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Redução de Danos e antiproibicionismo: Conexões possíveis entre cuidado e política

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE - RHS DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

DISCIPLINA: ESTUDOS PSICANALÍTICOS IV

SUELLEN COELHO VIANA.

RIO DAS OSTRAS 2016

REDUÇÃO DE DANOS E

ANTIPROIBICIONISMO:

CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

SUELLEN COELHO VIANA

REDUÇÃO DE DANOS E ANTIPROIBICIONISMO: CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE CUIDADO E POLÍTICA.

RIO DAS OSTRAS 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

REDUÇÃO DE DANOS E ANTIPROIBICIONISMO: CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE CUIDADO E POLÍTICA.

SUELLEN COELHO VIANA

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao curso de Bacharelado em

Psicologia da Universidade Federal

Fluminense, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Iacã Machado Macerata

RIO DAS OSTRAS 2016

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VIANA, Suellen Coelho.

Redução de Danos e antiproibicionismo: Conexões possíveis entre cuidado e política. / Suellen Coelho Viana. Rio das Ostras: 2016.

35 f.

Orientador: Prof. Dr. Iacã Machado Macerata

Trabalho monográfico de conclusão de curso (Graduação em Psicologia). Universidade Federal Fluminense. Instituto de Humanidades e Saúde, 2016. Referências Bibliográficas: f. 33 – 35.

1. Breve história do uso de substâncias pelas sociedades humanas e a política de guerra às drogas. 2. O paradigma antiproibicionista. 3. Redução de Danos (RD): Autonomia e cuidado de si. 4.Redução de danos e antiproibicionismo: Paradigmas de uma mesma lógica em relação às drogas.

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REDUÇÃO DE DANOS E ANTIPROIBICIONISMO: CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE CUIDADO E POLÍTICA.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Bacharelado em Psicologia, como requisito parcial para conclusão do curso.

Orientador: Prof. Dr. Iacã Machado Macerata

Aprovado em: __/__/2016.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Prof. Dr. Iacã Machado Macerata – UFF/ CURO

________________________________________________________ Profª. Drª Cristiana Mara Bonaldi – UFF/ CURO

_______________________________________________________ Profª. Drª. Daniela Costa Bursztyn – UFF/CURO

Rio das Ostras 2016

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Aos meus pais, e a todos os indivíduos quem têm seus direitos cerceados por

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AGRADECIMENTOS

À Deus por ter me sustentado até aqui.

À minha mãe e ao meu pai por todo amor e cuidado dedicados a mim. Obrigada por sempre confiarem em mim e me apoiarem nos meus estudos. Gratidão por tudo que vocês fizeram por mim.

À minha irmã pelo amor e compreensão dedicados nestes cinco anos. Obrigada pelas importantes contribuições a este trabalho, pelo apoio e paciência nos momentos mais difíceis durante o percurso da graduação e da vida.

Agradeço também a todos os meus familiares, que muitas vezes mesmo sem entender, me ajudaram na empreitada deste curso de graduação. À minha irmã pelo amor e compreensão dedicados nestes cinco anos. Obrigada pelas importantes contribuições a este trabalho, pelo apoio e paciência nos momentos mais difíceis durante o percurso da graduação e da vida.

Às minhas amigas Luana, Rafaelly e Raiana por compartilharem os piores e melhores momentos da minha vida acadêmica.

À Yasmin Cunha, por todo companherismo, toda preocupação e apoio.

À Escola de Redução de Danos Peito do Pombo, por ampliar meus horizontes no campo da RD.

Ao professor Iacã, orientador, por ter acreditado na presente pesquisa e por ter contribuído nesta caminhada. Agradeço pela ajuda e disposição que enriqueceram este trabalho.

Às professoras Cristiana e Daniela, que gentilmente aceitaram fazer parte da banca examinadora. Agradeço pela disponibilidade.

Aos meus amigos de sala pela amizade construída e pela oportunidade de compartilhar estes cinco anos de minha vida com vocês!

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“A representação social da droga é a sua componente mais tóxica”

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RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo ponderar e discutir os fatores envolvidos nos debates sobre redução de danos e o paradigma político antiproibicionista. Diante disso, foi possível perceber os diversos danos causados pela política de guerra às drogas, superando, inclusive, o próprio uso da substância em si. Além disso, essa pesquisa faz uma breve análise sobre a história do uso de substancias psicoativas pelas sociedades humanas e quando esse uso se constituiu como um problema. É importante destacar que o termo substancias psicoativas e drogas, nesta pesquisa, refere-se a substancias consideradas ilícitas no Brasil. A metodologia utilizada na pesquisa foi a revisão bibliográfica por meio da revisão integrativa, levando em consideração que tal metodologia permite uma abertura maior para a subjetividade do autor. Nesse sentido, esta pesquisa mostra-se relevante uma vez que permite analisar os pontos de encontro entre cuidado e política e a forma como isso atua na sociedade.

