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Percepção do processo de perda dentária e uso de prótese total

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Academic year: 2021

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Percepção do processo de perda dentária e uso de prótese total

Erica Alves da Silva¹, Gabriela Batista Rios ², Júllia Santana Ferreira³, Kesley Alves Flores4, Liliane Monteiro Braga5 e Gisela de Martins Souza Pina6

¹Discente do curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – UniEvangélica – ericaalvessl@hotmail.com

²Discente do curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – UniEvangélica – gabrielabrios@hotmail.com

³Discente curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – UniEvangélica – samuel.santana@hotmail.com

4Discente do curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – UniEvangélica – kesley.95@hotmail.com

5Docente do curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – Unievangelica – lilianeprofessora@yahoo.com.br

6Docente do curso de Odontologia do Centro Universitario de Anápolis – Unievangelica – souzagisela@hotmail.com

Resumo: O objetivo da pesquisa foi analisar a percepção do uso de próteses totais de indivíduos que

frequentam o Centro Universitário UniEVANGÉLICA. Foi um estudo descritivo com metodologia qualitativa. A população era constituída por usuários de prótese total. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de perguntas semiestruturado e a técnica de análise de conteúdo. Cinco categorias analíticas foram identificadas. Destaca-se a falta de acesso, prática mutiladora e medo para a razão da perda dos dentes. Em relação à perda dental, sentimentos de tristeza, humilhação, normalidade. Na reabilitação foram identificados sentimentos de chateação e alívio. Relacionado ao processo de vivência e adaptação emergiram sentimentos relacionados à satisfação e frustração. Considera-se que a abordagem qualitativa contribuiu significativamente para a compreensão do objeto de estudo possibilitando a identificação de sentimentos que devem ser considerados pela equipe envolvida no processo de reabilitação dentária.

Palavras-chave: Percepção, Reabilitação Bucal, Saúde Bucal, Prótese Total.

Perception of the process of dental loss and use of dentures

Abstract: The aim of the study was to analyze the perception of the use of complete dentures of individuals.

It was a descriptive study with qualitative methodology. The population constituted by users of complete dentures, who attend the University Center UniEVANGÉLICA. For data collection, a semi-structured questionnaire and the content analysis technique were used. Five analytical categories were identified. It stands out the lack of access, mutilator practice and fear for the reason of the loss of the teeth. With regard to dental loss, feelings of sadness, humiliation, normalcy. In the rehabilitation were identified feelings of annoyance, relief. In the process of experiencing and adaptation, emerged feelings related to satisfaction, frustration. It is considered that the qualitative approach contributed significantly to the understanding of the object of study allowing the identification of feelings that should be considered by the team involved in the process of dental rehabilitation.

Keys-Words: Perception; Mouth Rehabilitation; Oral health; Denture, complete.

1 Introdução

Estudos epidemiológicos tais como, SB BRASIL 2010 expõem ao longo dos anos a situação da saúde bucal da população brasileira e os resultados obtidos evidenciam que mais de 30 milhões de pessoas necessitam de alguma forma de tratamento protético para recomposição do sorriso e da mastigação,

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fazendo-os necessitarem de reabilitações orais, principalmente, para os indivíduos idosos (Brasil, 2012).

O processo de perda dentária pode deixar marcas na vida desses indivíduos, uma vez que, em sua maioria, são reflexo de práticas odontológicas mutiladoras. Devido aos traumas ligados a esse processo de perda, por vezes esses pacientes se excluem da sociedade, constrangidos de sua situação edêntula, desenvolvem uma série de alterações psicossomáticas ligadas intimamente a autopercepção e ao olhar crítico do outro (Vargas & Paixão, 2005).

A reabilitação protética possui influência no bem estar e autopercepção, uma vez que esta restaura a perspectiva de vida dos reabilitados reestabelecendo a função, estética e interfere no convívio social dos mesmos (Cesar, 2014). Porém, ainda nota-se carência de sensibilidade da maioria dos profissionais, que veem o paciente apenas como uma fonte de lucros, ignorando por vezes os aspectos históricos e sociais que o levaram a tal condição (Uslar, Curvino, Groisman, & Senna, 2011) . Alterações em nível de sentimentos necessitam de um olhar com deferência pelos profissionais e podem ser controladas positivamente durante o tratamento reabilitador (Freire, 2000). A qualidade de vida pode ser um conceito subjetivo, mas a subjetividade não pode ser impedimento para a compreensão das necessidades mais íntimas do paciente, visto que poderia conduzir à estagnação da investigação quanto à satisfação e tornaria o trabalho do cirurgião-dentista estritamente técnico, sem levar em consideração o caráter humanitário e sensível da saúde(Marchiori, 2000).

