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ESTRUTURAS COM TER E HAVER EM TEXTOS JORNALÍSTICOS: DO SÉCULO XIX AO XX.

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Academic year: 2021

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ESTRUTURAS COM TER E HAVER EM TEXTOS JORNALÍSTICOS: DO SÉCULO XIX AO XX.

Erica Sousa de ALMEIDA (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Dinah CALLOU (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

ABSTRACT: The paper analyzes the use of the verbs ter (‘to have’) and haver (‘there to be’), both in

Brazilian and European Portuguese, from the 19th to the 20th century. The analysis shows that the frequency of use of ter predominates in all kinds of constructions, except existencial and modal ones.

KEYWORDS: variation; change, ter/haver-constructions

0. Introdução

Este trabalho tem como objetivo apresentar um quadro geral de uso dos verbos ter e haver, nos séculos XIX e XX, visando a elucidar o percurso dessas formas na evolução da língua portuguesa. Para tanto, foram utilizados os dados extraídos de editoriais publicados em jornais do Rio de Janeiro e de Lisboa, com o objetivo de estabelecer uma comparação entre o português brasileiro e o português europeu e também com os dados obtidos por Callou & Avelar (2000), relativos a anúncios publicados em jornais de várias regiões do país.

O estudo focaliza quatro tipos de estruturas: existenciais, de posse, com particípio passado e expressões modais. Busca-se verificar, com base nos dados, os possíveis condicionamentos para o uso de um ou de outro verbo, a partir do controle das seguintes variáveis: tipo de estrutura de que o verbo participa; tempo e modo verbais; tipo de argumento interno; origem dos dados (PB ou PE), época da circulação do jornal.

1. Corpora e tipos de estruturas

Os corpora são formados de anúncios de jornais de várias regiões do Brasil no século XIX, e do Rio de Janeiro no século XX e também de editoriais do Rio de Janeiro e Lisboa, nos séculos XIX e XX, num total de 974 dados, assim distribuídos: 328 dados de anúncios do século XIX, 84 do século XX; 117 dados de editoriais do século XIX e 158 do XX, do Rio de Janeiro e 144 dados do século XIX e 143 do XX de editoriais de Lisboa.

Nesses textos, editoriais e/ou anúncios, o uso de ter predomina em todas as construções, exceto nas existenciais em que haver é ainda a forma predominante e nas modais, no português europeu, principalmente no século XIX.

As estruturas existenciais são aquelas em que o verbo ocorre obrigatoriamente com um complemento (objeto direto), mas nunca com um sujeito e podem assumir o sentido de existir, como nos exemplos (1) e (2) , e o de ocorrer ou acontecer, como no exemplo (3):

(1) “Nas altitudes de 1000 ou mais metros, não há micróbios no ar” (ED./XX- Lisboa) (2) “além do salão de bingo permanente, tem o salão de Video Bingo” (ANUN./XX)

(3) “Haverá, na rua Carioca n.20, um grande e extraordinário leilão de fazendas de lei” (ANUN./XIX)

As estruturas de posse apresentam obrigatoriamente um sujeito e um complemento:

(4) “Os estadistas e estrategistas modernos tem diante de si um problema completo e difícil” (ED./XX- Brasil)

(5) “e se V. já tem um seguro antigo, convêm reajustá-lo” (ANUN./XX)

(6) “o povo tem a desgraça de estar rodeado de lisonjeadores” (ED./XX – Lisboa) (7) “Tiburcio Borges & Carneio (...) tem fazendas modernas riquíssimas” (ANUN./XIX)

Nas estruturas com particípio passado, os verbos ter e haver funcionam como auxiliares (perífrases verbais):

(2)

(10) “Desconfia-se ter acompanhado uns mascates italianos como camarada” (ANUN./XIX) (11) “O seguro propiciou a que em breve a família reunida pudesse de novo continuar como se nada houvera acontecido” (ANUN./XX)

Nas estruturas modais, os verbos ter e haver desempenham um papel de modalizadores lexicalizados, em geral, expressando futuridade e obrigatoriedade:

(12) “A rainha tinha resolvido, em vez de ir para Valencia, passar diretamente a Saragoça, para onde havia de partir no dia 21” (ED./XIX- Lisboa)

(13) “Felizardo José Pinto convida a todos os seus colegas e pessoas de sua amizade, para assistirem a uma missa que tem de celebrar-se na matriz dessa capital”(ANUN./XIX)