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ABSTRACT

The present work had as objective to ponder and to discuss the factors involved in the debates on reduction of damages and the anti-prohibitionist political paradigm. Therefore, it was possible to perceive the numerous damages caused by the 'war on drugs' policy, even surpassing the actual use of the substance itself. Besides that, this research briefly examines the history of the use of psychoactive substances by human societies and when such use has become a problem. It is important to emphasize that the term psychoactive substances and drugs, in this research, refers to substances considered illicit in Brazil. The methodology used in the research was the bibliographical review through integrative review, taking into consideration that such methodology allows a greater openness to the subjectivity of the author. In this sense, this research is relevant since it allows analyzing the points of encounter between care and politics and the way it operates in society.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12 CAPÍTULO 1- BREVE HISTÓRIA DO USO DE SUBSTÂNCIAS PELAS SOCIEDADES HUMANAS E A POLÍTICA DE GUERRA ÀS DROGAS ... 15 CAPÍTULO 2- O PARADIGMA ANTIPROIBICIONISTA. ... 21 CAPÍTULO 3- REDUÇÃO DE DANOS: AUTONOMIA E CUIDADO DE SI. ... 26 CAPÍTULO 4- REDUÇÃO DE DANOS E ANTIPROIBICIONISMO: PARADIGMAS DE UMA MESMA LÓGICA EM RELAÇÃO ÀS DROGAS. ... 30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 33 FILMOGRAFIA ... 35

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é escrito em meio a um momento político bastante ameaçador para as políticas públicas de forma geral. Falando especificamente das políticas sobre drogas, é possível perceber movimentos políticos que tendem para um retrocesso no que diz respeito a atenção à pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, através, entre outros fatores, de uma tendência a penalização e criminalização desses sujeitos. Os discursos utilizados são carregados de um teor punitivo e proibicionista defendendo ideias seletivas em relação às substâncias, categorizando-as em drogas lícitas e ilícitas, colocando essa segunda categoria como “inimigos” que devem ser combatidos pelo Estado, seguindo uma lógica de que é preciso acabar com o uso dessas substâncias por meio de políticas de diminuição da oferta e diminuição da demanda.

É preciso, aqui, esclarecer que os termos substâncias psicoativas (SPA’S) e drogas abrangem, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), toda e qualquer substância que introduzida no organismo vivo modifica uma ou mais de suas funções. Ou seja, os termos dizem respeito desde a cocaína e o crack, substâncias consideradas ilícitas; até as aspirinas, substâncias comercializadas e consumidas legalmente. Porém, o recorte do presente trabalho são as substâncias psicoativas que passaram a ser consideradas ilícitas em nosso contexto cultural/social.

Tais paradigmas visam a penalização do usuário por meio de afirmações morais, religiosas e jurídicas, retiram sua autonomia em relação ao possível tratamento e centram-se na relação usuário x substância, deixando escapar outras relações que permeiam o uso de qualquer substância e, para além disso, permeiam qualquer relação humana.

Correspondente à essa forma de pensamento proibicionista está o paradigma de cuidado fundamentado na regra da abstinência, que propõe a interrupção imediata e total do uso da(s) substância(s). Tal modelo se mostrou ineficiente quando adotado como direção única para tratamento de todos os casos, sem pensar necessidades e características individuais.

Em contraponto a esse pensamento, será analisado um outro modelo de cuidado em relação ao abuso de substâncias psicoativas, onde o sujeito ganha um sentido mais amplo e integral : O paradigma da Redução de Danos.

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Nesse paradigma, os sujeitos passam a ser compreendidos em sua totalidade que vai muito além do uso de uma ou mais substâncias psicoativas, tal como prevê o princípio da Integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

A ‘integralidade’ como eixo prioritário de uma política de saúde, ou seja, como meio de concretizar a saúde como uma questão de cidadania, significa compreender sua operacionalização a partir de dois movimentos recíprocos a serem desenvolvidos pelos sujeitos implicados nos processos organizativos em saúde: a superação de obstáculos e a implantação de inovações no cotidiano dos serviços de saúde, nas relações entre os níveis de gestão do SUS e nas relações destes com a sociedade. (PINHEIRO, 2009).

Associado a esse paradigma de cuidado é possível atentar para o paradigma político antiproibicionista que defende um discurso menos policialesco e menos moralista em relação às substâncias psicoativas, seguindo pela lógica de que a proibição gera mais prejuízos do que o uso das substâncias em si.

Dessa forma instala-se em nossa sociedade a necessidade de discutir políticas públicas que visem retirar os usuários de substâncias de um lugar a margem da sociedade, que não reforcem processos de exclusão, não force o tratamento e não o limite (quando desejado pelo usuário) a uma única alternativa. É preciso repensar tabus e preconceitos que aparecem todas as vezes em que a temática “droga” é levantada.

O trabalho tem como objetivo indicar as relações e sintonias entre estes dois últimos paradigmas: a Redução de Danos, como um paradigma de cuidado e o movimento antiproibicionista, como um paradigma político. Isso será realizado a partir de uma revisão da literatura dessas perspectivas, buscando mostrar as articulações possíveis entre cuidado e política.

A revisão de literatura é um processo de busca, análise e descrição de um corpo de conhecimento em busca de respostas para as perguntas desejadas. Dentro desse processo existem três tipos de análise: a sistemática, a integrativa e a análise narrativa, que será utilizada como metodologia no presente trabalho.

A revisão narrativa consiste em um método onde os critérios não são, necessariamente, explícitos. Essa metodologia permite também que as interpretações estejam submetidas a subjetividade do autor. (MENDES, SILVEIRA, GALVÃO, 2008)

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Foi realizado um levantamento bibliográfico das produções de discurso e de pensamento nos campos da Redução de Danos e do antiproibicionismo, colocando-os em contraponto com o pensamento proibicionista e o paradigma de cuidado correspondente a ele.

Como permite a revisão narrativa, o presente trabalho não esgotou as fontes de informações, e nem teve pretensão disso. Para seleção dessas fontes não foi utilizado nenhum critério sofisticado, tendo como exigência apenas que tenha relação com o tema pesquisado. Desta forma, foram usadas aqui referências retiradas de artigos científicos, cartilhas, teses e livros.

