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Vista do Estudo da Gênese do Pavilhão Nacional

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QUISSAK JR.

Estudo da Gênese do

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QUISSAK JR.

ESTUDO DA GÊNESE DO PAVILHÃO NACIONAL: análise e conceituação da série cognominada Polípticos Móveis da Gênese da Bandeira Brasileira 1965 / 1967. Acervo do Palácio Bandeirantes do Governo do Estado de São Paulo

QUISSAK JÚNIOR Antes de tudo lá estava ela dependurada do alto mastro, inacessível, mística e distante. Embaixo o povo comprimia-se dividindo ansiedade à espera do gol. O lúdico unia-se ao grotesco. A leve esfera atravessou um limite retangular. Apenas um grito, que parecia o último, decretou a redenção verde-amarela. Se eram cem mil não sei, mas sei que nesta hora a bandeira foi lembrada e suas cores coloriram de ouro e verde olhos pretos e marrons. Orgulhosamente no campo de honra de tantos sonhos fora hasteado o pavilhão de quem existe. O suado anônimo promoveu-se de analfabeto e instruído, de conduzido a condutor e qual moderno bandeirante travestido de Rondon liderou a massa, estádio afora ao encontro do novo dia.

É óbvio que a bola não sabia que de sua feliz trajetória resultou a conscientização do povo em torno da existência da Pátria e de seu símbolo.

Última etapa de uma escala que tem por vértice o lúdico e o primário, tal reação coletiva longe está do ideal, pois se entre nós é regra, não corresponde de forma alguma ao que deveria ser em termos de hierarquia e posicionamento:

A pátria pelo seu símbolo deveria ocupar o primeiro posto.

Precisamos pois arriar a bandeira dos mastros convencionais para hasteá-la na estrutura individual de cada cidadão, para que ele a compreenda, para que nela se situe e creia e acima de tudo para que a respeite e cultue como causa e razão de efeitos que poderão diminuí-la ou enaltecê-la.

Não é uma ocasional e feliz trajetória de bolas de futebol ou outras, que irá fazer-nos amar a Pátria, mas sim, o amor à Pátria, como elemento essencial é que nos dará condições e forças para tentarmos sempre trajetórias positivas para os nossos atos diários.

No grande jogo a Bandeira foi lembrada menos como símbolo da Pátria e mais como

a portadora ocasional das mesmas cores que enfeitavam as camisas dos contendores.

E no grande espetáculo de todos os dias, envolvendo igual mecânica vemos as mesmas cores sendo aplicadas para os mais variados fins:

Rótulos de embalagens, estamparias de vestidos, meias e camisas, fitas e adereços, letreiros e sacarias, prêmios para animais de raça, estandartes, cadeia de emissoras, flâmulas de qualquer tipo, propaganda em geral etc.. Ora, como se vê a pluralidade na aplicação das nossas cores é indiscutível, mas o civismo resultante do culto às mesmas é discutível.

Que respeitemos verdadeiramente nossa bandeira e saibamos que somos parte dela. Que ela é síntese da Pátria como nós o somos. E se preciso for – e preciso é – ensinemos mais uma vez o beabá das suas cores. E se tal ensinamento vier em termos de Arte, forma máxima de expressão humana, tanto melhor. Se a literatura, a música e a poesia já o fizeram, não devem as artes plásticas declinar de tão honroso papel, o que seria indesculpável. Oferecer a VERDADE em termos de BEM e de BELEZA não é propriamente uma obrigação, é uma natural decorrência daqueles que nelas creem.

Não é um ato didático – é um ato de fé em termos de beleza. Não é estética moralizada – é estética como somente pode ser : universalizada. Portanto pintei nossa bandeira para universalizá-la. Não fui levado, latino que sou, a uma patriotada demagógica à Afonso Celso. Fui levado, isso sim, por uma natural, inevitável imposição de minha consciência, firmada no respeito à ARTE e à Pátria. Irmanei-as pois que sou testemunha de uma época numa circunscrição geográfica. E tal testemunho é válido porque é autêntico e me pertence, sendo imperdoável a possibilidade de omissão.

Se um artista ou artífice, genial ou medíocre – como queiram – apega-se a modismos internacionais, já avalizados pela crítica alienígena, pouco se importando com a sua razão de ser, ocupando-se apenas com o expediente barato que o promove; se o mesmo é hábil compilador de experiências alheias, pouco se dando conta do resultado, lúdico, piegas ou descomprometido que seja, desde que em perfeita consonância com os movimentos em voga.

