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O Neolítico no concelho de Benavente: o sítio do Monte da Foz 1

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Academic year: 2021

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R E V I S T A D E C U L T U R A | 3

B E N A V E N T E

Terras d’Água

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R E V I S T A D E C U L T U R A | 3

B E N A V E N T E

Terras d’Água

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FICHA TÉCNICA

Propriedade | Município de Benavente Edição | Museu Municipal de Benavente Coordenação de edição | Cris na Gonçalves

Colaboradores deste número| Aníbal Ferreira | António Ma as Coelho António Pedro Manique | Aurélio Lopes | César Neves | Clemen no Amaro Cris na Gonçalves | Jus no Mendes de Almeida | Mário Jus no Silva Rui Vieira | Sandra Ferreira | Sofia Garrido

Grafismo | Sandra Figueiras

Execução gráfica | Gráfica Central de Almeirim Tiragem | 500

ISBN 978-989-8495-06-8 Depósito Legal 423733/17 Benavente | Março 2017

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ÍNDICE

O NEOLÍTICO NO CONCELHO DE BENAVENTE: o sí o do Monte da Foz 1 | César Neves | 7

OLARIA ROMANA DA GARROCHEIRA, BENAVENTE | Clemen no Amaro e Cris na Gonçalves | 35 A EVOLUÇÃO TERRITORIAL DO RIBATEJO – DO SÉCULO XVIII AO ESTADO NOVO

Território(s) e Iden dade(s) em torno de um Topónimo | António Pedro Manique | 57 ESTE NOME RIBATEJO | António Ma as Coelho | 71

AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO ANTERIORES AO MODELO IMPÉRIO O modelo primordial em Benavente | Aurélio Lopes | 75

OS FORAIS DE BENAVENTE E O SEU TOMBO - Benavente - 1516-1574 | Sandra Ferreira| 91

BENAVENTE QUINHENTISTA: imagens do quo diano numa vila ribatejana | Mário Jus no Silva| 151 DE BENAVENTE PARA A EUROPA

Percurso médico-cien fico do Dr. António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782) | Jus no Mendes de Almeida | 169 PRESIDENTES DA CÂMARA MUNICIPAL DE BENAVENTE - 1716 / 1974 | Aníbal Ferreira | 175

O IMPOSTO SOBRE AS JANELLAS NA VILA DE BENAVENTE NO ANO DE 1832 | Sofia Garrido| 185 SERVIÇO MILITAR | Sandra Ferreira | 191

MANOEL LOPES D'ALMEIDA: Evocação do Mestre, Saudades do Homem | Jus no Mendes de Almeida | 207 DO TERRAMOT0 DE 23 DE ABRIL DE 1909 À RECONSTRUÇÃO DA VILA DE BENAVENTE | Rui Vieira | 217

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A revista “Terras d'água”, revista de cultura do Município de Benavente, surgiu em

2001, no âmbito das comemorações dos oitocentos anos do Foral de Benavente,

apresentando-se como um espaço privilegiado para o estudo e a valorização da

história local, assumindo-se como um contributo na perceção da iden dade

deste território.

Esta edição retoma agora o seu terceiro número, reunindo um conjunto de

ar gos, que à semelhança dos anteriormente publicados, procura lançar pistas

para a inves gação. Com textos enquadrados na área geográfica do Ribatejo,

esta revista vem propor uma perspe va temporal que iniciando num momento

de ocupação neolí ca, chega a tocar na Revolução de Abril.

Entendendo o território numa dimensão mul disciplinar, este projeto editorial

pretende-se diverso, dinâmico, inovador e ainda que se possa apresentar como

um desafio na realização de outros trabalhos de reflexão e inves gação.

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O NEOLÍTICO NO CONCELHO DE BENAVENTE:

O SÍTIO DO MONTE DA FOZ 1

César Neves

UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa; Associação dos Arqueólogos Portugueses

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1. Introdução

Em 2005, durante a realização de um Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE), para o projecto de construção do Sublanço A1/ Benavente da A10 – Auto-estrada Bucelas /Carregado (A1) – A13 (IC3), uma equipa da empresa ERA – Arqueologia iden fica, no traçado da futura Auto-Estrada, o sí o arqueológico Monte da Foz 1 enquadrando-o, genericamente, na Pré-História recente, com a atribuição cronológica de Neolí co / Calcolí co (Coelho, 2005).

Em Março desse ano, a Brisa S.A. contrata a empresa Crivarque, Lda. para a execução das medidas de minimização propostas no RECAPE, a efectuar nas áreas iden ficadas como Monte da Foz 1. Estas medidas contemplavam a realização de sondagens arqueológicas manuais na área onde se projectava a construção da Plena Via e do Estaleiro Central. Iniciava-se, assim, a intervenção arqueológica de emergência dirigida pelo signatário e por Ana Rodrigues, terminando já no ano de 2006. A intervenção arqueológica, na sua globalidade, bem como o seu planeamento e metodologias preconizadas, es veram sempre condicionadas pelos calendários e impera vos de obra.

Conscientes que a informação ob da durante as dis ntas fases da obra e da intervenção arqueológica não era suficiente para a caracterização do sí o, foi apresentado, em 2005, um Projecto de Inves gação, inserido no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos (PNTA), onde se integravam, para além deste sí o, os novos dados provenientes de outras intervenções de emergência e/ou preven vas realizadas em áreas geográficas adjacentes. Ao englobar o Monte da Foz 1 num projecto de inves gação, abria-se a possibilidade de se estudar, na íntegra, os resultados ob dos no terreno tendo, por outro lado, disponíveis melhores meios e possíveis leituras de carácter interdisciplinar, imprescindíveis para a sua melhor compreensão e caracterização.