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CAPÍTULO 1- BREVE HISTÓRIA DO USO DE SUBSTÂNCIAS PELAS SOCIEDADES HUMANAS E A POLÍTICA DE GUERRA ÀS DROGAS

“O contrário da droga não é a abstinência, o contrário da droga é a liberdade”. (Dartiu da Silveira)

As sociedades, desde a antiguidade, sempre foram permeadas pelas substâncias psicoativas e por seus usos, seja para fins recreativos, religiosos,

medicinais, alimentares ou outros. “Desta forma, as drogas são necessidades

humanas, seu uso é um fenômeno antigo na história da humanidade, portanto um uso milenar, que se faz presente em quase todas as culturas” (SANTOS; MIRANDA, 2016, p. 107).

A utilização de drogas psicotrópicas é bastante difundida em rituais, sendo um meio privilegiado de transcendência e de buscar a totalidade ou, no caso dos rituais de passagem, marcando etapas de transição da vida: a criança torna-se homem em um processo iniciático marcado por morte e renascimento. (SILVEIRA, 2008, p.7).

Porém, nem sempre isso foi reconhecido como um problema de ordem jurídica, social e/ou de saúde, isso porque a relação entre a substância e quem faz uso dela era mediada por outros tipos de controle. Como exemplo é possível citar o uso da cocaína, do ópio e do álcool prescritos pela medicina.

Em 1860, com a síntese da cocaína e a ampla prescrição desta pela medicina, seu uso e de seus derivados- como a Coca-Cola- torna-se moda. (...) O ópio, o cânhamo e o álcool também são largamente utilizados como medicamento. (BESERRA et al., 2015, p.7).

As transformações sociais e o advento da Modernidade trouxeram consigo mudanças nos padrões e nas formas de mediação de uso. A partir desse período o consumo de algumas drogas passou a ser visto como um problema. Dessa forma foi construindo-se, historicamente, uma categoria para as drogas: a categoria da marginalidade e da ilegalidade. São diversos os fatores que contribuíram para essa construção entre eles pode-se destacar o racismo, a intolerância religiosa e os interesses econômicos. Dessa forma, práticas que antes faziam parte de rituais

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religiosos, culturais e recreativos passaram a ser um problema, um mal que precisava ser proibido.

Em resposta à proibição dessas práticas foram adotadas medidas que colocavam algumas drogas como inimigas do Estado e assim, deveriam ser exterminadas. Ou seja, a proibição criou um problema e passou a responder a ele. Os tratamentos para os considerados dependentes químicos eram de base religiosa e antidemocrática, à medida que, com base em pressupostos morais e religiosos, retiravam do sujeito direitos básicos como escolher se desejava ou não interromper o uso de substâncias.

Esse modelo de Guerra às drogas, liderado pelos EUA, se colocou no Brasil a partir da abertura política da época que coincidiu com o momento de construção mundial de uma política antidrogas. No cenário internacional, a “guerra às drogas” fortaleciam a economia bélica e fomentavam práticas totalitárias em outros pontos do mundo. No Brasil, mesmo a grande conquista da Constituição de 1988, não

impediu a manutenção de práticas autoritárias. Após o fracasso do “milagre

econômico”, o crescimento demográfico nos grandes centros urbanos e o alto índice de inflação, agregados ao sucateamento da educação e ao aumenta da violência urbana formaram as condições de uma guerra civil inserida em todo um cenário

global de guerras. (SOUZA, 2007). De acordo com os dados da OMS, 10% da

população residente em centros urbanos faz uso de substâncias psicoativas de forma abusiva, independente do sexo ou idade e no Brasil em 2001, foram gastos cerca de 60 milhões de reais em internações relacionadas ao alcoolismo. (BRASIL, 2004). Esses dados mostram que mesmo com o combate das drogas seu uso não foi erradicado.

A política antidrogas visa um enfrentamento através de duas dimensões: redução da oferta, adotando medidas policialescas de repressão ao comércio de substâncias; e a redução da demanda, onde são adotadas medidas de prevenção e conscientização a respeito de substância, sempre enfatizando o aspecto destruidor

da substância e não fazendo diferenciação dos padrões de uso1.

Esta perspectiva considera o usuário enquanto financiador dos grupos que comercializam drogas, propõe intervenções de caráter

1 Discussão realizada em aula do curso de Capacitação para abordagem em Redução de Danos em álcool e

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coercitivo e moralista para os usuários, e exige como única possibilidade de tratamento para o usuário a abstenção às drogas. (SANTOS; MIRANDA, 2016, p. 108).

Embora tenha tomado proporções mundiais essa guerra não tem um inimigo definido: o conceito de droga é abstrato e ganha sentido estratégico como ferramenta para controle social e produção de medo.

O conceito de drogas ganha um sentido estratégico uma vez que os critérios que os definem não seguem nenhuma coerência, eles são contraditório entre si. O grau de contradição e falta de critério lógico que distinguem as drogas lícitas das ilícitas se tornou foco de interdição moral que, em última instância,se apoia na guerra como estratégia para se eliminar o mal do planeta na medida em que encobre os interesses econômicos que se alimentam dessa proibição. (SOUZA, 2007, p.23).

É possível perceber que o conceito de droga é variável e nada técnico. Cabe-nos, então, a reflexão sobre o que faz com que nem todas as substâncias que alteram a consciências sejam alvo de repressão.

Além disso, outro aspecto da guerra às drogas é relação que ela estabelece, segundo Souza (2007), com a lógica de consumo. Existe, na sociedade de consumo, um investimento dos meios de comunicação e do Marketing na produção de desejo, transformando-o em motor da economia. Produtos são consumidos pela sensação de bem estar que causam no sujeito, mas do que pela sua representação material em si. “A lógica de consumo aponta para a produção de subjetividades consumistas, na qual os produtos são antes, imateriais, do que materiais.” (SOUZA, 2007, p. 24).

