• Nenhum resultado encontrado

ESTRATÉGIAS SOCIOECONÔMICAS COLETIVAS NO MEIO RURAL: EXPERIÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ASSOCIADO NA COOPERATIVA DO RIACHÃO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ESTRATÉGIAS SOCIOECONÔMICAS COLETIVAS NO MEIO RURAL: EXPERIÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ASSOCIADO NA COOPERATIVA DO RIACHÃO"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

693

ESTRATÉGIAS SOCIOECONÔMICAS COLETIVAS

NO MEIO RURAL: EXPERIÊNCIAS DE

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ASSOCIADO

NA COOPERATIVA DO RIACHÃO

Queite Marrone Soares da Silva1

Rômulo Soares Barbosa2

Resumo

Os cenários de crise e problemas sociais criados pela economia capitalista levam à reflexão das estratégias socioeconômicas coletivas construídas pelos trabalhadores em torno de novas experiências de organização do trabalho. Desta forma, pretendemos discutir a perspectiva do trabalho associado e cooperado, a partir das experiências dos trabalhadores rurais da Cooperativa do Riachão, localizada no município de Montes Claros – MG. Nesta, famílias agricultoras extrativistas são beneficiadas com a geração de trabalho e renda, através de iniciativas pautadas no associativismo, cooperativismo e coletivismo, por meio do beneficiamento do coco macaúba e manejo dos recursos naturais disponíveis na região. A coletividade se torna uma alternativa possível para os atores sociais, que constroem estratégias fundamentadas na perspectiva autogestionária, com ideais de solidariedade e reciprocidade. De um modo geral, abordaremos as práticas socioeconômicas geraizeiras, cuja reprodução social depende especialmente da vegetação nativa e da relação estabelecida com os recursos naturais, fatores fundamentais para a construção e reconstrução das estratégias socioeconômicas produtivas.

Palavras-chave: Estratégias Socioeconômicas; Trabalho associado; Cooperativa do Riachão

1 Mestranda no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social – PPGDS/UNIMONTES e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros.

2 Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros. Professor do Depar-tamento de Ciências Sociais e Pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros.

(2)

694

ESTRATÉGIAS SOCIOECONÔMICAS COLETIVAS NO MEIO RURAL:

EXPERIÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ASSOCIADO NA COOPERATIVA DO RIACHÃO

INTRODUÇÃO

As estratégias socioeconômicas coletivas são percebidas como ações que surgem diante de um contexto de precarização do trabalho e de uma série de fatores sociais, tais como o desemprego, o crescimento do trabalho informal, o processo de migração, entre outros fatores. Em muitas situações, a busca de alternativas à subsistência é marcada por iniciativas voltadas para novas formas de organização da produção e do trabalho, seja em forma de trabalho coletivo, cooperado, associado, entre outros.

No meio rural, se percebe as relações que o homem possui com os recursos naturais enquanto fonte de sua sobrevivência e reprodução social, material e simbólica. Destacam-se uma série de ações e práticas, solidárias e de trocas, que resistem aos processos históricos e sociais e são reproduzidas tradicionalmente, sendo inerentes ao modo de vida nas comunidades.

Desta forma, as comunidades rurais estabelecem relações recíprocas, que permeiam a prática da solidariedade e fortalecem os laços sociais entre as pessoas que vivem num cotidiano organizado pela via da coletividade e das relações comunitárias. A relevância das estratégias socioeconômicas se justifica pela sua base em valores de cooperação, coletividade, associação, solidariedade e reciprocidade, proporcionando a reflexão de novas propostas para as relações no âmbito do trabalho. Assim, a partir das vivências junto a Cooperativa do Riachão, criada pela Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais de Riacho D’Antas no ano de 2011, e reconhecida enquanto Empreendimento Econômico Solidário (EES), pretendemos compreender e analisar as possibilidades e desafios das estratégias socioeconômicas coletivas no meio rural.

Reconhecemos a relevância das políticas públicas, instituições e entidades de apoio e fomento do cooperativismo popular, agricultura familiar e economia solidária, que fortalecem os ideais de justiça econômica, ambiental e social tendo um papel importante para os empreendimentos associativos no meio rural, apontando para novas propostas no que se refere à organização dos processos produtivos, comercialização, consumo e finanças, permeados em princípios e valores da cooperação e solidariedade.

