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AS FORMAS ESTRUTURAIS NA ARQUITETURA DE BRASÍLIA: UMA SAGA TECNOLÓGICA

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Academic year: 2021

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AS FORMAS ESTRUTURAIS NA ARQUITETURA DE

BRASÍLIA: UMA SAGA TECNOLÓGICA

PORTO, Cláudia Estrela

Arquiteta e Urbanista, doutora em Estruturas Espaciais pela Sorbonne, com Pós-Doutorado na Agência RFR, em Paris. Atualmente Profa. Dra. do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação da

FAU - (PPPG-FAU/UnB) – Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Tecnologia. E-mail: claudiaestrelaporto@gmail.com

UnB, Colina, Bloco H, Ap. 107– Asa Norte – CEP: 70904-108 – Brasília-DF Telefone: (+55) 61 33071358

RESUMO

Este texto mostra a evolução das formas estruturais na arquitetura de Brasília desde a sua construção até os dias atuais. Apesar da presença dominante de estruturas em concreto, nas formas geniais propostas por Oscar Niemeyer, também fazem parte do cenário de Brasília obras em tijolo, madeira, argamassa-armada e aço. O arrojo estrutural das primeiras estruturas ganha força no laboratório experimental que foi a construção da Universidade de Brasília (ICC e Colina Velha). Continua na arquitetura de João da Gama Filgueiras Lima (Lelé), Zanine, Píer Luigi Nervi, Sérgio Parada e Alexandre Chan. Ao caminhar pelas formas estruturais de seus monumentos, vemos que a cidade pulsa em seus espaços amplos e formas arquitetônicas complexas. A cidade, que nasceu de um sonho, tomou vida e amadureceu.

Palavras-chave: Brasília, formas estruturais, arquitetura

ABSTRACT

This text shows the evolution of current structural forms in the architecture of Brasilia since its construction and up to the present day. In spite of the dominant presence of concrete structures, in the geniality of the forms put forth by Oscar Niemeyer, also in the Brasilia townscape are works in brick, timber, ferrocement and steel. The structural boldness of the early structures gained ground in the experimental laboratory which was the construction of the University of Brasilia (ICC, Central Science Institute, and Colina Velha, a housing quarter). It went on in the architecture of João da Gama Filgueiras Lima (Lelé), Zanine, Pier Luigi Nervi, Sérgio Parada and Alexandre Chan. Walking among the structural forms of its elements, we can see the city's heartbeat in its wide spaces and complex architectural shapes. The city, born of a dream, breathed life and matured.

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2 A estrutura não é somente um meio para alcançar uma solução. É igualmente um princípio, uma paixão, já dizia Marcel Breuer1. Paixão esta

que pode se transformar em obra de arte, quando a busca pela superfície perfeita e o jogo equilibrado das estruturas transcendem o material.

Brasília surge dinâmica, nas inusitadas formas estruturais em concreto. Mas soube, como qualquer cidade em desenvolvimento, se adaptar aos novos materiais: madeira, aço e alumínio se interagem para dar ritmo, contraste e luz ao cerrado. A cidade se transforma na imaginação criadora de seus arquitetos.

O primeiro dentre eles foi Oscar Niemeyer, que faz da construção de Brasília (1956-1960) um canteiro experimental desta fascinante aventura de concepção de formas estruturais, realizáveis em grande parte pelo gênio criador do engenheiro Joaquim Cardozo. A parceria com Cardozo começou em 1940, no conjunto de projetos desenvolvidos para o bairro da Pampulha, em Belo Horizonte (Cassino, Casa do Baile, Iate Clube e Igreja São Francisco de Assis). Juscelino Kubitschek, prefeito de Belo Horizonte, convocou Oscar Niemeyer para os projetos de arquitetura e, eleito presidente do Brasil, em 1955, teve como meta a transferência da capital do país do Rio de Janeiro. Novamente, será Niemeyer o arquiteto escolhido para elaborar os projetos arquitetônicos dos principais edifícios governamentais, que aliado ao plano urbanístico, produto de um concurso público divulgado em setembro de 1956, dará origem à nova capital. Brasília toma forma no plano urbanístico desenhado por Lúcio Costa e na genialidade criativa de Niemeyer, que imprime a sua marca nos principais monumentos arquitetônicos, construídos, em grande parte, nos quatro anos que antecederam à inauguração da cidade. Será ao longo do eixo Monumental, que corta o Plano Piloto no sentido leste/oeste, que o seu traço singelo continuará a pincelar o céu do cerrado ao longo destes 46 anos.

