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ASPECTOS SOCIAIS E JURÍDICOS DAS RELAÇÕES DO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE LIBERDADE ASSISTIDA COM O TRABALHO

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ASPECTOS SOCIAIS E JURÍDICOS DAS RELAÇÕES DO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE LIBERDADE ASSISTIDA COM O TRABALHO

Rogena Ximenes Viana rogenax@gmail.com Universidade Federal do Ceará - UFC

1. A situação do trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil

O quadro de violações na seara do trabalho da criança e do adolescente no Brasil ainda é estarrecedor, embora tenha sofrido redução nos últimos anos. A Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (Pnad) 2006, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostra que o país tem 5,1 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos no mercado de trabalho, representando 11,1% da população nesta faixa etária1. No Ceará, a situação é ainda mais séria, havendo 15% da população na faixa etária entre cinco e 17 anos em atividade laboral no Estado. Dessa forma, o Ceará ocupa a quarta posição no ranking dos estados brasileiros que, proporcionalmente, mantêm maior percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho.

2. A Proteção Constitucional ao adolescente nas suas relações de trabalho

Na contramão da realidade posta, e assumindo o papel de transformar esse quadro, a Constituição assume a opção política de proteger a criança e o adolescente. Esse instrumento normativo consagrador de direitos fundamentais prevê três diretrizes de proteção ao adolescente nas suas relações de trabalho, assegurando: a) o direito ao não trabalho; b) o direito ao trabalho protegido; e c) o direito à profissionalização.

Ao adolescente é assegurado o direito ao não trabalho, quando a Constituição (art. 7° XXXIII) estabelece idade mínima para o exercício das atividades laborais. Ainda nesse âmbito, protegem-se os que trabalharem na condição de aprendiz, para que não sejam menores de 14 anos. Essa mudança adveio com a emenda constitucional n° 20, já que antes não havia limite de idade para o aprendiz, facilitando abusos. Tais preceitos decorrem da proteção integral destinada à criança e ao adolescente, consagrada no art. 227 da Carta Magna.

1Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/suplementos/afazeres/publicacao_ afazeres.pdf>

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Ademais, o texto constitucional, atento ao seu dever de respeitar a peculiar condição de desenvolvimento2, garantiu também o direito ao trabalho protegido ao adolescente entre 16 e 18 anos. A eles, é vedado o trabalho que seja noturno, perigoso ou insalubre. Também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – lei 8.069/90) repete os preceitos constitucionais e acrescenta às vedações o trabalho penoso; o realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e o realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.

Aos adolescentes que trabalham, a legislação constitucional e infraconstitucional impõem a igualdade nas relações de trabalho. A constituição, no art. 7°, XXX proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; e, concorrentemente, o ECA, no art. 65 assegura ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, os direitos trabalhistas e previdenciários.

Por fim, a legislação brasileira confere ao adolescente o direito à profissionalização, também no art. 227 da CF/88. Estabelece-se, assim uma estreita conexão entre a atividade laboral e o direito à educação. (arts. 205 e 214, IV3). É, inclusive, também um dos encargos que cabem ao atendimento do adolescente em conflito com a lei que cumpre Liberdade Assistida:

“Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

III - diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;”

Esse direito visa à garantia do mínimo de igualdade entre os jovens no acesso ao mercado de trabalho, em oposição a uma entrada precoce nesse universo. Ao contrário, quanto mais cedo o adolescente entra no mercado de trabalho, menos oportunidade terá para desenvolver sua profissionalização. Em suma, descapacitação educacional e profissional tende a desqualificação profissional na vida adulta, reproduzindo-se a desigual inserção social, inclusive das futuras gerações.

2 Não se propõe, aqui, a existência do adulto como um ser humano completo. Admite-se que todas as pessoas estão

sempre em desenvolvimento. Entanto, entende-se que uma especial fase biológica e psicológica de formação acontece nos primeiros 18 anos de vida.

3Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração

da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: IV - formação para o trabalho;

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3. Realidade trabalhista de adolescentes em cumprimento de Liberdade Assistida

O trabalho ocupa um lugar significativo na vida do adolescente em cumprimento de medida sócio-educativa de Liberdade Assistida. Dados da realidade de Fortaleza, da Pesquisa sobre a Defesa Técnica de adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de Liberdade Assistida (LA)4 revelam que 54,4% dos adolescentes entrevistados, embora não empregados no momento, afirmaram já ter trabalhado alguma vez na vida. Apenas 17,15% deles informaram estar trabalhando no momento da entrevista.

Esse dado informa um aspecto importante, qual seja, a existência do trabalho infanto-juvenil como algo naturalizado entre os adolescentes que necessitam contribuir com a renda familiar. Segue-se, assim, um pensamento compartilhado pela socidade de que não consiste em infração a exploração da mão-de-obra infantil e adolescente e de que, para ele, estar trabalhando “é melhor do que estar na rua”.

Segundo a análise de Martha de Toledo Machado (Machado, 2003), todavia, o trabalho da criança e do adolescente tem sérias conseqüências, porque limita a capacidade escolar do adolescente, compromete a saúde e compromete o desenvolvimento no tocante a disciplina, que, diversamente da escolar, não possui objetivo pedagógico, mas de produtividade. A disciplina do trabalho, portanto, vai de encontro à liberdade de dispor de seu tempo, essencial para os processos de formação, especialmente de crianças.

Ademais, não é possível deixar de relacionar o início da atividade produtiva com a necessidade econômica. Vale ressaltar, que, de acordo com pesquisa do IBGE, o Pnad 2006 acima referido, as crianças e adolescentes com idade entre 5 e 17 anos, que trabalham, têm origem em domicílios com rendimento médio por pessoa de R$ 280, o que confirma essas relações diretas.

É inegável, pois, também a relação do trabalho na vida dos adolescentes em cumprimento de Liberdade Assistida com a condição sócio-econômica das suas famílias. A grande maioria, segundo a Pesquisa sobre a Defesa Técnica (73,14%) tem até duas pessoas em sua residência que estão trabalhando. A informação é bastante significativa, pois nisso reside o impasse que legitima o trabalho de adolescentes e até de crianças, constituindo-se, inclusive, em uma barreira cultural a ser enfrentada. Ressalte-se que essa informação também reforça o estereótipo de que os adolescentes que cometem atos infracionais advêm de classes pobres.

4 Essa pesquisa, ainda não publicada está sendo promovida pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do

Ceará – CEDECA - CE, em parceria com a Rede de Assessoria Jurídica Universitária – REAJU, composta por projetos de extensão da Universidade Federal do Ceará e da Universidade de Fortaleza e com o Laboratório de Estudos sobre a Violência - LEV. Ela objetiva analisar o Acesso à Justiça, através da Defesa Técnica de adolescentes em cumprimento de Liberdade Assistida em Fortaleza.

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Cumpre ressaltar que, mais impactante ainda é a situação de 10,86% dentre esses adolescentes, os quais declararam não ter ninguém trabalhando em sua casa. O fato de não haver ninguém trabalhando em casa, contudo, não implica necessariamente em completa ausência de renda nessas residências. Destaca-se o papel das ocupações informais e, muitas vezes temporárias, os chamados “bicos”, comummente, meios de sustento encontrados pela população de baixa renda.

Dentre os tipos de trabalho mais freqüentemente realizados pelos adolescentes em atendimento sócio-educativo de Liberdade Assistida em Fortaleza, encontram-se atividades de prestação de serviços, como vendedores, serventes, caixas (30,2%); de empregos em pequenos estabelecimentos, como entregadores, empacotadores, garçons (22,9%), de produção em oficina/fábrica (21,1%), e de ocupações autônomas como catadores, engraxates, vigilantes de carros (7,3%).

Essas informações permitem constatar que, atualmente, o adolescente está fazendo parte do crescimento da economia informal, passando a ocupar espaço nesse novo mercado de trabalho. Ocorre, no entanto, que a informalidade nas relações de trabalho implica, corriqueiramente, em violações de direitos, mormente no descumprimento sistemático das legislações trabalhistas.

No Brasil, essa precarização das relações trabalhistas é uma realidade de muitos trabalhadores adultos. O quadro se torna mais grave quando o adolescente passa a fazer parte disso, já que, contrariamente, é destinatário de normas que visam à sua proteção neste âmbito, em respeito à sua peculiar condição de desenvolvimento.