Com as drogas não é diferente, elas “permitem acessar de modo prático, rápido e de qualquer lugar a rede de produção imaterial do capitalismo” (SOUZA, 2007, p. 24). Nesse contexto a guerra às drogas focaliza a materialidade de algumas substâncias, desconsiderando a sua face imaterial. A partir disso essa guerra mostra sua face como mecanismo de controle social das camadas mais pobres, à medida que são essas camadas sociais, que também são incentivadas a acessar a sensação de bem estar que o consumi produz, que a acessam através do uso de drogas.

Aliada ao Paradigma de Guerras às drogas e como forma de fazer clínica respondendo a ele está o Paradigma da Abstinência.

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A abstinência é a ação de abster, de privar-se, de evitar vícios dos quais é

dependente2. Esse paradigma de cuidado é um entre outros que podem ser

utilizados na atenção ao usuário abusivo de drogas. Porém, respondendo a uma perspectiva de guerra às drogas, esse paradigma é pensando a priori como direção para o tratamento em todos os casos. Ele consiste em um tratamento voltado para a interrupção imediata e definitiva do uso da substância e entende que qualquer uso é prejudicial e danoso para o indivíduo, devendo ser evitado. Esse viés acaba submetendo o tratamento aos anseios morais, religiosos e jurídicos, ou seja, é a saúde atendendo a interesses que não são necessariamente os de quem está sendo cuidado. Assim, a serviço da Guerra ás drogas a abstinência é colocada coercitivamente como única direção possível para o tratamento das dependências. Ou seja, a abstinência acaba extrapolando o campo de uma clínica que muitas vezes se faz necessária sim, e passa a constituir uma forma de coercitiva de governar (SOUZA, 2007).

Os usuários de drogas passam a ser marginalizados e encarcerados ora pela esfera psiquiátrica, ora pela esfera jurídica. O mesmo acontece com pessoas que vendem essas substâncias.

Essa lógica de tratamento é a base de funcionamento de dois dispositivos amplamente difundidos na sociedade brasileira: os Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) que se auto definem como irmandades sem fins lucrativos onde adictos em recuperação se encontram e se ajudam mutuamente. A abstinência aqui é aplicada de forma completa, ou seja, abstinência total e de todas as substâncias, justificando-se sob a ideia de se manterem “limpos”.

O funcionamento dessas instituições, mais do que responder ao paradigma antidrogas, acaba por criar uma constante luta contra as drogas. Segundo Deleuze (1992), os drogados são desentoxicados perpétuos, travam lutas continuas contra a substância. E esses sim podem ser considerados os verdadeiros drogados, pois essa luta nunca cessa.

É importante dizer que a crítica realizada não é sobre a existência dos AA’s e NA’s, pois são dispositivos de grande importância para o tratamento em alguns casos, mas sim sobre o quanto eles são limitados enquanto política pública. O método de trabalho nesses casos, é bastante restritivo e no caso de políticas

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públicas é preciso um pensamento mais amplo, traçando estratégias igualmente amplas.

Outras ações adotadas por esse paradigma de cuidado são as internações

compulsórias em Comunidades Terapêuticas e Instituições filantrópicas. As

internações compulsórias, como o próprio nome sugere, são internações contra a vontade, onde quem decide por ela é o Estado. Em março de 2012, o deputado federal Eduardo da Ponte apresentou uma proposta que tornava as internações compulsórias uma política pública, ou seja, a internação compulsória não seria mais adotada a partir do pensamento do caso a caso, e sim como medida comum mesmo em situações distintas. Esse projeto apoiava-se sobre a ideia de que a dependência química, principalmente do crack, havia tornado-se uma epidemia.

Na base do dispositivo da internação compulsória estão articulados dois paradigmas implicados no que diz respeito à questão da droga na sociedade moderna: o paradigma da abstinência e o paradigma de guerra às drogas. (MACERATA; DIAS; PASSOS, 2014, p. 25).

As direções tomadas por esse tipo de intervenção são justificadas sob a ótica de um estereotipo de dependente químico marginalizado, fora do padrão aceitável (o “drogado”, o “traficante”, o “viciado”), ou seja, a partir do momento que esses usuários passam a se encaixar nesses perfis as internações começam a se justificar remontando a lógica manicomial, onde sujeitos que estão à margem de um modelo social precisam ser privados da vida em sociedade.

Aqui, mais uma vez, acabamos diante de uma medida do Estado que fere os direitos humanos e as liberdades individuais. É importante ressaltar que tanto a abstinência, quanto a internação compulsória são mecanismos que podem e devem ser utilizados na atenção à usuários de drogas, mas esses mecanismos nunca podem ser universais. (LOCCOMAN, 2012).

Não estamos desconsiderando a necessidade, as vezes, de interrupção violenta do uso, mas esse corte repentino do uso, que as vezes é preciso ser feito em ambiente hospitalar,(...) não pode ser o fundamento da clínica. (LANCETTI, 2005, p.71).

Quando falamos de uso abusivo de substâncias psicoativas, não estamos falando somente do uso em si, ou seja, não se trata só do “cheirar a cocaína” ou

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“fumar o crack”. Essa relação é permeada por inúmeras outras coisas, o sujeito é alguém para além da droga, ele é mais vasto do que sua prática de uso e isso precisa ser levado em consideração sempre. O contexto social do sujeito, suas relações familiares e sociais, o modo como ele percebe e age na vida são alguns exemplos de elementos que precisam ser considerados quando nos propomos a traçar uma estratégia de cuidado. Por isso a importância, em cuidado com usuário de drogas, de pensar-se o caso a caso para direcionar o tratamento.

