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TERRAS, ANIMAIS E CATIVOS: FORTUNAS DE DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE CASTRO ( )

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1416 TERRAS, ANIMAIS E CATIVOS: FORTUNAS DE DONOS DE ESCRAVOS

DA VILA DE CASTRO (1825-1845)

OLIVEIRA, Mariani Bandeira Cruz Mestranda em História- UNICENTRO

Resumo: O presente trabalho investiga a sociedade escravista castrense da

primeira metade do século XIX. O objetivo é discutir a mão de obra escrava naquele universo oitocentista que possuía como principal atividade o comércio e a criação de animais.Utilizou-se como corpo documental principal 81 inventários post-mortem de donos de escravos inventariados na Vila de Castro, nos anos de 1825-1845. A partir dos dados retirados da documentação estabeleceu-se um perfil do patrimônio desses inventariados. A hierarquia econômica por faixa de fortuna demonstrou que naquela sociedade a posse de escravos, a propriedade de terras e a propriedade de animais (vacuns e cavalares) caracterizavam sobremaneira a região. E mais, a pesquisa demonstrou que a mão de obra escrava foi componente estrutural da sociedade castrense, seja nas fazendas de engordas e/ou nas atividades tropeiras. Foi possível caracterizar um total de 713 escravos, sendo 148 africanos (97 homens e 51 mulheres); 198 crioulos (113 homens e 85 mulheres), 05 indígenas (02 homens e 03 mulheres) e 362 não especificados. A média de escravos por inventariado na Comarca de Castro, no período estudado ultrapassou 8 cativos por proprietários. Dessa feita, considera-se essa região significativa no que tange o universo escravista, além de revelar-se lócus de um escravismo bastante dinâmico no que refere-se às lidas campeiras.

Palavras-chave: Escravismo; fortunas; Século XIX.

Introdução

Os Campos Gerais paranaense ficaram conhecidos na historiografia pelos seus envolvimentos com as atividades de criação e engordas de animais.

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O desenvolvimento desta região se deu no início do século XVIII, baseado nas atividades do tropeirismo, nas posses de grandes propriedades de terras, criação de animais, no trabalho livre e escravo.

Com a abertura do Caminho de Viamão1 entre os anos de 1728 e 1730 os Campos Gerais Paranaense encontrava-se em meio a rota que ligava o Sul com Sudeste da colônia. E a posição geográfica em que se situava em relação aos centros comerciais do império, fez com que se constituísse num importante entroncamento e ponto de parada, de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Desse modo, as localidades dos Campos Gerais “mais do que parada [...] eram pontos de criação e de comércio, onde muitas pessoas fixaram moradia levando em consideração a possibilidade de crescimento” (MARTINS, 2011, p.54).

A Vila de Castro estava, portanto, dentro deste processo. Desenvolveu-se ligada as influências do tropeirismo que contribui com a formação de pequenos ranchos, os quais consolidaram na ocupação dos espaços e constituição dos vilarejos ao longo do caminho das Tropas. Conforme Ilton César Martins:

A localidade é a primeira região a ser habitada nos Campos Gerais basicamente por conta do rio Iapó e suas cheias, que obrigava tropeiros de Curitiba, Viamão e de Sorocaba, a repousar em suas margens, preferencialmente em sua margem esquerda, onde podiam se pôr ao abrigo dos ataques de índios que habitavam a região” (MARTINS, 2011, p.54).

Desde o século XVIII os Campos Gerais conviviam com o caminho de passagens de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Vilas e povoados foram se formando ao longo desse caminho, como é o caso de Castro.

Portanto, neste trabalho, procuramos pensar a sociedade castrense inserida no contexto da primeira metade do século XIX, justamente quando as

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O Caminho de Viamão ligava a Província de São Pedro do Rio Grande, passando pelos Campos Gerais paranaense, à Sorocaba no interior de São Paulo. Faz parte das muitas rotas e trilhas que foram criadas para cruzarem do interior do Brasil aos centros comerciais da colônia e Império (MARTINS, 2011, p. 49).

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atividades da pecuária e do tropeirismo já estavam consolidadas em todo o sul da América portuguesa.

Vila de Castro: povoação, sociedade e mão de obra escrava

A Vila de Castro faz parte da região que hoje conhecemos como Campos Gerais Paranaense. A ocupação dessa área se deu pela distribuição da sesmaria2 no início do século XVIII. As terras foram adquiridas especialmente por paulistas, habitantes de Curitiba e Paranaguá (Pinto, 1992, p.75). As primeiras famílias que se instalaram na região exploraram os campos naturais para a engorda e criação de animais. Com o povoamento dessas terras favoreceu a formação de um grupo de fazendeiros que se formou na localidade.

