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A perspectiva da totalidade na reconstrução estética do homem em Schiller

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Bruno Moretti Falcão Mendes Universidade Federal de São Carlos Mestre em Filosofia brunomorettifm1981@ gmail.com Palavras-chave

juízo de gosto, subjetividade, ideal do belo, objetividade, totalidade.

A perspectiva da totalidade na reconstrução

estética do homem em Schiller

Resumo

Este trabalho procurará ater-se à perspectiva da totalidade desen-volvida por Schiller em Educação Estética do Homem, revelando a natureza e as possibilidades de sua crítica à problemática da fragmentação do sujeito em sujeito do conhecimento e sujeito ético-prático. Em Educação Estética do Homem, Schiller buscaria superar a dualidade estabelecida entre o aspecto contemplativa da teoria do conhecimento e a atividade individual do sujeito ético talhada sob o domínio do objeto reificado, por meio da reconstru-ção do espírito humano na formareconstru-ção artística, que permitiria o jogo entre o domínio do entendimento e da sensibilidade. A arte, en-quanto educação estética poderia reestabelecer a totalidade do ho-mem, um ideal do belo enquanto realização da razão nos termos de humanização do homem em toda a sua plenitude, como conceito que contem a forma viva na relação entre consciência e realidade. Ao final, apontaremos os limites e insucessos da crítica schilleriana ao equacionar concretamente o problema do sujeito e da objetivi-dade do mundo.

A revolução copernicana na crítica de gosto e a fundamentação objetiva do juízo

em Schiller - O Ideal do Belo como categoria da Totalidade Na esteira do pensamento alemão do século XVIII situa-se o texto de importante densidade filosófica de Friedrich Schiller, e que foi resultado de escritos anteriores: as suas Cartas para A Educação

Estética do Homem. Há que se destacar, logo de início, que a

inser-ção de Schiller no contexto especulativo-filosófico do pensamento alemão tem na figura de Kant, mais especificamente na Crítica do

Juízo, o fecundo ponto basilar como porta de entrada. O ponto de

inflexão na construção estética de Schiller diante crítica do gos-to kantiana é de absorção, diante dos fundamengos-tos principais da crítica, para a posterior postulação de novos alicerces seguros. Em

Cartas a Augustenburg, Schiller refere-se aos fundamentos sólidos

deixados por Kant.

Como não precisa dizer-lhe, príncipe, em sua Crítica do Juízo Estético Kant já começa a aplicar os princípios da filosofia crítica também ao gosto e, se não forneceu, pelo menos pre-parou os fundamentos para uma nova teoria da arte (SCHIL-LER, 1984, p. 34). 1

É com Kant que estrutura-se uma moderna teoria do conhecimento no sentido de estabelecer uma validade lógica do saber em corres-pondência com as bases da razão. Como afirma Schiller no trecho

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acima, o criticismo kantiano atingia também o juízo de gosto, de forma que seriam estabelecidos os alicerces fundamentais para o posterior desenvolvimento dos problemas relacionados à crítica do juízo no movimento do idealismo alemão.

Com a Crítica da Razão Pura (1781), Kant estabelece o condiciona-mento do uso puro da razão aos limites das estruturas formais do entendimento, ou seja, o entendimento em Kant estaria no âmbito das condições de possibilidade de percepção pura de todo e qual-quer objeto – por parte do sujeito transcendental – do conheci-mento do mundo como fenômeno, a partir da experiência possível. A partir da virada prática, com a Crítica da Razão Prática (1788), o incondicionado da coisa em si nas condições de possibilidade de conhecimento vincula-se agora ao reino da liberdade, do agir moral correspondente à esfera prática da razão. E finalmente o criticismo chega à crítica do juízo, já que com a Crítica da

Facul-dade de Julgar (1790) a estética apresenta-se como uma disciplina particular da crítica filosófica. O juízo reflexionante é a estrutura modular fundamental para a conduta teórica individual na aprecia-ção do belo.