Esse conteúdo já foi abordado em trabalhos anteriores, Unfer, Braun, Silva, & Pereira Filho (2006) acreditam que pesquisas sobre o tema podem interferir na capacitação de profissionais e melhorar as ações de saúde a partir da percepção dos pacientes. O assunto também foi tese da pesquisa realizada por Vargas & Paixão (2005), no qual identificou que os problemas relacionados ao edentulismo vão muito além dos aspectos físicos, e aponta o modelo curativo da atenção básica em saúde oral como agravante para essa situação. A importância da percepção do paciente para o sucesso do tratamento é reafirmada por Ferreira, Piuvezam, Werner, & Alves (2006), em seu estudo quanto à percepção de saúde oral dos indivíduos carentes.

Esse trabalho teve como intuito analisar a percepção de indivíduos que frequentam o Centro Universitário de Anápolis-UniEVANGÉLICA, sobre o uso de próteses totais superiores e/ou inferiores no que se refere ao processo de perda dos dentes e o processo de reabilitação.

2 Material e Métodos

A pesquisa foi realizada no Centro Universitário de Anápolis - UniEVANGÉLICA, localizado em uma cidade de médio porte da reigião Centro-Oeste do Brasil, que comporta cursos de graduação de diferentes áreas, dentre elas o Curso de Odontologia. Além dos cursos de graduação, abriga também a proposta de uma Universidade Aberta da Pessoa Idosa (UniAPI) direcionada para a populção idosa da terceira idade. Foi um estudo do tipo descritivo que emprega a metodologia qualitativa com delineamento transversal. A população estudada foi constituída por usuários de prótese total superior e/ou inferior, que frequentavam o Centro Universitário, como pacientes, funcionários ou alunos da instituição. Como critérios de inclusão considerou-se os usuários de prótese total superior e/ou inferior, com idade igual ou superior a 18 anos, ambos os sexos, sem distinção de raça e classe social e concordaram em participar da pesquisa. Como exclusão considerou-se aqueles usuários que utilizassem outros tipos de prótese assim como aqueles que tiverem qualquer dificuldade cognitiva ou de comunicação. Foram entrevistados 22 indivíduos e para o estabelecimento do tamanho da amostra foi utilizada a técnica de “bola-de-neve” (snowball technique), ou seja, a amostra não foi finalizada até que encontrássemos o “ponto de saturação” em que as informações compartilhadas

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com o pesquisador se tornassem repetitivas. As entrevistas foram realizadas entre os meses de Novembro e Dezembro de 2018.

Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: anotações em diário de campo e realização de entrevistas individuais por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado com 11 perguntas construídas para esse fim. Com o intuito de uma padronização, a equipe de investigadores se reuniu previamente esclarecendo dúvidas e a coleta foi realizada por duas duplas.

O roteiro semiestruturado é aquele em que o entrevistador pergunta algumas questões em uma ordem pré-determinada, porém dentro de cada questão existe a liberdade para fazer outras questões, dependendo das respostas dos entrevistados, ou seja, podem existir questões suplementares sempre que algo de interessante e não previsto na lista original de questões surgir (Cruz, 1999). O roteiro foi elaborado visando apreender o ponto de vista dos participantes previstos nos objetivos da pesquisa para orientar, direcionar a conversa com os entrevistados (Minayo, 2014). As perguntas foram pensadas baseando-se na fundamentação teórica sobre o assunto e nos objetivos traçados. As entrevistas duraram em média 15-20 minutos, foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas e analisadas mediante permissão do participante.