As atividades desenvolvidas nessas propriedades contavam com mão de obra livre e escrava. Conforme Cacilda Machado, “o escravo era mão-de-obra fundamental nas fazendas, e os grandes proprietários dos Campos Gerais eram geralmente senhores de escravarias maiores dos que os das terras curitibanas” (MACHADO, 2008, p.30).

As investigações sobre o escravismo na área que irá abranger a Província do Paraná demonstram que as regiões de predominância campeira, como é o caso dos Campos Gerais, com suas atividades de pecuárias foram as possuidoras de maiores plantéis de escravos. (PEREIRA, 1996, p.60; MACHADO, 2008, p.30; GUTIÉRREZ, 1986, p.151).

Entre as fazendas que se formaram nos Campos Gerais algumas possuíam características específicas, como das unidades absenteístas, onde os proprietários não costumavam permanecer em suas fazendas, deixando-as aos cuidados de capatazes de sua confiança, na maioria administradas pelos escravos, como é o caso, por exemplo, da Fazenda Capão Alto3, situada nas proximidades da Vila de Castro.

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Há um Alvará datado de 19/03/1704 em que Pedro Taques de Almeida, representante das principais famílias paulistas, requeriam por sesmarias as terras nas proximidades do Rio Iapó, atualmente região dos Campos Gerais do Paraná. Esse pedido foi concedido parte da área localizada na paragem chamada Iapó, nas proximidades do rio Iapó (PINTO, 1992, p.42). 3

A Fazenda Capão Alto de propriedade dos Padres Carmelitas foi administrada, na sua maior parte por capatazes cativos. E aparece nas listas nominativas de 1835, como a maior escravaria de Castro, que abrigava 99 escravos, no mínimo. (LIMA, C. A. M. ; MELO, K.V. de.

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As escravarias dos Campos Gerais paranaense, mesmo sendo mais modestas do que as encontradas nas regiões agroexportadoras do sudeste brasileiro, possuíram sua relevância para a economia paranaense, a dos Campos Gerais e também na constituição da sociedade castrense do século XIX.

Desse modo, a sociedade castrense constituía-se por ricos fazendeiros, detentores de poder econômico e político, e assalariados, daqueles cujas atividades supriam apenas as necessidades de subsistência e dos sitiantes (PINTO, 1992, p.04).

Nas primeiras décadas do século XIX, a área que vai tornar-se a Província do Paraná apresentava um crescimento em sua população. Entre os anos de 1804 a 1854, seus habitantes passaram de 26.370 para 62.258 indivíduos (WESTPHALEN, 1997, p.26). Esse total dividia-se entre as áreas Curitibanas, Campos Gerais e o Litoral.

No início desse século, Campos Gerais era o menos povoado, contava com aproximadamente 26% do total da população paranaense. Já na década de 1850 alcançou o percentual de 35% do total de habitantes nesse território (WESTPHALEN, 1997, p.35).

Num espaço parcialmente ocupado, a transitoriedade delineava os contornos da vida material. A vila de Castro situada num caminho de passagem era um lugar com fluxo relativamente constante de gente, que passava, chegava ou saía, dependendo da disposição e/ou necessidade de cada um. As pessoas buscavam o enriquecimento ou a melhoria nas condições de sobrevivência.

Nos primeiros anos do século XIX, a Vila Nova de Castro era composta por moradores que se dedicavam as lidas nos currais e no comércio de animais, além disso, buscavam garantir a sobrevivência prestando auxílio aos tropeiros que passavam pela vila (MELO, Kátia Andreia Vieira, 2004, p.15). Entretanto, a história desta localidade nesse período é marcada por história de viajantes, tropeiros, fazendeiros e escravos, de sucessos e insucessos, numa área de pastoreio que acolhia pessoas dos mais variados graus de riqueza.

A distante voz do dono: a família escrava em fazendas absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835) In: Afro-Ásia, 31 (2004), 127-162, p.140).

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Quanto ao aspecto físico da povoação da vila castrense pode-se levar em conta o olhar de Jean-Baptiste Debret que passou pela região na década de 1820 e registrou suas impressões.

A cidade de Castro, de Jean Baptiste Debret (1829) FONTE: BANDEIRA, Julio e LAGO, Pedro Correia do. Debret e o Brasil: Obra completa 1816-1831. Rio de janeiro: Capivara Editora, 2007. p. 284.