O juízo kantiano é o “jogo funcional” entre a sensibilidade e o entendimento, ou antes, a tentativa de dar um acabamento ao sistema, integrando o uso puro da razão – que abrange o esque-matismo formal a priori do entendimento em operação em face as regras da causalidade da natureza – à esfera prática da razão, que procurava conformar a esfera ético-normativo a princípios gerais. O jogo seria o ajuizamento do belo abrindo mão dos conceitos do entendimento e priorizando a liberdade na criação.

Os estudos de Schiller sobre “A Educação Estética do Homem”, realizados no século XVIII, recebem uma grande influência da filosofia kantiana, em relação à importância do jogo funcional, da sensibilidade, como o entendimento do juízo do gosto. A partir desse período, o jogo ganha uma nova dimensão em relação a seu estudo, e começa a merecer maior atenção na contemporaneidade, passando a ser estudado não apenas pela filosofia, mas também pela antropologia, nos dando uma visão da dimensão da ludicidade como uma manifestação da huma-nidade, que por sua vez está relacionada com a liberdade do homem (CARVALHO, 2007, p. 129).

Mas há o limite na crítica kantiana do juízo que seria determinado pelo quanto a liberdade no ajuizamento do objeto pelo sujeito es-taria ainda circunscrita à finalidade da natureza. Em Kant, o juízo ou impulsivo lúdico, distinto da sensibilidade e das regras objetivas da faculdade cognitiva, não poderia ser simplesmente um conceito de experiência do belo. Aqui reside uma questão central da Crítica

do Juízo de Kant, a pretensão à universalidade no padrão de gosto. O problema da universalidade no juízo de gosto conduz à questão do juízo desinteressado com a ausência de regras ou conceitos na produção da verdadeira liberdade humana. Desinteresse no sentido de não haver nenhum interesse sensível ou cognitivo do sujeito que se coloca diante do objeto artístico. É facultado ao objeto a sua plena individualidade e liberdade no sentido de que o sujeito transcendental, em sua reflexão crítica, transfere para o objeto toda a sua capacidade de autodeterminação livre e universal, como

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jeito. Mas, nesse ato subjetivo, há ainda em Kant uma subsunção da liberdade criadora ao fenômeno empírico da natureza. Sobre a formulação subjetiva do jogo em Kant, o mesmo afirma na Crítica

da Faculdade de Julgar:

Não pode haver nenhuma regra de gosto objetiva que determi-ne através de conceitos o que seja o belo. Pois todo juízo pro-veniente desta fonte é estético; isto é, o sentimento do sujeito, e não o conceito de um objeto, é seu fundamento determinante (KANT, 2005, p. 77).

Por uma crítica materialista, subsiste no sistema kantiano o proble-ma da coisa em si, do substrato proble-material que mobiliza a capacidade de julgamento estético e o problema da produção da totalidade do mundo como produto do espírito. A pretensão à universalida-de e produção universalida-de uma totalidauniversalida-de universalida-de mundo é posta por Kant na liberdade da intuição reflexionante, subjetivamente. Não há uma ausência de leis na criação dos conteúdos, mas a possibilidade de conferir leis da natureza ao ato da liberdade de criação do objeto. Esta exigência criadora no princípio da arte já seria enfatizada por Kant na Crítica do Juízo, embora para o ele esse princípio e sua correspondente exigência fossem apenas “o ponto a partir do qual o sistema poderia ser fechado e acabado” (LUKÁCS, 2003, p. 289; grifo do autor). Em Kant, os juízos reflexionantes também seriam um “jogo” entre o uso puro e o uso prático da razão, mas aqui ain-da com a subordinação à natureza; os juízos são apenas formas de representações subjetivas da razão e não incluem o esquematismo do entendimento.

