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Palavras-chave: Integração Regional; Mercosul; Governos Subnacionais; Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos.

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INTEGRAÇÃO REGIONAL E GOVERNOS SUBNACIONAIS : A CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA PARA O FORO CONSULTIVO DE MUNICÍPIOS, ESTADOS

FEDERADOS, PROVÍNCIAS E DEPARTAMENTOS DO MERCOSUL1

Armando Gallo Yahn Filho⋅*

RESUMO

A partir dos anos 1990, os países da América do Sul iniciaram um processo de cooperação descentralizada. As cidades e outros entes federados criaram blocos regionais subnacionais, tais como a Rede Mercocidades (1995). Deste processo, nasceu o Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos do Mercosul (2004), visando abrir um canal de representação dos entes subnacionais na estrutura institucional do referido bloco. Neste sentido, desenvolveu-se uma nova forma de governança internacional, possibilitando uma democratização das relações internacionais sul-americanas, com a participação de atores locais que antes estavam excluídos deste processo. No entanto, a simples existência de mais uma instância burocrática no Mercosul não trará resultados concretos, caso não sejam supridas algumas lacunas jurídico-processuais e não seja adotada uma agenda de ações a serem colocadas em prática.

Palavras-chave: Integração Regional; Mercosul; Governos Subnacionais; Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos.

ABSTRACT

From 1990 on, the South America countries started a process of decentralized cooperation. The cities and others federated bodies created some regional sub national blocs, as Rede Mercocidades (1995). From this process were created Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Provincias e Departamentos do Mercosul (2004), trying to open a sub national bodies’ representation in their structure. In that sense, a new way of international administration was developed and this created a democratic international connection to South Americans and it turned possible the participation of excluded actors from this process. On the other hand, there is not a guarantee that the simple existence of one more bureaucratic body in Mercosul brings concrete results because it is necessary to solve some law problems and put some actions in practice.

Key words: Local Integration. Mercosul. Subnational Government. Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos.

1 Trabalho apresentado no V Simpósio de Pós-Graduandos do Departamento de Ciência Política da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

* Doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP e bolsista da

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1. INTRODUÇÃO

O processo de integração sul-americano, especialmente, a constituição do Mercosul, tem sua importância na medida em que os países do mundo vivem um processo de interdependência, no qual a cooperação está na base para a solução de problemas globais.

No entanto, o processo de globalização, fruto dessa interdependência, traz consigo a participação de novos atores nas Relações Internacionais, entre eles os governos subnacionais. Dessa forma, a regionalização também abre espaço para uma atuação das unidades subnacionais, que passam a cooperar na busca de soluções para problemas locais, que antes estavam na esfera de competência exclusiva dos governos centrais.

No caso específico do Mercosul, os governos subnacionais começaram a ter representação no bloco com a criação da Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI), em 2000. No ano seguinte, percebendo-se a necessidade de abrir um espaço de representação para os Estados federados, Províncias e Departamentos, cria-se o Foro de Governadores do Mercosul. Tudo isso culmina, por fim, na criação do Foro Consultivo de Cidades, Estados federados, Províncias e Departamentos do Mercosul, no ano de 2004.

Porém, a simples existência jurídica do referido Foro Consultivo não é suficiente para se alcançar os resultados que favoreçam o desenvolvimento regional, por meio da participação dos governos subnacionais. Falta a definição de uma Agenda que aponte os problemas a serem enfrentados e oriente para a maneira de solucioná-los. Neste trabalho, temos como objetivo lançar as bases dessa Agenda, enfatizando alguns temas cruciais para o sucesso do processo de integração.

2. INTEGRAÇÃO REGIONAL E INSERÇÃO INTERNACIONAL DE GOVERNOS SUBNACIONAIS

Desde a década de 1970, as relações internacionais começaram a sofrer mudanças de rumo, que colocavam em xeque os velhos paradigmas do realismo clássico. O conceito de jogo de soma-zero, segundo o qual os ganhos de um Estado, na defesa de seus interesses, implicam, necessariamente, a perda de outros, passa a ser questionado, dando origem a novas teorias sobre cooperação internacional. O velho equilíbrio de poder, que perdurou nas escolas de análise das relações internacionais entre as grandes potências durante anos, mostra-se insuficiente para resolver os problemas de um mundo cada vez mais complexo e interligado por relações que vão além da capacidade do Estado de geri-las.

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Nesse contexto de crise do realismo, a teoria da interdependência complexa, desenvolvida por Robert Keohane e Joseph Nye, oferece uma sensível ampliação dos mecanismos de análise para as Relações Internacionais. O artifício mais importante dessa visão teórica é o conceito de interdependência. De acordo com esses autores, “interdependência, em política mundial, refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre os países ou entre atores em diferentes países” (KEOHANE & NYE, 1989, p. 8).

Assim, em um mundo cada vez mais interligado, em que pequenas turbulências econômicas na Ásia podem ter impactos gigantescos nas principais bolsas de valores do mundo, percebe-se a necessidade de buscar uma forma de cooperação entre os Estados, que substitua o jogo de soma-zero pelos ganhos múltiplos. A teoria da interdependência “altera qualitativamente o conceito de soberania nacional”, dado o surgimento de “novas estruturas de relações (os regimes internacionais), onde a ação dos Estados ficaria reduzida e onde, numa visão grociana ou kantiana, a capacidade de se promoverem situações de vantagens multilaterais, eclipsando as concepções de jogos de soma zero, acabaria prevalecendo de forma definitiva” (VIGEVANI et al., 1994, p. 15).