(3)

695

Econômicos Solidários (EES), onde a administração é feita de forma coletiva, por meio da autogestão dos processos produtivos. Refere-se aos grupos de trabalhadores que se organizam em forma de associações, cooperativas, grupos formais ou informais, por meio de uma gestão participativa e democrática, tendo como base a cooperação. Para além destas relações de trabalho e produção, se articulam com as questões políticas, sociais, ambientais, tanto no campo comunitário como das redes sociais.

No Brasil, o cooperativismo passa a fazer parte das discussões a partir de 1880, surgindo como uma suposta alternativa ao momento de crise, num contexto de muitas transformações. É fundamental ressaltar que nem todas as cooperativas estão vinculadas a perspectiva da economia solidária, assim como muitos empreendimentos solidários passam a ter um perfil próximo às empresas capitalistas, não vivenciando a autogestão, se confundido e muitas vezes se contradizendo em seus princípios. De modo geral a proposta do cooperativismo aponta novas estruturas de organização e relações de trabalho, visando o bem estar social e a valorização das relações humanas.

Pretendemos assim, refletir sobre as estratégias socioeconômicas coletivas na comunidade do Riachão, refletindo sobre as estratégias socioeconômicas coletivas adotas no meio rural, tendo como referência a perspectiva do associativismo e as experiências de organização do trabalho na Cooperativa do Riachão.

Relações de trabalho no modo de produção capitalista

As mudanças ocorridas na sociedade e as transformações nas relações de trabalho são questões importantes para compreendermos a organização dos trabalhadores em torno das estratégias socioeconômicas coletivas.

Diversas discussões são feitas em torno do conceito da palavra, dessa forma, enfatizamos que o trabalho, assim como qualquer outra atividade que é empreendida pelas mãos do homem, se refere às ações que dão objetividade ao mundo. (GRINT, 1998).

De acordo com Albornoz (1988, p.8) a palavra trabalho apresenta muitos significados na linguagem cotidiana, envolve características subjetivas como: emoção, dor, tortura, suor do rosto e fadiga; em outros momentos “designa a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura.” Desta forma, a ação do homem e o seu esforço físico, significa a sua sobrevivência e a sua dignificação enquanto ser humano.

Marx (1983) entende a força do trabalho como o conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie, na medida em que ela é oferecida a venda

(4)

696

ou é vendida pelo seu próprio possuidor, ela se torna uma mercadoria.

Diante disto, Polanyi (2000) discorre que o mercado de trabalho competitivo ameaça o trabalhador, e que o desenvolvimento do sistema de mercado acompanhou uma mudança na organização da própria sociedade, seguindo este raciocínio, a sociedade humana tornara-se um acessório do sistema econômico, com terríveis efeitos nas vidas das pessoas, assim, o moinho satânico teria triturado os homens em massas.

A organização deste modelo produtivo capitalista teria trazido uma serie de desafios para a classe trabalhadora, Marx (1983) destaca que existe um exercito de reserva de mão de obra que contribui para que o trabalhador aceite suas condições precárias de trabalho, uma vez que ele só tem como mercadoria de troca, a sua força de trabalho.

Neste sentido, Wood (2014) retoma a discussão, afirmando que o capitalismo teria separado a economia de outras dimensões da realidade, criando uma nova forma de exploração, sustentado pela coerção e imperativos econômicos, e não mais pela força direta, assim, acredita em dois momentos de exploração do trabalho, a apropriação do trabalho que não lhe pertence, bem como o poder coercitivo que é imposto sobre o trabalhador.

De acordo com Marx (1983) o trabalho deixa de ser livre e passa a ser alienado, pois neste processo, os homens não mais se reconhecem no produto final criado, este não mais o pertence, além disso, os aspectos relacionados à divisão do trabalho, interrompe o processo de criatividade do homem no processo produtivo, interferindo na característica que é fundamental na diferenciação entre o animal e o homem, a capacidade criativa.

Assim, o aumento cada vez maior da especialização e a divisão do trabalho teriam ocasionado a alienação do trabalhador que perde a noção do processo como um todo, não se reconhecendo no produto final e não desenvolvendo a sua capacidade criativa na produção. (MARX, 1983).

O enfraquecimento dos laços sociais contribui para que o homem permaneça submisso e parcialmente livre diante da dinâmica do trabalho. Deste modo, Lewis (1969) discorre que um número significante de pessoas sai do setor de subsistência, caracterizado pela produção de bens primários, para trabalhar no setor capitalista, assim, o aumento de pessoas disponíveis ao mercado, acrescentado da mão de obra desqualificada, contribuem para que o preço do trabalho corresponda a um nível de subsistência.