(14) “e não havião de estar aqui cento e tantos homens empatados dois anos” (ED./XIX- Lisboa) (15) “muitas famílias não teriao de usar o luto, se todos purificassem as águas que bebem por meio de Filtro Pasteur” (ANUN./XX)

2. Distribuição geral dos dados

As Tabelas a seguir apresentam o número e o percentual de ocorrência dos verbos analisados em cada uma das estruturas em questão:

Português Brasileiro

Anúncios do século XIX Anúncios do século XX

TER HAVER TER HAVER

Existenciais 10 22% 35 78% 2 15% 11 85%

Posse 211 98% 5 2% 49 100% 0 0%

Participiais 87 93% 6 7% 14 93% 1 7%

Modais 20 71% 8 29% 2 00% 0 0%

TOTAL 328 86% 54 14% 67 85% 12 15%

Tabela 1 - Anúncios do português brasileiro nos dois séculos A figura 1 evidencia essa distribuição.

Figura 1- O uso de ter em anúncios dos séculos XIX/XX

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Existenciais Posse Participiais Modais Ter (PB)

(3)

Português Europeu

Editoriais do século XIX Editoriais do século XX

TER HAVER TER HAVER

Existenciais 3 11% 24 89% 0 0% 32 100%

Posse 23 96% 1 4% 45 100% 0 0%

Participiais 66 84% 13 16% 28 90% 3 10%

Modais 2 25% 6 75% 9 43% 12 57%

TOTAL 94 68% 44 32% 82 64% 47 36%

Tabela 2 - Editoriais do português europeu nos dois séculos Português Brasileiro

Editoriais do século XIX Editoriais do século XX

TER HAVER TER HAVER

Existenciais 2 14% 12 86% 16 38% 26 62%

Posse 53 100% 0 0% 40 100% 0 0%

Participiais 14 93% 1 7% 45 88% 6 12%

Modais 2 100% 0 0% 9 75% 3 25%

TOTAL 71 85% 13 15% 110 75% 35 25%

Tabela 3 - Editoriais do português brasileiro nos dois séculos As Tabelas 1 a 3 mostram que

⇒ nas estruturas existenciais há o predomínio do uso de haver sobre o de ter, tanto nos anúncios do século XIX quanto nos do século XX. Nos editoriais de Lisboa do século XIX, o verbo haver apresenta um percentual mais alto ainda e no século XX não foi registrado nenhum caso de ter, sendo o

haver a única forma presente. Nos editoriais do Rio de Janeiro do século XIX também predomina o haver. No século XX, o percentual de uso de haver é menor, mas predominante. Os resultados

demonstram, assim, que o haver-existencial é majoritário, embora haja um aumento de uso de

ter-existencial nos editoriais do Rio de Janeiro, no século XX, o que não ocorre em Portugal, o que está

evidenciado na Figura 2.

Figura 2- Uso de ter em estruturas existenciais nos corpora

14% 11% 38% 0% 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% Existenciais Editoriais do século XIX - PB Editoriais do século XIX - PE Editoriais do século XX - PB Editoriais do século XIX - PE

(4)

existenciais. Em todos os corpora analisados foram registradas apenas seis ocorrências de haver-posse, ao que parece, na linguagem jurídica: cinco nos anúncios do século XIX, no Brasil e apenas um caso em editorial de Lisboa, também do século XIX.

(16) “o abaixo assignado (...) protesta haver todos os prejuízos de quem o tiver acoutado” (ANUN./XIX) –utilizada na linguagem jurídica.

(17) “ O mesmo anunciante protesta (...) de hir haver dias de serviço” (ANUN./ XIX)

(18) “ A convicção nos levasse a suppor que ellas eram capazes de promover a felicidade da nação ou porque – tentada de novo a prova da urna – Houvessemos modo do que esta nos fosse contrária” (ED./XIX – Lisboa)

⇒ as estruturas com particípio passado constroem-se também preferencialmente com o verbo ter, nos dois séculos e nas duas variedades do português. O ter e o haver nessas construções constituem auxiliares aspectuais, que participam da estrutura gramatical da língua.

⇒ nas estruturas de expressão modal não há uma equiparação dos resultados relativos ao português brasileiro e europeu. Nos editoriais de Lisboa do século XIX, há predomínio de haver (75% contra 25%) de ter e também no século XX, embora o percentual seja menor: 57% de haver contra 43% de ter. Nos editoriais do Rio de Janeiro do século XIX o uso de ter é de 100% e no século XX de 75%. Nos dados de anúncios analisados por Callou & Avelar (2000), já há preferência pelo ter e nos do século XX (Martins, 2001) é de 100%. Ao que parece, nesse contexto o português europeu é mais conservador.