A teoria da interdependência complexa baseia-se em três características principais, quais sejam: múltiplos canais de negociação, ausência de hierarquia entre os temas da agenda internacional e menor papel da força militar.

Para a teoria da interdependência complexa, há múltiplos canais pelos quais as sociedades podem se conectar. São eles: relações interestatais, transgovernamentais e transnacionais. As primeiras são as relações entre os Estados, tal como na teoria realista. As segundas pressupõem que os Estados não agem como unidades coerentes e, portanto, podem se juntar para constituírem organizações internacionais. Por fim, as relações transnacionais partem do princípio de que os Estados não são os únicos atores na arena internacional. Como exemplo destas últimas, temos as comunidades epistêmicas, os governos subnacionais, as organizações não-governamentais, entre outras. (KEOHANE & NYE, 1989, p. 25)

Por um lado, a interdependência desencadeou um processo de integração regional, fundado na soberania compartilhada, por meio do qual se pode resolver problemas com caráter de transnacionalidade. Por outro, a incapacidade do Estado de atender às demandas de todas as suas unidades subnacionais gera uma segmentação, com diminuição da concentração do poder político central, e os municípios passam a exercer uma atividade que, até então, era da competência exclusiva do Estado-nação (PHILIP et al., 1996, pp. 17 e 19).

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esfera internacional é a globalização. Segundo David Held:

A globalização é fenômeno espacial fundado num continuum com ‘o global’ numa ponta e o ‘o local’ na outra. (...) Ela envolve uma extensão e um aprofundamento das relações sociais e das instituições no espaço e no tempo de tal modo que, por um lado, as atividades diárias estão crescentemente influenciadas por fatos que acontecem do outro lado do globo e, por outro lado, as práticas e decisões de grupos ou comunidades locais podem ter significativas repercussões globais. (HELD, 1998, p. 13)

E, ainda:

A globalização implica, hoje, dois fenômenos distintos. Primeiramente, ela sugere que muitas cadeias de atividade política, econômica e social estão se tornando interregionais e inter-continentais e, em segundo lugar, sugere que tem havido uma intensificação dos níveis de interação e interconexão dentro e entre os Estados e as sociedades. (HELD, 1998, p.13)

Assim, os processos de integração regional são respostas aos desafios impostos pela globalização. Diante das vulnerabilidades enfrentadas pelos países, a regionalização se torna uma forma de proteção, ao mesmo tempo em que se converte em estratégia para a inserção dos países do bloco no sistema econômico internacional.

No entanto, os mecanismos de controle utilizados para lidar com a globalização não são suficientes para evitar seus efeitos negativos nas unidades subnacionais, que, por sua vez, não estão preparadas institucionalmente para tomar decisões. Ou seja, o aumento das redes de interdependência não é acompanhado por mecanismos formais de decisão que vinculem as diferentes esferas de governo dentro do bloco. Assim sendo, as unidades subnacionais passam a se articular, ocupando os espaços deixados pelo governo central e ainda não ocupados por uma estrutura jurídico-institucional regional. (MARIANO & MARIANO, 2005, p. 145 et seq.)

E se a globalização se faz sentir, em última instância, no âmbito local, a regionalização não deixa de ser uma resposta das próprias unidades subnacionais a este fenômeno. Ou seja, não há regionalização sem a incorporação da dimensão subnacional, do que decorre a importância da participação de cidades, estados federados, províncias e departamentos para o

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êxito desse processo de integração. Nas palavras de Karina e Marcelo Mariano:

Os processos de globalização e de integração regional deixaram de ser políticas de Estado para serem incorporados ao cotidiano das localidades, passando a influenciar de modo direto a atuação dos governos subnacionais. Conseqüentemente, houve uma redefinição quanto à sua função e ao seu papel no cenário internacional, sobretudo no caso dos processos integracionistas. (MARIANO & MARIANO, 2005, p. 148)

Nessa mesma linha de raciocínio, Maria del Huerto Romero observa que “as cidades redefinem (ou veem redefinidos) seus papéis internacionais, regionais e inclusive nacionais, como resposta à estrutura de oportunidades e à matriz de impactos derivados do entorno imediato da integração regional”, do que decorre que “a participação das cidades constitui um contrapeso aos déficits democráticos característicos da maioria dos esquemas integrativos” (ROMERO, 2004, p. 412).

Cidades, estados federados, províncias e departamentos procuram assumir um papel estratégico nas relações internacionais, de forma complementar ao papel do Estado, a fim de garantir investimentos externos e tomar a iniciativa de políticas de cooperação no âmbito subnacional. Exemplificando, as redes de cidades formam, hoje em dia, uma paradiplomacia eficiente e capaz de trazer soluções para os problemas locais. No entendimento de Maria Del Huerto Romero, este “trabalho em rede se constrói sobre a nova idéia de ‘região’, e está ligada às formas de vinculação territorial que ela promove” (ROMERO, 2004, p. 410).