O projecto in tulado Neolí co an go e médio na margem esquerda do Baixo Tejo (NAM), co-dirigido com Ana Rodrigues e Mariana Diniz, nha como linhas gerais a caracterização, cronológica e cultural, do Neolí co an go e médio na margem esquerda do Baixo Tejo, nas áreas administra vas dos concelhos de Benavente e Salvaterra de Magos, estando o sí o do Monte da Foz 1 enquadrado nesse horizonte crono-cultural.

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Estas fases culturais estão, em contraste com o Baixo Tejo, melhor documentados nas áreas da Estremadura, Alentejo interior e Algarve ocidental. O inves mento na inves gação nestas regiões que ocorre, embora de forma desigual, desde as duas úl mas décadas do séc. XX, tem sido decisivo para o conhecimento das sociedades humanas que habitaram o actual espaço português entre o 6º e 4º milénio AC.

O presente texto é uma síntese de uma dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que teve como objec vo principal o estudo integral dos dados arqueológicos registados no Monte da Foz 1, assim como a sua integração crono-cultural na dinâmica do Processo de Neoli zação no extremo Ocidente Peninsular (Neves, 2010).

2. Espaço e Território

O Monte da Foz 1 localiza-se, administra vamente, em Portugal, no distrito de Santarém e concelho de Benavente, situando-se num espaço denominado por Baixo Vale do Tejo, nomeadamente na margem esquerda deste curso de água principal. O sí o localiza-se na Carta Militar de Portugal na folha nº 391, na escala 1: 25 000. As coordenadas geográficas (UTM – WGS 84) são:

Longitude M: 514 008,24 / -08º 50' 17, 888 La tude P: 431 3105,08 / 38º 58' 00, 490 Al tude: 11m

Esta região corresponde a uma planície aluvial composta por depósitos de sedimentos finos de origem fluvial, marinha e con nental. Neste espaço, a evolução Plistocénica caracteriza-se pelo desenvolvimento de Terraços, com a localização topográfica específica do Monte da Foz 1 situado sobre um terraço Q4 de Benavente, cujas al metrias variam entre os 8-15m (Zbyszeswki e Ferreira, 1968). Disponíveis nestes depósitos de terraço, encontram-se cascalheiras de seixos de quartzo e quartzito. À semelhança de grande parte dos contextos crono-culturalmente paralelos, o espaço onde se implantou a ocupação do Monte da Foz 1 caracteriza-se como uma área aberta, plana, sobre um substrato arenoso, a baixa al tude e sem quaisquer condições naturais de defesa. Ao nível de recursos naturais, a ocupação terá do em conta a grande proximidade com as ribeiras do Sorraia e Almansor, afluentes de um curso principal, o Tejo, também ele, à data da ocupação, muito próximo do sí o arqueológico.

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Esta área é genericamente definida pelo paleo-estuário do Tejo, formado aquando da transgressão flandriana, procedendo a fortes alterações no rio e nos seus directos tributários, alcançando o seu máximo em ±5000 BP (Daveau, 1980).

A paisagem que actualmente caracteriza a margem esquerda do Baixo Vale do Tejo é dis nta da que terá exis do no final do Plistocénico e na primeira metade do Holocénico (Vis e Kasse, 2009). O canal fluvial do Tejo e respec va planície aluvial, na sua génese e evolução, são o espelho das alterações paisagís cas e oscilações climá cas que esta região terá sofrido desde do Plistocénico superior até ao presente, que veram consequências ao nível da diversidade dos recursos existentes (Freitas et al., 2006). À data da ocupação do Monte da Foz 1, o ambiente estuarino que caracterizaria este território proporcionaria a existência de um ecossistema diversificado, com elevado potencial bió co, passível de ser ob do, sem grande esforço, através de prá cas cinegé cas e de recolecção. Esta situação deverá sido determinante na implantação deste habitat, uma vez que a especificidade das estratégias de ocupação neste espaço aberto estaria “moldada” aos recursos naturais existentes, às excelentes condições de mobilidade que o mesmo permite/exige estando, eventualmente, integrados numa rede de povoamento que incluiria sí os de dis nta natureza funcional e, possivelmente, dimensão espacial.

A implantação deste sí o, na margem de cursos de água, terá do em conta os recursos aquá cos daí provenientes mas, de igual modo, as condições de circulação que as comunidades aí estacionadas podiam explorar. O Tejo e seus afluentes (Sorraia e Almansor), bem como as vastas planícies que circundavam o Monte da Foz 1, permi am aos grupos humanos que aí habitavam um ritmo de mobilidade sem grandes condicionantes geográficos, possibilitando a deslocação até territórios e contextos geológicos dis ntos (Estremadura e Alentejo interior, onde haveriam melhores condições para a prá ca da pastorícia e agricultura, respec vamente, bem como a existência de outros recursos ao nível das matérias-primas – sílex, granito e anfibolito), numa necessária complementaridade que o modelo social, cultural e económico do processo de Neoli zação, gradualmente, impunha (Neves, 2013).

Por outro lado, a riqueza económica proveniente deste meio ambiente específico contrastaria com a débil ap dão dos seus solos (com alto teor de salinidade), para

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Figura 1. Localização do Monte da Foz 1

na Península Ibérica e no Baixo Vale do Tejo (base cartográfica: Daveau, 1980 – adaptado).

Figura 2. Monte da Foz 1 – Localização. Lado esquerdo: na CMP à escala de 1/25 000 (folha 391 - excerto);

lado direito: a plataforma onde se implanta o sí o.

eventuais prá cas agrícolas. Esta limitação dos solos parece ser um dado contraditório face às dinâmicas esperadas para as primeiras fases do Neolí co. No entanto, a pologia funcional do Monte da Foz 1 jus ficaria esta situação, uma vez que, a julgar pela evidência empírica disponível, a agricultura não terá sido uma ac vidade primordial na “balança económica” do grupo que aí residiu (Figura 1 e 2).