3. Análise variacionista: ter/haver-existencial

As estruturas existenciais foram analisadas na perspectiva da sociolingüística variacionista laboviana (Labov, 1994), tendo sido utilizado o pacote de programas VARBRUL, que possibilitou o tratamento dos dados estatisticamente e o controle dos possíveis condicionamentos do uso de um ou de outro verbo, em relação a cada variável.

Em relação a essas estruturas foram controladas as seguintes variáveis: especificidade semântica do complemento, animado, intrínseco, [+/- material], o tempo/modo verbal, a origem dos dados (PB ou PE) e século (XIX e XX), subdividido, por sua vez, em fases.

O único grupo a ser selecionado foi o da origem dos dados, PB ou PE. A Figura 3 mostra que o uso de ter é mais freqüente no Brasil que em Portugal.

Figura 3- Percentual do uso de ter em textos jornalísticos (PB e PE)

Em relação aos tempos verbais, confirmam-se os resultados obtidos em trabalhos anteriores de os tempos do passado serem responsáveis pela manutenção relativa de haver (Figura 4).

38% 5% 62% 95% 0% 20% 40% 60% 80% 100% ter haver PB PE

(5)

Figura 4- Uso de ter por tempo verbal

De referência à especificidade semântica do argumento interno, a análise aponta para uma maior ocorrência de ter com argumentos abstratos (Figura 5) e um uso categórico de haver com argumentos que indicam evento ou espaço, embora os dados sejam poucos. De todo modo, confirmam-se os resultados relativos aos anúncios.

Figura 5- Especificidade semântica do argumento interno 4. À guisa de conclusão

• O uso de ter é predominante em todas as estruturas, com exceção das existenciais e das modais, essas últimas apenas nos editoriais do português europeu.

• A análise feita mostrou que, na língua escrita, mesmo no século XX, mantém-se ainda o uso do verbo

haver, nas estruturas existenciais.

• No português do Brasil, o verbo ter é usado em estruturas de expressão modal, tanto para expressar expressar obrigatoriedade quanto futuridade. No português europeu, contudo, há uma distribuição complementar: o verbo haver é usado nas expressões modais de futuridade e o ter nas de obrigatoriedade.

Com a ampliação do número de dados e do corpus de anúncios dos séculos XIX e XX será possível verificar se esses usos se confirmam.

19% 15% 33% 0% 10% 20% 30% 40%

presente

passado

futuro

ter

19% 25% 11% 0% 10% 20% 30% 40% 50% material abstrato animado

ter

(6)

editoriais de jornais do Brasil e de Portugal. Chega-se à conclusão de que o uso de ter é predominante, exceto nas construções existenciais e modais, estas no português europeu.

PALAVRAS-CHAVE: variação; mudança; construções com ter e haver.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLOU, D. & AVELAR, J. Estruturas com ter e haver em anúncios do século XIX. Para uma História

do Português Brasileiro, vol.III: Novos Estudos, p.47-67. Humanitas- FFLCH/USP, 2002.

_____. Ter e haver no português do Brasil. Conferência apresentada no Congresso Internacional sobre

os 500 anos de língua portuguesa no Brasil. Universidade de Évora, Portugal, 2000.

_____. Sobre ter e haver em construções existenciais: variação e mudança no português do Brasil. Revista

Gragoatá, Letras/UFF, Niterói/RJ, n.º 9, p.85-100. 2001.

LABOV, W. Principles of linguistic change. Cambridge, Blackwell. 1994.

MARTINS, L. Ter e haver como verbos funcionais. Trabalho apresentado na XXIII Jornada de Iniciação

Científica. UFRJ, Letras/ CLA. 2001.

MATTOS E SILVA, R.V. Observações sobre a variação no uso dos verbos ser, estar, haver, ter no galego português ducentista. In Estudos lingüísticos e literários (19). Salvador, Programa de pós-graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia. 1997.

_____. A variação haver/ter. A carta de Caminha - Testemunho lingüístico de 1500. In Mattos e Silva, R.V. (org.) Salvador, EDUFBA. 1996.

_____. Estruturas trecentistas. Elementos para uma gramática do português arcaico - Lisboa. IN-CM. 1989.

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