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E se ainda, egoisticamente insensível, realiza uma obra deslocada no tempo e no espaço – esta poderá ser unitariamente válida, mas desvinculada da época, cujo autor testemunhou, irresponsavelmente omissa no essencial da Arte, que por trás de seu aparente mutismo deve ser eloquente e dinâmica como linguagem e expressão. Não linguagem de intimismos psicopatológicos, mas manifestação fluente e viva de um artista que também é animal social e, por sua natureza, tem um compromisso com seu tempo e seus semelhantes, no sentido positivo, que envolve o próprio móvel da Arte que é o adicionar e criar. Abominaria pois qualquer manifestação irresponsável d’aquilo que não é nada. O alegre nada que ignora enquanto sorri do caos. E por fim se o artista não acredita na liberdade criadora ou dela não faz uso por incapacidade ou amoralidade, furtando-se ao papel que deveria desempenhar, ocupando-se exclusivamente em saborear do galheteiro das ideias e obras alheias das quais é beneficiário, não posso aceitá-lo como tal – nem como artista, nem como homem. Só a liberdade inata ao homem poderá dar razão de ser ao amanhã. Dentro desse espírito senti-me no pleno direito de estudar e homenagear a Bandeira do Brasil, pois ela também me pertence e dela eu me orgulho.

DOS ANTECEDENTES

É lógico que o mais rudimentar estudo das Artes irá mostrar-nos, dentre mil e um aspectos, aquele que diz respeito à constante preocupação do homem, dos grupos e nações de se identificarem e se autoafirmarem por representações convencionais ou símbolos. Cenas, cores, formas e composições místicas ou transcendentais sempre estiveram presentes nas obras de criação. A heráldica, a numismática etc., aí estão para fornecer-nos as pegadas dos fazedores de história e os ciclos evolutivos das mais variadas civilizações. Até hoje os símbolos sobrevivem vinculados por tradição àqueles do passado. Flâmulas, brasões, escudos, sinetes, armas, ex-libris e bandeiras, nada mais são que propostas sintéticas de Arte, que por sua vez guarda para si a honra da maternidade. É dela tal

privilégio. Portanto conclui-se ser extremamente dignificante quando ela trata de tais assuntos pois que lhe dizem diretamente respeito, por simples questão de gênese. Cite-se por exemplo Jasper Johns, consagrado na sua Pátria – dentre outras coisas – pela nova dimensão dada à Bandeira e aos símbolos americanos na sua obra. Finalizando esta introdução repito: Pintei a Bandeira Nacional para universalizá-la – e acrescento: colocando-a frente a todos para que de sua mística participe diretamente o povo que a redescobrirá na gênese de seus elementos e na dinâmica da sua evolução.

Passo agora das considerações de ordem geral ao mérito da questão ou seja à análise da “Série Bandeira Brasileira” sob a forma de polípticos móveis em número de cinco.

Para tal adotarei o sistema de perguntas que a autocrítica – pela sua seriedade – me permite formular e as respectivas respostas.

1- Trata-se de obra estética ou cívica ?

A simples cópia de um símbolo já existente e vinculado a uma estrutura social pelo seu significado poderia traduzir, à primeira vista, apropriação indébita, plágio, usurpação ou cópia simplesmente envolvendo até mesmo a possibilidade de chantagem por tratar-se de símbolo irreversivelmente assimilado e respeitado. Mas a coisa não deve ser assim tão primária, precipitada e irresponsavelmente simplista por dois motivos:

a ) Se apropriação ou cópia que fosse (que não é o caso) tal atitude corresponderia antes de mais nada a uma escolha, a uma opção, que não seriam levadas a cabo se não houvesse uma subestrutura suficientemente esclarecida e capaz de pinçar, dentre um infinito de elementos passíveis de visualização e análise, exatamente o escolhido. O artista entrou em cena quando selecionou reanalisando o marginalizado, o desajustado, pelo ângulo da visão estética. O seu ato foi responsável e positivo. A nova atmosfera criada propiciou o surgimento de uma outra escala de reações. E tais reações também fazem parte do todo, pois correspondem à dinâmica que deve envolver toda Obra de Arte. Em outros termos, a atitude criativa foi não de baldear o objeto da escolha para a lâmina do microscópio ou à solução da proveta, mas para o novo ambiente físico/humano, propiciando as condições necessárias para o seu transbordamento poético.