Existe uma coerção econômica que faz com que os trabalhadores vendam sua força de trabalho por um salário de subsistência, essas relações são vistas como uma transação de indivíduos iguais e livres, contudo, não são transparentes, os meios pelos quais ocorre a apropriação são obscuros por sua própria natureza. Se por um lado o estado tem de ajudar na sobrevivência de uma parcela da população em estado de vulnerabilidade social, por outro, essa ajuda deve ser mínima,

(5)

697

de forma, que não estejam livres da imposição da venda de sua força de trabalho, quando assim for necessário. Desta forma, é inegável a concorrência de mercado, a coerção sobre os trabalhadores, a acumulação de lucros, o distanciamento entre ricos e pobres e as injustiças sociais. (WOOD, 2014).

Marx (1983) afirma que o valor de cada mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho requerido para fornecê-la com sua qualidade normal, destacando que existe uma apropriação do trabalho alheio, e que a força de trabalho que não foi paga pelo capitalista legitima a exploração do trabalho, assim, o crescimento de capital e de riqueza é acompanhado pela constituição contínua de um exército industrial de reserva. O autor destaca que através da mais-valia, apropriação do excedente do trabalho que não foi pago ao trabalhador, este adianta ao capitalista o valor de uso da força de trabalho, portanto, fornecendo o crédito ao capitalista. (MARX, 1983)

Conforme expressa Ricardo (1985) as condições de vida da classe trabalhadora são prejudicadas com o aumento da produtividade associado ao emprego da maquinaria, visto que, há uma substituição do trabalho humano, o que ocasiona desemprego, baixa nos salários, e a deterioração dos trabalhadores. Para o autor, os trabalhadores precisavam regular o seu número, para superar o salário de subsistência, através da escassez de trabalhadores ao lado da demanda no mercado de trabalho, visto que a demanda de trabalhadores ocorre de forma desproporcional ao capital que foi investido na produção.

Os trabalhadores se tornam dependentes do sistema, e esta situação contribui para a precarização do trabalho, tendo em vista que o seu salário é de subsistência, o que proporciona minimamente as condições básicas de sobrevivência.

O contexto de expropriação econômica e exclusão social contribuíram para relações e condições de precariedade no trabalho, perda de emprego, desintegração dos valores culturais e éticos, além de uma série de problemas sociais, fatores importantes para compreendermos as alternativas construídas pelos trabalhadores diante das crises, especialmente as estratégias socioeconômicas coletivas no meio rural, diante dos processos de migração e precarização nestas relações.

As estratégias socioeconômicas coletivas no meio rural

Um registro de lutas em busca de um espaço na economia e na sociedade é uma marca da história do campesinato no Brasil, lutas por um espaço produtivo, pela constituição do patrimônio familiar e pela estrutura do estabelecimento como um espaço de trabalho da família. (WANDERLEY, 1996, p. 8-9).

(6)

698

A economia rural é o ramo mais antigo da economia; a produção agrícola foi desde muito tempo um trabalho familiar camponês, que constituía até então as nossas sociedades, mas esses trabalhadores foram perdendo sua autonomia diante do crescimento das cidades e indústrias. Para o trabalhador rural, o seu produto se destina primordialmente ao sustento da própria família, podendo vender ou não o excedente da colheita, normalmente plantam para o consumo da família. (QUEIROZ, 1973, p. 29-30).

A condição para a reprodução familiar nestas comunidades rurais está relacionada ao uso dos recursos naturais que dispõem em suas terras onde nasceram e cresceram. A sua organização interna é baseada nos costumes, assim, as práticas de trocas e o conhecimento popular tradicional são utilizados diariamente nas relações de trabalho. Segundo Nisbet (1972)

[...] comunidade é a fusão do sentimento e do pensamento, da tradição e da ligação intencional, da participação e da volição. Pode ser identificada, ou encontrar sua expressão simbólica, na religião, na nação, na raça, na profissão, nas cruzadas. Seu protótipo tanto histórico como simbólico, é a família, cuja nomenclatura ocupa lugar predominante em quase todos os tipos autêntico de comunidade. (p.256).

No meio rural, por exemplo, a moeda não estabelecia tanta importância, uma vez que o escambo era uma prática comum, pois as pessoas constantemente estabeleciam trocas, e assim conseguiam viver de forma organizada e solidária ao outro.