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3. Intervenção arqueológica

Em Abril e Maio de 2005, numa fase prévia à construção da A10, entre um conjunto alargado de medidas 2 de minimização, realiza-se a escavação arqueológica de 5 sondagens manuais - num total de 20m de área intervencionada - no sí o do Monte da Foz 1. Estas sondagens dis nguem-se das restantes acções de minimização pelo facto de, aí, se ter registado um nível de ocupação preservado e bem delimitado em termos cronológicos.

Os par cularismos de uma escavação de natureza preven va oferecem, na maioria dos casos, significa vas limitações de natureza metodológica. No caso concreto desta escavação, as cinco sondagens encontravam-se espaçadas 15m entre si, dificultando a leitura conjunta dos dados arqueológicos, especialmente na impossibilidade de união das áreas sondadas. O facto do estudo da ocupação neolí ca do Monte da Foz 1 se centrar, exclusivamente, nos resultados destas sondagens deve-se à iden ficação e registo, em cada uma delas, de um nível arqueológico in situ e, na sondagem B13, de uma estrutura de habitat. Rela vamente aos dados arqueológicos recolhidos, estas sondagens foram as que apresentaram o maior número de espólio arqueológico, em melhor estado de conservação e com uma significa va homogeneidade crono-cultural e tecno- pológica entre si. A pedra lascada corresponde ao elemento artefactual mais representa vo, seguido das produções cerâmicas.

A sequência estra gráfica registada é pouco complexa. As camadas superficiais caracterizam-se por níveis orgânicos com algumas perturbações pós-deposicionais de origem antrópica (trabalhos agrícolas), e de bioturbação vegetal e animal (raízes e tocas de roedores). Correspondem a níveis que apresentam um número muito reduzido de materiais arqueológicos e de reduzidas dimensões, cons tuindo-se como um excelente indicador da preservação do nível arqueológico. Depositado sob estes depósitos, a cerca de 50-60cm da super cie actual, encontra-se o nível arqueológico, bem consolidado e definido, caracterizado por uma camada sedimentar arenosa, que apresentava uma espessura variável entre 20-40cm de potência. Os horizontes estra gráficos correspondentes ao nível ocupacional dis nguiam-se das camadas sob e sobrepostas pela forte presença de materiais arqueológicos de todas as categorias artefactuais, estando pra camente ausentes as perturbações pós-deposicionais que caracterizavam as camadas superficiais. Além da homogeneidade crono-cultural dos artefactos, a possibilidade de se estar perante um momento ocupacional, que terá ocorrido numa mesma etapa crono-cultural, também se confirmava na ausência de qualquer hiato cronológico entre as camadas escavadas.

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Abaixo do nível ocupacional surge uma camada arenosa, de sedimento muito fino, totalmente estéril do ponto de vista arqueológico. Desconhece-se, no entanto, a sua real espessura, uma vez que não se a ngiu o seu limite inferior, escavando-se um máximo de 1,20m de profundidade em cada sondagem. De igual modo, a forte dinâmica ambiental e condições sedimentares (eólicas e fluviais) terão

contribuído para a rápida colmatação da ocupação.

Em virtude de não se ter recuperado qualquer elemento de matéria orgânica que permita a realização de datações absolutas, a definição cronológica da ocupação neolí ca do Monte da Foz 1 passou, essencialmente, pela análise tecno- pológica da cultura material, assim como pela caracterização da estratégia e pologia ocupacional e recons tuição dos subsistemas económicos e sociais (Figura 3).

4. Cultura Material

Apesar de se reconhecer uma postura analí ca que privilegia uma abordagem tecnológica em detrimento de uma mera descrição e classificação pológica, um dos principais objec vos do estudo deste conjunto foi o de avaliar que espólio integra o “pacote artefactual” das comunidades desta fase do

Figura 3. Monte da Foz 1 - Aspecto geral

do final da escavação da Sondagem B13.

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processo de Neoli zação, nomeadamente em contexto domés co, a fim de, entre elementos de pedra lascada, polida, afeiçoada e cerâmica, se obter um quadro geral que auxilie, no futuro, a caracterização de ocupações de natureza crono-cultural semelhante.

O estudo da cultura material registada no Monte da Foz 1 procurou responder a um ques onário prévio, que teve em consideração o contexto de proveniência dos elementos artefactuais, uma vez que se entende o objecto em análise como estando sempre relacionado com a economia de exploração idealizada por quem o produziu e respondendo às necessidades que o meio envolvente o impõe, assim como à pologia funcional da ocupação.

4.1. Indústria Lí ca

Na análise deste conjunto, formado por 1102 peças, destaca-se a exploração, no local, de três pos de matéria-prima, o quartzito, o quartzo e o sílex. Ainda que estejam presentes algumas peças em quartzo hialino, estas rochas têm um carácter muito residual, revelando valores muito diminutos.

O quartzito apresenta-se como a matéria-prima mais u lizada, com 505 testemunhos, correspondendo a cerca de 46% do total da amostra. O quartzo e o sílex manifestam-se em quan dades inferiores, embora com maior superioridade para o quartzo. O quartzo, com 339 peças e o sílex com 243 perfazem cerca de 31% e 22% da amostra total, respec vamente. Com uma representa vidade muito residual, surge o quartzo hialino, em 15 elementos, compreendendo a cerca de 1% da totalidade de registos. Numa leitura conjunta, ao nível da debitagem e conformação de utensílios, constata-se que a representa vidade da matéria-prima não se altera muito. O quartzito con nua a ser a rocha mais representada, com cerca de 44% do total, seguida pelo sílex, com cerca de 37% de peças produzidas, e pelo quartzo, com cerca de 18%. O quartzo hialino só entra nesta contabilidade com uma única peça, coincidindo com 1% da amostragem.