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O artista tem esse direito, pois assim procedendo reorganiza esteticamente aquilo que estava esteticamente desorganizado, dando condições ao povo de reconsiderar os seu conceitos e situar-se diferentemente no panorama geral. E tal atitude não é positiva? Elimine-se o preconceito descobrindo, mas também redescobrindo beleza. Somente ao artista pode ser dado esse papel. E o artesanato? Embora tradicionalmente ligado a toda manifestação de Arte, em certos casos torna-se perfeitamente dispensável ou diverso na sua mecânica. Sabemos que na essência ele é técnica, escolarização, hábito e experiência, fatores muitíssimo respeitáveis, porém, não vitais. Se

um artista é o artífice do material, o outro o é

do abstrato. Se um trabalha penosamente sobre a pedra ou a tela, o outro trabalha no espaço e no tempo. Ambos são artífices – um de imagens, outro de ideias.

b ) E agora o segundo motivo, pois não se trata nem de cópia ou tampouco de apropriação, mas apenas de tema desenvolvido. Causa para os efeitos. Motivo para as variações. Unidade que levou à pluralidade e finalmente diversidade com unidade que nos deu harmonia. As sutilezas de abstração que o símbolo nacional envolve foram concretizadas. Houve visão e esta acionou. O infinito abstrato e o finito material foram visualizados e elaborados e o resultado, em plano puramente universal, deu real sentido à ação. Atingir o infinito pelas sugestões dos finitos é o objetivo. Formalmente argumentando apenas sobre o campo verde da bandeira (que nela é um retângulo de 20 por 14 módulos, vazado por um losango de eixos 3,4 módulos menor que as dimensões do mesmo) foram desenvolvidos cinco superfícies duplas – 10 áreas portanto – revestidas diversamente com pigmentos que vão desde o preto, passando pelo verde-terra e indo até o verde bandeira, propriamente dito, numa extensão de cinco metros por dois metros, sendo que as partes móveis, pela movimentação sugerem variadas combinações. Desvinculada de qualquer intuito decorativo, sóbria no porte e na textura, ocupando longamente as áreas e os espaços não por intenções de gigantismo, mas por decorrência natural do assunto – que é terra e terra nossa – e que deve promover um impacto pela presença, oferecendo-se a colorir de verde os 60 graus de capacidade de visão do

nosso horizonte como uma realidade irrecusável, ela não se insinua apenas como obra de criação artesanalmente elaborada, mas também como obra de profundo sentido cívico, impondo-se àqueles para os quais o comprimento do nervo ótico não permite a visualização do símbolo pátrio no alto dos mastros convencionais. Portanto concluo: É obra estética, mas também, cívica pela decorrência do assunto que trata.

2- Por que o pigmento preto foi utilizado na

primeira fase?

O preto não é cor. Entre nós por simples ingenuidade sempre o associamos com a morte e a tragédia – em outros cantos do mundo é o branco que causa tal reação. Como a Arte é universal não sejamos tão simplórios, caducamente provincianos ou falsamente patriotas, a ponto de nele vislumbramos qualquer insinuação depreciativa. Em primeiro lugar, o preto é apenas ausência de luz ou incapacidade de reflexão das cores do espectro da luz. O preto é o padrão universal e pretos são os espaços dos cosmonautas. Só há cor propriamente dita na matéria iluminada, mesmo assim quando ela tem a capacidade de refleti-la. A cor é uma exceção – o preto é regra. Coisa sabida, as minhas pinturas anteriores expostas na VIII Bienal eram pretas. Vínhamos de conflitos de escolas. A intensa

preocupação era dirigida aos ismos; a cor era

prostituida sob muitas formas com raras e felizes exceções. Tornava-se necessário, por todos os motivos, apagarmos a luz de tão feérico festival. Precisávamos de algo para darmos condições a um reexame da cor e da sua importância, para que assim reanalizadas pudesse surgir pura e sensata sem histerismos demagógicos ou sensuais, tampouco floralizada, artificializada ou menstruada. Para isso a luz foi apagada e o espaço da tela passou a ser espaço mesmo, espaço silencioso e negro, onde a cor ao surgir seria um pedaço de luz aprisionada e menos um carnaval de superficialidades coloridas. Tomemos exemplo formulando perguntas:

Antes da descoberta, o Brasil existia como Nação? A luz do descobrimento e a luta da conquista territorial já teriam assegurado a posse efetiva do verde chão? Nele já existia instalada uma civilização – geração espontânea? Ou esta iniciou seu processo de formação paulatinamente? E as terras? Suas fronteiras foram riscadas por

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antecipação ou conquistadas, palmo a palmo, por gerações heroicas? Pois então por todos os

motivos só o preto poderia traduzir na fase um

de cada políptico a história da gênese brasileira. Em algum lugar havia um espaço – a presença do homem iluminou-o. Antes era o indefinido. O homem definiu-o. Antes era uma obscura hipótese. Depois iluminada certeza. Antes era negro - hoje é verde. Não basta sabermos o que somos, mas o que fomos, para nos orientarmos no sentido do que viremos a ser.

Mas nem por isso, e é bom que se diga, o tra-balho é apenas um painel, ilustrativo-histórico--filosófico, carente de qualquer sentido estético. Os fatores ocupam a ordem inversa. O teórico está presente mais como um pontilhão entre o possível público e a obra e menos como comple-mento indispensável, pois ela independe dele.

3 - Por que são grandes?

Anteriormente falei da necessidade de preenchimento dos 60° da nossa visão com um único horizonte - o quadro - a circundar-nos pela mobilidade dos seus elementos até surpreendermos como parte integrante dele, pelo impacto monocrômico do espaço declarado, ocupado e envolvente e por força do irrecusável convite à participação pela sua própria presença. Há trabalhos que pela sua natureza exigem o micro espaço ou a mini-área. Outros independem de tamanho, pois não envolvem questões dimensionais. Mais há os que por tratarem do espaço e da sua ocupação, da luz e de sua visualização em termos de cor, desenvolvem-se quando ainda em processo de ideação em termos relativamente grandiosos que se tornarão progressivamente maiores quanto maior alcance da participação do observador. Em verdade a obra transcende o quadro e ganha uma nova dimensão no escalonamento das emoções humanas.

4 - Por que polípticos?

Prolixa e inútil é a pluralidade que não envolve espírito de unidade. Inútil e monótona é a unidade sem diversidade. Unidade diversificada é pois o objetivo. Só assim pode-se penetrar na dimensão da harmonia universalizada ou no campo do equilíbrio universal que existe em função do uno vertido em formas múltiplas. Esta

é a razão do poli e não qualquer outra que possam

insinuar intuitos cenográficos em forma de atos ou capítulos.

Exemplificando, cito novamente o políptico hum ou do campo verde, pois, o processo é idêntico nos demais. Se de abstração do ponto surge pelo deslocamento, a linha e consequentemente a primeira dimensão, se destacasse pelo mesmo motivo o plano e a segunda dimensão e, finalmente, se destaca pela movimentação ou rotação a terceira dimensão ou o espaço - somente pela força de uma natural e espontânea evolução dos elementos de gênese pelas superfícies formais e portanto limitadas do quadro, envolvendo a todas elas sem haver um único lapso de continuidade - não poderíamos estabelecer a razão dos elementos da nossa Bandeira. Senão vejamos, a iniciar pela dupla face um:

a) O infinito do incolor, o todo invisível, a luz

não refletida, cedem lugar à contenção (na face frontal intermediária limitada pelas arestas um e dois) do finito colorido ou luz refletida, como se uma secção quase biopsia nos permitisse entrever no impreciso o surgimento do preciso e do finito, em termos de uma única linha - risonha esperança - que pelo seu deslocamento dará origem ao surgimento do plano bidimensional e iluminado, símbolo convencional do campo verde - o que efetivamente acontecerá na dupla face dois.

b) Resultante do deslocamento da primeira

dimensão, esta já não envolve mais a imprecisão do espaço ou área não determinados na fase um. Iluminada - coloriu-se, passando a compor com a dupla face três um políptico de quatro elementos timidamente monocrômico num virgem verde-terra. A matéria que reveste o suporte já é diferente. Antes era massa infinita e em ebulição. Já agora solidifica-se em relevos continentais, insinuando tênues demarcações. Tal síntese polarizada no vértice do ângulo inscrito na face limitada pelas arestas três e quatro (ponto de convergência, pluralidade unificada) irradiar-se-á finalmente com todo o seu vigor pela face dupla número quatro. O verde puro e brilhante surgirá então dominando toda a área já perfeitamente delimitada, estendendo-se pelo fundo e oferecendo-se como único horizonte no qual nos refletiremos. É o espaço ocupado. É o abstrato concretizado. É ao mesmo, o fim e o começo. É um longo caminho de ida e de volta que envolve em termos matemáticos, filosóficos,