Os dados anotados no diário de campo, instrumento onde são feitos os registros de informações que não sejam os mesmos das entrevistas formais (Cruz, 1999; Minayo, 2014), foram igualmente incluídos no processo de categorização e se referem às observações e conversas informais não gravadas, realizadas pelos pesquisadores com o intuito de construir detalhes que, no seu somatório, congregaram diferentes momentos da pesquisa. O uso desse instrumento na coleta de dados se justifica porque segundo (Demo, 2012), na pesquisa qualitativa o pesquisador deve observar tudo, o que foi ou não dito como gestos, olhar, um balanço do corpo, das mãos, as feições de quem fala, porque essas expressões podem estar imbuídas de algo além do que foi relatado, uma vez que a comunicação humana é feita de sutilezas.

Os participantes que concordaram em participar da pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram encaminhados para uma sala reservada para início da conversa. O presente estudo se encontra de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da UniEVANGÉLICA e aprovado, com número de parecer 2.906.831.

Os dados foram analisados mediante a técnica de Análise de Conteúdo proposta por (Bardin, 2011), no qual foi realizada uma primeira leitura do material, chamada de leitura flutuante, que é uma leitura intuitiva aberta a ideias, reflexões, hipóteses, permitindo situar observações a título de hipóteses provisórias. Em seguida, em uma segunda leitura mais cuidadosa, procuraram-se significados, utilizando-se o instrumento técnico com rigor científico através da análise de conteúdo. Foram criadas categorias de análise, agrupando e comparando as respostas obtidas dos diferentes participantes possibilitando a interpretação dos dados. Os dados anotados no diário de campo referente às observações e conversas informais não gravadas, realizadas pelos pesquisadores foram igualmente incluídos no processo de categorização com o intuito de construir detalhes que, no seu somatório, congreguem diferentes momentos da pesquisa.

A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos (Bardin, 2011). Embora o uso de softwares como apoio à análise de dados qualitativos possa facilitar a organização e a análise dos dados, bem como a elaboração dos resultados de pesquisa, esse processo dependerá da forma como o pesquisador utiliza o software assim como, exige uma postura analítica do mesmo (Nunes, 2017). Não existe consenso entre os pesquisadores quanto à necessária utilização desses softwares na pesquisa qualitativa (Moreira, 2007), portanto optou-se pela análise de dados convencional nessa pesquisa.

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3 Resultados e Discussão

Dos 22 participantes da pesquisa, 19 eram mulheres e 3 homens, todos acima de 60 anos. Com a análise dos dados cinco categorias analíticas emergiram das entrevistas: processo e razão da perda dos dentes, sentimentos que envolveram a perda dos dentes, e o uso da primeira prótese, processo de vivência com a prótese e aspectos relacionados à adaptação com o uso da prótese (Tabela 1). Sentimentos antagônicos relacionados às categorias foram descritos pelos participantes (Tabela 1). A seguir serão discutidas cada uma das categorias.

Tabela 1. Categorias analíticas identificadas.

Categorias analíticas Sentimentos

Processo e razão da perda dos dentes Crenças populares sobre a perda;

tratamento mutilador; cárie; falta de acesso; orientação e cuidados; medo de

dentista; condição financeira.

Sentimentos que envolveram a perda dos dentes

Tristeza; humilhação; normalidade; baixa estima; dor; fica esquisito; pior coisa

da minha vida; achei melhor tirar, traumatizante.

Uso da primeira prótese Chateação; estranhamento; incômodo; normalidade; satisfação; alívio; tristeza;

arrependimento; felicidade; decepção; vergonha; desconforto.

Processo de vivência com uma prótese total (cuidados com a prótese, saúde bucal, adaptação social e pessoal)

Dificuldade para morder, mastigar e falar, frustração; boa adaptação; difícil

adaptação; conforto; incômodo; aceitação; dor.

Aspectos relacionados à adaptação do paciente com o uso da prótese total

Dor, desconforto; dificuldades; tristeza; impactação; reabilitação; mastigação

favorável; satisfação; insatisfação.

3.1 Processo e razão da perda dos dentes

Como causas da perda dentária, foram explicitadas a falta de conhecimento dos meios para a manutenção dos dentes, a dificuldade de acesso aos serviços de atenção à saúde bucal, a falta de recursos financeiros para a terapêutica necessária, as experiências iatrogênicas vivenciadas por um tratamento mutilador, medo da dor, o fato de serem residentes rurais, além do mais notou-se crenças em relação ao motivos das perdas dos dentes.