O Juízo reflexionante procede, pois, como fenômenos dados, para trazê-los sob conceitos empíricos de coisas naturais deter-minadas, não esquematicamente, mas tecnicamente, não por assim dizer, apenas mecanicamente, como um instrumento, sob a direção do entendimento e dos sentidos, mas

artistica-mente, segundo o princípio universal, mas ao mesmo tempo indeterminado, de uma ordenação final da natureza em um sistema, como que em favor de nosso Juízo, na adequação de suas leis particulares (sobre as quais o entendimento nada diz) à possibilidade da experiência como um sistema, pressuposi-ção sem a qual não poderíamos esperar orientar-nos em um labirinto da diversidade de leis particulares possíveis (KANT, 1995, p. 49).

O jogo lúdico e imaginativo entre as capacidades sensíveis e racio-nais, com a liberdade de criação artística a partir da ausência de regras conceituais, em Kant, não poderia assumir plenamente a sua pretensão à universalidade. Schiller apontaria a ausência de um fundamento objetivo no crítica kantiana, já que o jogo funcional da faculdade de julgar acabara sucumbindo a um jogo subjetivo entre a imaginação e o entendimento.

O sujeito crítico põe-se diante da arte como um produto seu, já que ele deve ter consciência de que a bela arte não é natureza. Porém, a ausência de regras e conceitos faz com que a experiência com a arte confunda-se com a experiência no plano empírico da realidade do próprio sujeito. A Crítica do Juízo estaria nos limites de uma prope-dêutica, fornecendo apenas os fundamentos para alguns represen-tantes imporrepresen-tantes do pensamento alemão, e nesse contexto que se

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situa Schiller em sua tentativa de fornecer uma completude ao sis-tema kantiano. Para Schiller, a questão era como estabelecer uma dedução objetiva para o juízo de gosto, já que “sem essa fundamen-tação objetiva, os juízos acerca do belo estão condenados a uma validade meramente empírica e subjetiva” (SUZUKI, 2002, p. 9). Schiller propõe situar o belo como um imperativo categórico, universalmente válido e não circunscrito ao material empírico da experiência subjetiva do sujeito. Valendo-se da ideia kantiana do imperativo categórico da razão prática, Schiller irá mostrar que a universalidade reporta ao dever-ser e não ao ser, propenso a par-ticularidades. Tomar como empréstimo a ideia do imperativo cate-górico atribui ao ideal artístico o papel de um Sollen emancipador da totalidade real e integrador das potencialidades humanas, no sentido “antropológico pleno”.

O juízo do sujeito não poderia mesmo elevar-se ao universal, pois a contemplação estética encerra-se na experiência subjetiva. É por esse motivo que o ideal artístico reside no dever-ser e não no ser, sempre limitado às contingências. A arte encontra um sujeito cin-dido entre duas tendências que constituem o humano: a racional e a sensível, que formam os dois móbiles fundamentais e antagôni-cos. Estes são o impulso formal e o impulso sensível. A unilatera-lidade destes dois móbiles leva a fragmentação e a conduta espe-cializada, marca assumida pela modernidade a partir das próprias condições da divisão social do trabalho.

A arte teria como função recompor a imagem de mundo como to-talidade perdida e desenvolver o novo caráter humano, não com a eliminação das dimensões empírica e da razão, mas promovendo uma mediação entre estas com o móbil artístico e lúdico, o impul-sivo que reconstrói a unidade do espírito humano pelo caminho da formação. Mas a projeção de um ponto nodal a partir de um juízo estético responde a uma demanda prática, ao “seu uso mais subli-me, o prático” (SUZUKI, 2002, p. 9).

A esta altura Schiller tem consciência da impossibilidade em esta-belecer um conceito empírico da beleza, fundado na experiência do sujeito. A experiência, sempre contingente, não dá conta da pre-tensão à universalidade presente no Ideal do Belo. Assim, em suas

Cartas a Körner, Schiller anuncia o aspecto conflituoso que

envol-ve a tentativa de abarcar a forma de representação do belo e a ne-cessidade de uma dedução objetiva para o juízo estético. Diz ele:

[...] estabelecemos um conceito empírico de beleza, o qual todavia não existe. Tínhamos necessariamente de encontrar todas as nossas representações do belo em conflito com a experiência, porque a experiência não expõe absolutamente a Ideia do belo, ou antes, porque aquilo que se sente comumente como belo não é absolutamente o belo. O belo não é um con-ceito de experiência, mas antes um imperativo. Decerto, ele é objetivo, mas apenas como uma tarefa necessária para a natu-reza racional e sensível; na experiência real, porém, ela per-manece comumente inacabada, e por mais belo que um objeto seja, o entendimento antecipador o torna um objeto meramen-te agradável. É algo inmeramen-teiramenmeramen-te subjetivo se sentimos o belo como belo, mas deveria ser objetivo (SCHILLER, 1984, p. 109). Para Schiller, a unificação artística sob o prisma cultural dá-se sob o modelo moral, o imperativo categórico kantiano emprestado de

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Kant que permite a ascensão à universalidade. Porém, partir do modelo moral não poderia significar uma redução unilateral e rígida às regras do imperativo. Como diz Schiller, “a razão pede unidade, mas a natureza pede multiplicidade, e o homem é solicita-do por ambas as legislações” (Id., 2002, p. 28).

A formação de um novo caráter necessário à humanização plena exige a conjugação da objetividade genérica do dever-ser com a subjetividade contingente do ser, pois, a formação de um sujeito unitário envolve a possibilidade de realização da Ideia do Todo. Na

Carta IV, Schiller fala das condições políticas em que o Estado

po-deria reintegrar a unidade da forma racional com o preenchimento enérgico da natureza sensível que grita por multiplicidade. No limi-te, o escopo ainda gira em torno do modelo moral para a constitui-ção de uma comunidade ética e a matriz é a política.

Quando, portanto, a razão transporta para a sociedade física sua unidade moral, ela não deve ferir a multiplicidade da na-tureza. Quando a natureza procura afirmar sua multiplicidade no edifício moral da sociedade, isso não deve acarretar ruptura alguma à unidade moral; a a força vitoriosa repousa a igual distância da uniformidade e da confusão. É preciso, portanto, encontrar a totalidade de caráter no povo, caso este deva ser capaz e digno de trocar o Estado da privação pelo Estado da liberdade (Ibid., 2002, pp. 29-30).

Mas, no decorrer das Cartas somos conduzidos por Schiller a uma mudança substancial na matriz de suas proposições, quando o autor opera um deslocamento do enfoque político para outro estri-tamente estético. Como esperar que o Estado leve adiante o projeto de realização da razão na Ideia se o mesmo gerou o enrijecimento espiritual e a fragmentação do sujeito? O Estado, para Schiller, é que deveria ser o resultado histórico desta Ideia do Todo. É interessante apontar aqui que, a formação de um novo caráter humano não poderia ser fruto dos meios que deram condições à fragmentação do sujeito. O reestabelecimento da totalidade do homem só poderia realizar-se por meio de uma forma que não esti-vesse circunscrita aos móbiles tradicionalmente opostos: o racional e o sensível. A arte seria o passo adiante no projeto de formação do espírito como unificação cultural no contexto da Aufklärung. A legislação moral promove a unidade e a forma necessária, mas Schiller não sucumbe a um unilateral rigorismo ético.

Em uma passagem famosa de suas cartas para a Educação

Estéti-ca do Homem [Carta XV], afirma que “o homem só joga quando é homem no sentido pleno da palavra, e somente é homem pleno quando joga” (Ibid., 2002, p.80). Em outras linhas, o autor afirma o

ponto matricial da arte a partir do impulso lúdico, já que, por ser o Ideal Artístico o pondo nodal da Bildung integral,tal Ideal poderia articular a educação da razão, sob as malhas do entendimento for-mal e a educação dos sentidos.

