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Eixo 1 - Saúde, Cidadania e Democracia

Da implementação constitucional do Sistema Único de Saúde às propostas desconstituintes: o direito à saúde em crise no Brasil?

Jarbas Ricardo Almeida Cunha1

RESUMO: Objetivo: Analisar o Direito à Saúde no Brasil cotejando a relação entre a

consolidação do SUS Constitucional e as propostas desconstituintes aplicadas na política pública de saúde. Metodologia: Utiliza-se a revisão de literatura de tipo narrativa com a finalidade de investigar o SUS-Constitucional e o SUS-Pós-Constitucional no Brasil.

Resultados: O Direito à Saúde constitucionalizado no Brasil é influenciado por uma disputa

ideopolítica que fornece como resultado tentativas de retrocesso em relação ao projeto do SUS Constitucional. Conclusão: É preciso recolocar na pauta nacional a defesa da efetivação do Direito à Saúde no Brasil, afirmando os objetivos, princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave: Direito à Saúde. Constituição do Brasil. Sistema Único de Saúde.

Introdução

Este artigo se propõe a analisar o percurso do Direito à Saúde em nosso país, desde a instauração do Sistema Único de Saúde (SUS) Constitucional até a atualidade de um SUS Pós-Constitucional, destacando seus avanços democráticos e participativos permeados por retrocessos institucionais em seu permanente exercício de efetivação na sociedade brasileira. Utilizaremos a metodologia da revisão de literatura de tipo narrativa, em que consiste relatar “publicações amplas, apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou o ‘estado da arte’ de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou contextual” (1).

Iniciaremos nosso estudo com uma reflexão em torno das normativas constitucionais, assim como seus desdobramentos e perspectivas para o Direito Sanitário e finalizaremos com uma investigação sobre as propostas desconstituintes em relação à atual crise do SUS.

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O Sistema Único de Saúde (SUS) constitucional: o direito à saúde na redemocratização brasileira

Partindo de uma introdutória análise juspolítica da questão, especificamente em relação à constitucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), nossa Constituição Federal abarcou o direito sanitário de uma forma totalizante e sistematizada, tentando se aliar à sintonia da população e aos anseios do debate proposto pelo Movimento da Reforma Sanitária com seus variados matizes, conforme deliberações da paradigmática 8ª Conferência Nacional de Saúde – CNS, realizada em 1986 e no auge da década de redemocratização do Brasil, depois de mais de 20 anos de período autoritário.

Analisando normativamente o texto constitucional, já no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal se inicia a proteção constitucional do direito à saúde, corolário do direito à vida com a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil2, que, por sua vez, é complementado pelo inciso IV do art. 3º que constitui como objetivo desta República a promoção do bem de todos3. No art. 5º há a inviolabilidade do direito à vida4 e, finalmente, no art. 6º, o direito à saúde é expressamente garantido dentre os direitos sociais5.

Clássica referência em nossa Constituição é o art. 196 que prescreve a saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando ao Poder Público o caminho para assegurá-lo: “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”6.

Um aspecto relevante e que envolve a participação dos entes federativos diz respeito às competências comuns e concorrentes. O art. 23, inciso II, relata que o dever de cuidar da saúde e da assistência pública é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito

2 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;” (grifo nosso). 3“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (grifo nosso).

4 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (grifo nosso).

5 “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso).

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Federal e dos Municípios7, enquanto o art. 24, inciso XII, delimita a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde8.

Característica fundamental relatada por nossa Constituição ao direito à saúde é seu aspecto de relevância pública (art. 197, CF/88)9. A relevância pública abarca os objetivos e fundamentos que dão lastro à aplicação das políticas públicas conforme a República Federativa do Brasil, e que estão consolidados nos art. 1º e 3º de nossa Carta Política de 1988 como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a promoção do bem comum e a erradicação da pobreza. A efetivação do direito à saúde, principalmente no contexto brasileiro, é uma luta constante para garantir e avançar nesses objetivos e fundamentos da República, portanto, não há dúvida que o direito à saúde é um direito de relevância pública (2).