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CAPÍTULO 2- O PARADIGMA ANTIPROIBICIONISTA.

(...) as grandes batalhas foram aquelas em que se lutou pela liberdade. Acho que lutar contra drogas é mesquinho demais e fadado ao fracasso (...). Nós temos é de lutar pelas pessoas, pela liberdade das pessoas(...). (Domiciano Siqueira)

O modelo de repressão às drogas, exposto no capítulo anterior, pode ser considerado um modelo ineficiente ao que se propõe, ou seja, não impede (e sequer diminui) a venda e o consumo de substâncias ilícitas. Ao contrário, trouxe consigo o mercado de armas, aumentou o poder do tráfico e, consequentemente, um aumento da violência fazendo vítimas dos dois “lados3”. A guerra às drogas tornou-se uma

guerra às camadas mais pobres da população, funcionando como justificativa para formas de violência e retirada de direitos desses grupos sociais que se concentram nas periferias. Além dessa criminalização da pobreza, a proibição carrega consigo inúmeras outras consequências que, por vezes, acabam causando mais danos aos usuários do que o próprio uso em si. Em sua pesquisa, Souza (2007) afirma que 80% dos jovens, atendidos pela equipe da qual ele fazia parte, morreram de forma violenta. Nenhuma morte foi por overdose ou outro problema de saúde relacionado ao uso da substância.

(...) até que ponto alguns adolescentes tinham problemas de saúde em função do uso de drogas ou problemas em função das políticas que criminalizavam as pessoas que usam drogas. O que era realmente prejudicial para a maioria daqueles jovens pobres, a droga em si, ou a política antidrogas? (SOUZA, 2007, p.9).

Neste capítulo, serão tratados alguns desses danos que são acrescidos às drogas pela proibição e por um paradigma de cuidado que não respeita as individualidades, histórias pessoais e que não pensa o indivíduo para além da relação que ele estabelece com a(s) substância(s). É importante ressaltar que não se trata aqui de negar os danos causados pelas substâncias no organismo de quem as usa, mas sim questionar a justificativa de uma “preocupação com a saúde”

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adotando medidas que prejudica para além da saúde, outras esferas da vida dos sujeitos.

Inicialmente, é preciso destacar que o paradigma de guerra às drogas, além de uma criminalização e uma guerra seletiva, viola a constituição democrática e os direitos humanos básicos. Como exemplo é possível citar o princípio da isonomia4 que garante que não pode haver distinção legal entre pessoas na mesma situação. Segundo Maria Lúcia Karam, na lógica de uma política antidrogas esse princípio não é respeitado, visto que, consumidores, comerciantes e produtores de determinadas substâncias tem permissão para agir legalmente enquanto consumidores, comerciantes e produtores de outras substâncias são tidos/tratados como criminosos.

Certamente, não há qualquer peculiaridade ou qualquer diferença relevante entre as arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas e as demais drogas que permanecem licitas. Todas são substâncias que provocam alterações no psiquismo, podendo gerar dependência e causar doenças físicas e mentais. Todas são potencialmente perigosas e viciantes. Todas são drogas. (KARAM, 2014, p.268).

Outra consequência danosa oriunda da política de guerra às drogas é o fortalecimento e armamento de organizações criminosas: Quando uma guerra é declarada os envolvidos precisam estar prontos para guerrilhar e na guerra às drogas não é diferente. O Estado investe em armamentos e megaoperações policiais e ao mesmo tempo o mercado ilegal de substâncias também precisa se armar e recrutar pessoas para essa “guerra”. Dessa situação se desdobram inúmeras consequências, como o genocídio da juventude (principalmente negra e moradora de favelas) que acaba sendo recrutada pelo tráfico e o alto índice de morte de policiais. É justamente a essa camada que a guerra consegue ferir. Essas pessoas são a ponta de uma estrutura “invisível” muito maior e são elas que morrem diariamente.

As favelas e periferias urbanas passam a ocupar um lugar estratégico para o forte mercado de drogas, que encontrou neste cenário de degradação social as condições propícias para o seu fortalecimento, recrutando jovens pobres para o tráfico. As disputas por pontos de venda de drogas entre

4 Princípio geral do direito segundo o qual todos são iguais perante a lei, não devendo ser feita nenhuma

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facções inimigas e o enfrentamento direto com a polícia agregaram ao mercado de drogas, o mercado de armas, dando início a uma verdadeira guerra civil. (SOUZA, 2007, p.22).

O proibicionismo também afeta o Estado de forma econômica: é investido muito dinheiro em armamento e operações policiais, verbas que poderiam ser destinadas a outros fins. Com a proibição o Estado também deixa de arrecadar impostos sobre as substâncias que são vendidas ilegalmente. No Colarado, EUA, nove meses após a legalização da Maconha medicinal e recreativa, foram arrecadados mais de US$ 67 milhões (VILLENEUVE, 2014).

Alguns índices também foram alterados com a legalização da maconha no Colorado. Como por exemplo, diminui em 81% o número de pessoas detidas por porte da substância, o que contribui para a diminuição da superlotação dos presídios (VILLENEUVE, 2014).

Além do grande número de mortes, a guerra às drogas também é responsável por grande parte dos encarceramentos, contribuindo para a superlotação das penitenciárias brasileiras. A pesquisa “Tráfico e Constituição5” realizada entre outubro de 2006 e maio de 2008 mostra que o crime de tráfico de drogas é o segundo maior responsável por prisões. Foram 69.049 presos no período da pesquisa no Brasil.