No Mercosul, a experiência de participação de governos subnacionais, de forma organizada, teve sua origem em 1995, no Seminário “Mercosul: opções e desafios para as cidades”, realizado em Assunção. Resultado deste seminário, a Declaração de Assunção, assinada pelos prefeitos da capital paraguaia e de Montevidéu, bem como pelos representantes de Brasília, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Santiago, evidenciou a necessidade da criação de uma rede de cidades dos países do Mercosul, que seja um meio de participação dessas unidades subnacionais no processo decisório do bloco. (ROMERO, 2004, p. 419)

Assim, em novembro daquele ano, é criada a Rede Mercocidades, cuja Ata de Fundação foi assinada por onze cidades do Mercosul: Assunção, Montevidéu, Rosário, Córdoba, La Plata, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Brasília, Salvador e Rio de Janeiro. (ROMERO, 2004, p. 419)

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participação de unidades subnacionais no processo de integração – inclusive com o estabelecimento de uma Secretaria Técnica/Administrativa permanente, nos moldes da Secretaria Administrativa do Mercosul e no mesmo edifício desta –, ainda havia a necessidade de um espaço de representação, dentro da estrutura jurídico-administrativa do bloco, para os governos subnacionais. Assim, no ano 2000, é criada a Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI), órgão auxiliar do Grupo Mercado Comum, formalizada por meio da Resolução 90/00 do Grupo Mercado Comum (Brasília, 7/12/2000) e da Decisão 59/00 do Conselho do Mercado Comum (Florianópolis, 14/12/2000). (ROMERO, 2004, p. 430 et seq.)

Ainda assim, mesmo depois de toda a evolução institucional do Mercosul, vista até aqui, incorporando os governos municipais na própria estrutura jurídica do bloco, restava uma lacuna: que papéis desempenham os estados federados, as províncias e os departamentos no processo de integração regional do Cone Sul e qual o espaço institucional que lhe é devido na estrutura do bloco?

Diante disso, e ampliando ainda mais o entendimento sobre o papel que os governos locais desempenham em qualquer processo de integração, constitui-se, em 5 de setembro de 2001, o Foro de Governadores do Mercosul, cujos objetivos principais são: 1) contribuir para o fortalecimento e a consolidação do Mercosul e seu consequente aprimoramento institucional; 2) promover a participação de Estados, Províncias e Departamentos no processo de integração, favorecendo a criação de canais efetivos de expressão dos cidadãos na consolidação do bloco regional.

Essa evolução da participação dos governos subnacionais no processo de integração culmina na criação do Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos do Mercosul, pela Decisão 41/04 do Conselho Mercado Comum, no marco da Cúpula de Ouro Preto (Belo Horizonte, 16/12/2004), que em sua justificativa considera “que o desenvolvimento do processo de integração tem uma dimensão política crescente, a qual requer ações coordenadas e sistematizadas de todos os atores nele envolvidos”.

Em seu artigo 1º, a Decisão 41/04 (CMC) estabelece que o objetivo do Foro Consultivo é “estimular o diálogo e a cooperação entre as autoridades de nível municipal, estadual, provincial e departamental dos Estados Partes do Mercosul”. Este Foro “sucederá à Reunião Especializada de Municípios e Intendências” (art. 2º) e “será formado por um Comitê dos Municípios e um Comitê dos Estados federados, Províncias e Departamentos” (art. 3º).

Assim como o Foro Consultivo Econômico e Social tem a função de representar setores da sociedade civil – contando com a participação das Centrais Sindicais, das Confederações da Indústria, do Comércio, da Agricultura e dos Transportes, e do Instituto

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Brasileiro de Defesa do Consumidor –, o Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos tem a função de representar as unidades subnacionais, podendo “propor medidas destinadas à coordenação de políticas para promover o bem-estar e melhorar a qualidade de vida dos [seus] habitantes (...), bem como formular recomendações por intermédio do Grupo Mercado Comum” (art. 4º). (grifo nosso)

A expressão “recomendações” foi grifada, no parágrafo anterior, para chamarmos a atenção para um aspecto jurídico de extrema relevância dos dois Foros do Mercosul, tal como ocorre no Comitê Econômico-Social da União Européia, qual seja: o caráter não-vinculativo das proposições. Ou seja, tudo o que for elevado ao Grupo Mercado Comum em forma de recomendações não será necessariamente implementado. No entanto, no plano político, a importância desses órgãos no processo de integração regional reside na formação de determinados consensos que, por pressão política, podem resultar em documentos importantes, com eficácia jurídica, das instâncias decisórias dos blocos. É o caso do parecer do Comitê Sócio-Econômico da União Européia sobre os direitos sociais fundamentais na Comunidade, que serviu de base para a Carta Social, proposta pela Comissão Européia. (ALMEIDA, 2001, p. 123 et seq.)

Por analogia, podemos tomar como válido o ensinamento de Maria Inês Barreto e Marcelo Mariano sobre o Foro Consultivo Econômico e Social para o novo Foro de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos:

Ao se constituir como canal de participação [dos setores envolvidos], esse fórum tem desempenhado dupla função, seja promovendo a inclusão desses atores, seja propiciando condições para o estabelecimento de relações de identidade e solidariedade entre aqueles que encontram afinidades e interesses afins. (BARRETO & MARIANO, 2004, p. 41)

Nesse sentido, este novo Foro Consultivo, especificamente no seu Comitê de Municípios, concentra duas dimensões da problemática da inserção dos governos locais nas relações internacionais, definidas por Maria Del Huerto Romero (2004, p. 404) como horizontal e vertical, sendo a primeira referente às estratégias de cooperação e alianças transfronteiriças, materializada na Rede Mercocidades, e a segunda referente à participação na formulação de políticas comuns no Mercosul, materializada na Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI).