A descoberta e o aperfeiçoamento da protensão por Eugène Freyssinet possibilitou a evolução das grandes construções em concreto armado. O concreto, tratado em cascas e em membranas delgadas, originou formas variáveis que serão determinadas pelas curvas matemáticas das superfícies geométricas. Em sua obra, Niemeyer mostra como uma imaginação criadora une a forma e a técnica para dar vida ao concreto. A pesquisa de formas livres e o amor pela curva começaram no projeto da Pampulha, encontraram em Brasília um campo fértil de desenvolvimento e serão doravante o fio condutor de sua arquitetura.

A leveza e a esbeltez nas formas estruturais são perseguidas ao extremo. Ajudado por Cardozo, Niemeyer procura se aproximar dos limites máximos da resistência dos materiais. No processo de criação arquitetônica está presente o engenheiro de estruturas, que o ajuda a explorar as formas estruturais, a buscar a proporção correta e a moldar o material, como nas cascas parabólicas que cobrem a Igreja São Francisco e na marquise curva que acompanha a margem do lago da Pampulha. Dezesseis anos depois, em pleno cerrado, o concreto armado brota do solo em formas criativas, possibilitando uma arquitetura mais livre, substituindo os ângulos retos por curvas sinuosas. Niemeyer molda

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3 o concreto, busca a liberdade absoluta das formas estruturais e a leveza que o material pode oferecer: Brasília mostra ao mundo “que o concreto armado tudo deve permitir, em termos de esbeltez, vãos audaciosos, formas livres – retas, curvas, assimétricas – desde que conciliada à indispensável viabilidade estrutural” 2.

Os palácios de Brasília foram criados tendo em mente o apuro tecnológico e as formas simples, que encontrariam na estrutura o seu principal apoio. Como Niemeyer declara: “Dentro dessa arquitetura, procurei orientar meus projetos caracterizando-os, sempre que possível, pela própria estrutura. Nunca baseada nas imposições radicais do funcionalismo, mas sim, na procura de soluções novas e variadas, se possível lógicas dentro do sistema estático. E isso sem temer as contradições de forma com a técnica e a função, certo que permanecem unicamente as soluções belas, inesperadas e harmoniosas. Com esse objetivo, aceito todos os artifícios, todos os compromissos, convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia, mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia” 3.

A obra de arte surge quando responde às forças estruturais com o consumo mínimo de material: todo supérfluo é eliminado nos projetos de Brasília. Além da esbeltez das lajes das coberturas, nota-se um apurado rigor na forma plástica das colunas, com suas dimensões reduzidíssimas nos pontos de apoio, dando leveza aos palácios, como se eles apenas tocassem o solo. Nestas seções, como explica José Carlos Sussekind, “verdadeiramente limites, as colunas precisam ser tão intensamente armadas que corre a anedota – não sei se verdadeira – de ter o Cardozo recomendado a colocação de tantas barras de aço quantas coubessem, depois preenchendo os vazios com concreto: tais seções estão, assim, mais para aço-à-milanesa do que para concreto armado. Com sua audácia, Cardozo desrespeitou, conscientemente, as normas técnicas corriqueiras e nos deu a viabilidade, para sempre, da beleza dos palácios”4.

Figura 1: Colunas do Palácio da Alvorada.