Outro dano acrescido à droga quando ela é proibida é o uso de substâncias desconhecidas. Por se tratar de um produto ilegal, não há qualquer controle sobre os componentes, a procedência e a manipulação dessas substâncias trazendo riscos ainda maiores para a saúde dos usuários por meio de efeitos desconhecidos e imprevisíveis podendo levar à morte. Além disso, faz com que existam poucas pesquisas sobre as substâncias fazendo circular informações erradas ou pouco elaboradas para os usuários e para a sociedade de forma geral.

A barreira estabelecida para o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias também é uma consequência da proibição. Muitos usuários resistem em buscar ajuda por medo de uma punição jurídica e por preconceito e desinformação.

De forma geral, o proibicionismo vislumbra uma sociedade sem drogas e esse objetivo é extremamente utópico à medida que tal feito é materialmente irrealizável. E sobretudo, tais ideias legitimariam um Estado totalitário, ou seja, com total controle

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sobre a vida íntima das pessoas. Tal feito foi, inclusive, tentado pelo Nazismo, onde acreditava-se que as “drogas” corromperiam a raça pura, ariana.

Em contrapartida a esse paradigma de guerra às drogas/proibicionista existe um outro paradigma: O antiproibicionista.

Os primeiros passos desse paradigma ocorreram nos Estados Unidos quando, no fim do século XX, o modelo proibicionista passa a entrar em colapso. Isso acontece por meio de questionamentos sistemáticos por parte de movimentos que refutavam o funcionamento da sociedade capitalista de forma geral. Os questionamentos eram sobre o viés de malefícios causados pelo uso de tabaco e álcool, ambos considerados lícitos.

O antiproibicionismo é um paradigma político que, como o nome sugere, defende a legalização das drogas tornadas ilícitas partindo do pressuposto de que os danos maiores são causados pela própria proibição. O paradigma defende ainda a necessidade de que o tema da droga seja debatido de forma mais ampla, sem premissas religiosas, morais e jurídicas.

Segundo Fiori (2010), o movimento antiproibicionista ainda não é consolidado, ele está em pleno processo de construção e embate com as forças proibicionistas. Nos países mais desenvolvidos esse movimento encontra-se mais sólido e tem, inclusive, apoio financeiro de instituições. No Brasil, esse movimento vem ganhando espaço em discussões acadêmicas e na sociedade civil, por meio dos movimentos sociais. Porém ainda é um crescimento tímido em função, entre outras coisas, de falta de investimentos em pesquisas para o campo e de todos os pré-conceitos que a temática carrega consigo.

Um movimento de grande visibilidade no Brasil é a Marcha da Maconha que é realizada em várias cidades. Além de também ser pauta de muitos outros movimentos sociais como o Movimento Negro, os Movimentos Estudantis e outros movimentos que defendem os direitos das minorias.

Quando se fala em legalização das drogas, muito é dito e produzido cientificamente sobre a legalização da Maconha especificamente, sobre seus benefícios para o tratamento de determinadas patologias, entre outros. O enfoque dado sobre a legalização apenas dessa substância contribui para a manutenção do sistema de guerras às drogas a medida que outras substâncias continuariam sendo alvo de proibição e repressão, ou seja, os danos causados pela proibição permaneceriam os mesmos.

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É preciso que o pensamento de legalização estenda-se para outras substâncias que são consideradas, hoje, ilícitas. Caso contrário, a hipocrisia proibicionista se manterá, alterando apenas o lugar de uma substância.

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CAPÍTULO 3- REDUÇÃO DE DANOS: AUTONOMIA E CUIDADO DE SI.

Em contrapartida aos paradigmas da Guerra às drogas e da abstinência temos um outro paradigma de cuidado que enxerga o abuso de substância psicoativa por outro viés: o paradigma da Redução de Danos (RD).

Os primeiros passos no conceito de Redução de Danos foram dados na Inglaterra no ano de 1926, onde, no relatório Rolleston, um grupo de médicos apontou a administração monitorada de Morfina e Heroína para pacientes que eram dependentes dessas mesmas substâncias. A ação tinha como objetivo diminuir os efeitos das crises de abstinência. Porém essa prática foi proibida após o fim da primeira grande guerra.

Após isso, é só em meados da década de 80 que a RD surge nos programas de saúde de forma sistematizada. Aqui, o objetivo era reduzir a contaminação pela Hepatite B e pelo HIV entre usuários de drogas injetáveis (UDI). A contaminação e disseminação desses vírus tornaram-se uma ameaça para a toda a sociedade, fazendo surgir a necessidade de ações preventivas efetivas. Porém, essas ações precisavam ser pensadas sem que seus resultados estivessem ligados, necessariamente, a aderência em tratamentos que visam exclusivamente a abstinência. A partir disso surgem, então, na Holanda e Inglaterra, os primeiros centros de trocas de seringas e agulhas.

Na Holanda esse movimento que resultou na criação dos centros citados acima, teve como fator determinante a participação da Junkiebond, uma associação de UDI’s.

Diante da dificuldade de acesso a agulhas e seringas novas para o uso de heroína, os membros desta associação foram pleitear uma ação das autoridades de saúde de Amsterdã. Porém, as autoridades sanitárias responderam negativamente, alegando o risco do lixo séptico ficar espalhado nos parques e praças, podendo contaminar a população. Então os usuários trouxeram a ideia que mudou a história da infecção por HIV em usuários de drogas injetáveis: trocar as agulhas e seringas usadas por novas. Desta forma, os usuários teriam acesso ao material de injeção mais segura e garantiriam que o material não ficasse espalhado. A ideia foi aceita, e essa iniciativa baixou radicalmente os índices de infecção dos usuários de drogas injetáveis por HIV na Holanda e, em seguida, na Inglaterra. (ARAÚJO; MOREIRA. 2008, p.12).