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passa a ter um papel relevante na consolidação do Comitê de Municípios do Foro Consultivo. E, juntamente com o Comitê de Estados federados, Províncias e Departamentos, contribui com a institucionalização dos governos subnacionais no processo de integração regional.

Disso decorre um problema a ser enfrentado e que pode ser fator de desagregação e inoperância do Foro, qual seja: a delegação de poder dentro dos Comitês. Na medida em que as disputas e controvérsias ocorrerem, no âmbito das relações horizontais entre cidades e entre Estados federados, províncias e departamentos, ficam comprometidas as funções atribuídas ao Foro de propor medidas e formular recomendações ao Grupo Mercado Comum.

Assim sendo, e já antecipando um ponto da agenda, aqui proposta, para o Foro Consultivo, é fundamental para o tratamento dos demais temas o cumprimento imediato do art. 5º da Decisão 41/04 (CMC), segundo o qual “o Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul elevará proposta de Regimento Interno à consideração do Grupo Mercado Comum”.

Uma outra questão que deverá ser enfrentada, e que não podemos omitir, é a (in)constitucionalidade da atuação internacional das cidades. Não há uma posição unânime entre as Constituições dos países do Mercosul a respeito do tema e, mesmo entre os juristas de cada Estado-Parte, há divergências sobre a possibilidade legal de uma política externa federativa ou paradiplomacia.

Na Argentina, a Constituição passou por uma reforma, em 1994, e, de acordo com seu artigo 124, as províncias têm competência para celebrar tratados internacionais:

As províncias poderão criar regiões para o desenvolvimento econômico e social e estabelecer órgãos com faculdades para o cumprimento de seus fins, e poderão também celebrar convênios internacionais, contanto que não sejam incompatíveis com a política exterior da nação e não afetem as faculdades delegadas ao governo federal ou o crédito público da nação. (CAMPOS apud PRAZERES, 2004, p. 290)

Segundo Bidart Campos, na Argentina, “a competência provincial em matéria externa inclui todas as questões que, no plano interno, estão sob a competência das províncias, compreendidas também as de natureza concorrente com o Estado federal” (CAMPOS apud PRAZERES, 2004, p. 290).

Já no Brasil, por sua vez, o entendimento majoritário dos constitucionalistas é de que a competência em matéria externa é exclusiva da União, não podendo os entes federados

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exercer qualquer tipo de política externa federativa ou paradiplomacia. Vejamos os seguintes artigos da Constituição Federal de 1988:

Art. 21. Compete à União:

I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

(...)

§1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

Assim, entende Manoel Gonçalves Ferreira Filho que:

(...) no plano internacional, o Estado federal aparece como um só Estado. Apenas seu aspecto unitário é visível. Assim, o Estado federal é quem goza de personalidade jurídica, em termos de direito internacional. Por isso, é ele e tão-somente ele que mantém relações com outros Estados, com organizações internacionais, enfim, com as outras pessoas jurídicas, reconhecidas como tais pelo direito internacional público. Só ele mantém, pois, relações internacionais. (FERREIRA FILHO apud PRAZERES, 2004, p. 296)

No mesmo sentido, afirma José Affonso da Silva que “o Estado federal é considerado uma unidade nas relações internacionais” (SILVA, 1999, p. 105) e explica:

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internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Os Estados-membros são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e também de personalidade jurídica de Direito Público interno. (SILVA, 1999, p. 104) (grifo nosso).

Percebe-se que a diferença fundamental entre os Estados-membros e a União reside nos conceitos de autonomia e soberania, sendo o primeiro restrito à forma de organização interna da federação e o segundo referente ao direito de auto-determinação no Sistema Internacional.

Vale também destacar que o Itamaraty segue o entendimento dos constitucionalistas citados e “desde a década de 1920 emite pareceres por meio de Consultoria Jurídica no intuito de justamente reiterar a impossibilidade das unidades federadas brasileiras assumirem compromissos no âmbito internacional” (PRAZERES, 2004, p. 297).

Portanto, outro item de uma Agenda do Foro Consultivo, sem o qual ficará difícil levar adiante os propósitos para os quais foi criado, deve ser a formulação de uma recomendação para padronização das normas constitucionais dos países do Mercosul, atribuindo competências em matéria externa às unidades subnacionais, adequando suas Cartas Magnas a uma nova realidade que se vislumbra não apenas no Mercosul, mas em outros blocos. Certamente, se aprovado pelo Grupo Mercado Comum, isso resultaria na necessidade de Emendas Constitucionais. Não obstante isso possa ser feito independentemente do debate no Foro Consultivo, não faria muito sentido, na medida em que estamos pensando na viabilidade e na praticidade de uma Agenda Comum.

Para terminarmos uma primeira etapa deste trabalho, pensando nos aspectos formais que envolvem a construção de uma Agenda, com vistas à sua eficácia plena, não podemos deixar de tocar em um ponto de extrema importância, qual seja: o fundo estrutural, sua fiscalização, a distribuição desses recursos e a participação das unidades subnacionais no seu gerenciamento.

O Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) foi criado pela Decisão CMC nº 45/04 e seu funcionamento está regulado pela Decisão CMC nº 18/05 que, em seu artigo 1º, estabelece os objetivos do Fundo:

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destinado a financiar programas para promover a convergência estrutural; desenvolver a competitividade; promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas; e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração.

Na Decisão CMC nº 18/05 não há nenhuma menção ao Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos, apesar de seus objetivos estarem ligados ao desenvolvimento do Mercosul, que se alcança pela somatória dos desenvolvimentos das diversas localidades que o compõem. O próprio artigo 21 da Decisão nº 18/05 dá margem a uma efetiva participação das unidades subnacionais, ao estabelecer que o “FOCEM começará a trabalhar através da metodologia de projetos-piloto com forte impacto nos cidadãos do Mercosul”.

Como bem colocam Marcelo Mariano e Maria Inês Barreto:

(...) a participação subnacional pode também contribuir para introduzir problemas concretos, que vêm sendo permanentemente adiados na agenda da integração. Temas relacionados com o diferencial de competitividade existente entre diferentes localidades e com os impactos gerados ou agravados pelo próprio processo de integração passariam a ser analisados e contemplados, por estarem diretamente vinculados à raiz da questão subnacional, dada pela existência de profundas desigualdades regionais no interior do bloco. (BARRETO & MARIANO, 2004, p.43)

Portanto, colocar em prática uma agenda para o Foro de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos do Mercosul depende da inclusão, nela própria, de uma série de questões formais, sem as quais a concentração das ações continuará centralizada no âmbito dos governos nacionais.

3. TEMAS SUBSTANCIAIS PARA UMA AGENDA DE FORO CONSULTIVO DE MUNÍCIPIOS, ESTADOS FEDERADOS, PROVÍNCIAS E DEPARTAMENTOS DO MERCOSUL

Tendo em vista a discussão feita acima, onde já apresentamos alguns pilares para uma Agenda do Foro Consultivo, no que tange aos aspectos formais, passamos agora aos temas

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substanciais, que interessam diretamente às unidades subnacionais, e cuja implementação depende da atuação destas.

Por se tratar de uma experiência inovadora no âmbito da integração do Cone Sul, não há modelos a serem seguidos, mas sim, idéias a serem pensadas e trabalhadas, para que, ao longo do percurso, possamos avaliar os acertos e erros da implementação de determinadas políticas. Afinal, é falaciosa a idéia de que “importar” modelos bem sucedidos em outros processos de integração pode trazer os mesmo resultados. As diferenças socioeconômicas entre blocos não permitem essas “soluções” simplistas.

3.1 EDUCAÇÃO

No que diz respeito à Educação no Mercosul, não restam dúvidas de que o primeiro obstáculo a ser enfrentado é o fato de nem todos os países do bloco falarem a mesma língua. Assim, o ensino de espanhol nas escolas municipais e estaduais brasileiras, bem como o ensino de português nas escolas dos demais países deve ser encarado como prioridade. Mas, certamente, reduzir um tema tão complexo como este ao ensino de línguas não é o nosso objetivo neste trabalho.

Haja vista a estrutura descentralizada do ensino no Brasil, por conta do próprio modelo federalista, e pensando na necessidade de avançarmos numa padronização curricular, os governos locais poderiam incluir na Agenda do Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos o estudo da uniformização dos currículos de 1º e 2º graus no Mercosul. Esta proposta viria ao encontro de Decisões do Conselho Mercado Comum, como a nº 13/98 (Plano Trienal e Metas do Setor Educacional), que estabelecia como meta “desenvolver proposta de metodologia e de produção de materiais acadêmicos, pedagógicos e didáticos para o ensino da História e da Geografia a partir de uma perspectiva regional”.

Conhecer o regional é também conhecer os diversos “locais” que o compõem. Nesse sentido, nada mais adequado do que trazer esse debate educacional para o âmbito dos dois Comitês do Foro Consultivo.

Ainda um outro ponto da Agenda deve ser o intercâmbio de estudantes de nível superior e de pós-graduação. As universidades estaduais teriam um papel importante a desempenhar nesse tema específico. Facilitar o acesso dos nossos estudantes e pesquisadores aos centros universitários dos demais países, bem como recebê-los em nossas instituições é fundamental para fomentar uma rede de conhecimento sobre a própria região do Cone Sul.

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Trata-se de uma região ainda muito pouco pesquisada, até mesmo pela falta de mecanismos de incentivo de intercâmbio intraregional.

Para finalizar, e já entrando um pouco na questão da criação de empregos, há que se pensar na possibilidade de financiar a capacitação de portadores de diploma universitário, porém desempregados, para que atendam às exigências de um mercado competitivo e extremamente seletivo. Isso pode ser feito por meio de convênios com as câmaras de comércio e/ou de indústria locais, que se disporiam a alocar estagiários de outros países em empresas instaladas no município, a fim de treiná-los para que retornem aos seus países qualificados para postular um emprego.