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4 Era preciso ousar, ir além das normas vigentes de cálculo estrutural para pôr de pé as colunas do Palácio da Alvorada, do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, cuja monumentalidade está na simplificação de seus elementos e na adoção de formas puras e geométricas. O cálculo audacioso de Cardozo da laje do Palácio do Itamarati provocou também a admiração de Pier Luigi Nervi que, “ao se deter diante do mezanino do Ministério das Relações Exteriores, confessou: projetei uma ponte com três quilômetros de extensão, mas conseguir esta espessura de laje me parece bem dificil”5.

O Palácio da Alvorada (1956-1957), residência oficial do Presidente da República, começou a ser executado antes mesmo de aprovado o Plano Piloto de Lúcio Costa, e foi a primeira edificação definitiva a ser construída na nova capital. Segundo Niemeyer, a concepção da obra está na forma dos suportes que além de atender às exigências funcionais, caracterizam o edifício e conferem uma leveza tal que eles parecem destacados do solo e apenas pousados na superfície de apoio. As colunas externas de mármore branco, emoldurando as fachadas, possuem a forma de uma parábola de 4º grau, mas esta forma plástica perfeita só foi possível pela genialidade de Cardozo, que conseguiu obter o efeito desejado por Niemeyer criando apoios internos que recebessem a maior parte das cargas e aliviando a solicitação dos pilares da fachada, que passam a ter função secundária, recebendo apenas as cargas mais leves da cobertura e a da laje do passadiço perimetral, elevada de um metro e cinqüenta do solo. Neste trecho, a laje de cobertura não apresenta continuidade com a laje da parte interna. Ela é curva e se afina em direção à borda, reduzindo ainda mais a carga transferida para a fachada. Nos pilares internos, recuados da fachada e dissimulados por um invólucro externo de aço, se concentra a função principal do suporte.

Figura 3: Palácio do Planalto. Foto da

Autora. Figura 4: Supremo Tribunal Federal. Foto da autora.

O Palácio do Planalto (1958-60, Fig. 3) e o Supremo Tribunal Federal (1958-60, Fig. 4) foram concebidos por Niemeyer dentro do mesmo princípio: a forma inusitada dos pilares confere às estruturas certo grau de monumentalidade.Também nestes dois projetos, Niemeyer criou suportes

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5 internos ao edifício para absorver a maior parte das cargas, aliviando a solicitação dos pilares da fachada e possibilitando, assim, trabalhar plasticamente os apoios. A forma é similar a dos meios pilares da fachada principal do Palácio da Alvorada, embora aqui as curvas inferiores e superiores estejam voltadas para a lateral do edifício, e a fachada principal, voltada para a praça, se caracteriza pela aresta retilínea. No Palácio do Planalto, os pilares recebem exclusivamente as cargas da laje de cobertura, que diminui de espessura em direção à fachada e a curva inferior do pilar é acentuada, indo de encontro à laje do primeiro pavimento, a quatro metros do solo, sem, no entanto, o suportar. No Supremo Tribunal Federal, além de suportar as cargas da laje de cobertura, os pilares recebem também a carga da parte externa da primeira laje, situada a um metro e vinte acima do solo.

A leveza e a esbeltez são perseguidas com obsessão. Um exemplo marcante é o Congresso Nacional (1958-1960, Fig. 5), cuja forma e dimensões escapam aos padrões usuais, atraindo a atenção dos especialistas mundiais para a solução estrutural adotada. Solução esta que situa as cúpulas invertidas do Senado e da Câmara dos Deputados numa grande plataforma horizontal (200m x 80m), com três pavimentos, compondo-se com a linha vertical dos edifícios gêmeos de 27 andares, que abrigam os serviços (Fig. 6). Niemeyer conta que Cardozo exultou quando lhe telefonou para dizer: “Encontrei a tangente que vai permitir que a cúpula da Câmara pareça apenas pousada na laje”6. Mas, os problemas estruturais iam além da concepção da forma geométrica da cúpula invertida (calota esférica) da Câmara dos Deputados, que recebe o forro horizontal e uma cobertura em forma de coroa de círculo, com finalidade aparentemente estética. O grande empuxo produzido por esta cobertura constitui o ponto crucial do projeto, resistido por anéis de aço, sob a forma de vergalhões embutidos no concreto.