O Capitalismo chegou às comunidades rurais, interferindo em sua estrutura social. Wanderley (1996) afirma que “[…] o ‘modelo original’ do campesinato brasileiro reflete as particularidades dos processos sociais mais gerais, da própria história da agricultura brasileira, especialmente: o seu quadro colonial [...].”

O trabalhador rural ainda mantém seu processo de produção simples, conservando em sua lógica de vida a unidade indissociável da família, cujo papel é extremamente importante para a singularidade de suas relações econômicas, bem como todo o processo de produção e trabalho.

Com o processo de urbanização da economia nacional, a solidariedade econômica entre tais atores foi rompida, determinando a desestruturação da organização produtiva e a desagregação da cultura que afetou a família camponesa, a reprodução da vida, a morte das lendas e a desvalorização do conhecimento e da prática sertaneja em relação ao ambiente. A expansão das relações capitalistas de produção deslocou o eixo da vida social, fazendo com que as cidades ganhassem importância crescente e ocorresse a desvalorização da vida rural. (COSTA, 1977, p.94)

Com o processo de modernização e urbanização, as comunidades lutam pela resistência e reprodução dos seus modos de vida tradicionais, diante das constantes transformações e processos sociais que ameaçam suas estruturas econômicas, históricas, sociais e culturais. As mudanças na

(7)

699

estrutura social dos campesinatos ocorrem, e o que permanece nas gerações futuras é ainda um sinal de resistência e de “luta pela sobrevivência individual e de toda a sua espécie dentro de uma ordem social que o ameaça de extinção”. (WOLF, 1976, p. 34).

De acordo com Brandão e Ramalho (1985, p.128-129), o trabalhador rural sempre se lembra de momentos de fartura, ao falar de sua sociedade e das condições atuais de vida e trabalho, ele estabelece, inevitavelmente, um confronto entre os ‘dias de hoje’ e um tempo anterior de passado.

A racionalidade econômica se diferencia pelos valores e princípios que fundamentam os processos econômicos, deste modo, além dos laços de solidariedade e reciprocidade presentes em sua organização produtiva de base familiar, destacam-se as relações que estabelecem com a natureza como meio indissociável para a reprodução social, material e simbólica, conforme é apresentado por Mendras (1976)

O amor à terra, movido por uma racionalidade econômica ou por uma exigência de liberdade, pode evidentemente assumir formas sentimentais de ligação a tal ou qual terra particular, geralmente a dos ancestrais , que é cultivada de geração em geração e simboliza a continuidade familiar, um outro valor fundamental, já que o grupo doméstico e a linhagem são duas instituições –chave de uma sociedade camponesa. (p. 191).

A maior preocupação do trabalhador rural é a sustentação de sua família, e a preservação de seus valores em uma sociedade moderna em constante movimento; deste modo não conseguem se imaginar fora dos laços familiares que são de suma importância para a sua construção de vida em comunidade. Os camponeses ainda ocupam uma posição de subordinação, diante da sociedade urbana que chegam até eles ameaçando a sua relação com o meio ambiente enquanto fonte de sobrevivência. De acordo com Costa (1997)

Os núcleos camponeses, espalhados por todo o sertão, também constituíam-se, cada um, um todo econômico, baseados fundamentalmente na produção coletiva e na utilização das chapadas para a complementação alimentar e criação de gado ‘na solta’. A integração das diversas famílias camponesas assentava-se nas relações de parentesco, de vizinhança e de compadrio, pois vinculavam e aproximavam os habitantes de cada núcleo camponês. (p.79).

A comunidade rural é regida por uma ética camponesa que molda o comportamento dos sujeitos e organiza a estrutura social interna, repleta de um sentimento de pertencimento que o liga ao seu território ancestral, sua ética é constituída acima de tudo por um sentimento de honra e moral; sendo a terra e a natureza elementos fundamentais para a garantia de sobrevivência da família.

(8)

700

amplia-se cada vez mais a precarização do trabalho, que por sua vez, afeta inclusive a vida no campo, trazendo conseqüências econômicas, sociais, e ambientais. As estratégias de sobrevivência surgem a partir das articulações comunitárias e da necessidade de fortalecimento dos valores da solidariedade, reciprocidade e coletividade.

As estratégias socioeconômicas dependem especialmente dos recursos naturais, que representa o seu principal meio de sobrevivência e reprodução social. O conflito e a ameaça estão no cerne da memória dos camponeses, que vivenciam a luta pela permanência num território ancestral, buscando a preservação de suas raízes e a reprodução dos seus modos de vida.