No campo da utensilagem, observa-se uma inversão de presenças rela vamente ao sílex e quartzo. Este facto está relacionado com as estratégias de debitagem e com a gestão diferenciada das matérias-primas, enquadradas na futura funcionalidade dos suportes de utensilagem.

O conjunto revela abordagens diferentes consoante as matérias-primas disponíveis. A economia de exploração baseia-se em matérias-primas locais (quartzito e quartzo) e em matérias-primas exógenas (sílex), embora apresentando uma gestão diferenciada. Apesar de atestada, no local de

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ocupação, a exploração diversificada de matérias-primas, a u lização preferencial recairia por rochas imediatamente acessíveis, que correspondem a 78% dos elementos do conjunto (Quadro 1).

Atendendo ao espólio recolhido, observa-se a presença de talhe local, com maior incidência no quartzito e quartzo, estando registados todos os processos da cadeia operatória. No sílex, a ausência de elementos da etapa final da debitagem (núcleos), não coloca de parte que esta rocha também tenha sido talhada localmente. Os restos de talhe, as peças relacionadas com descor cagem e reavivamento de blocos a debitar, bem como a presença de material debitado (em bruto e em suportes de utensilagem), são dados sólidos que comprovam essa ac vidade no Monte da Foz 1.

Esta fase de descor cagem, presente, mas rela vamente escassa, pode indicar que, ao local, chegariam os blocos de sílex já testados e, em grande parte, descor cados e conformado, produzindo-se, na sua maioria, núcleos para lamelas e lâminas e, em menor número, lascas. O carácter exógeno da matéria-prima e ap dão para o talhe de uma rocha que potencia um número mais elevado e diversificado de

Material de

Preparação/Reavivamento/Residual

Quartzito Quartzo Q. Hialino Sílex Total Subprodutos de talhe Esquírolas 324 242 14 146 726 Inclassificáveis 79 52 - 15 146 Acidentes talhe 12 2 - - 14 Microburis - - - 3 3 Peças de crista Lamelas - - - 1 1 Peças corticais Lascas 14 8 - 18 40

Suportes não standartizados - - - 2 2 Total 429 304 14 185 932 – 85% Material Debitado Lascas 67 24 1 3 95 Lamelas - 3 - 34 37 Lâminas - - - 1 1 Utensílios sobre lasca 3 1 - 3 7 sobre lamela - - - 12 12 sobre lâmina - - - 5 5 Núcleos e fragmentos de núcleos 6 7 - - 13

TOTAL 505 – 46% 339 – 31% 15 – 1% 243 – 22% 1102 – 100%

Quadro 1 | Monte da Foz 1- Inventário Geral da Pedra Lascada

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suportes e utensílios, terá levado à exaustão e esgotamento dos núcleos, facto que poderá ter contribuído para a ausência dos mesmos no registo arqueológico.

As rochas facilmente exploradas no território imediato de captação de recursos, o quartzito e quartzo, são as que detêm maior peso contabilís co no conjunto. No quartzito, o processo tecnológico envolve um talhe expedito que visava a produção de utensilagens sobre lasca, de concepção muito simples. Os núcleos unipolares, com poucos levantamentos, são indicadores seguros de uma ausência de necessidade em explorar e esgotar ao máximo uma matéria-prima que se apresenta localmente disponível, de forma abundante, e de fácil apreensão. Desta forma, não se procederia ao reavivamento e manutenção dos blocos escolhidos para debitar (Figura 4).

Figura 4. Monte da Foz 1. Pedra lascada

(quartzito). 1 - lasca semi-cor cal com traços de u lização; 2-3 - lascas semi-cor cais; 4-5 – lascas não semi-cor cais.

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O quartzo, por seu lado, apresenta dados que indicam uma exploração mais diversificada. A sua maior ap dão para o talhe permi u talhar, além de lascas, esquírolas e lamelas, ficando as lâminas como o único suporte não produzido neste mineral. Ainda assim, o grosso da produção centrava-se nas lascas, representado cerca de 89% do material debitado nesta rocha. Os núcleos e nódulos debitados registados vão ao encontro desta leitura.

A exploração do quartzo e do quartzito assentaria numa estratégia expedita com uma minimização de esforço tecnológico e sico. A sua produção visaria o fornecimento de suportes (lascas) para utensilagens de “uso circunstancial (lascas retocadas ou em bruto para cortar…) …” (Carvalho, 1998b, p.89). A macro-utensilagem em quartzito é uma caracterís ca comum de sí os ocupados desde de uma fase evolucionada do Neolí co an go, principalmente quando o quartzito se apresenta como recurso imediatamente acessível.

O sílex apresenta uma clara oposição face à estratégia e finalidade de talhe verificadas no quartzito. Os dados remetem para uma exploração dirigida para a produção de suportes alongados e micrólitos geométricos. A escassez de lascas em contraste com a forte presença de suportes lamelares e laminares (estes úl mos, ainda assim, em menor número do que as lamelas), demonstra o objec vo primordial da debitagem desta matéria-prima. Para que tal acontecesse, foi explorado sílex muito diversificado e de excelente qualidade, tendo parte sido aprovisionado em áreas distantes do sí o, em contextos geológicos secundários localizados na área da Estremadura, que em nada se relacionam com o enquadramento geológico do Monte da Foz 1. A exploração alóctone do sílex revela a importância que teria na economia do grupo, demonstrando, igualmente, a preocupação de uma comunidade em obter uma matéria-prima específica que se enquadra numa determinada estratégia de produção, também ela de grande especificidade, sendo que essa matéria-prima terá que ser recolhida em áreas rela vamente distantes do local de habitat. As limitações impostas pelo substrato geológico da área da margem esquerda do Baixo Tejo, obrigam ao desenvolvimento de estratégias de forte pendor social e económico, envolvendo o grupo que habitou o Monte da Foz em esquemas de circulação de matéria-prima. Desta forma, observa-se no sílex um talhe mais cuidado, intensivo, que visaria o aproveitamento quase integral desta matéria-prima recorrendo, em alguns casos, ao pré-tratamento térmico.