A maior parte dos entrevistados apontou como elementos preponderantes na sua própria perda dentária a falta de informação sobre cuidados com a boca e a dificuldade de acesso a serviços de saúde bucal, além do recorrente medo de ir ao dentista. O medo, a dor e a ansiedade estavam

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relacionados à imagem do profissional que em diversos relatos foi expresso na figura do dentista prático.

“É porque a gente morava na roça, não cuidava, não tinha e não ia ao dentista, aí doía e colocava

aqueles remédios bravos, aí só foi acabando com o dente.” “O motivo foi que eu tinha muito medo de dentista (risos).”

“Sentia muita dor de dente, mas eu tinha aflição de dentista. Meu pai me levou num prático e tive que arrancar ‘as presa’, aí né, fiquei com mais medo depois disso.”

Mesmo aqueles que conseguiam ter acesso ao tratamento odontológico eram encorajados à exodontia total, que se caracterizava, então, como alternativa em função de custo, pois tal procedimento era menos oneroso que o tratamento e/ou extração unitária de dentes, caracterizando uma forma mutiladora de atendimento que por vezes rendia problemas ao sistema estomatognático assim como para o psicológico do paciente. A extração total dos dentes representava, também, uma solução definitiva para a questão da dor e estética. A condição econômica exerce, portanto, papel fundamental como causa da perda dentária e da permanência como desdentado, além de fatores culturais da época.

“É porque não teve tratamento na juventude, não tinha dinheiro, aí com o tempo eu coloquei as duas dentaduras.”

“Era de uma família pobre e não tinha cuidado, minha mãe não importou de por eu para escovar os dentes, a gente trabalhava muito na fazenda e não tinha acesso. Com o tempo eu perdi todos os dentes.”

“[...] pra mim foi como um acidente, mas eu fui induzida eu tinha os dentes perfeitos, não tinham cárie e andou um dentista lá pela fazenda extraindo dente de quem quisesse e as pessoas incentivava a outra: Olha tira seus dentes você vai ficar bonita, você vai colocar uma dentadura linda...”

Se, hoje, no país, grande parte da população ainda não tem acesso a tratamento odontológico, nas décadas de sessenta e setenta, quando a maior parte os entrevistados começaram a perder os dentes, a situação era ainda mais delicada. Embora já se tenha comprovado o prejuízo funcional que as perdas dentárias acarretam à vida das pessoas, apenas recentemente a saúde bucal tem sido considerada como parte integrante da saúde geral e como fator de influência na qualidade de vida nos níveis biológicos, psicológicos e sociais (Ferreira et al., 2006).

Certamente, o edentulismo no Brasil, assim como em outros países menos desenvolvidos, relaciona-se com fatores econômicos. Indivíduos com menor escolaridade, pobres e moradores em zonas rurais têm maior probabilidade de se tornarem edêntulos, haja visto a falta de acesso a água fluoretada e precariedade de informações sobre saúde. No entanto, os determinantes socioeconômicos explicam apenas parcialmente a disparidade caracterizada entre países e regiões. Sem dúvida, os fatores culturais e psicossociais devem desempenhar, nesses casos, um papel importante (Mojon, 2005). Além disso, observa-se crenças em relação à perda dentária na tentativa de justificá-la.

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“Eu tive uma doença no pé do dente, aí fui perdendo , era tudo mole, foi caindo.” “Mordia folha de bananeira e meus dentes foi ficando fraco, mole.”

“[...] foi remédio que eu pus na boca que quebrou os dentes tudinho [...].”

“A gente ficava livre dos dentes que podia doer né, os que doía e os que podia doer, aí tirar era mais fácil.”

Na fala dos entrevistados, a atitude de aceitação da situação é evidente. Em muitos casos não existia preocupação em se cuidar da dentição natural e além do incentivo para extração precoce, como uma medida preventiva para a dor, que na crença, certamente viria. Não havia consciência da necessidade de manter os hábitos de saudáveis. Relatos como “eu não me importava”, “a gente não liga muito”, “meus pais nunca ligaram e nem eu” foram comumente descritos durante as entrevistas. Sendo essas atitudes justificadas pelo entendimento de que a remoção dos dentes pode ser a solução para os problemas de saúde bucal.