O procurador da República Marlon Weichert (3) ratifica essa qualificação de relevância pública ao interpretar que a saúde, dentre os direitos sociais, é prioritário, não devendo ser menosprezado frente aos demais, principalmente em relação à destinação de recursos financeiros. À saúde deve ser assegurado um financiamento que corresponda à sua relevância em comparação com outros direitos, estes sendo civis, econômicos, políticos ou até mesmo sociais. O direito à saúde deve ser priorizado no orçamento público pelo fato de ser classificado, constitucionalmente, como serviço de relevância pública.

Em uma análise mais holística sobre o Direito à Saúde na Constituição, o professor Luís Roberto Barroso (4) classifica-o como norma constitucional definidora de direitos. Segundo o atual Ministro do Supremo Tribunal Federal normas desse tipo possibilitam a seus beneficiários situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a serem materializadas em prestações positivas ou negativas. E caso as prestações não sejam satisfeitas, pelo Estado ou por quem tenha o dever jurídico de realizá-las, tem-se a possibilidade de seus destinatários postularem seu cumprimento, inclusive por meio de ação judicial. Assim, se ratifica, de forma

7 “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

8 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;” (grifo nosso).

9 “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

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incisiva, o direito subjetivo, ou seja, o poder de ação, de exigir a satisfação de um determinado interesse.

Complementando a afirmação anterior e, ao mesmo tempo, fornecendo um direcionamento inovador, a professora Maria Célia Delduque (5) advoga que o direito à saúde também deva ser efetivado não somente pelos meios tradicionais de judicialização da saúde (ações judiciais via processos), mas também por Modelos Alternativos de Resolução de Conflitos (Marc) tal qual a Mediação Sanitária como novo paradigma para a efetivação da política pública de saúde no Brasil10.

Destacando novamente o art. 196 da Constituição Federal constatamos que o mesmo produziu balizadoras jurisprudências no Supremo Tribunal Federal (STF), como o Agravo de Regimento no Recurso Extraordinário nº 27128611 que sistematizou a matéria junto à Corte máxima do seguinte modo:

O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art.196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve zelar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

Corroborando a relevância do direito à saúde, a professora Sueli Dallari (6) afirma que sua eficácia e implementação vem sendo fortalecidos ao longo dos anos em virtude da forte característica de participação popular em sua construção e sua estruturação como um sistema de saúde pois, ao contrário de outros direitos sociais constitucionalizados, o direito à saúde “tem sua garantia claramente vinculada às políticas sociais e econômicas, as diretrizes do sistema expressamente formuladas, envolvendo a participação da comunidade...” (p.11 2008/2009).

Por fim, não podemos deixar de sublinhar a complexidade e profundidade da estruturação e efetivação do direito à saúde por meio do SUS, abarcando vários campos do saber numa intensa interdisciplinaridade, como ressalta a pesquisadora Sandra Alves (7) que

10 Para aprofundamento do acesso à justiça e seus modernos desdobramentos, consultar Delduque (2015). Disponível em

http://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/colecao2015/CONASS-DIREITO_A_SAUDE-ART_9B.pdf Acesso em 11 de junho de 2017.

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“na atual sociedade contemporânea, não é possível falar em direito à saúde sem considerar questões sociais, econômicas, territoriais, políticas, tecnológicas etc.” (p.4, 2015).

E sobre a complexidade da interpretação hermenêutica do direito à saúde - apesar da importância da interpretação normativo-constitucional - há a observação de que o direito à saúde “... é um direito complexo, que demanda intervenções e produção de conhecimento igualmente complexo.” (p.3) (16). Dessa forma, segundo a professora Sílvia Badim Marques (8):

“... para a garantia do direito à saúde é preciso que o operador do direito conheça não só o texto normativo, mas também o contexto em que este direito se insere. É preciso que conheça as muitas implicações que seus atos podem ocasionar no plano político, econômico e médico-sanitário e, para tanto, a ciência jurídica precisa avançar para além do estrito paradigma positivista de aplicação e produção do direito”. (2015, p.3)

Portanto, a efetivação normativa do direito à saúde na Constituição brasileira foi resultado de luta democrática com participação popular, formação técnica e política, cooperação interfederativa, financiamento, ativismo jurídico, políticas sociais e econômicas, no intuito de materializar a concepção integral do complexo Sistema Único de Saúde, base fulcral da militância sanitarista.