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No Brasil, a Redução de Danos deus os primeiros passos na cidade de Santos, litoral de São Paulo, no ano de 1993. Sob confrontos com a ordem instituída, a cidade se transformava em um laboratório de invenções de políticas públicas (LANCETTI, 2005, p.79).

Santos foi a primeira cidade brasileira a adotar a metodologia da distribuição gratuita de seringas descartáveis e isso aconteceu sob forte repressão social, midiática e jurídica. David Capistrano Filho e Fábio Mesquita, respectivamente, secretário municipal de saúde e coordenador de AIDS, foram acusados judicialmente por incitação ao uso de drogas ilegais.

Em Santos nos deparamos com as políticas antidrogas que impuseram limites tanto à democracia quanto ao campo da saúde quando este se encontra regido pelo “paradigma da abstinência”. Por outro lado, a RD foi um importante índice das novas políticas que ganharam suas principais expressões na década de 80 e que lutaram por um país e uma saúde democrática. O surgimento da RD é marcado pelo confronto entre forças totalitárias que ainda resistiam ao avanço da democracia (...). (SOUZA, 2007, p.11).

Em 2003, a RD surge, então como um paradigma da Política do Ministério da Saúde de Atenção Integral para usuários de Álcool e outras drogas.

A Redução de Danos é um paradigma de cuidado que, em sua definição mais estrita, refere-se a ações em saúde que visam reduzir os prejuízos de natureza biológica, econômica e social do uso de drogas. Assim, o sujeito é pensado em sua totalidade, indo além da relação que ele estabelece com a substância que faz uso.

Segundo Macerata (2015), a RD não pode ser entendida somente como um dispositivo de intervenção. Para além disso ela é, principalmente, uma paradigma ético de cuidado em saúde pública. Esse cuidado leva em consideração as

experiências especificas de cada sujeito, suas características e seus desejos.

O critério de intervenção da RD é pautado em objetivos parciais, ou seja, não segue necessariamente a lógica da abstinência, ela é apenas um dos caminhos a ser seguido. Segundo Dias (2013), a redução de danos visa abarcar a diversidade que constitui a vida e não considera que a solução para a questão das drogas é simplesmente a exclusão da substância.

De maneira mais ampla é possível apontar a RD como uma prática em favor da vida, à medida que mais do que reduzir danos, é uma prática que amplia, que enfatiza o sujeito e suas potencialidades.

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Um importante ponto de ruptura da Redução de Danos com a lógica de guerras às drogas e da abstinência é, segundo Lancetti (2005), o ponto em que a RD não foca na substância em si, não trabalha-se com um dependente, trabalha-se com um sujeito que, entre outras coisas, faz uso abusivo de substâncias.

(...) não se trabalha só em cima do produto químico, partindo-se da ideia de que a droga não é causa, mas sim efeito, porque senão todo mundo que entrasse em contato com as drogas, viraria drogado, o que não ocorre. A grande maioria da população brasileira tem contato com as drogas, mas só uma minoria é dependente. (LANCETTI, 2005, p.66).

Toda a ação da Redução de Danos precisa ser centrada na realidade dos usuários, caso contrário o que acontece é uma ineficácia dessas ações e baixa adesão dos usuários. Como exemplo disso é possível citar o ocorrido na cidade de São Paulo com usuários de crack, onde foram distribuídos cachimbos de madeira no intuito de reduzir os danos causados ao organismo através do uso por meio de cachimbos de outros materiais como o ferro, que liberam substância muito tóxicas para o organismo, além de ser um material que se aquece com facilidade queimando a boca dos usuários. Essa ação não foi eficaz ao seu propósito, a medida que não contou com a adesão dos usuários. Tais cachimbos são menos danosos para o organismo, porém não permitem ações que são rotineiras para os usuários de crack como o “tochar”, que é a ação de aquecer a haste do cachimbo para fazer evaporar o resto da substância que ficou ali e fumá-la6. Esse é um exemplo de estratégia de RD que não foi pensada a partir da realidade de quem usa a substância.

Um princípio fundamental da Redução de Danos é a autonomia do sujeito. Ela precisa ser incentivada a todo momento, o usuário precisa retomar a direção de sua própria vida e isso começa a partir da tomada de decisões sobre seu tratamento. A decisão de interromper ou não o uso, de diminuir ou não, de substituir por substâncias menos danosas, tudo isso precisa partir da vontade do usuário. Não é um Estado, um agente de saúde ou um médico dizendo o que é melhor pra ele. Isso é dar voz e protagonismo aos usuários, dar-lhes autonomia e garantir seus direitos básicos.

6

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Pode-se dizer, então, que a Redução de Danos apresenta-se de duas formas: Como uma paradigma de cuidado, como dito acima, mas também como uma prática, criando dispositivos através de estratégias de cuidado que respondem as necessidades de cada caso especifico.

Todas essas práticas que veiculam esses paradigmas têm por norte metodológico habitar e acompanhar os territórios de vidas dos usuários; operar por meio do vínculo; sintonizar com a experiência desses territórios, produzindo suas intervenções a partir das experiências neles vividas. (MACERATA, 2015, p. 94).

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CAPÍTULO 4- REDUÇÃO DE DANOS E ANTIPROIBICIONISMO: PARADIGMAS DE UMA MESMA LÓGICA EM RELAÇÃO ÀS DROGAS.

“É impossível fazermos Redução de Danos sem bebermos da fonte do antiproibicionismo7” Autor desconhecido.