3.2 Sentimentos que envolveram a perda dos dentes

Os sentimentos que envolvem a perda dos dentes são claramente antagônicos. Enquanto uns relatam sentimentos de tristeza, humilhação, baixa estima, dor, pior coisa da sua vida ou traumatizante, outros entendem como um aspecto de normalidade, ou que achou melhor tirar. Esses sentimentos dependem da relação que indivíduo tinha com sua saúde bucal antes do processo de perda. Muitas vezes, o sofrimento era tanto que a perda foi um alívio. E a aceitação ou não está diretamente relacionada ao aspecto social local.

A perda dentária é um reconhecido e grave problema de saúde pública, sendo um dos maiores problemas em relação a saúde bucal, interferindo na qualidade de vida os indivíduos. Seus impactos causam diminuição das capacidades funcionais de mastigação e fonação, bem como prejuízos de ordem nutricional, estética e psicológica, com reduções da autoestima e da integração social, o que leva a exclusão social e isolamento, insatisfação e rejeição da própria autoimagem (MOREIRA RS, NICO LS, TOMITA NE, 2011).

A percepção precária da própria saúde pode ser vista como resultado de sentimentos provocados pelo mal-estar, dor ou desconforto, em interação com fatores sociais, culturais, psicológicos e ambientais em diferentes esferas da vida como no trabalho, em relacionamento amoroso, satisfação pessoal e funcionalidade dos dentes. Estes sentimentos negativos modificam a maneira como as pessoas lidam com diferentes situações do cotiadiano (Bezerra et al., 2011). Sendo assim é necessário o reconhecimento da autopercepção do paciente em relação a sua saúde bucal para se realizar reabilitações com intuito que o mesmo tenha sentimentos positivos devolvidos para seu dia a dia.

“Na época a gente acha feio né, mas assim, vai passando. Assim, mas é ruim, muito ruim.”

“Achei muito ruim quando fui perdendo os dentes, mas a gente não tinha opção de procurar outras coisas, então aceitei.”

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A despeito do conformismo à indicação ou ao fato concreto da remoção dos dentes, a sequela que resta da mutilação provoca sentimentos de embaraço, revolta, exclusão e incompletude, se assemelha a perda de uma mama ou outro órgão do corpo. A sensação de ser mutilado, invadido é comparável à amputação de membros. Uma pessoa que perde os dentes compara-se a outra que teve extirpada alguma parte do corpo. Com frequência, a perda total dos dentes é associada à falta de cuidados e higiene, bem como à falta de condições socioeconômicas e culturais. Assim sendo, além de apresentar a sequela, o sujeito é também o responsável exclusivo por ela e sofre os julgamentos pela falta de cuidado (Mendonça, 2001).

“Minha irmã me julgava muito por ter perdido os dentes, ela falava que se fosse ela no meu lugar não teria perdido tão nova. Me achava, sabe, desleixada.”

“Teve uma festa de quinze anos que eu nem fui, porque eu me sentia feia e sabia que os outros caçoavam de mim. Eu tinha até vergonha de sorrir, não sorria.“

A perspectiva estética, por ser permeada de valores culturais, é uma das principais preocupações dos indivíduos, por que implica sentimentos de aprovação ou rejeição e, por isso, acaba por interferir nos relacionamentos interpessoais. As mulheres e as pessoas mais jovens são aquelas que manifestaram mais raiva ou tristeza pela perda dentária e que possuíam expectativas estéticas e de socialização em relação à nova prótese. Isso porque esse grupo está ainda mais susceptível aos olhares e julgamentos sociais, em muitos casos se isolam e podem ter o seus rendimentos profissionais e estudantis afetados devido a aparência (Mendonça, 2015).

“Teve um tempo que eu queria muito sair da escola, todo dia abusavam de mim. Foram meus pais que não ‘deixou, mas por mim eu não ia mais, depois fiquei mais moça e passou.”

“O pessoal da escola me chamava de boca murcha e velhinha, sofria muito preconceito e chorava muito por causa disso. Eu achava que dentadura era coisa de velho, mas eu, uma menina de treze anos, tinha que usar.”

“Eu fechava a cara na rua, não sorria e nem olhava no espelho. Se qualquer um falava qualquer coisa eu já achava que era para fazer piada comigo.”