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geométricos, cívicos ou estéticos, a atitude positiva do homem em relação ao fato. Nos demais trabalhos o mesmo acontecerá, porém, de forma cada vez mais completa, pois os elementos geometricamente excelentes da nossa Bandeira surgirão, um a um, na plenitude de suas virtudes estéticas e plásticas até o políptico cinco, quando o pavilhão estará completo.

Evolução, involução, composição harmônica por proximidade ou oposição irão dar-nos a medida exata dos reflexos e participação diante daquilo que somos nós mesmos.

5 - Por que móveis?

Nós possuímos sentidos externos e internos. Nas prateleiras do armazém mental nenhuma mercadoria existe que não tenha, pelo menos em parte, origem na ação sensorial. A visão ou fato nada mais são que alguns dos muitos caminhos que nos levam ao mundo sensível ou exterior. A princípio em didática, que nada como o contacto direto dos sentidos para apreendermos melhor a natureza das coisas. O cérebro elaborará as sensações assim recebidas com muito mais profundidade e eficiência. Conclui-se que um objeto ou peça de arte quando realizados e apresentados em moldes a solicitarem pela simples presença a participação dos sentidos do possível público, tem uma essência puramente dinâmica e irreversivelmente envolvente. Sugerem possibilidades de serem acionadas e tocadas estabelecendo uma atmosfera de familiarização e intimidade que atuará sobre os sentidos e o intelecto, colorindo positivamente a perspectiva de assimilação ou compreensão, cumprindo assim seu papel.

Deveria ficar a Arte egoisticamente instalada n’uma cidadela de cristal, inexpugnável e vaidosamente auto-suficiente, erudita a receber eruditos com hora marcada? Ou deve não por demagogia - mas orgulhosamente convicta do seu papel, vulgarizar-se no bom sentido, dando o primeiro passo para que pelo menos todos possam tentar dignificá-la, dignificando-se ao cultuar o equilíbrio, a harmonia e a beleza? Falam em anti-arte. Existe, mas não com esse nome. Simplesmente seria aquilo que não é Arte e que os múltiplos e sutis interesses críticos, a vulgarização mal organizada e a babel libertaris dos excessos de concessões dos glozadores causam e promovem. Abordo este assunto de passagem

e deixo qualquer possível interrogação no ar.... Mais uma reticência e menos uma interrogação. Seu preenchimento dar-se-á se formos unânimes em que a Arte e seus críticos têm uma missão

esclarecedora e não badernizadora. A atitude

deve ser a de explicar e promover com seriedade os aspectos positivos e não de se promoverem simplesmente, pouco importando a seriedade da obra, do argumento ou do público. Valorizamos o homem, valorizando aquilo que lhe dizemos.

Mas, voltando ao aspecto fundamental do item presente e devo acrescentar que se o trabalho é móvel ele não o é simplesmente por motivos carismáticos. Os elementos móveis em verdade não têm duas, quatro, oito ou mais faces, mas uma única que se desenvolve e se modula envolvendo e limitando o espaço em angulações variáveis que vão de 0° a 180°. Tais variações terão lugar em consonância com os interesses do público. Apenas o trabalho não se furta à condição de oferecer os elementos a serem operados.

Os eixos de rotação no silêncio dinâmico que os envolve guardarão para si o papel de estabilizadores do equilíbrio da unidade que se pluraliza.

6 - A validade que envolve o assunto

independe do mesmo ser a Bandeira Nacional? Trata-se do símbolo nacional, é certo, mas a validade independe desse fato. Antes de ser a Bandeira é uma composição geométrica. O retângulo, o losango e o círculo estão presentes. A abstração que os envolve é igualmente sugestiva. Penso até ser desnecessária qualquer outra explicação, mas em todo caso, vejamos:

- As relações entre o comprimento e a largura

do retângulo, são analisadas. Trata-se da média e

extrema razão de um segmento -

o chamado segmento áureo quando da

unidade corresponde a ½ (-1+√5). As suas metades, resultantes de um corte vertical, guardam as mesmas proporções e assim sucessivamente.

