IBOPE. Uma não vive sem a outra. O público não vive sem as duas, que também não vivem sem o público. A Body Art, bem como tudo que protagoniza o corpo em diferentes níveis é o chamariz para altos índices de audiência, mesmo porque, nossa sociedade globalizada, internetizada e, por vezes, tecnologicamente cega, também conserva seu cadinho de paixão pela espetacularização do objeto de seu estímulo: o corpo morrendo, o corpo vivendo, o corpo magérrimo, o corpo obeso sacrificado, o corpo limpo, o corpo sujo, enfim, repugnando ou atraindo, as mídias audiovisuais oferecem o corpo à sociedade que nele se satisfaz de forma sádica, masoquista, reverenciadora, admirada ou exemplar!

CONCLUSÃO

O corpo ocupa a arena da vida, assim como no palco da sociedade do espetáculo. Oferecemos as origens da Body Art, com o intuito de apontar através dela, seu escopo maior: o corpo que de forma bela ou horrenda é “usado” para alimentar o imaginário coletivo contemporâneo. É difícil encontrar o corpo exposto na Body Art, nele e por ele mesmo. É exposto, isto sim, um corpo estranho gerador de manifestações críticas, irônicas, perplexas, inteligentes e medíocres, que estão sempre a indagar sobre o eterno dilema do humano: o aspecto econômico que o compra e o vende; o social, que o veste e o desnuda; o político, que o usa e o desusa; o ético, que o moraliza e o desmoraliza. Ele não está aí, exatamente, como objeto de admiração, mas de consumo, de exploração,

de midiatização, de marketização pelos meios

de comunicação midiáticos.

Nas sociedades encantadas por luzes virtuais, deslumbradas por tecnologias, estratégias do desperdício, perspectivas de saturação e obsolescências planejadas, o corpo é um presente magnífico para a mídia: incrementa a recepção através de seus

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espetáculos pirotécnicos. A Body Art é um deles. Por sua vez, o público devolve força ao corpo espetacularizado. O que sobra destes perversos casamentos? Apenas um corpo vitrine, um corpo que energiza sentidos. Um corpo cheio de vaidade e orgulho, ou cheio de rejeição e baixa auto-estima, mas subjacente ao efêmero. O corpo alterado (para melhor ou para pior), decepado, exotizado por instrumentais científicos de ponta, se revela dentro e para uma multiplicidade de linguagens cobradoras de cifras, às vezes, indecodificáveis.

James Gardner, em seu livro: Cultura ou lixo? Uma visão provocativa da arte contemporânea, afirma com a riqueza de propósitos que lhe é peculiar, que o que mais estimula na Arte Contemporânea, é o odor exalado pelas Instalações: a Arte do Agora é sinestésica, é como a comida que está sendo preparada para um jantar, o cheiro nos chega às narinas, antes mesmo das iguarias atingirem nossos olhos! (GARDNER: 1996, 39).

A profusão de molduras sobre molduras, Instalações dentro de Instalações, quadros sobre quadros, políticas diversificadas do hemisfério da arte, explorações inusitadas de significados, kitschs, gadgets, simulacros, estereótipos, maneirismos de toda ordem, pesquisas sobre a proporcionalidade das influências da cultura popular e da cultura erudita, enfim, todos estes aspectos que têm no corpo seu conteúdo maior, constituem o verdadeiro omelete da contemporaneidade. É o produto simbólico da procura e as mídias, com seus sofisticados recursos sonoros e imagéticos, seu insuflador maior.

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