3.2 CULTURA

A integração cultural no Mercosul também passa pelos governos subnacionais, na medida em que estes podem organizar feiras e intercâmbios de grupos musicais, grupos de teatro, exposições etc., bem como serem catalisadores do processo de ensino unificado, com currículos montados a partir de uma perspectiva regional (como vimos no item 2.1). E isso pode ser feito sem esbarrar em questões formais, no que tange às competências das unidades subnacionais definidas constitucionalmente. E este intercâmbio cultural, cada vez maior, pode contribuir para a percepção de identidade dentro do bloco, passando seus cidadãos a se reconhecerem como “mercosulinos”, mais do que como brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios. Numa perspectiva de longo prazo, esse processo de “quebra de fronteiras” contribui para derrubar as resistências políticas e os obstáculos jurídicos à ampla participação dos governos subnacionais como atores principais da integração regional.

3.3 SAÚDE

No que tange à área de saúde, o Foro Consultivo, especialmente o Comitê de Municípios, deve levar em consideração a proposta de criação de um instrumento consorcial para a gestão do Sistema Integrado de Saúde do Mercosul. A partir de uma análise da realidade brasileira, com o SUS, Gilberto Antônio dos Reis (2004, p. 140) identifica os elementos críticos para o sucesso das experiências de parcerias entre municípios, a saber:

• a iniciativa para a cooperação deve ser dos atores locais;

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iniciativas mas, principalmente, devem identificar as iniciativas espontâneas e apoiá-las técnica e financeiramente;

• os instrumentos de gestão transfronteiriça devem articular os diversos modelos de gestão dos sistemas de saúde dos países envolvidos; e

• tais instrumentos de gestão devem articular os diversos atores interessados no desenvolvimento local do SIS-MERCOSUL.

Para o autor supracitado, a implementação desses consórcios pode ser feita por instrumentos específicos de cooperação transfronteiriça, desde que estabelecidos no tratado ou acordo firmado entre os países para a implementação do SIS-MERCOSUL (REIS, 2004, p. 142). E prossegue, dizendo:

No nosso entendimento, o instrumento consorcial (...) atende perfeitamente aos requisitos de flexibilidade e agilidade para instituição do SIS-MERCOSUL, permitindo diversas articulações de municípios segundo as necessidades e características locais. Como instrumento, torna possível a inserção de um ente federado em diversos arranjos territoriais simultâneos, sendo adequado a um processo de gestão dinâmica e não burocrática entre entes federados cooperativos, com necessidades e potencialidades específicas relativas à atenção à saúde de suas populações (REIS, 2004, p. 142).

O planejamento das atividades deve contar com a participação de representantes de todos os municípios consorciados, devendo fazer uma análise da situação de assistência à saúde na microrregião, considerando-se os seguintes fatores: “identificação dos equipamentos, serviços e fluxos de usuários já existentes; identificação de equipamentos e serviços ociosos e sobrecarregados; e identificação da necessidade e priorização da implantação de novos serviços” (REIS, 2004, p. 143).

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3.4. INTEGRAÇÃO FRONTEIRIÇA

Um exemplo bem sucedido nesta matéria, e que deve ser ampliado, é o da Nova Agenda para a Cooperação e o Desenvolvimento Fronteiriço Brasil-Uruguai, inaugurada em abril de 2002, que, por meio dos seus quatro grupos de trabalho (saúde, cooperação policial e judicial, educação e formação profissional, meio ambiente e saneamento), passou a resolver os problemas das populações que vivem na fronteira entre os dois países, envolvendo os atores subnacionais e a sociedade civil. Segundo o Embaixador do Brasil no Uruguai, Eduardo dos Santos, “a experiência da cooperação fronteiriça Brasil-Uruguai fortalece a chamada vertente federativa ou o sentido de interiorização da diplomacia”, consistindo, inclusive, numa lição para subsidiar o processo de integração regional. (SANTOS et al., 2005, p. 45 et seq.)

Os moradores da faixa de fronteira, muitas vezes ligados por laços de parentesco e de identidade cultural, viviam uma situação complicada desde o estabelecimento de ordenamentos jurídicos diferentes de um lado e de outro da linha que divide os dois países. Isso criou uma massa populacional conhecida como “indocumentados”, que viviam e trabalhavam em situação irregular nos dois lados da fronteira. A Nova Agenda, com a participação dos governos subnacionais, ajudou a solucionar este problema, encarando uma “realidade que se sobrepunha aos ditames jurídicos” (SANTOS et al., 2005, p. 45 et seq.).

Uma das medidas de maior alcance foi a assinatura do Acordo de Permissão de Residência, Estudo e Trabalho para Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios, assinado em agosto de 2002. Nas palavras do Embaixador Eduardo dos Santos:

Este Acordo, que entrou em vigor em 14 de abril de 2004, permite, em síntese que brasileiros e uruguaios possam residir, trabalhar e estudar, com acesso às previdências sociais locais e outros benefícios, em uma faixa de vinte quilômetros do outro lado da fronteira de seus países, nas localidades assinaladas por ele (SANTOS et al., 2005, p. 49).

É de se imaginar que os problemas enfrentados pelas populações da fronteira Brasil-Uruguai sejam os mesmos dos habitantes das demais zonas de fronteira no Mercosul, de forma que as soluções bem sucedidas do Acordo possam ser aplicadas

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pelos demais Comitês de Fronteira, com o apoio de Estados federados, Províncias, Departamentos e Municípios.