Quanto à funcionalidade dos utensílios conformados (geométricos, peças retocadas e com traços de u lização), os mesmos remetem para “elementos de foice” e armaduras, relacionando-se com prá cas produ vas e cinegé cas. A sua fraca percentagem no total do conjunto parece relacionar-se com uma ocupação efémera e temporária. Se a isto se juntar a fraca representação de elementos de moagem e utensílios com gume em pedra polida (como em baixo veremos), é de crer que o grupo que habitou no

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Monte da Foz 1, embora conhecedor e portador dos elementos da cultura material que indiciem uma nova tendência produ va e de domes cação da paisagem, não teria o objec vo de implantar uma ocupação de forte pendor “sedentário” e permanente (Figura 5, 6 e 7. Quadro 2 e Quadro 3).

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Figura 6. Monte da Foz 1. Pedra lascada (sílex). 1-2 - microburis; 3-4 - segmentos;

5-6 – trapézios; 7-11 – Lâminas: 7-9 – com traços de u lização; 10 – com retoque marginal.

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Figura 7. Monte da Foz 1. Pedra lascada (sílex). Lamelas: 1-2 – com retoque

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Pedra polida e afeiçoada

O conjunto de pedra polida e afeiçoada é muito reduzido, com os exemplares registados a surgirem em mau estado de conservação, apresentando um elevado grau de fragmentação. Desta forma, afigura-se di cil uma atribuição pológica e funcional dos respec vos elementos artefactuais.

A pedra polida encontra-se representada através de uma pequena lasca em anfibolito polido. Trata-se de uma lasca com pouca espessura e irregular, apresentando uma face polida e uma outra em bruto, sendo esta úl ma uma zona fracturada. A sua classificação pológica é “indeterminada”.

Os ves gios de possível utensilagem em pedra afeiçoada correspondem a 3 fragmentos em granito, recolhidos durante a escavação. Deverão tratar-se de elementos de moagem, apesar do elevado estado de fragmentação não permi r a dis nção entre moventes e dormentes.

revista de cultura

terras d’água

Quadro 2 | Monte da Foz 1- Quadro pológico

Sílex Quartzito Quartzo Total Raspadeiras 1 - - 1 Entalhes 1 - - 1 Trapézios 2 - - 2 Segmentos 2 - - 2 P. retoque marginal 8 - - 8 P. traços de utilização 8 3 1 12

Quadro 3 | Monte da Foz 1- Suportes de utensilagem

Lasca Lâmina Lamela Outros Total Raspadeiras - - - 1 1 Entalhes - - 1 - 1 Trapézios - 1 1 - 2 Segmentos - - 2 - 2 P. retoque marginal 3 1 4 - 8 P. traços de utilização 4 3 4 1 12 22

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Os elementos artefactuais em pedra polida e pedra afeiçoada são cons tuídos por rochas de origem exógena. O granito e o anfibolito têm a sua fonte de aprovisionamento mais próxima no interior alentejano, nomeadamente nas áreas, hoje, pertencentes aos distritos de Évora e Portalegre, num raio mínimo de 60 a 70km.

O mau estado de conservação e o elevado grau de fragmentação poderá estar relacionado com a intensidade e grau de u lização que estes elementos veram sujeitos. Após o seu abandono, que terá ocorrido quando o artefacto se encontraria completamente esgotado, ter-se-á verificado uma dispersão aleatória destes fragmentos pelo sí o, sem qualquer relação com os espaços de uso.

Os principais artefactos pertencentes a estas categorias estão relacionados com as ac vidades económicas desenvolvidas no contexto dos novos sistemas produ vos introduzidos durante o processo de neoli zação. Embora presentes em número diminuto e em mau estado de conservação, os elementos existentes no Monte da Foz 1 atestam a presença de uma comunidade integrada nas an gas sociedades camponesas, portadora do clássico “pacote neolí co”, quer do ponto de vista artefactual/cultural, quer do ponto de vista de economia e produção (Neves, 2012).

Pedra com traços de u lização

Percutores

Foram registados 5 percutores no Monte da Foz 1: 4 sobre seixo de quartzito; 1 sobre seixo de quartzo. Trata-se de percutores duros u lizados, em grande parte, no talhe através da percussão directa sobre núcleos de quartzito, quartzo e sílex, sendo esta uma técnica claramente atestada nos materiais de pedra lascada do Monte da Foz 1. A escolha da matéria-prima é exclusivamente local, recorrendo-se aos seixos rolados ob dos nas cascalheiras localizadas nas redondezas do sí o.

4.2. Cerâmica

O conjunto cerâmico do Monte da Foz 1 é formado por 2563 fragmentos de recipientes de produção manual, e por 9 objectos cilíndricos de funcionalidade indeterminada. Do total de 2563 fragmentos, 232 pertencem a bordos, 2329 são bojos, 1 foi classificado como fundo e 1 relaciona-se com um elemento de preensão, aparecendo isolado do seu recipiente original.

Perante este número de elementos, impunha-se a inevitável selecção da amostra a estudar, para que fosse representa va do conjunto, possibilitando a sua caracterização e definição tecno- pológica. A triagem gerou um subconjunto com todos os fragmentos portadores de informação culturalmente

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significa va a serem descritos, individualmente, numa ficha de inventário elaborada para o efeito. Integraram a amostra todos os bordos, bojos com decoração, fundos, e os elementos de preensão e suspensão (e.p.s.) que ocorrem de forma isolada.