A atual crise do SUS: tentativa recorrente de implementar propostas desconstituintes

Apesar do SUS estar constitucionalizado, com um corpo consolidado de doutrinas, jurisprudências e normativos, desde a década de 1990, passando por variados governos de distintas colorações partidárias e ideológicas, continua de vento em popa as tentativas desconstituintes de alteração nas três principais esferas de análise: política, jurídica e econômica.

Politicamente, com a diminuição da participação do Estado e precarização das políticas públicas de saúde; juridicamente, por doutrinas e proposições legislativas que tendem a delimitar e restringir seu escopo e; economicamente, com seu gradual subfinanciamento incentivado pelas exigências do capital financeiro nacional e internacional no intuito de controlar o fundo público sanitário. Esse quadro conjuntural de nossa realidade coloca em

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risco conquistas históricas e representa retrocesso sanitário consolidando um Estado de Coisas Inconstitucional (9).

Apesar de reconhecer que os retrocessos sanitários são estruturais, ou seja, resultado de práticas e ações marcadas por um longo tempo e que fragilizam seu lastro institucional; abordaremos nossa análise sobre retrocessos sanitários conjunturais, isto é, com características que influenciam a política pública de saúde hodierna, já que são resultado direto de ações desconstituintes que refletem no dia-a-dia do direito à saúde.

Um atual retrocesso sanitário que destacamos apresenta-se na aprovação da possibilidade de congelamento real do financiamento na política pública de saúde. Tramitou-se como Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 241 (Câmara dos Deputados) renumerada como nº 55 (Senado Federal), e foi aprovada pelo Congresso Nacional como Emenda Constitucional nº 95/2016, que institui o Novo Regime Fiscal12 e que retirará do SUS em torno de R$ 400 bilhões de reais em 20 anos caso seja considerado o crescimento anual do Produto Interno Bruto – PIB a 2,0% e a taxa de variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 4,5% (10). Será o fim do SUS como o conhecemos pois não haverá investimento real nas ações e serviços públicos de saúde (ASPS), sendo um ataque de proporções consideráveis às propostas e demandas do Movimento da Reforma Sanitária.

Outro retrocesso sanitário conjuntural é a proposta dos planos privados populares ou oficialmente denominado Plano de Saúde Mais Acessível realizada por um grupo de trabalho convidado pelo próprio Ministério da Saúde e formado por representantes de mais de 20 instituições ligadas à saúde suplementar, incluindo a Abrange (Associação Brasileira de Planos de Saúde), AMB (Associação Médica Brasileira), Unimed, além de representantes governamentais como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), demonstrando, por parte do governo, uma postura inconstitucional e incoerente com seu dever de efetivação e comprometimento com o Sistema Único de Saúde.13

12 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/2016/emendaconstitucional-95-15-dezembro-2016-784029-publicacaooriginal-151558-pl.html Acesso em 18 de junho de 2017.

13 As propostas de planos privados populares são as seguintes: a) plano simplificado: cobertura inclui atenção primária (atendimento não-especializado), consultas com especialistas e exames de diagnóstico de baixa e média complexidade. Não inclui internação, terapias e exames de alta complexidade nem atendimento de urgência e emergência; b) plano ambulatorial e hospitalar: cobertura inclui atenção primária e atenção especializada de média e alta complexidade, sendo que o

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Esses dois retrocessos sanitários que foram citados apresentam-se como paradigmas rumo à desconstrução do Sistema Único de Saúde (SUS) tal como o conhecemos, pois consolidam os principais entraves para a efetivação do direito à saúde em nosso país: o subfinanciamento e o excesso de privatização do setor.

Partindo desses retrocessos-chave, há outras iniciativas desconstituintes – e não menos importantes - na mesma direção: reformulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), corte de banda larga de Unidades Básicas de Saúde (UBS), suspensão de concursos públicos para o Ministério da Saúde, conflito sistemático com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), contingenciamento no repasse de financiamento para os entes subnacionais, fechamento de centenas de Farmácias Populares e redução de atuação do Programa Mais Médicos, explicitando, dessa forma, uma atuação juspolítica contrária aos ditames do SUS Constitucional.

Considerações finais

A Nova República no Brasil, caracterizada pela redemocratização, resumiu-se, em sua maior parte, na disputa entre dois projetos antagônicos: da esquerda democrática e do setor centro-direitista-conservador. Depois da chegada ao poder desses dois polos ideológicos, sem nenhuma mudança estrutural que beneficiasse a maior parte da população, há uma sensação de desgaste dos mecanismos que permitem a governança via presidencialismo de coalizão.