Para atender a esses objetivos, as unidades subnacionais devem ter acesso ao Fundo para Convergência Estrutural (FOCEM), especificamente nos recursos destinados ao Programa III (art. 3º), que visa o “desenvolvimento social, em particular das zonas de fronteira”. Esses objetivos se coadunam com os do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF), que “está voltado para a promoção do desenvolvimento e da integração regional dos adensamentos populacionais de fronteira que se dão em torno das ‘cidades gêmeas’ de ambos os lados da fronteira” (PLÁ Y TREVAS, 2004, p. 4).

3.5. MEIO AMBIENTE

A questão ambiental é uma das mais sérias e complexas, além de ser a que mais depende de uma ação dos governos locais. Se, por um lado, as consequências da degradação ambiental se fazem sentir ao redor do globo, por outro, a solução está em ações locais.

Comecemos pelas águas. Excetuando-se o Chile e a Venezuela, todos os demais países do Mercosul (Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai) compartilham da Bacia do Prata que, segundo a definição dada pelas Regras de Helsinque, é uma bacia de drenagem internacional.

Uma bacia de drenagem internacional é uma área geográfica que cobre dois ou mais Estados, determinada pelos limites fixados pelos divisores de água, inclusive as águas de superfície e as subterrâneas, que desembocam num ponto final comum. (INTERNATIONAL LAW ASSOCIATION, 1966)

Por este conceito, não apenas os rios contíguos e sucessivos são internacionais, mas também seus afluentes, ainda que toda sua extensão esteja em território nacional. A bacia hidrográfica passa a ser considerada como um todo, levando-se em consideração o ciclo hidrológico, e, portanto, é passível de ser considerada nos limites do Direito Internacional. A partir deste entendimento, tudo o que ocorre a montante será sentido à jusante, do que decorre uma necessidade de cooperação.

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Nesse sentido, Estados federados, Províncias e Departamentos devem cooperar para evitar danos aos ribeirinhos de jusante. O diálogo entre os governos subnacionais na gestão de uma Bacia internacional é muito importante para se evitar contenciosos como o de Itaipu ou como aqueles derivados de contaminação da água, a exemplo do que ocorreu entre Argentina e Uruguai, por conta das fábricas de celulose construídas às margens do Rio Uruguai.

Cremos que uma forma de cooperação que pode ser válida para os municípios fronteiriços seria o modelo dos Comitês de Bacia Hidrográfica brasileiros, implantados pela Lei 9.433/97 (Política Nacional de Recursos Hídricos) com o intuito de serem instrumentos de gestão dos Recursos Hídricos com a participação das três esferas de governo e da sociedade civil. Assim, os governos municipais das cidades de zona de fronteira, que compartilham de uma mesma micro-bacia, ficariam encarregados de sua gestão. Não é à toa que, atualmente, pela Lei 9.433/97, os Comitês de Bacias Hidrográficas que incluem cidades fronteiriças possuem um representante do Ministério das Relações Exteriores.

Outra questão importante, ainda evolvendo recursos hídricos, diz respeito ao Aquífero Guarani, reservatório de água subterrânea que jaz sob os territórios da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, com extensão total de aproximadamente 1,2 milhão de km² e cerca de 45 mil km³. Atualmente, cerca de 400 cidades nos quatro países usam as águas do Aquífero para abastecimento, sem que haja um controle público adequado, gerando um passivo ambiental (CAUBET, 2006, p. 51 e 52).

Importante ressaltar que existe um grande interesse de empresas multinacionais, ligadas ao setor de abastecimento de água, na exploração do Aquífero. A participação dos governos locais na sua gestão criaria uma maior dificuldade para a privatização dos direitos de exploração. Nesse sentido, Christian Caubet (2006, p. 55) nos chama a atenção para o fato de que, preocupadas com a questão, “as autoridades do Estado do Rio Grande do Sul já registraram que a outorga de uso de águas subterrâneas, bem como sua possível cobrança, é prerrogativa constitucional dos Estados federados (art. 26, I, da Constituição Federal)”.

Os governos subnacionais devem cooperar não apenas na gestão das águas, mas também na troca de informações e de experiência, especialmente no que diz respeito às formas e tecnologias para tratamento de águas residuais e controle de contaminação.

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sólidos. Uma vez que estes resíduos são gerados nos municípios, sejam em zonas rurais ou urbanas, são os governos municipais que devem cooperar na troca de informações sobre tecnologias de coleta, disposição e tratamento, a fim de evitar que se tornem fontes de contaminação, principalmente da água. Além disso, deve-se propiciar a articulação e o controle interjurisdicional, fronteiriço e transfronteiriço, de substâncias, resíduos e mercadorias perigosas.

3.6. INFRAESTRUTURA

As ações em infraestrutura são de fundamental importância para a Agenda do Foro Consultivo, haja vista estradas, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos estarem atrelados ao desenvolvimento local, por meio da facilitação dos fluxos de comércio. É inegável que as cidades dotadas de infraestrutura de transportes possuem vantagens competitivas em relação às demais.