O subconjunto é composto por 243 registos, correspondendo a 261 fragmentos. A presença de maior número de fragmentos rela vamente ao número de registos deve-se à colagem entre alguns bordos e bojos de uma mesma peça. Todos os fragmentos descritos foram desenhados, tendo em vista a sua caracterização pológica.

Apesar da reduzida dimensão do conjunto, foi impossível definir o número mínimo de recipientes. O grau de fragmentação do material (1180 elementos com dimensão inferior a 2cm), o número de fragmentos lisos e a dispersão espacial que estes elementos sofrem em habitats abertos não permite, com mínima fiabilidade, es mar o número de contentores presente na amostra estudada (Quadro 4).

Tecnologia Morfologia Funcionalidade Decoração Recurso a argilas locais

para a manufactura dos recipientes; Utilização maioritária de pastas compactas (75%); Paredes pouco espessas (86%); Alisamento interno (41%) e externo das superfícies (46%); Cozeduras em

ambientes redutor com arrefecimento oxidante; Formas abertas e fechadas em % iguais (50% cada);

Predomínio das Taças (40%), Esféricos (28%) e Ovóides (21%); Paredes rectas em número residual (10%); Recipientes, na sua maioria, de média dimensão (78%); Baixa percentagem de vasos de grandes dimensões (17%); Recipientes de média dimensão - multiplicidade funcional (preparação e consumo de alimentos); Informação de carácter paleoeconómico - subsistência “imediata”; Análise de conteúdos (estudo a decorrer); Escassos elementos tradicionalmente relacionados com a armazenagem e conservação de alimentos;

Claro domínio de recipientes lisos (76% subconjunto – 98% Total);

Incisão – técnica maioritária (80% dos fragmentos decorados);

Impressão – técnica residual (16% dos fragmentos decorados);

Linha incisa sob o bordo:

Sulco abaixo do bordo -

motivo decorativo dominante (68% dos fragmentos

decorados);

Presença de sulco abaixo do

bordo em taças hemisféricas,

esféricas e ovóides;

Quadro 4 | Cerâmica do Monte da Foz 1 - Principais caracterís cas

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A descrição e classificação dos materiais provenientes do Monte da Foz 1 visaram, de forma genérica, a persecução de dois objec vos:

- Caracterizar o conjunto cerâmico quanto à sua variabilidade morfológica, tecnológica e es lís ca, enquadrando-os, posteriormente, num determinado âmbito crono-cultural;

- Compreensão dos processos de formação e preservação do sí o arqueológico (par ndo do estado de conservação e dimensão dos fragmentos, em conjunto com a sua distribuição espacial na área intervencionada);

A análise do conjunto artefactual do Monte da Foz 1 permi u observar uma produção cerâmica que parte da u lização de argilas localmente disponíveis, construindo recipientes de pastas compactas (75% da amostra), com paredes maioritariamente pouco espessas (86% do total da amostra), cozidas em ambiente redutor com arrefecimento oxidante, com presença frequente de elementos não plás cos de pequeno e médio calibre. Após o recipiente estar formalmente configurado, as super cies foram, em grande parte, alisadas ainda que com frequência não tenham sido alvo de nenhum tratamento. O polimento e aplicação de aguadas apresentam-se como técnicas pouco u lizadas neste conjunto. Num momento prévio à secagem, numa percentagem minoritária de recipientes (24% do universo de fragmentos individualmente descritos; 2% no total dos fragmentos cerâmicos do Monte da Foz 1), e num espaço muito próximo da abertura do vaso, foram aplicados mo vos decora vos.

U lizou-se a técnica da incisão, desenhando, par cularmente, uma linha horizontal logo abaixo do bordo (sulco abaixo do bordo), bem como séries e fiadas de linhas paralelas entre si. A decoração impressa consis u na aplicação de puncionamentos individuais, em fiada, de matriz simples, paralelos entre si e perpendiculares ao bordo (Figura 8).

Em termos decora vos, a técnica da incisão representa 80% do total das cerâmicas decoradas, enquanto a impressão a nge, somente, 16%, cingindo-se a combinação destas técnicas a 4% dos fragmentos analisados. Num universo dominado por recipientes lisos (c. 76% do subconjunto – 98% do total de fragmentos recolhidos), o sulco abaixo do bordo apresenta-se como o elemento decora vo predominante, em cerca de 68% dos fragmentos decorados, correspondendo, desta forma, ao único mo vo claramente padronizado e recorrente no conjunto das cerâmicas decoradas, estando presente em pra camente todos os pos morfológicos iden ficados.

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Figura 8. Monte da Foz 1. Recipientes decorados com sulco abaixo do bordo.

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A presença claramente maioritária de cerâmica lisa em conjunto com um domínio, na decoração, do sulco abaixo do bordo, aliada a uma presença residual de cerâmica impressa (c. 16% dos fragmentos decorados), serão indicadores de que a ocupação humana do Monte da Foz 1 remontará a uma fase evolucionada do processo de Neoli zação (Neves, 2015) (Figura 9).

Em termos pológicos, o conjunto caracteriza-se pelo equilíbrio entre formas abertas e fechadas, que surgem em percentagens iguais. As formas de paredes rectas e de vasos de colo são muito residuais e sem grande expressão percentual. Os vasos são, na sua maioria, de média dimensão (78%), sendo, desta

Figura 9. Monte da Foz 1.

1-4 – Recipientes com decoração incisa; 5 – decoração impressa; 6 – decoração

compósita - incisa/impressa; 7 – aplicação de e.p.s.