Tais fatos também impactaram a saúde pública. De origem progressista e avançada, com uma normatização exemplar para o mundo, as políticas públicas aplicadas no âmbito sanitário tornaram-se reféns da fúria dos mercados financeiros que financiaram os principais candidatos a cargos eletivos, cobrando a fatura por meio da expansão da privatização do setor. O SUS tem sido sistematicamente relegado a um mecanismo residual de consolidação da focalização da saúde para uma população que, tragicamente, não apresenta condições de formar opinião e de influir nas manifestações do país.

Depois de mais de três décadas de redemocratização, de quase 30 anos de vigência da Constituição da República, de 7 eleições presidenciais e de uma alternância de poder entre os principais projetos pretensamente em disputa, que nos apresentaram a tímidos avanços e a

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desinibidos retrocessos na seara das políticas públicas, é chegada a hora de voltarmos a discutir se desejamos apenas transformações conjunturais, sem alterar a composição das classes sociais no Brasil, ou se almejamos transformações estruturais como a efetivação da Reforma Sanitária para que possamos cumprir com as diretrizes da nossa Carta Constitucional.

Nessa lógica, urge imperioso que o Movimento Sanitário enfrente esta conjuntura de descenso e refluxo das lutas sociais em prol da defesa dos objetivos, diretrizes e princípios do SUS, patrimônio que reflete as conquistas do povo brasileiro. Para voltar a ser protagonista de um projeto de sociedade, o Movimento Sanitário precisa se reinventar, renovando e oxigenando suas práticas e atitudes e interligando-se com as principais questões que movimentam o país no plano dos direitos fundamentais sociais, em especial do direito sanitário.

Referências

1. ROTHER, ET. Revisão Sistemática x Revisão Narrativa. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, Vol. 20, n.2. Editorial. abr/jun 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002007000200001 Acesso em 20 de agosto de 2017.

2. ARAÚJO, LAD. O Conceito de Relevância Pública na Constituição Federal de 1988. In Revista de Direito Sanitário, São Paulo, V5 (2) 90-97, jul. 2004.

3. WEICHERT, MA. A saúde como serviço de relevância pública e a ação civil pública em sua defesa. In ROCHA, João Carlos de Carvalho et al. (Orgs.). Ação Civil Pública - 20 Anos da Lei n. 7.347/85. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 507-531.

4. BARROSO, LR. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e prática. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

5. DELDUQUE, MC. A Mediação Sanitária como Novo Paradigma Alternativo à Judicialização das Políticas de Saúde no Brasil. In Para Entender a Gestão do SUS. Brasília: CONASS, 2015.

6. DALLARI, S. A Construção do Direito à Saúde no Brasil. In Revista de Direito Sanitário. São Paulo: V.9,n.3 p. 9-34 Nov.2008/Fev.2009.

7. ALVES, SMC. A Formação em Direito Sanitário: um diálogo possível a partir da interdicisplinaridade. In Para Entender a Gestão do SUS. Brasília: CONASS, 2015. 8. MARQUES, SB. Direito à Saúde: complexidade e enfrentamentos extrajudiciais. In

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9. PINTO, EG. Estado de Coisas Inconstitucional na Política Pública de Saúde Brasileira. In Futuros do Brasil: Ideias para Ação. Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz,

2017. Disponível em

http://cebes.org.br/site/wp-content/uploads/2017/07/Artigo_elidagraziane_estadodecoisasinconstitucional_0.pdf Acesso em 20 de agosto de 2017.

10. VIEIRA, FS; BENEVIDES, RP de S. O Direito à Saúde no Brasil em Tempos de Crise Econômica, Ajuste Fiscal e Reforma Implícita do Estado. In Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. V10 n.3. Brasília, 2016.