Figura 5: Congresso Nacional. Foto da

autora. Figura 6: Corte esquemático, mostrando as cúpulas do Senado e da Câmara dos Deputados.

O arrojo estrutural continua na estrutura em concreto armado da Catedral de Brasília (Fig. 21), calculada por Cardozo e concluída em 1960, antes

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6 da inauguração da cidade. Os dezesseis pilares curvos, em hiperbolóides de revolução, representam um desafio aos conceitos estruturais vigentes, uma vez que aqui encontram a sua estabilidade no anel circular de tração, sobre o qual estão apoiados, e também num anel de compressão, situado não no topo e sim a dez metros abaixo deste ponto. O anel superior não é visível, passando por dentro dos pilares, e o anel inferior, na altura do piso, além de absorver os esforços de tração, funciona como um tirante, reduzindo a carga nas fundações aos esforços verticais. A laje da cobertura tem função apenas de vedação, possibilitando ventilação natural através de seu orifício central. Esses pilares estão reunidos entre si por panos de vidros e o seu carregamento inicial, previsto por Cardozo, restringia a carga à ação do vento e ao peso de uma esquadria leve, em plástico. Posteriormente, a solução proposta em treliça espacial, além de dirigir os carregamentos maiores para o solo, permitiu a fixação das duas camadas de vidro na estrutura hexagonal do banzo inferior e superior da treliça.

Nos primeiros anos após a inauguração de Brasília, a introdução do concreto protendido e o início da pré-fabricação direcionaram alguns projetos. O Centro de Planejamento Oscar Niemeyer – CEPLAN, o Conjunto Residencial da Colina e o Instituto Central de Ciências - ICC, situados no Campus da Universidade, são exemplos marcantes desta nova concepção estrutural. O CEPLAN (1961, Figs. 7 e 8), um bloco de um pavimento projetado por Niemeyer, foi construído apenas com dois elementos construtivos: pilares com seção em “U”, que funcionavam também como painéis de vedação, e vigas de cobertura, ambos em concreto armado pré-fabricado.

Figura 7: CEPLAN, construído apenas com dois elementos construtivos. Desenho de Oscar Borges Kneipp.

Figura 8: Vista interna do CEPLAN. Desenho de Oscar Borges Kneipp.

Durante a construção da cidade, uma linha tênue delimitava a ação do arquiteto e do engenheiro. Foi nesta época que um jovem arquiteto, João da Gama Filgueiras Lima, mais conhecido como Lelé, enviado por Niemeyer para construir uma superquadra, desenvolve habilidades do oficio de engenheiro, na busca de soluções construtivas para os diversos problemas que surgiam no canteiro de obras caótico deste período. Em

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7 1962, Niemeyer o convida novamente para fazer parte da equipe que desenvolveria os projetos para a Universidade que Darcy Ribeiro havia começado a montar.

Os sistemas pré-fabricados em concreto se iniciam nos prédios de Galpão de Serviços Gerais, mas são nos quatro prédios de apartamentos para os professores da Universidade – Colina Velha (1962, Fig. 9) – que eles adquirem uma força nunca antes vista. Nestes, Lelé utiliza as prumadas de circulação vertical, em concreto armado fundido in loco, para contraventar e dar rigidez à construção. Os demais elementos são pré-moldados: vigas “gerber”, de seção “U” protendidas, sobre as quais se apóiam lajes nervuradas, também protendidas, que constituem os pisos dos apartamentos. Nos extremos dos blocos, as vigas são fixadas nos pilares por pinos de aço e as divisões internas são feitas com painéis pré-fabricados (Fig. 10).