As partes móveis serão pois proporcionais à parte fixa. Por sua vez, o losango mantém as mesmas proporções entre seu eixo maior e menor. Tendo os lados paralelos, dois a dois, e os ângulos opostos iguais, permitirá sempre soluções proporcionais e simétricas, bípticas, trípticas ou polípticas que sejam. Do seu corte vertical pela separação das partes móveis resultarão triângulos

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isósceles sempre iguais. Os vértices ocuparão as mesmas posições, coincidência imprescindível quando do rebatimento dos planos móveis. Elemento geométrico, plástico e arquitetônico de extraordinário valor, o triângulo não se adultera mantendo-se sempre constante na união dos seus lados e dos ângulos por eles compreendidos. Vemos assim que as mais variadas relações geométricas vinculam o triângulo ao losango e este ao retângulo, dentro do políptico.

Resta falar do círculo. Perfeito e místico é a forma ideal. Sua beleza e transcendência são incalculáveis. O desenvolvimento de seu limite faz com que qualquer ponto mantenha equidistância do centro. Extraordinária imparcialidade geométrica. Sua simples presença nos fala do átomo, dos astros e da mecânica celeste, da unidade da matéria e da energia, do equilíbrio e da beleza.

Tomando a suposta imagem de Deus ou mesmo do Homem, tão respeitáveis quanto a Bandeira, na sua essência e natureza, como motivo de inspiração a ser concretizada ou tese a ser desenvolvida, poderíamos ver contestada a

validade desta opção? Cada escola ou cada artista

autêntico trataria os motivos à sua maneira, agregando aos mesmos a razão da validade, o que justificaria a opção.

Ora, um realizou a imagem superficial da Bandeira ou equivalente no relevo de um portal ou monumento funerário; outro, o fez numa joia, sinete ou condecoração; outros, representaram-na agitada ao vento, ao meio de batalhas ou cenas várias. Resta - e isto é o que deve ser dito - verificar se os acima citados, a ela agregaram algo pela força da criação e da Arte ou simplesmente incorreram no erro do lugar comum, diminuindo em lugar de enaltecer e sublimar.

Elaborei o presente estudo não com intenção de teorizar, superfluamente a respeito de obra acabada e definitiva e que, evidentemente, fala por si só, mas sim, para caracterizar a natureza POSITIVA que deve fundamentar todo ato de criação.

Guaratinguetá, Terça das Garças Brancas Novembro / 1967

Ernesto Sérgio Silva Quissak Júnior

OBSERVAÇÃO POSTERIOR A TÍTULO DE ESCLARECIMENTO SOBRE O TEXTO ANEXO QUE TRATA DA SÉRIE DE ESCULTURAS DENOMINADAS POLÍPTICOS MÓVEIS DA GÊNESE DO PAVILHÃO NACIONAL, APRESENTADAS NA IX BIENAL INTERNATIONAL DE SÃO PAULO, EM 1967.

Tornou-se necessário redigir o texto anexo por uma série de motivos. Primeiro, porque devido a uma falsa interpretação do real sentido dos trabalhos apresentados, as autoridades

constituidas à época no plano do Governo Federal

censuraram minha obra, criando com isso uma situação sui generis. As obras foram retiradas do

recinto da Bienal, mesmo depois de aprovadas sob o mais rigoroso critério pela comissão formadora do júri nacional de seleção. Tal fato causou-me os mais profundos dissabores e sofrimentos, agravados pela minha consciência absolutamente tranquila quanto aos aspectos altamente positivos da obra realizada, tanto no plano cívico, quanto político, heráldico, social, plástico e estético. Jamais houve da minha parte a menor intenção de subverter através de uma atitude criativa utilizando como tema o símbolo nacional. Até aquela época predominava no campo cívico nacional, na falta de outro termo, uma filosofia Afonsocelsiana, ou melhor, de um ufanismo distante das nossas realidades e anseios. Julguei ser necessário trazer a Bandeira Nacional ao povo, descendo-a dos mastros episodicamente, para que n’Ela ele pudesse refletir-se, descobrindo somente assim que a Pátria é ele mesmo. Que ela, através do seu símbolo, engrandecer-se-á na medida em que ele se engrandecer, e que mostrar-se-á diminuída se ele diminuir-se, deixando de dar sua parcela de contribuição na edificação de si mesmo e da Pátria. Mas meu objetivo não se detinha apenas neste ponto. Também cuidei através das cinco esculturas de relatar a própria gênese de nossa Bandeira, a sua história, como disse acima, tanto no sentido heráldico,

filosófico, geométrico, cromático, plástico e estético

e até mesmo dinâmico dadas as características móveis da obra, que a integravam de forma

irrecusável ao eventual observador, compondo no seu conjunto um horizonte único diante do qual ele não conseguiria deixar de posicionar-se como elemento indispensável no processo da