A estética schilleriana e a reconstrução do sujeito sob uma abordagem materialista

A este ponto, gostaríamos de trazer as contribuições do filósofo húngaro Georg Lukács em sua análise acerca dos limites do projeto estético schilleriano para a Bildung. Em Schiller, segundo Lukács,

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estariam questões preciosas sobre o problema da reificação, pois Schiller não ocultaria o “fundamento vital de onde esses problemas brotaram” (Ibid., 2003, p.290) com “uma construção puramente in-telectual” (Ibid., 2003, p.290). O objeto estético como forma de me-diação entre o contemplativo formal da teoria e o substrato mate-rial da atividade ética seria definido por Schiller como um “instinto de jogo” (por oposição ao instinto formal e ao instinto material). Assim, na carta XV de Educação Estética do Homem, Schiller afir-ma: “pois, para dizer tudo de vez, o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno

quando joga” (2002, p. 80; grifo do autor).

Ora, quando Schiller estende o princípio estético para além da estética e busca nele a chave para da solução da questão relativa ao sentido da existência social do homem, revela-nos o ponto fundamental da filosofia clássica. Por um lado, passa-mos a reconhecer que o ser social aniquilou o homem enquan-to homem. Ao mesmo tempo, ele nos mostra, por outro lado, o princípio segundo o qual o homem socialmente aniquilado,

fragmentado e dividido em sistemas parciais deve ser recriado intelectualmente (LUKÁCS, 2003, p. 290; grifo do autor).

Em Schiller, o objeto artístico é um elo indicativo dos problemas re-ais da formação reificada, trazendo para o pensamento as questões relativas ao sujeito reificado, fragmentado e dividido e procurando reconstruí-lo como totalidade, mas sem abrir mão da faculdade do entendimento, do puro pensamento ideal em “confronto” com as formas sensíveis da natureza finita. Seria preciso encontrar um meio termo entre essas duas forças humanas e nesse ponto se situa-ria o jogo, a mediação entre as formas da sensibilidade e a razão. Seria necessário encontrar uma fundamentação objetiva entre o jogo do sentimento e do entendimento, da prática sensível e da razão, desenvolver uma nova eticidade que integrasse todas as forças humanas, no sentido de resgatar uma unidade da natureza humana, uma “perspectiva antropológica plena”, que fomentasse uma unidade absoluta, um espírito absoluto, sem as restrições limi-tadoras que seriam próprias se os impulsos sensíveis tivessem pre-domínio sobre o impulso formal do pensar ou se o impulso formal do pensar tivesse predomínio sobre o impulso físico-sensível. Nessa relação entre o mundo físico e real da prática e o mundo ideal, eticamente possível no plano da teoria haveria de existir uma concordância. O mundo físico deveria preencher com as determina-ções vivas das impressões sensíveis o mundo moral e este deveria preencher com leis gerais o arbítrio e contingente do mundo físico. Como encontrar um equilíbrio entre o caráter natural e egoísta do homem e o caráter moral? Este suporte não se encontra em ne-nhum destes dois polos isoladamente.

Seria preciso separar [...] do caráter físico o arbítrio, e do mo-ral a liberdade – seria preciso que o primeiro concordasse com leis e que o segundo dependesse de impressões; seria preciso que aquele se afastasse um pouco da matéria e este dela se aproximasse um tanto –, para engendrar um terceiro caráter, aparentado com os outros dois, que estabelecesse a passagem do domínio da simples força para o das leis, e que, longe de impedir a evolução do caráter moral, desse à eticidade invisí-vel o penhor dos sentidos (SCHILLER, 2002, p. 25).

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A teoria de arte em Schiller está focada no homem e na sua pos-sibilidade de humanização plena. A preocupação de buscar uma unidade absoluta do homem tem um propósito. O autor faria um diagnóstico do espírito do tempo – do homem moderno – e as conclusões não são nada satisfatórias. O homem de seu tempo é marcado pela fragmentação reificada. Fragmentação que tem o seu fundamento na própria formação real do capitalismo. É um homem cindido no mundo material pelos vários ramos das atividades e negócios, pelas mais variadas funções. Esta fragmentação atomiza o homem e contribui para mutilar a sua própria natureza. Estamos diante de uma sociedade fragmentada, e mais do que isso, estamos diante de um sentido humano fragmentado, segundo Schiller. A formação isolada das forças (espiritual e física), embora necessá-ria, traz consequências desastrosas para os indivíduos, pois, o pre-domínio dessa formação unitária não permite o desenvolvimento do espírito humano em todas as suas potencialidades, enfraquecen-do-o. Uma humanização plena teria que recompor tais forças, “res-tabelecer o jogo das forças, ou seja, res“res-tabelecer em nossa natureza, através de uma arte mais elevada, essa totalidade que foi destruída pelo artifício” (SCHILLER, 2002, p. 41).