Tomando como base a aquarela de Debret, temos a Vila de Castro no início do Século XIX ainda pouco povoada, e isso, não é muito diferente das demais vilas paranaense, ou até mesmo das espalhadas pelo interior brasileiro no período.

No entanto, a vila castrense é representada com a Igreja ao centro e algumas casas em torno dessa. Debret destaca a presença dos homens montados nos animais, o que nos remete a valorização da sociedade campeira na localidade.

O estilo de vida na vila era marcado pela cultura campeira. A população que concentrava nessa região nas primeiras décadas do século XIX era bastante diversificada, apesar das atividades agrícolas e pecuárias serem as mais cotadas, os habitantes castrenses procuravam, na medida do possível, inserir-se em diversas atividades econômicas.

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1421 Fortuna dos inventariados na Vila de Castro 1825-1845

O estudo das fortunas coloniais, a partir dos inventários post-mortem, tem sido tema de diversos trabalhos acadêmicos. Essas pesquisas, em sua maioria, constatam a importância de alguns ativos significativos na formação das fortunas coloniais: escravos, terras, imóveis e dívidas ativas. O que muda, em alguns casos, é a ordem que cada ativo possui no conjunto das fortunas analisadas.

Para analisarmos a composição das fortunas4 dos inventariados pesquisados recorremos, sobretudo, ao modelo proposto por Kátia Mattoso (1992) quando analisou a riqueza na Bahia do século XIX. Entretanto, nosso modelo de análise segue com devidas alterações. Segundo João Fragoso (1998), o “estudo das fortunas é um dos meios para se identificar a lógica que perpassa o processo de reprodução da sociedade” (FRAGOSO, 1998, p.334). A fortuna é, portanto, de fundamental importância na compreensão do funcionamento destas sociedades.

A partir da análise nas fontes classificamos o valor do patrimônio dos inventariados em três faixas específicas: pequenas, médias e grandes, conforme quadro abaixo:

QUADRO 01 – CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS DOS DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE CASTRO, 1825-1845. (EM CONTOS DE RÉIS)

Faixas de fortunas Valor monte-mor

bruto Número de inventariados % PEQUENAS ATÉ 3:000$000 39 48 MÉDIAS 3:000$001 a 20:000$000 34 42 GRANDES ACIMA DE 20:000$001 8 10 TOTAL 81 100

FONTE: FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de proprietários de escravos da Vila de Castro. Caixas: 1825-1845. Castro.

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Entendemos fortuna a posse de qualquer bem (MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.608).

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De acordo com a classificação no quadro acima é possível observar que quase metade dos inventariados pesquisados possuía um patrimônio que não ultrapassava três contos de réis. Ou seja, 48% possuía um patrimônio que somavam até 3 contos de réis. 42% encontrava-se na faixa média (3:000$001 a 20:000$000) e somente oito dos inventariados contavam com patrimônio acima de 20 contos de réis.

Tiago Gil em seu estudo sobre os tropeiros e seus negócios no caminho de Viamão, mencionou que na rota dos tropeiros (o qual a região dos Campos Gerais Paranaenses se inseriu) a economia era comandada pelos oficiais do exército, especialmente os capitães. E para vila de Castro apontou o Capitão Francisco Carneiro Lobo e o Alferes Luis Castanho como os mais influentes senhores da vila. Essas influências não baseavam somente no tamanho dos planteis de escravos, relacionava-se também com o patrimônio envolvendo propriedades de terras e animais (GIL. 2007, p.224-225).

Convém ressaltar que a economia castrense, na qual estamos nos referindo, é uma economia relativamente pobre, se comparada, por exemplo, com os negócios desenvolvidos no Rio de Janeiro na mesma época. Tiago Gil afirmou que no caso da rota das tropas, os capitães eram os senhores daquela “pobre economia”, como os do Rio de Janeiro eram de “grossa aventura” (GIL, 2007, p. 227).

Pequenos afortunados

A faixa das fortunas classificadas como muito pequenas na vila de Castro, no período estudado, somou um total de 39 proprietários. Entre esses, encontramos Ana Gertrudes do Sacramento5, inventariada em 1831, com a menor fortuna, avaliada em 113$980 (cento e treze mil réis). Dos bens arrolados encontrou-se a escrava Rita, crioula, com 50 anos, avaliada em 100$000 (cem mil réis), correspondente a 88% da fortuna da inventariada. Ainda entre os seus bens constaram uma vaca velha avaliada em 2$000 (dois mil réis); duas vacas com crias no valor de 2$500 (dois mil e quinhentos réis) cada uma; e outros bens: um par de canastras velhas, um catre tecido de

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FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Ana Gertrudes do Sacramento. Caixa: 1831. Castro, 1831.