A Cooperativa do Riachão e as experiências de organização do trabalho associativo

Um intenso crescimento econômico marcou o final da década de 1960 e início da década de 1970, onde ocorreram transformações em vários setores da sociedade. A instalação de indústrias em Montes Claros, uma cidade de porte médio, localizada no Norte de Minas Gerais, ganha impulso em decorrência do grande número de imigrantes que passa a atrair, principalmente imigrantes que vinham da zona rural de Montes Claros e de cidades vizinhas, devido à precariedade de vida no campo, porém a cidade não conseguia absorver todo esse contingente de mão-de-obra desqualificada, o que gerou uma série de problemas urbanos, e um crescimento do êxodo rural. (LEITE e PEREIRA, 2004).

O Norte de Minas tem 63% de sua área coberta com a vegetação dos cerrados, durante o período da ditadura militar brasileira3 os cerrados foram tratados como vazios econômicos e

vazios de gente, de modo que a população e os povos da região foram invisibilizadas socialmente, culturalmente e economicamente. Os cerrados foram recentemente ocupados, pela dinâmica expansionista do capitalista no campo, estas relações colocam em evidência a sustentabilidade e o empobrecimento da população e de toda a região, devido o agravamento das condições sócio-econômicas diante de um processo de desenvolvimento excludente. (DAYRELL, 2000).

Nesta perspectiva abordaremos a articulação dos trabalhadores rurais da Comunidade do Riachão, que possui um histórico de ações desenvolvidas em torno da preservação dos cerrados4,

entre outros significados simbólicos, exprime a condição para a sua produção e reprodução social, cultural e econômica. A comunidade do Riachão pertence ao município de Montes Claros/ MG, nesta, aproximadamente quarenta famílias agroextrativistas contribuem para as questões econômicas, sociais e sustentáveis da região, através da singularidade de suas práticas produtivas que fundamentam a agricultura geraizeira.

3 Que teve início a partir de março de 1964 e perdurou até meados da década de 80. (destaque do autor). 4 Refere-se à vegetação (que é um tipo de savana) presente em aproximadamente 63% do Norte de Minas Gerais.

(9)

701

De acordo com Dayrell (2000) a agricultura geraizeira surge a partir do mesclar de diferentes influências no contexto da colonização, onde a agricultura indígena exerce forte influência. Assim, os geraizeiros são criativos frente ao enfrentamento das adversidades agroambientais, de forma que a sobrevivência torna-se possível diante das estratégias produtivas construídas historicamente, onde a vegetação nativa é uma aliada. (DAYRELL, 2000).

Os trabalhadores desta comunidade rural vivem a tradicionalidade, reafirmando-a em seu cotidiano, tendo como condição para a reprodução familiar o uso dos recursos naturais disponíveis na região. A sua organização interna é baseada nos costumes, e no conhecimento popular tradicional, assim, remetemos ao DECRETO Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 que define as Comunidades Tradicionais como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”5

Os processos produtivos dos trabalhadores rurais da comunidade do Riachão estão intimamente ligados aos recursos naturais locais e as potencialidades do ecossistema, suas técnicas de uso e manejo são caracterizadas pela singularidade do conhecimento tradicional, que é fundamental para seu sistema de produção e reprodução das relações e laços sociais.

Diante destas questões, várias iniciativas marcaram a comunidade, motivadas pela busca da preservação e restauração do Rio Riachão e de suas áreas degradadas pelo sistema de irrigação presente na nascente, assim, os trabalhadores se articularam com os municípios de Montes Claros, Mirabela, Brasília de Minas e Coração de Jesus, a fim de mobilizar a população e os órgãos competentes, tendo em vista que o Rio Riachão é fundamental para a produção e reprodução material das famílias da comunidade e região.

De acordo com relatos dos moradores da comunidade, sessenta e duas associações de agricultores da sub-bacia do Rio Riachão, teriam se reunido e articulado junto a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), Centro de Agricultura alternativa (CAA), Cooperativa grande sertão, e Sindicatos dos trabalhadores rurais da região, com o propósito de desenvolver medidas de proteção ao rio e a áreas degradadas pelo sistema de irrigação que foi instalado.

A sustentabilidade da agricultura na região dos cerrados está pautada nas estratégias de reprodução social desenvolvidas pelos geraizeiros6, onde a agricultura se aproxima cada vez mais 5 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em 24 de julho de 2015.