Diante do exposto nos capítulos anteriores é possível uma reflexão a cerca dos paradigmas apresentados e das possíveis conexões entre eles, partindo da ideia de que política e clínica/cuidado não se separam.

Segundo Souza (2007) a articulação entre a política antidrogas e o paradigma da abstinência constitui um modo de fazer política e um modo de fazer clínica que se contemplam. Ou seja, existe um paradigma de cuidado que responde e transforma em ações um paradigma político. No caso da relação guerra às drogas x abstinência o que temos é esse segundo, o paradigma de cuidado, colocado como possibilidade única de tratamento, já que na droga reside o mal em si, excluindo todos os outros aspectos da vida da pessoa que usa a substância, como o aspecto social e suas particularidades. Dessa forma é negado ao sujeito sua própria autonomia. Ele não pode (e é julgado como incapaz) decidir sobre seu tratamento, sobre se deseja ou não interromper e/ou alterar seus padrões de uso e sua relação com a droga. Tudo isso justificado a partir da lógica de que uma pessoa que faz uso de substância não pode responder por si e é o Estado, através das ações de “saúde”, que detém a verdade sobre o que é melhor para ela.

Outro ponto de encontro entre cuidado e política, nesse sentido, é o uso da internação compulsória como política geral, sem levar em consideração as individualidades. Aqui, mais uma vez, é a saúde servindo aos interesses do Estado, disfarçado de ações de saúde.

Na contramão desses paradigmas que se complementam, citados acima, temos os dois outros paradigmas, político e de cuidado que também podem se

complementar8. São eles o paradigma da redução de danos e o paradigma

antiproibicionista, que estão em sintonia em relação às drogas e ao uso abusivo das mesmas. Aqui, a relação entre a política e o cuidado se faz presente e necessária.

7

Fala realizada durante aula do curso de Capacitação para abordagem em redução de danos em álcool e drogas, oferecido pela Escola de Redução de Danos Peito do Pombo.

8 É preciso salientar que essa não é uma associação compartilhada por todo o campo da RD, ou seja, nem todos

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O paradigma antiproibicionista, que defende a legalização de substâncias consideradas, no nosso contexto, ilícitas se associa à redução de danos a medida que deixar de proibir substâncias acaba se tornando uma forma de reduzir os danos. Isso porque, legalizar significa, entre outros fatores, reduzir os danos causados a saúde pelo uso de substâncias de procedência desconhecida.

Além da legalização, o antiproibicionismo propõe um outro modo de pensar o uso de substâncias: desse ponto de vista o uso de substância seria menos um problema de polícia, menos um problema jurídico. Essa mudança na lente que enxerga o usuário de drogas é capaz de provocar inúmeras mudanças, entre elas, o próprio acesso à saúde desses sujeitos colocados à margem da sociedade. Visto que, o estigma carregado por essas pessoas dificulta e até impede que elas sejam tratadas com dignidade. Ou seja, no âmbito social, pensar a legalização de substâncias significa mudar o círculo de estigmas, preconceitos e exclusão contra os usuários de substâncias. Outra face dessa mesma situação é a resistência de muitos usuários em procurar ajuda profissional por medo de serem presos, por exemplo. Nesse caso, o antiproibicionismo teria muito o que contribuir para preservar diretos dos usuários.

Outra aproximação entre esses dois paradigmas é o de que pensar a Redução de Danos, afastada de um discurso memos policialesco e mais abrangente em relação a todas às substâncias proibidas, é manter-se numa lógica de tratar o sintoma de um modelo social falido, mas não transformá-lo. O uso abusivo de substâncias atravessa e é atravessado por questões sociais, como o tráfico de drogas. Uma sociedade menos hipócrita e, consequentemente, menos proibicionista caminha para a diminuição do poder do tráfico. A Redução de Danos atua sobre os usuários, mas é preciso uma lógica política que ajude-a a transformar a sociedade em que esse sujeito está inserido, garantindo-lhes direitos humanos básicos.

Essa aproximação entre esses dois paradigmas não constitui um consenso no campo da Redução de Danos a respeito, por exemplo, da legalização de todas as drogas, seja com trabalhadores ou usuários. Porém, avaliando a sintonia entre esses dois paradigmas é possível notar que nesse pensamento os paradigmas se completam e se reforçam. Eles estão em um mesmo sentido em relação à problemática das drogas. Ambos pretendem transformá-la em um problema ético político, e menos num problema policial e/ou jurídico.

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É importante ser dito que defender a legalização de todas as drogas não significa negar seus efeitos danosos, nem a necessidade de que, em alguns casos, recorra-se a internações. Trata-se de pensar que essas ações precisam ser pensadas como estratégias extremas e que precisam ser avaliadas individualmente, no caso a caso.

Ao longo desta pesquisa foi possível compreender o processo de transição que tem acontecido em relação às políticas públicas que envolvem as drogas. No entanto, é importante destacar que a necessidade de uma mudança atual que tenha como objetivo uma nova percepção dos usuários. A Redução de Danos vai de encontro com essas novas alternativas que visam compreender o uso, abuso e/ou dependência de drogas, permitindo ao sujeito autonomia dos seus próprios cuidados. Além disso, essa mudança de paradigma possibilita ao usuário participar de forma ativa de seu tratamento.

Dessa forma, a implantação do Programa de Redução de Danos como uma política pública que visa amenizar as consequências do uso de drogas, traz para o usuário um cuidado que não leva em consideração a questão moral e legal do uso dessas substancias, mas sim a necessidade de compreender o sujeito enquanto responsável pelas suas escolhas que envolvam o prosseguimento ou não do consumo.

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