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forma, di cil de aferir a sua funcionalidade em virtude de poderem ter sido produzidos para uma mul plicidade de fins, tais como a preparação e consumo de alimentos. Verifica-se um claro domínio das taças, esféricos e ovóides (c. 89% dos fragmentos estudados), em contraste com as denominadas “paredes rectas”, que são residuais (c. 10%). O número de recipientes de grandes dimensões, provavelmente preparados para o armazenamento e conservação de líquidos e sólidos, é residual (c. 17% do conjunto), deixando antever que esta acção, normalmente relacionada com estadias mais estáveis e “sedentárias”, não seria um dos princípios base que orientava esta ocupação.

O conjunto muito es lizado e coerente observado no Monte da Foz 1 poderá ser bem representa vo da natureza ocupacional aí verificada. À dimensão reduzida do conjunto, alia-se a padronização da dimensão dos contentores, dados que convergem para uma ocupação num espaço temporal único e de curta duração (Figura 10 e 11).

A julgar pela globalidade do conjunto artefactual (indústria lí ca e cerâmica), o grupo que terá ocupado o Monte da Foz 1 estaria, economicamente e socialmente, enquadrado com as modalidades de interacção entre o Homem e o Meio que caracterizam o processo de Neoli zação em curso, num quadro global de ruptura, face às pré-existências mesolí cas.

5. Enquadramento crono-cultural

Os dados provenientes da escavação arqueológica permitem enquadrar o Monte da Foz 1 num panorama diversificado de modelos de implantação, que se terá verificado no decorrer do processo de Neoli zação. A mobilidade residencial destes grupos, na procura de ecossistemas e territórios que facultassem um equilíbrio do subsistema económico, que começava a deter uma componente gerada por prá cas produ vas (agricultura e pastorícia), permi u que ocorresse, numa mesma etapa crono-cultural, uma pluralidade de estratégias de ocupação do espaço que jus ficam a diversidade detectada no registo arqueológico, ao nível dos sí os de habitat.

Atendendo ao quadro de sí os conhecidos relacionados com a Neoli zação do espaço ocidental da Península Ibérica, observa-se que as estratégias de ocupação obedeceram, par cularmente, a factores de ordem ecológica-ambiental e cultural (Diniz, 2003), surgindo o Monte da Foz 1 como mais um exemplo, do carácter específico, de uma determinada estratégia de ocupação de um território.

O Monte da Foz 1 parece integrar-se numa pologia de ocupações, culturalmente relacionadas com as etapas iniciais do processo de Neoli zação, mais comum no actual território português: habitats

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Figura 11. Monte da Foz 1. Principais pos morfológicos – Formas fechadas. Figura 10. Monte da Foz 1. Principais pos morfológicos – Formas abertas.

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temporários de curta duração. Face ao espaço onde se implantou e aos elementos artefactuais disponíveis no registo arqueológico, o Monte da Foz 1 parece corresponder a uma ocupação de natureza logís ca, por um grupo que, no território envolvente, pra caria uma economia essencialmente de caça, recolecção e pesca, permanecendo as ac vidades produtoras com um peso menos expressivo no subsistema económico (Neves, 2013).

A par r da análise tecno- pológica do espólio artefactual (face à ausência de matéria orgânica e ecofactos que possibilitassem a obtenção de datações absolutas) e mediante a caracterização da pologia funcional e estratégia de ocupação, foi possível aferir que o nível de ocupação registado no Monte da Foz 1, estará enquadrado num espaço crono-cultural entre os momentos finais do Neolí co an go e o Neolí co médio inicial.

Observando as datações absolutas existentes em contextos análogos, em termos cronológicos, a ocupação terá ocorrido entre a 2ª metade do 5º milénio e o início do 4º milénio cal BC.

Estas leituras resultam da observação da informação registada em sí os que apresentam horizontes artefactuais semelhantes e das (escassas) datações absolutas que algumas dessas ocupações forneceram. Para o Monte da Foz 1, a busca de quadros de leitura com paralelos crono-culturais terá que ser realizada a uma escala supra-regional, pois as limitações arqueográficas que a margem esquerda do Baixo Tejo apresenta assim o impõem. Desta forma, a verificação e confrontação da leitura interpreta va proposta, recorreu a evidências empíricas observadas em outros espaços, do actual território português, nomeadamente a Estremadura, Alentejo interior e Costa Sudoeste.

A nível da cultura material, este momento define-se, pela presença maioritária de recipientes cerâmicos de formas geométricas simples (taças e esféricos) de média e reduzida dimensão, pra camente desprovidos de qualquer decoração, pelo peso significa vo de recipientes decorados com sulco abaixo do bordo e por percentagens reduzidas de fragmentos impressos. No que diz respeito à indústria lí ca, observa-se uma primazia de uma estratégia de talhe expedito para a obtenção de lascas sob matérias-primas locais e pela existência de uma indústria lamelar e laminar em sílex para a produção de produtos alongados e utensílios. A pedra polida e/ou afeiçoada está escassamente representada.

Este “grupo” artefactual é registado em sí os arqueológicos de dis ntos espaços geográficos do actual território português, parecendo ultrapassar os “regionalismos culturais” que eram evidentes, principalmente ao nível das decorações cerâmicas, durante os finais do 6º e os inícios do 5º milénio cal BC, dando lugar a uma certa uniformidade cultural que será mais evidente na etapa seguinte (Neves, 2015).

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Na Estremadura, mais concretamente na área do Maciço Calcário Estremenho, ocorrem paralelos com o Monte da Foz 1, ao nível da cultura material, na camada Db do Abrigo da Pena d'Água, definida como do Neolí co médio inicial, e no Cerradinho do Ginete (Torres Novas), também ele integrado nesse período (Carvalho, 1998a e 2016; Nunes, 2014). Ainda nesta região, um enterramento humano iden ficado na Costa do Pereiro, datado de 4040-3795 cal BC (Carvalho e Petchey 2013, p.365), e o facto de estar associado a uma ocupação que apresenta uma clara representação de cerâmica lisa e, nas decorações, sulco abaixo do bordo (Nunes e Carvalho, 2013, p.330), coloca-o como muito próximo do horizonte temporal do Monte da Foz, estando a data ob da inteiramente compa vel com a leitura cronológica que temos vindo a referir.