3.3 Processo de reabilitação

No que diz respeito à expectativa dos pacientes em face da reposição protética dos dentes, foi possível observar que as preocupações mais frequentes envolvem a qualidade da prótese, especialmente quanto à estabilidade, adaptação e ter sua identidade anterior adquirida novamente. Os entrevistados frequentemente relatavam dificuldade inicial em se acostumarem com o aparelho protético. Palavras como “dor”, ”incômodo”, ”sensação de estar machucando” foram comumente pontuadas.

“Ah a gente fica achando chato porque é uma coisa que nos primeiros momentos incomoda bastante. A prótese superior não é tanto, mas a inferior tem hora que você tem vontade de tirar e deixar de usar, porque ela incômoda muito né”.

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“Nos primeiros dias foi meio difícil teve que raspar umas coisas assim, mas depois a gente acabou acostumando, tem que acostumar.”

Nos diversos relatos os entrevistados parecem minimizar os incômodos do processo de adaptação, uma vez que o benefício de ter seus dentes devolvidos se sobressai aos incômodos e a maior parte do desconforto. Alguns relataram períodos de duas semanas a seis meses para se adequar a utilização. Alguns entrevistados afirmaram não se importar nos dias de hoje em usar prótese e que nem lembram que as usam enquanto para outros seu uso se torna algo constrangedor desencadeando problemas quanto à insegurança e baixa estima. Meaney, Connell, Elfadil, & Allen, (2016) exploraram a experiência de pacientes desdentados acerca da perda dos dentes e reabilitação. Atitudes e sentimentos de aceitação em relação ao uso de próteses também foram observadas nesses pacientes. A expectativa de retorno ao padrão social e a recuperação da imagem rejuvenescida favorece a aceitação na dificuldade na reabilitação protética, sendo que os sentimentos passam por estágios que vão desde negação, raiva, depressão, até adaptação e aceitação (Silva, Magalhães, & Ferreira, 2010).

Os dentes são considerados estruturas muito importantes e consequentemente influenciam diretamente na autoestima, e cada individuo lida a sua maneira com o processo de perda. Alguns relatos de humilhação, vergonha e tristeza são freqüentes, mas não unânimes. A forma como cada um se sente a respeito da falta dos dentes é produto de questões culturais e sociais, mas de modo mais amplo a reposição dos dentes visa um retorno à aparência anterior e, consequentemente, os dentes são considerados aspectos importantes nas relações sociais, culturais, e relacionadas ao mercado de trabalho, além de influenciar na autoestima das pessoas, construindo uma sensação de satisfação e aceitação (Carvalho, 2014).

4 Considerações

A prática mutiladora foi o meio de intervenção mais utilizado na vida da população participante da pesquisa. Embora buscando a resolução de problemas, como dores, criava-se um novo obstáculo: a necessidade de reabilitação. A perda dos dentes é um fator que predispõe certos problemas para os pacientes na sua vida diária como baixa estima e problemas relacionados à estética, já que na sociedade os dentes possuem influências de padrão estético nos indivíduos. Além do mais, sua ausência acarreta dificuldades funcionais na mastigação e fonação, o que leva o paciente a ter dietas inadequadas e ter dificuldades de socialização. A reabilitação com prótese em certos momentos foi relatada como ruim e em outros como bom, porém observa-se que sua utilização sobressai ao fato de ficar desdentado, mesmo com queixas de incômodos e dores. Seria interessante conhecer a experiência e percepção da população acerca de do uso de próteses totais e seu processo de reabilitação em outros contextos sócio-econômicos e culturais de diferentes regiões do Brasil e do mundo.

Diante das percepções identificadas, torna-se necessário o desenvolvimento de inciativas no campo da promoção da saúde bucal, enfatizando ações voltadas para a atenção integral do indivíduo, buscando uma prática mais adequada a fim de trazer qualidade de vida, reduzindo as sequelas de uma prática inadequada. Destaca-se o aspecto da humanização estreitando laços entre profissional e paciente. Os resultados dessa pesquisa ressaltam a relevância da ausculta do profissional no sentido de transcender a técnica de confecção de próteses para um processo de reabilitação integral do indivíduo.

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