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construção nacional. Tudo isso além dos aspectos puramente criativos e artísticos propriamente ditos. Devo dizer que, se foi a Arte que criou nossa Bandeira, nada mais justo que ela cuidasse da sua reanálise n’um Esforço didático e de profundo sentido cívico.

Foi necessária, devido à incompreensão da obra pioneira - já retirada do recinto da Bienal - uma conjugação solidária de providências, para que as mesmas pudessem retornar para o recinto da Bienal. Pelo que pude saber foi feito um apelo à S.Excia, o Ministro da Justiça de então, Dr. Gama e Silva e através das Providências do seu Chefe de Gabinete, Hélio Scarabôtolo, as mesmas retornaram finalmente ao recinto da mostra – porém, quase tardiamente, pois foi necessária a transferência do espaço reservado para representação do México para que elas pudessem ser devidamente montadas.

O curioso é que nesse meio tempo, enquanto se discutia sobre a obra que realizei, o júri internacional de premiação dava um grande prêmio parta a Bandeira dos Estados Unidos da América do Norte realizada por Jasper Johns.

Restou-me a triste lembrança de que o que era merecedor de honras e homenagens nos Estados Unidos, no Brasil soava não como obra plena de dignidade e pioneira - mas como uma ofensa. Lembro-me do abraço fraterno e cheio de entusiasmo que recebi do extraordinário artista franco-italiano Baldacine Cesar que citou meu trabalho como um dos mais importantes de todo certame.

Posteriormente (e devo repetir que o tempo ainda é o melhor dos juízes) o próprio Governo Estadual adquiriu a obra por sugestão do então Comandante do Segundo Exército, General Canavarro Pereira.

A pedido do Governador Dr. Roberto Costa de Abreu Sodré, montei-a, compondo o mezanino do salão de recepções do Palácio dos Bandeirantes e sua inauguração simbólica deu-se com a presença de S.Excia., o Vice Presidente da República, Almirante Radmacker.

Por vários anos lá elas foram conservadas, como patrimônio do Estado, testemunhando na sua humildade digital os mais importantes eventos e cerimônias e até mesmo transmissões de cargo.

Hoje, treze anos depois, elas já não estão lá. Ignoro seu destino. Fica-me a convicção do dever cumprido.

Hoje as cores nacionais são utilizadas felizmente por todo o povo nas mais variadas ocasiões festivas e sob as mais diversas formas e o próprio Governo estimula para que tal aconteça. Isso prova, mesmo que tardiamente, que alcancei o meu objetivo.

No íntimo do meu coração sei que fui o pioneiro e paguei caro por isso. Aquilo que no passado foi motivo de incompreensão é hoje motivo de aplauso quando realizado pelo povo.

Na mesma IX Bienal, apresentei no setor de Desenho, colagens e d’entre elas uma em que retratei uma figura com a Bandeira Nacional pintada no seu peito, como se ela representasse a própria essência do civismo nacional, abrigando no seu sangue e espírito as cores da nossa Pátria. Fui igualmente obrigado a retirar a obra do certame. Revoltado e sofrido com tanta incompreensão e injustiça destruí por conta própria mais de trinta colagens, muitas com até três metros e que me custaram anos de sacrifício. Foram para o fogo.

Hoje, ligo a televisão e vejo a cantora Ellis Regina com a Bandeira Nacional pintada na camiseta que utilizava no seu show.

Por mais que eu queira não há força capaz de trazer de volta as obras que realizei.

Absorvo as injustiças, dedico à Pátria todos os sofrimentos pelos quais passei e mesmo que somente eu saiba, fica-me a sensação perene e gratificante de ter sido o primeiro.

Guaratinguetá, junho, 1979 QUISSAK JR.

Referências

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