O espaço da Costa Sudoeste, em virtude de se constatar um enquadramento geomorfológico muito semelhante com a margem esquerda do Baixo Tejo, apresenta um conjunto de ocupações que, pela estratégia económica, implantação e componente artefactual, se podem cons tuir como contextos contemporâneos do Monte da Foz 1. Neste sen do, destacam-se as ocupações do Pontal (Comporta), Palmeirinha e, possivelmente, Brejo Redondo (Sines) (Soares e Silva, 2013; Silva, et. al, 2010; Silva e Soares, 2004). Estas ocupações detêm nos seus conjuntos artefactuais uma forte presença de cerâmica lisa, sendo o sulco abaixo do bordo o elemento decora vo mais representado nos recipientes. Os responsáveis cien ficos pelas intervenções arqueológicas e estudo destes contextos, enquadra-os num momento terminal do Neolí co an go e numa fase inicial do Neolí co médio. No Pontal, uma amostra de concha permi u obter uma datação, com um intervalo de tempo entre 3904-3638 cal BC (Soares e Silva, 2013, p.154).

Em outros espaços geográficos, como é o caso do Alentejo interior, surgem sí os que, pela componente artefactual que apresentam têm que ser dos em conta nesta breve leitura de enquadramento, crono-cultural, da ocupação do Monte da Foz 1.

Na região de Évora, na sondagem 9/2 realizada no monumento megalí co de Vale Rodrigo 3, observaram-se camadas anteriores à construção do monumento, revelando um conjunto artefactual totalmente dominado por cerâmica lisa e cerâmica decorada com sulco abaixo do bordo, associado a uma indústria lí ca em quartzo (matéria-prima local) para a produção de lascas e lamelas (Armbruester, 2006). Este momento ocupacional está datado entre 3938-3699 cal BC (Armbruester, 2008, p.86). Ainda na área de Évora, e com muitas semelhanças rela vamente a Vale Rodrigo 3, surge a ocupação prévia à construção do monumento funerário Hor nha 1 (Rocha, 2007). Além do fenómeno ser bastante idên co, os dados correspondentes à produção cerâmica demonstram elementos e valores em comum, aproximando crono-culturalmente estas realidades. Em Hor nha 1, surge um conjunto cerâmico dominado pela presença de recipientes lisos onde as decorações, pouco frequentes, são dominadas pela

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incisão, destacando-se os vasos com sulco abaixo do bordo. Sem qualquer datação absoluta associada, face aos elementos expostos, é de crer que o espaço temporal ob do para Vale Rodrigo 3 seja paralelizável com este momento prévio iden ficado em Hor nha 1, isto é, o 1º quartel do 4º milénio cal BC.

6. Conclusão

Sí os como o Monte da Foz 1, localizado no espaço do actual concelho de Benavente, permite detectar realidades crono-culturais pra camente desconhecidas nesta região. Estas evidências arqueológicas demonstram que a presença de grupos humanos no Baixo Tejo, durante o Neolí co, é uma realidade, estando por esclarecer e caracterizar em que moldes se processaram as ocupações, as respec vas finalidades funcionais e os pos de estratégia de exploração do espaço envolvente. O conhecimento acerca do Neolí co no concelho de Benavente passará, necessariamente, pela caracterização cronológica e cultural destas primeiras comunidades produtoras de alimentos estabelecidas na região, pela definição das relações existentes entre estes grupos e os caçadores-recolectores que ao longo do Mesolí co ocuparam os territórios mais a Norte (Muge), pela percepção das trajectórias culturais das sociedades produtoras durante destas fases da Pré-História, e as conexões entre estas e a emergência do megali smo funerário.

O estudo do Monte da Foz 1 corresponde ao início de uma abordagem de carácter regional, sobre um episódio primordial no desenvolvimento das An gas Sociedades Camponesas, num território tradicionalmente visto como “terra de ninguém”, após o abandono das comunidades de caçadores-recolectores dos concheiros mesolí cos do Tejo.

Desta forma, hoje são mais as problemá cas que surgem desta análise do que leituras concretas. As limitações inerentes a uma intervenção de emergência, condicionada ao espaço de afectação de uma empreitada, a ausência de uma equipa mul disciplinar que possibilite o cruzamento de toda a informação proveniente deste contexto geomorfológico em constante transformação são, juntamente, com impossibilidade de se recuperar elementos de matéria orgânica que ajudem na caracterização do subsistema económico e na obtenção de datações absolutas, obstáculos evidentes e uma certeza plena de que ainda há muito trabalho por realizar.

Este estudo contribui, assim, para o aumento da base empírica de uma fase crono-cultural que, no registo arqueológico disponível, ainda não consegue encontrar respostas às múl plas questões que hoje dominam o debate cien fico. O Monte da Foz 1 está, a par r de agora, passível de ser discu do e de “par cipar” nesse mesmo debate.

Lisboa, Fevereiro de 2017 32

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7. Referências bibliográficas

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revista

cultura

Terras

d’Água

Imagem

Figura 1. Localização do Monte da Foz 1  na Península Ibérica e no Baixo Vale do Tejo (base  cartográfica: Daveau, 1980 – adaptado).
Figura 3. Monte da Foz 1 - Aspecto geral  do final da escavação da Sondagem B13.
Figura 4. Monte da Foz 1. Pedra lascada  (quartzito). 1 - lasca semi-cor cal com  traços de u lização; 2-3 - lascas  semi-cor cais; 4-5 – lascas não semi-cor cais.
Figura 5.  Monte da Foz 1. Pedra lascada (sílex e quartzo). Lamelas em bruto.
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