6 Refere-se à população que vive nos gerais, o qual Dayrell (2000) afirma que é um termo que se refere às áreas localizadas nos planaltos e serras da região onde predomina a formação vegetal denominada de cerrados (que é um tipo de savana).

(10)

702

da natureza, assim, para Dayrell (2000) o processo desenvolvimentista afetou a agricultura familiar brasileira, contribuindo para a fragilização da agricultura geraizeira, onde se destaca a degradação dos recursos naturais ou/e a restrição do seu acesso; a variedade de plantas cultivadas geneticamente sobrepondo as locais; a restrição dos mercados e feiras livres, sobretudo pela competição com produtos agroindustriais, entre outros.

Tendo em vista a relevância das estratégias produtivas construídas historicamente, em 1995, a comunidade formalizou a Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais de Riacho D’Antas, localizada na fazenda Santa Cruz, Município de Montes Claros – MG, tendo como principais objetivos: desenvolver ações para a restauração e conservação do Rio Riachão e das áreas degradadas; desenvolver projetos locais de combate à pobreza; gerar renda através do trabalho associado; e contribuir para a diminuição dos processos migratórios.

Nesta perspectiva, a principal ação estratégica foi à criação da Unidade de

Beneficiamento do Coco Macaúba (UBCM) em 2000, que vinculada à associação, tornaria possível a realização desses objetivos então apresentados, através da produção, aproveitamento, e comercialização dos frutos da região, encontrados em abundância, entre eles se destaca os seguintes: coco macaúba, coquinho azedo, mangaba, cagaita pequi e panã. O surgimento de uma proposta de parceria torna necessária a organização e formalização de uma cooperativa, assim, em 2011 criam a Cooperativa do Riachão (Cooper Riachão) e se articulam para a obtenção do selo social da agricultura familiar, fundamental para o reconhecimento dos produtos.

Para além destas ações, a cooperativa tem sido uma alternativa de geração de renda e fortalecimento dos laços comunitários, pois através do trabalho associado e coletivo criam novas relações sociais fundamentadas em valores e princípios de solidariedade e cooperação. Dentre as principais tarefas realizadas na comunidade, podemos mencionar a coleta, a separação, e o processamento dos frutos, assim, o extrativismo dos geraizeiros possibilita o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis, sendo uma estratégia produtiva importante para a reprodução da unidade familiar.

No processo de produção, o fruto principal é o coco macaúba, o seu beneficiamento possibilita a produção da torta, ração animal, endocarpo, óleo da semente, sabão, detergente, sabonete, e o óleo da polpa para a produção do biodiesel, assim, o coco é aproveitado em sua totalidade. Além disso, os associados à cooperativa participam de espaços de feiras e eventos culturais, a fim de divulgar suas atividades realizadas, comercializar seus produtos e mobilizar a comunidade e adjacências sobre a responsabilidade social e sustentável que fundamenta a organização e produção da cooperativa.

(11)

703

recursos naturais, propondo um aproveitamento dos frutos do cerrado de forma sustentável, uma vez que possibilita a geração de trabalho e renda, o desenvolvimento da comunidade para a melhoria de vida das famílias locais, e a manutenção da tradicionalidade das práticas socialmente reproduzidas. Neste sentido, evidenciamos aspectos culturais, políticos e sociais nas estratégias socioeconômicas e produtivas construídas coletivamente por meio das relações comunitárias.

Para os trabalhadores rurais a natureza é fundamental para a sua produção e reprodução, as atividades são desenvolvidas de acordo com as necessidades e as possibilidades existentes, assim, o uso dos recursos naturais é baseado em controles e normas orais que orientam a apropriação e o manejo, deste modo, utilizam técnicas e formas de conhecimentos que foram construídos socialmente e historicamente pela comunidade.

Além de participarem da gestão da cooperativa, os associados trabalham em suas propriedades, lavrando as suas terras, plantando e colhendo. Todos os trabalhadores envolvidos no empreendimento associativo recebem democraticamente o valor que corresponde ao tempo de trabalho. Após o cálculo das despesas, as sobras são divididas e/ou repassadas para cada cooperado, baseadas nos valores de solidariedade, coletividade e cooperação.

Os associados apontam que entre as conquistas obtidas durante o processo de implantação da cooperativa, se destaca as parcerias com entidades de apoio que contribuem para a comercialização, especialmente nos espaços de feiras e eventos, além da ampliação de oportunidades de participação em processos de captação de recursos. Entre outras conquistas, destacam a articulação com projetos que apóiam os agricultores; a expansão da comercialização e da demanda pelos produtos; a participação dos associados; a permanência dos trabalhadores em suas terras e na comunidade, o retorno de pessoas que foram para as cidades a procura de emprego; e a aquisição de maquinários, pois inicialmente o processo era todo artesanal.