Figura 9: Colina Velha – primeiros prédios de habitação em concreto pré-fabricado. Foto da autora

Figura 10: Sistema construtivo da pré-fabricação dos prédios da Colina Velha. Desenho de Lelé.

Com dois pavimentos e um subsolo, a estrutura do Instituto Central de Ciências- ICC (1963-71, Fig. 11), projetado por Niemeyer e desenvolvido por Lelé, é composta por grandes pórticos pré-moldados de concreto protendido. Sobre uma estrutura em radier de cascalho, foram construídas sapatas pré-moldadas, relativamente pequenas, nas quais são inseridos os pilares pré-fabricados. O sistema principal de pilar-viga se estende pelos 720 m de comprimento do bloco levemente curvo. No térreo e no primeiro pavimento, as lajes tipo calha são apoiadas em vigas duplas pré-moldadas que se apóiam, por sua vez, em pilares, também duplos. Os pilares da periferia sobem até o nível da cobertura e recebem vigas em perfil “T”, que trabalham separadamente. Entre elas, uma calha de alumínio recebe as águas pluviais e as conduzem até à fachada. Sobre os jardins, estas vigas perdem as abas do “T” e se apóiam nos pilares, constituindo um pergolado ao longo destes (Fig. 12).

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8 Ainda dentro do Campus, o prédio da Reitoria (1972-75), projeto de Paulo de Melo Zimbres, com a colaboração de Érico Paulo Siegmar Weidle, integralmente construído em concreto armado, introduz a estrutura suspensa no volume do auditório, suportado por tirantes na estrutura da cobertura.

Figura 11: Universidade de Brasília – ICC – Vista Aérea. Foto Arquivo CEDOC.

Figura 12: ICC – Trecho da Fachada dos Auditórios: 1. Pilares pré-moldados; 2. Platibanda pré-moldada; 3. Viga para apoio das lajes do piso; 4. Lajes pré-moldadas de piso; 5. Ranhuras para ventilação; 6. Placas de pré-moldados de concreto para fechamento dos auditórios. Desenho de Oscar Borges Kneipp.

A hegemonia das estruturas em concreto na arquitetura de Brasília é quebrada pelas construções simples, funcionais e belas do arquiteto José Zanine Caldas. Zanine, o grande “mago” da madeira brasileira, autodidata na arte de confeccionar maquetes e, em seguida, de transpô-las à obra em tamanho real, colaborou com a elite da arquitetura moderna, confeccionando maquetes para Oscar Niemeyer, Oswaldo Bratke, Rino Levi, Vilanova Artigas, da mesma forma que circulava com desenvoltura com os arquitetos que fizeram Brasília: Lúcio Costa, Alcides Rocha Miranda e Lelé. Nos primeiros anos que se seguiram à construção da nova capital, sua obra tomou impulso. Tinha a capacidade de gerar projetos de maneira eficiente e simples, que só alguém com o dom nato para o ofício poderia fazê-lo, a tal ponto que Niemeyer afirmou: “Zanine é um caso feliz de autodidata. Sua escola foi a própria vida e a arquitetura seu caminho natural e inevitável”7.

Tom Jobim costumava dizer que o melhor lugar do mundo para se morar era uma casa de Zanine. Em Brasília, entre as inúmeras casas que projetou, a do casal Bettiol (Fig. 13), situada numa colina defronte para o Lago Paranoá, mostra a total integração com a natureza. Os espaços são amplos, a luz natural é privilegiada e a construção se adapta ao terreno. Iniciada em 1975 e talhada na madeira nos quatro anos subseqüentes, ela surge com apuro estético e estrutural. A madeira de lei “pulsa” nos

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9 troncos de braúna (pilares), de aroeira (vigas) e de ipê (piso, teto, portas e janelas). A casa se desenvolve em três módulos independentes – um central e principal (área social) e dois ligeiramente recuados (quartos) -, interligados por uma varanda. Resgata a influência da arquitetura colonial brasileira, com os beirais avantajados, muitas janelas, a combinação da alvenaria com vigas e pilares de madeira e grandes espaços com iluminação natural e zenital (lanternim). A casa é a própria estrutura, que Zanine evidencia nas peças maciças de madeira de quatorze metros de comprimento e nos detalhes de fixação dos elementos que compõem o telhado. Os fechamentos são em vidro, com algumas poucas paredes de alvenaria.