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Análise do atual cenário brasileiro quanto ao uso terapêutico da Cannabis

Jean Carlos Alencar da Silva1

RESUMO: Este artigo buscou realizar um estudo quanto ao uso da Cannabis e de seus

derivados para fins terapêuticos no Brasil, abordando desde os fundamentos constitucionais para a promoção social, com enfoque especial à saúde, passando pela atuação do poder judiciário na garantia desses direitos e chegando a atuação do Estado. A fim de promover o acesso do paciente aos medicamentos com base nesse princípio ativo. Para isso fez-se um compilado de informações obtidas por meio de pesquisas, pautada em coleta e análises bibliográficas, análises de legislações atuais, de artigos publicados, consultas e de matérias jornalísticas relacionadas ao tema publicadas em sites de notícias. Onde podemos concluir que fazendo um retrospecto cultural de nossa sociedade e observando o cenário que verificamos a partir deste estudo, podemos considerar que temos avançado de forma significativa nos últimos anos no sentido de promover o acesso do paciente a essa importante substância terapêutica. É fato que muito ainda precisa ser feito, como por exemplo, a inclusão de medicamentos que tenham como princípio ativo os compostos da Cannabis na Relação de Medicamentos de Alto Custo do Ministério da Saúde, podendo assim tê-los disponíveis também na rede pública de forma gratuita. Mas fato é que os grandes feitos não surgem de forma repentina dentro da sociedade, os grandes feitos são construídos, a cada dia, um passo de cada vez, e nós estamos nessa construção.

Palavras-Chave: Cannabis, Constituição, Garantia

Introdução

A pessoa humana e a sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo este, o valor que deverá prevalecer sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico.

Ao longo da história mostrou-se que o direito procura sempre moldar-se a necessidade da sociedade, ou seja, é uma ferramenta que surge a partir da observação da ocorrência de uma necessidade coletiva. Dessa forma, com o avanço da ciência, respeitando-se a dignidade humana, cabe ao direito recepcionar tais avanços, garantindo a sua segurança no aspecto legal.

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Somente a partir da promulgação e publicação da Constituição Federal de 1.988 que o Estado brasileiro passou a garantir ao cidadão o acesso à prestação de serviços de saúde, através do SUS – Sistema Único de Saúde. Os serviços de saúde foram organizados em serviços de Atenção Básica, serviços de Média Complexidade e Alta Complexidade. Buscou-se, a partir de então, estruturar uma rede de serviços, atribuindo responsabilidades a todos os entes federativos, quais fossem, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, o que fez com que o direito a saúde se consolidasse no rol dos direitos sociais garantidos aos cidadãos.

O que significa dizermos que, a Constituição de 1988 trouxe para nosso país um novo momento, no tocante ao surgimento de uma nova ordem social e política, onde a necessidade de reconhecimento das inovações constitucionais trazidas pela nova Carta, no âmbito dos direitos sociais, nos trouxe a demanda para o surgimento de instrumentos que servissem de parâmetros para o balizamento de ações com a finalidade de formação desse novo ordenamento jurídico brasileiro.

Com esse importante passo, inaugurou-se uma nova fase na garantia dos direitos dos cidadãos, onde, incentivados pela ineficiência do Estado, do ponto de vista da eficácia do alcance de suas políticas públicas, abriu-se a possibilidade do surgimento de um novo ramo do direito, o Direito Sanitário, com a difícil tarefa de resguardar ao povo brasileiro o respeito à saúde, à previdência e à assistência social (CF, Art. 194), com base no princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, garantindo, mediante políticas sociais e econômicas o acesso às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde (Art. 196 da CF), entre outros.

Dessa forma, partindo do pressuposto de que o direito emana do povo e que tem ele o papel de regular as demandas da própria sociedade. E considerando a dinamicidade das demandas sociais é que nos deparamos agora com mais essa necessidade regulatória do ponto de vista jurídico.

E é neste sentido, que este Artigo se pautará a um estudo quanto ao uso da Cannabis e de seus derivados para fins terapêuticos no Brasil, e o olhar que tem tido o Estado acerca deste tema.

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Pois, partindo da garantia constitucional que estabelece o Artigo 6º, caput da CF, se questiona de que forma tem se posicionado o Estado quanto a utilização no Brasil, para fins terapêuticos de substâncias que tenham como princípio ativo a Cannabis?

E, uma vez se manifestando o Estado de maneira favorável acerca deste tema, estaria este ente, ainda, dentro daquilo que lhe compete, quanto ao seu papel institucional, afirmando que o direito à vida é um bem maior e que é preciso que haja na sociedade contemporânea uma tomada de consciência, no sentido de que deve haver sempre a prevalência do respeito pela vida humana, tornando qualquer outro valor pessoal, nesse caso, insignificante.