A arte enquanto educação estética teria a função de restabelecer essa totalidade do homem. A teoria só poderia propiciar a prática e a prática ser condição da própria teoria através de um instrumento que o Estado não fornece. Assim, “este instrumento são as belas-artes; estas fontes nascem em seus modelos imortais”. (Ibid., 2002, p. 49). Mas como poderia a bela cultura unificar tendências tão contrárias? Para Schiller, entre essas duas tendências contrárias, o impulso sensível e o impulso formal, deve haver um impulso intermediário como ideal. O ideal do belo aparece então como uma tarefa de re-alização da razão, um ideal necessário para que o homem realize a sua humanização em toda a sua plenitude. Se o objeto do impulso sensível é a vida física dos sentidos e se o objeto do impulso formal que se expressa num conceito geral é a forma (conceito que com-preende todas as disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as faculdades de pensamento), o objeto do impulso lúdico é a forma viva; um conceito que serve para designar todas as qualidades estéticas dos fenômenos, tudo o que em resumo en-tendemos no sentido mais amplo por beleza. Em resumo, é neces-sário que a forma realize-se na sensibilidade e a vida se forme em nosso entendimento. Este é o jogo das forças que permite resgatar a unidade absoluta do homem enquanto forma viva, o caráter da totalidade do povo ou sentido mais pleno da sua humanização. Mas o princípio artístico a partir do ideal do belo como tentativa de se apontar, através do pensamento, o fundamento real da rei-ficação das relações humanas representa “o aspecto grandioso de sua empresa e a perspectiva fecunda que seu método projeta no futuro”, mas também “a necessidade do seu fracasso” (LUKÁCS, 2003, pp. 290-1). Como afirma Arato, “no interior da estrutura da obra de arte não pode ser compreendido concretamente o problema do sujeito e o problema da substância” (1972, p. 50). O que Arato atenta é o fato de que, a possibilidade de superar o “mecanismo reificante” só seria possível se todo o mundo pudesse ser

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zado. Dessa forma, se reduz novamente o raio de ação do sujeito ao limite contemplativo. Ao fragmentar o objeto e tornar o seu substrato material cada vez mais inatingível, o sujeito também é fragmentado em sujeito estético, sujeito ético-político e sujeito do conhecimento. Esse estágio representa a tendência mitologizante presente na filosofia clássica alemã, que continuaria confinada aos mesmos limites do racionalismo formal, e, tornaria ainda mais dis-tante e fragmentada a unidade do sujeito. Como formação reifican-te, o sujeito também seria fragmentado em partes isoladas, a sua formação acompanharia a própria dinâmica do processo real, con-tudo, a sua fragmentação estimularia a desarticulação acelerada. Em Schiller, segundo Lukács, há uma continuidade de uma tendên-cia já initendên-ciada em Fichte, em que a solução para os problemas da existência social reificada do homem não reside numa concepção de natureza como conformidade às leis, há uma ruptura em relação ao predomínio metodológico de uma postura racional formal foca-lizada no objeto. O sujeito é cada vez mais colocado como a ques-tão central e a progressão antinômica no pensar é a configuração real na fluidição entre a subjetividade do sujeito e a objetividade do objeto. O sujeito é consciência e a sua consciência não é pressu-posta. O trajeto que envolve o desenvolvimento da consciência de si ao nível universal apresenta superações sucessivas, mas ao mes-mo tempo conserva o seu mes-momento anterior. A filosofia clássica alemã chega ao estágio em que já é possível revelar o movimento dialético da consciência.

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Anais do seminário dos estudantes de pós-graduação em filosofia da UFSCar 2014 10a edição ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 Bibliografia

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