Nesse sentido, a Declaração de Santa Fé, resultado do encontro de Governadores do CRECENEA (13/05/2005), elenca algumas medidas concretas que dependem da parceria entre as três esferas de governo, considerando a necessidade de levar adiante o projeto de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA):

• Desenvolver as Hidrovias Paraguai-Paraná, Tietê-Paraná e Uruguai, garantindo as obras de dragagem, balizamento e sinalização, para o conjunto das vias, com políticas portuárias nacionais e adequação da legislação nacional que tenda a eliminar as assimetrias intra e extrarregionais.

• Melhoramento e execução da rede viária e projetos de infraestrutura complementar para a articulação e conexão física regional e a formação e operacionalização de corredores bioceânicos.

No que diz respeito, especificamente, aos corredores bioceânicos, a saída pelo Pacífico, por meio de portos chilenos, é estratégica para ampliar as relações comerciais com a Ásia.

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3.7 COMÉRCIO

Como já ressaltamos, a participação dos governos subnacionais na gestão do Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) é requisito básico para a concretização dos projetos de interesse dos Municípios, dos Estados federados, das Províncias e dos Departamentos. No que tange ao comércio, o Programa II do FOCEM é de especial interesse para os governos locais, na medida em que destina seus recursos para

(...) contribuir à competitividade no âmbito do MERCOSUL, incluindo processos de reorganização produtiva e trabalhista que facilitem a criação de comércio intra MERCOSUL e projetos de integração de cadeias produtivas e de fortalecimento da institucionalidade pública e privada nos aspectos vinculados à qualidade da produção (padrões técnicos, certificação, avaliação da conformidade, sanidade animal e vegetal, etc.), assim como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos.

Importantes são os incentivos às micro, pequenas e médias empresas e os mecanismos de facilitação dos fluxos de comércio entre elas. Uma iniciativa interessante é constituir no âmbito local empresas incubadoras, nas quais os microempresários ficam, durante dois anos, dividindo as despesas e desenvolvendo suas atividades, ao fim dos quais estão aptos a seguirem por conta própria. O intercâmbio de empresas incubadas e as feiras realizadas entre elas são importantes para fechar negócios e propiciar a troca de experiência empresarial.

A constituição de trade points em cidades com grande parque industrial também é uma medida de facilitação e promoção comercial, seja intra-bloco ou extra-bloco. Os trade points têm como objetivo realizar pesquisas de demanda pelos produtos produzidos pelas empresas locais, montar a rodada de negócios e fornecer toda a ajuda de marketing para essas empresas, tal como sugestões de como vender seus produtos a empresários de culturas diferentes. Entre os serviços dos trade points inclui-se também a facilitação na comunicação, superando a barreira de idioma.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme vimos, a globalização teve um papel importante no engajamento dos governos subnacionais nas relações internacionais, na medida em que estes perceberam, de forma mais acirrada, os efeitos de um mundo cada vez mais interdependente. Dessa forma, os processos de integração regional foram acompanhados por uma cooperação descentralizada entre cidades, estados federados e outras unidades, que foi denominada paradiplomacia. Ademais, estes governos locais também procuraram seus espaços de representação nos próprios blocos de integração regional formados pelos Estados-nação.

No âmbito sul-americano, a cooperação descentralizada teve início com a Rede Mercocidades e a representação dos atores subnacionais, no bloco regional, passou pela criação da Reunião Especializada de Municípios e Intendências (REMI) e pelo Foro de Governadores do Mercosul, até culminar no Foro Consultivo de Municípios, Estados federados, Províncias e Departamentos.

Porém, de nada adianta uma simples evolução burocrática da participação de governos subnacionais no processo de integração regional, se não for acompanhada de uma ordem jurídico-processual que permita colocar em prática uma agenda de ações concretas com vistas à solução de problemas específicos como saúde, educação, meio-ambiente, infraestrutura, entre outros.

Neste sentido, vale destacar a necessidade de uma harmonização de normas, nos Estados-membros do Mercosul, a respeito das competências constitucionais das unidades subnacionais em matéria de política externa, de modo a adequar suas Cartas Magnas a uma nova dinâmica das Relações Internacionais. Ademais, é preciso salientar a necessidade de um Regimento Interno do Foro Consultivo, que defina a distribuição de poder dentro dos dois Comitês que o compõem, a fim de evitar que as disputas internas possam minar os projetos de desenvolvimento. E, ainda, há que se definir as regras de distribuição e gerenciamento dos recursos do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM).

Mesmo que superados os aspectos jurídico-processuais, vimos que os temas substanciais da Agenda do Foro Consultivo são complexos e não podem ser tratados somente de uma perspectiva política. Deve-se considerar a participação de um corpo técnico, que domine os temas em pauta. Neste sentido, como vimos, o Brasil se mostra à frente dos demais países, com diversos projetos bem-sucedidos no território nacional.

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de Bacias hidrográficas. No plano da saúde, o modelo do SUS. Quanto ao comércio, destacam-se nossos portos e aeroportos, a exemplo do Aeroporto Internacional de Viracopos (e seu Trade Point), o maior terminal de cargas da América Latina.

Por fim, a própria característica do Estado brasileiro, com seu amplo território e sua diversidade cultural e geográfica, é fator favorável para a ação diplomática no processo de integração, em todos os seus níveis, de forma que os nossos governos subnacionais podem, e devem, assumir um papel de liderança dentro do Foro Consultivo de Cidades, Estados federados, Províncias e Departamentos do Mercosul.

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