Para tal, essa pesquisa será pautada em coleta e análises bibliográficas, análises de legislações atuais, de artigos publicados e de matérias jornalísticas relacionados ao tema.

Feito isso, sua construção se dará de forma a abordarmos primeiramente os aspectos constitucionais relativos à promoção social, por meio do estabelecimento das garantias fundamentais ao cidadão, dentre elas a saúde.

Observaremos que as garantias trazidas pela Constituição Federal de 1.988, encontram muitas vezes limitações que tornam o ente público ineficaz, do ponto de vista da garantia de acesso do cidadão aos serviços de saúde. É nesse momento que surge um imbróglio, onde a demanda que até então estava vinculada exclusivamente ao aspecto da gestão pública, passa agora também a vincular-se ao poder judiciário, órgão este a quem cabe, quando acionado, a garantia da aplicabilidade da lei, quando da omissão do Estado.

Todos esses aspectos fundamentarão uma análise do atual cenário brasileiro acerca do uso terapêutico da Cannabis. Assunto contemporâneo e que necessita ser abordado pela sociedade, afim de desconstruirmos um conceito, em tese, conservador que vemos hoje tão presente em nossa sociedade acerca deste tema.

Constituição Federal de 1988 como uma ferramenta para a promoção social

Uma Constituição, nada mais é do que a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado.

O grande titular do poder constituinte, segundo Emmanuel Sieyès é a própria Nação, pois segundo ele, a titularidade de poder está diretamente ligada à soberania do Estado

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Renomados juristas de nosso país afirmam se tratar a Constituição Federal do Brasil de 1.988 a mais dirigente, se comparada as demais que houveram no país, ou seja, é uma Constituição contemporânea, com um olhar futuralista, típica de um Estado com propósito social. O grande expoente teórico deste conceito “dirigente” é o português José Joaquim Gomes Canotilho, que classifica essa forma como um mecanismo menos impositivo e mais reflexivo (CANOTILHO apud MORAES, 2014, 203).

O que significa dizer que temos aí um texto que vai muito além de um instrumento de suporte a ações governamentais, o que temos de fato é um instrumento de mudança social. Algo capaz de influenciar de maneira positiva a vida das pessoas, voltando-se ao Estado, como ente garantidor dos serviços e também a sociedade, que passivamente os recebe.

A essa Constituição, com olhar social, chamamos de Constituição Cidadã, justamente pela abordagem que faz, visando definir os papéis de cada ente, dentro da sociedade, e atribuindo a cada um deles suas responsabilidades. Uma Constituição feita por pessoas e para pessoas, e isso se apresenta já, de maneira clara, em seu Artigo 6º, quando ela assim estabelece:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à Direito Constitucional infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (CONSTITUIÇÃO, 1988, página 10)

E não se limita apenas a afirmação de existir ou não o direito tutelado, ela atribui de maneira direta a quem compete essa responsabilidade. Para que não restem dúvidas ao cidadão, ela lhe informa o direito que lhe assegurou e diz de modo bem claro, a quem compete a disponibilização dessa garantia constitucional quando em seu Artigo 196 nos coloca de maneira expressa que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Está com isso o Estado, obrigado constitucionalmente e por consequência judicialmente a garantir à população o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. E quando aqui falamos de Estado, falamos de todos os entes a ele vinculados em cada uma de suas esferas, seja ela municipal, distrital, estadual ou federal.

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Montesquieu, profundo filósofo da Teoria do Poder, afirmou em determinado momento, ser necessário haver uma rígida separação dos poderes, a qual chamou na época de Teoria da Repartição dos Poderes. Onde, para o este teórico, cada poder deveria ter seu papel muito bem definido dentro da estrutura estatal e de forma inflexível atuaria dentro de seus limites institucionais pré-estabelecidos. Porém, hoje, na sociedade moderna vê-se que não cabe mais essa forma engessada de concepção dos papéis de cada ente federativo. No atual modelo de sociedade, o que observamos existir é uma flexibilização dessas atribuições como funções típicas e atípicas do ente público (MORAES, 2014, página 426).