Por outro lado, uma das diretrizes para o adolescente em cumprimento de Liberdade Assistida é o seu encaminhamento para a profissionalização, de modo a evitar a entrada precoce destes sujeitos no mercado de trabalho. Cumpre ressaltar, contudo, que não se refere a profissionalização aqui mencionada à uma preparação para a competição desenfreada a que somente terão acesso os mais capacitados, posto que quando há uma disputa, resta claro que não há espaço para todos. Busca-se, outrossim, uma realidade em que crianças e adolescentes tenham condições efetivas de realizar suas potencialidades e fazer suas escolhas sem que estejam submetidos a determinações impostas pela sua condição sócio-econômica.

Aqui cabe a crítica a esses modelos de profissionalização que perpetuam a situação do adolescente à margem da sociedade. Este modelo faz parte da representação social da criança e do adolescente com objetos de controle e disciplinamento social, (Pinheiro, 2006) que:

...incluem ações voltadas para a profissionalização de adolescentes oriundos de classes populares, para a formação de aprendizes que deverão ser preparados para se tornar profissionais disciplinados, ocupantes de futuros lugares de subordinação (...) adolescentes oriundos de classes subalternas devem ser preparados para ocupar o lugar de operários, de funções subalternas, não o lugar de dirigentes.

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Cria-se desse modo, um discurso da fabricação de mão-de-obra produtiva e prevenção da marginalização como eixos centrais dessa representação social. Na realidade, outros elementos não podem deixar de ser inseridas neste contexto, como a qualidade da educação e o acesso à Universidade.

Há que se fazer, portanto, esta análise. As relações do adolescente com o mundo do trabalho, mesmo exercendo trabalho protegido, não perpassam simplesmente pela sua inserção no mercado de trabalho que temos hoje para se tornarem precocemente cidadãos explorados dentro da estrutura capitalista em favor do enriquecimento dos donos dos meios de produção. Trata-se de análise mais profunda (Bertucci, 2003.)

O processo de transição para uma sociedade sustentável e igualitária, em que o trabalho humano seja fonte de vida para todos e não mercadoria supõe aliar ações e iniciativas locais e setoriais àquelas macroestruturais de lutas por direitos humanos que liberem forças hoje estranguladas. Sem essa articulação corre-se o risco de que elas se tornem pontuais com conotações compensatórias. Do outro lado, a atuação nas denúncias e mobilizações em torno dos estrangulamentos estruturais pode tornar-se fluido, sem efeitos permanentes e sem efetiva participação na perspectiva da cidadania ativa ou emancipada.

Conclui-se, na linha de pensamento de Bertucci, que, na realidade de hoje, são de fundamental importância os primeiros passos através da luta pelo cumprimento dos direitos sociais trabalhistas em todas as relações de trabalho. Especial ênfase deve ser dada às garantias constitucionais que protegem o trabalho do adolescente, tendo em vista a conexão desse com os adolescentes em conflito com a lei. Sem, não obstante, deixar de atentar para o cunho emancipatório da luta por direitos humanos, fim maior a ser perseguido, como uma utopia que faz caminhar5.

REFERÊNCIAS

BERTUCCI, Ademar. O Direito ao Trabalho, emprego, renda e produção solidária. Direitos Humanos no Brasil: diagnóstico e perspectivas: Coletânea CERIS, Ano 1, n.1,. p.73-96.

CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García. (Org.).

Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais.

MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os

direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2003.

5 “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte

corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Eduardo Galeano.

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PNAD 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/suplementos/afa zeres/publicacao_afazeres.pdf

PINHEIRO, Ângela. Criança e adolescente no Brasil: porque o abismo entre a lei e a realidade. Fortaleza: Editora UFC, 2006.

RECH, Daniel (Coord.). Direitos Humanos no Brasil: diagnóstico e perspectivas: Coletânea CERIS, Ano 1, n.1,2003. Rio de Janeiro: CERIS/Mauad, 2003.

RECH, Daniel (Coord.). Direitos Humanos no Brasil 2: diagnóstico e perspectivas: Coletânea CERIS, Ano 2, n.2, Rio de Janeiro: CERIS/Mauad X, 2007.

SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

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