A abundância dos frutos da região e a vegetação nativa são fatores importantes para a articulação dos agricultores em torno das estratégias socioeconômicas coletivas, uma vez que possibilitou / e possibilita a criação e manutenção da unidade de beneficiamento e da cooperativa, fundamentais para a reprodução social e para a visibilização dos processos socioeconômicos da comunidade.

A cooperativa beneficia diretamente os associados e indiretamente os moradores da região, que de algum modo tem a oportunidade de realizar alguma prestação de serviço para a cooperativa. Além de gerar renda e minimizar os processos migratórios justificados pela busca de emprego, existe a mobilização da comunidade em prol da preservação da natureza e do Rio Riachão.

A criação da cooperativa significou um projeto de conscientização ambiental, que se tornou contínuo, com a finalidade de gerar trabalho e renda e desenvolver a comunidade para a melhoria

(12)

704

de vida das famílias locais. A preocupação da comunidade em conter o êxodo rural e oferecer estrutura básica para que os moradores não saíssem de suas terras, é um elemento que acompanha os discursos dos associados, sendo justificado pelo desejo de manter a tradicionalidade herdada da família, onde afirmam que sempre houve ajuda mútua.

Desta forma, o processo de articulação local é reforçado pelas relações comunitárias, que estimulam e intensificam nos envolvidos o caráter de solidariedade, e de participação dentro das questões políticas e sociais de interesse da coletividade. Assim, estas características são percebidas no cotidiano da comunidade e na gestão da Cooperativa, cujo objetivo é valorizar as potencialidades da comunidade levando em consideração a reprodução dos seus modos de vida. Destacamos a articulação dos moradores e suas ações enquanto atores no processo de desenvolvimento da localidade, visto que a cooperativa proporciona a geração de trabalho e renda na comunidade, contribuindo para a diminuição dos processos migratórios do campo para as cidades, além de mobilizar a região em favor da preservação da biodiversidade local.

Neste sentido, a cooperativa possui uma nova forma de organização da produção, que é baseada no trabalho coletivo, na propriedade comum dos meios de produção, e na divisão justa dos produtos produzidos e comercializados. Além disso, a gestão do empreendimento é realizada de forma democrática e participativa, de forma que todos possuem a liberdade de expor as suas opiniões e sugestões, fundamentadas em princípios e valores que dialogam com o Movimento Social de Economia Solidária, um projeto que requer participação popular.

Estes elementos permeiam as relações sociais estabelecidas na comunidade, trata-se de um processo de organização composto de novos princípios, diferentes da racionalidade econômica capitalista. Deste modo, entendemos que a diversidade cultural e a singularidade das comunidades rurais e tradicionais podem potencializar e promover um desenvolvimento pautado em valores éticos que considere os aspectos sociais, culturais, ambientais e locais da região.

As estratégias socioeconômicas coletivas são fortalecidas por meio da articulação comunitária e da atuação dos agentes sociais da comunidade, estas experiências apontam novos caminhos em busca da valorização do trabalho humano, e da resolução de questões sociais, políticas, culturais e sustentáveis, através da organização coletiva, cooperada, solidária e associada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhadores rurais da comunidade do Riachão carregam consigo um histórico de resistência dos modos de vida e das práticas socioeconômicas da agricultura geraizeira, caracterizadas pela singularidade na cooperação e apropriação dos recursos naturais. Além disso,

(13)

705

reproduz o seu modo de vida tendo suas lembranças freqüentemente associada às situações de luta, conquista, confronto, expropriação e resistência.

As estratégias socioeconômicas coletivas na Comunidade do Riachão estão pautadas na necessidade da reprodução social, baseadas no uso dos recursos naturais. Possuem suas técnicas de uso e manejo, fundamentadas na produção sustentável, minimizando o esgotamento dos recursos naturais, integrando valores culturais, tradicionais e solidários. Desta forma, o extrativismo dos frutos do cerrado e a agricultura geraizeira são fundamentais em seus processos de reprodução, são estratégias produtivas, coletivas e socioeconômicas.