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couro, uma mesa, um caldeirão de cobre e um tacho pequeno, totalizando 6$980 (seis mil e novecentos e oitenta réis).

Ana Gertrudes, “mulher pobre” (possivelmente já viúva) não possuía propriedade de terras. Ao que tudo indica morava apenas com a escrava Rita, que lhe prestava auxílio nas lidas diárias. Visto que os três herdeiros: Antonio, falecido; Maria Thereza, com 50 anos, casada; Josefa de tal, também casada, provavelmente nenhum desses dividiam o mesmo lar com Gertrudes.

Embora nas fontes analisadas não apareçam declaradas das ocupações dos pequenos proprietários, donos de escravos da vila de Castro, é possível que alguns deles tenham prestado serviços em fazendas vizinhas, que contavam com a mão de obra livre para o auxílio das diversas atividades da fazenda. A maioria desses inventariados não possuía propriedades de terras e/ou moradia. Onde residiam essas famílias com seus escravos?

Cacilda Machado em estudo sobre a população de São José dos Pinhais, para início do século XIX, enfatizou a presença de pessoas residindo como agregados em alguns domicílios dessa região. Em geral, os dados não trazem informações de vínculos parentais, nem mesmo detalhes sobre as ocupações exercidas por esses agregados. Dessa feita, “possivelmente a maior parte deles trabalhava na lavoura ou no serviço doméstico, como, de

resto, o conjunto da população do lugar” (MACHADO, 2008, p.117). É provável

que com a prestação de serviços nas fazendas tenha conseguido um aumento na renda familiar e, quem sabe, até a permissão de um lote de terra para nele criar um pequeno rebanho de gado, como pode ser o caso, por exemplo, da inventariada Ana Gertrudes do Sacramento.

Pelos dados constatados nos inventários, observa-se que a fortuna desses proprietários incluía a posse de escravos, animais (vacuns e cavalares), bens de raízes e alguns poucos móveis. Sendo a posse de escravos responsável pela maior fatia de sua fortuna. Isso evidencia que esses menos afortunados tiveram seus investimentos voltados especialmente à posse escrava.

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1424 Faixa das fortunas médias

Os inventariados cujas fortunas foram classificadas nas faixas: médias (mais de 3:000$000 até 2:000$000), corresponderam a um total de 34 inventários, equivalendo a 42% do total dos pesquisados.

Observamos que mais de 50% dos inventariados na faixa médias tiveram sua fortuna concentrada na propriedade escrava e de animais; em três inventários não foram constatado bens de raiz; dois não possuíam animais; e um contava somente com a posse de escravos e bens de raiz.

O número médio de escravos por proprietários nesta faixa ficou em torno de 09 cativos por inventariados. Observa-se que a posse escrava nos inventariados com patrimônios acima de 3 contos de réis à 20 contos de réis é bastante significativa.

A partir da faixas média, observamos que os inventariados dispunham de maiores quantidades de bens, especialmente no se refere aos trastes de uso domésticos, como por exemplo, louças, porcelanas, entre outros. No entanto, a posse de escravos e os animais continuam com uma participação maior nas suas fortunas.

Maiores afortunados

Os inventariados cujas fortunas foram classificadas na faixa grande corresponderam a um total de 8 dos inventários pesquisados. É nesta que se encontram os maiores plantéis de escravos.

Ao classificarmos o patrimônio desses inventariados observamos de certa forma, uma distribuição percentual equilibrada entre as propriedades: escravos, raiz, animais e outros bens.

Entre os mais “afortunados”, os bens de raiz, posse escrava e animais continuaram sendo ativos relevantes, porém os outros bens foram os que concentraram a maior parte de sua riqueza.

Os possuidores das maiores fortunas em Castro, no período estudado, foram também os detentores dos maiores plantéis escravos. Percebemos na pesquisa que a concentração da riqueza não se relacionava diretamente ao número de escravos. Encontramos indícios de envolvimento desses

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inventariados com os negócios e vendas de animais, especialmente com os negociantes do sudeste do império.