Figura 13: Casa Bettiol. Foto Stéphane

Herbert. Figura 14: Embaixada da Itália: pilares em forma de árvores sustentam a estrutura em concreto. Foto da autora.

A partir dos anos 70, as sedes das Embaixadas começaram a ser construídas em Brasília, com destaque para a da Embaixada da Itália (1973-77, Fig. 14), cujo projeto foi confiado ao engenheiro-arquiteto italiano Pier Luigi Nervi. Respondendo a uma orientação do governo brasileiro que as embaixadas se enquadrassem no estilo arquitetônico de Brasília, Nervi optou pelo emprego do concreto armado, do qual foi um dos expoentes no século XX.

Buscando elementos estruturais desenvolvidos por Antoni Gaudí (pilares ramificados em forma de árvores), Nervi projetou um prédio organizado em um único bloco elevado sobre robustos pilares de concreto, que avança parcialmente sobre um extenso espelho d´água. É este elemento estrutural que simbolicamente faz alusão às florestas tropicais, que dá força e unidade ao conjunto. Os pilares quadricúspides deixam livre a passagem da luz pelo alto e sustentam o corpo do prédio principal. Do topo do pilar se ramificam quatro braços, que recebem as resultantes das forças das vigas de contorno da laje nervurada. Eles prosseguem até o piso inferior, formando grandes pilotis que dão leveza ao conjunto. O bloco abriga a residência do Embaixador, os salões de representação, os escritórios da Chancelaria e um ousado teatro-sala de concerto, que pode acomodar mais de 250 pessoas. A estrutura em grelha retilínea da

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10 cobertura do teatro prossegue em hexágonos, nas laterais inclinadas, que direcionam as forças para pilares situados nas quatro extremidades, também inclinados segundo a componente final das forças. Ao contrário do que se supunha, a concepção estrutural em concreto armado confere a uma unidade intrinsecamente pesada, uma excepcional leveza.

Figura 15: Vista interna da Casa Borges, mostrando a estrutura em arcos. Desenho Lelé.

Figura 16: Casa Borges: da união de dois arcos, nasce um terceiro. Desenho Lelé.

No domínio quase absoluto do concreto armado, a Residência Nivaldo Borges (1972-75), na qual Lelé busca nas raízes catalãs o uso do tijolo na forma de arcos e abóbadas, surge como um projeto atípico nas formas estruturais de Brasília. O tijolo, material básico de construção, é empregado na execução das paredes de vedação e na própria estrutura. Este retorno às técnicas artesanais simples de construção não foi obstáculo à criação de espaços internos ricos, com tetos abobadados e seus grandes arcos vencendo vãos de mais de seis metros (Fig. 15). As coberturas abobadadas, apoiadas em vigas de concreto, formam tetos ajardinados e se estendem por quase toda a casa. Da união de dois arcos, nasce um terceiro, que além de proporcionar um pé-direito duplo, permite o grande vão central. Os arcos, por sua vez, se apóiam em pilares de tijolos (Fig. 16).

Porém, no Hospital Sarah Kubitschek Brasília – Doenças do Aparelho Locomotor (1975-80, Fig. 17), Lelé retoma os pré-moldados em concreto, e avança significamente em suas pesquisas sobre a racionalização dos sistemas construtivos. Nota-se aqui a padronização dos elementos de construção com a elaboração de um elemento pré-fabricado de laje, que vence vãos variáveis e permite a criação de terraços-jardins alternados, cujas aberturas correspondem aos octógonos das vigas vierendeel que compõem as fachadas e que se apóiam nas torres de concreto de circulação vertical.

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