A diversidade cultural das populações rurais e a singularidade de suas práticas tradicionais sustentam uma organização produtiva baseada na relação com o meio ambiente, podendo potencializar e promover um desenvolvimento social, local e ambiental, onde os laços comunitários são continuamente fortalecidos.

A participação da população como co-autora do processo de desenvolvimento é fundamental, uma vez que as práticas observadas na gestão da Cooperativa do Riachão nos apontam para um processo de articulação entre os moradores, fortalecimento dos laços, e busca pela transformação social, a partir das mudanças locais, levando em consideração as questões políticas, sociais e ambientais, tanto no campo comunitário como das redes sociais.

Estas experiências foram importantes para compreender a dinâmica de suas relações autogestionárias de trabalho, pautadas no associativismo e na articulação comunitária. Existem vários desafios para a continuidade das práticas extrativistas geraizeiras, uma vez que a expansão da racionalidade capitalista no campo e os processos de expropriação dos recursos naturais comprometem a produção e reprodução dos seus modos de vida e estruturas sociais.

(14)

706

REFERÊNCIAS

ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1988.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues; RAMALHO, José Ricardo. Campesinato Goiano. Goiânia: Editora da UFG.

COSTA, João Batista de Almeida. Cultura Sertaneja: A conjugação de lógicas diferenciadas. In: SANTOS, Gilmar Ribeiro dos (Orgs.). Trabalho, Cultura e Sociedade no Norte/Nordeste

de Minas: Considerações a partir das ciências Sociais. Montes Claros: Best Comunicação e

Marketing, 1977., 1985.

DAYRELL, C.A. (2000), Os geraizeiros descem a serra ou a agricultura de quem não aparece nos relatórios dos agrobusiness. In: GUIMARÃES, P.W.; &. Cerrado e

desenvolvimento: Tradição e atualidade. Montes Claros: UNIMONTES. p.191-274.

GRINT, Keith, Sociologia do trabalho, Lisboa, Piaget, 1998.

LEITE, Marcos Esdras. PEREIRA, Anete Marília. A Expansão Urbana de Montes Claros a

partir do processo de industrialização. In: PEREIRA, Anete Marília; ALMEIDA, Maria Ivete

Soares de. Leituras geográficas sobre o Norte de Minas Gerais. Montes Claros, MG: Ed. Unimontes, 2004.

LEWIS, W. Arthur. O desenvolvimento econômico como oferta ilimitada da mão-de-obra. In: AGARWALA, A.N. e SINGH, S.P. Org. A economia do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense, 1969.

MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MENDRAS, Henry R. J. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1976. NISBET, Robert A. Comunidade. In: FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade: Leituras de introdução à Sociologia. São Paulo: JC Editora, 1972.

POLANYI, Karl. A Grande Transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O campesinato brasileiro. Ensaios sobre civilização e grupos rústicos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1973.

RICARDO, David. Princípios de economia política e tributação. 2. Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Raízes Históricas do Campesinato Brasileiro.

Minas Gerais, out. 1996. XX Encontro Anual Da ANPOCS. Disponível em: <www.mda.gov.

(15)

707

WOLF, Eric R. J. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1976. WOOD, Ellen Meiksins. O Império do Capital. São Paulo: Boitempo, 2014.

Referências

Documentos relacionados

Bom, eu penso que no contexto do livro ele traz muito do que é viver essa vida no sertão, e ele traz isso com muitos detalhes, que tanto as pessoas se juntam ao grupo para

A partir dos objetivos propostos neste estudo, constatou-se a prevalência do diagnóstico de enfermagem constipação e de sete de seus indicadores

Número de casos, intervenção neurocirúrgica, interven- ção neurorradiológica e mortalidade em doentes internados na unidade de cuidados intensivos pediátricos com lesões

A dispensa de MSRM é um procedimento que requer rigor e cautela, visto que, um erro a este nível poderá por em risco a saúde do utente e também trazer

Face à lacuna de dados empíricos sobre estas problemáticas, nomeadamente no contexto português, este estudo pretende ser um modesto contributo para compreender os

Quantitativamente, a média de 75% de pega na enxertia das combinações dos componentes orgânicos (húmus de minhoca e Vitasolo®) com as adubações minerais (Osmocote®, Polyon® e

Dessa maneira, é possível perceber que, apesar de esses poetas não terem se engajado tanto quanto outros na difusão das propostas modernistas, não eram passadistas. A

Vários fatores podem contribuir para a qua- lidade final dos painéis aglomerados, dentre eles, podem ser destacados os inerentes à ma- deira, tais como: espécies, características