João Carneiro Lobo6 com uma fortuna avaliada em 156:395$460 foi o mais abastado dos inventariados da nossa pesquisa. Constaram entre os bens arrolados a posse de 53 escravos, 3.713 animais (incluindo vacas, cavalos, éguas e mulas) e mais de 16 propriedades de terras (incluindo fazendas, invernadas, terras lavradias, senzalas e capões de matos), além de alguns outros bens (como trastes de uso em animal, enxadas, machados, roupas, objetos de uso domésticos, algumas fazendas em tecidos, e entre outros). João Carneiro Lobo foi influente na região e a partir de seu inventário ainda foi possível constatar que manteve negócios também em outras regiões do império português, principalmente em São Paulo. Encontramos uma declaração feita pela inventariante, Dona Ana Estevão Carneira, possivelmente sua viúva, que havia uma tropa de bestas (éguas) que havia sido enviada a Feira de Sorocaba, junto com seu sócio Manoel José da Trindade, a fim de ser vendida aos negociantes dessa região.

A posse de escravos, as propriedades de terras, o comércio, inclusive de animais contribuíram para a consolidação das fortunas da elite escravista que se estabeleceram em Castro ao longo do século XIX. Os movimentos e as alianças estabelecidas entre a sociedade campeira castrense com os negociantes das demais áreas do império português promoveu uma integração maior entre as regiões do império.

Considerações finais

Em conformidade com estudos recentes sobre o papel da escravidão no mercado interno e na dinâmica da economia de abastecimento de outras regiões do Brasil, verificou-se que a Região dos Campos Gerais Paranaense nas primeiras décadas do oitocentos relacionava-se com as demais localidades e províncias com o mesmo tipo de atividades pecuarista, como Sorocaba, sul de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não apenas pelos caminhos das tropas. A comercialização de animais e a mão de obra escrava tiveram sobremaneira

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FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de João Carneiro Lobo. Caixa: 1844. Castro, 1844.

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grande importância, especialmente por tratar-se de uma atividade sócio-econômica.

A média de escravos por proprietário na vila de Castro, no período de 1825 a 1845 ultrapassou 8 cativos por proprietário. Esses dados em comparação a outras regiões paranaense são bem mais elevados. A mão de obra escrava na vila castrense, na primeira metade do século XIX, foi, de fato, componente estrutural dessa sociedade, seja em ocupações nas fazendas de subsistências, criação de gado, no cultivo de lavouras e/ou nas atividades tropeiras.

Os escravos corresponderam os maiores percentuais de bens entre os minimamente afortunados e os menos afortunados. Na faixa alta constatamos certo equilíbrio entre os ativos de suas fortunas, porém com concentração, especialmente no dinheiro líquido, trastes de uso campeiro, pratas, ferramentas de trabalhos no campo e entre outros. Os mais afortunados forma os responsáveis pelas maiores escravarias na Vila de Castro. Dessa forma, pode-se enfatizar a importância despode-ses três elementos: escravos, terra e animais, para essa sociedade nesse período.

A soma dos bens dos inventariados revelou que a riqueza na vila de Castro concentrou-se principalmente nas mãos dos grandes fazendeiros, negociantes de animais, possuidores de extensas propriedades de terras e conseqüentemente da posse de escravos.

Referências

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FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulação e riqueza na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

GIL, Tiago. Infiéis transgressores: elites e contrabandistas nas fronteiras do Rio Grande e do Rio Pardo (1760-1810). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. GUTIÈRREZ, Horácio. Senhores e escravos no Paraná, 1880-1830. Dissertação de mestrado. São Paulo, USP, 1986.

LIMA, C. A. M. ; MELO, K.V. de. A distante voz do dono: a família escrava em fazendas absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835) In: Afro-Ásia, 31 (2004), 127-162.

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MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.

Martins, Ilton Cesar. Eu só tenho três casas: a do senhor, a cadeia e o cemitério: crime e escravidão na comarca de Castro (1853- 1888). Curitiba, 2011, 250p. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Paraná. MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

MELO, Kátia Andréia Vieira de. Comportamentos e práticas familiares nos domicílios escravistas de Castro (1824-1835) segundo as listas nominativas de habitantes. Curitiba, 2004, 180p. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Paraná.

PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829-1889. Curitiba: UFPR, 1996.

PINTO, Elisabete Alves. Vila de Castro: população e domicílios (1801-1830). Curitiba,1992. 339p. Tese (Doutoramento em História Demográfica). Universidade Federal do Paraná.

VIAL, Rogério; FRANCO NETTO, Fernando. Riqueza e domicílios de escravistas e não escravistas nos Campos Gerais do Paraná no século XIX. In: Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba, 2013.( Disponível em: WESTPHALEN, Cecília Maria. Afinal, existiu ou não regime escravo no Paraná? In: Revista da SBPH, nº 13: 25-63, 1997.

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