Nossa Constituição Federal de 1.988, em seu Artigo 37 estabelece que a administração pública, tanto de forma direta, quanto de forma indireta, de qualquer dos Poderes, seja da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, obedeça aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em se tratando de saúde, esses pilares tem fundamental importância, uma vez que este setor da área pública possui autonomia de gestão, por serem gestores de seus respectivos fundos de saúde.

Ainda em nossa Constituição Federal de 1.988, mais adiante em seu Artigo 198, Caput e seus incisos definem-se como diretrizes do Sistema Único de Saúde, a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade, o que fundamenta o princípio constitucional de ser a “saúde como direito de todos e dever do Estado”.

Buscando fazer uma reflexão quanto à importância deste princípio, bastemos analisar a saúde pública oferecida à população há tempos atrás, por meio da Previdência Social, com ações de saúde pontuais, onde eram atendidos apenas aqueles que a ela contribuíam mensalmente, na condição de trabalhadores dos mais variados seguimentos. Aos demais restavam às opções de não serem atendidos, serem atendidos pelo fato de contribuírem individualmente ou terem acesso aos serviços na condição de indigente.

Por elevar a saúde à condição de Direito Social, a Constituição Federal de 1.988 atribuiu às gestões, dos mais diferentes níveis da administração pública, a tarefa de elaborar políticas públicas de saúde que pudessem garantir à população, dentro de uma rede organizada e hierarquizada o acesso aos serviços de saúde nos mais diversos graus de complexidade de cada caso e nas mais variadas áreas de especialidade da saúde.

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Dessa forma, é possível dizer que, em tese, o sistema de saúde pública hoje existente, deve ser composto por uma rede de serviços estruturada, organizada, ampla e eficaz ao cidadão. Capaz de atendê-lo para solucionar sua demanda e ou orientá-lo para o encaminhamento de sua necessidade conforme organização da rede e, após isso, recebê-lo novamente com sua necessidade solucionada de forma humanizada.

O papel do poder judiciário na promoção social

Em muitas situações, sabemos que na prática, a teoria se distingue daquilo que acontece no dia-a-dia. E em se tratando da garantia de implementação de políticas sociais, isso também acontece com muito mais frequência do que imaginamos.

Nos dias atuais, órgãos como Ministério Público e Poder Judiciário, a partir da ineficiência do Estado, são acionados pela população, com certa frequência, como alternativas para se viabilizar o acesso aos serviços de saúde.

É preciso ressaltar que o direito à saúde não deve ser assegurado por uma determinada esfera governamental, esse direito, legalmente deve ser garantido pelo Estado. Na verdade o que acontece é que o direito à saúde é muito mais amplo do que as atribuições deste ou de outro ente federativo. O que está em jogo neste caso, é a vida.

Portanto, sob o ponto de vista legal e, obviamente, do Poder Judiciário, a responsabilidade atribuída a fim de garantir o acesso aos serviços de saúde é ao conjunto de gestores da saúde, aos quais cabem no bojo de atribuições legais inerentes à sua função o nível que esta ocupa no bojo estruturante da saúde pública brasileira, atuarem sobre a regulamentação, implementação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, considerando a sua relevância pública, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Diante disso, o Sistema Único de Saúde, além de outras atribuições que lhe competem, tem como papel “controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, além de participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos”.

E quando nos referimos ao controle, começamos a adentrar no objeto tema deste Artigo, isso porque cabe aos órgãos de saúde públicos brasileiros a gestão sobre as substâncias

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medicamentosas que poderemos consumir em nosso país. Mais especificamente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, órgão vinculado ao Ministério da Saúde.

As demandas oriundas da saúde são em sua maioria, de certa complexidade, questões técnicas, muito específicas, mas que nem assim, por mais complexa que seja, não há a indisponibilidade do poder judiciário em julgá-la. O poder judiciário sempre que acionado deverá se pronunciar seja por decisão preliminar, seja por sentença, fazendo assim coisa julgada.

A Cannabis e seu emprego terapêutico

Popularmente conhecida como maconha, a Cannabis Sativa possui 66 canabinoides, que nada mais são do que substâncias de estrutura química peculiar que atuam em receptores do cérebro, conforme explica o psicofarmacologista, pesquisador pioneiro deste tema no Brasil, Elisaldo Carlini, professor da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. (CARVALHO, 2017)

Os canabinoides possuem um potencial gigantesco de atuação em nosso organismo, isso porque podem atuar em diferentes frentes dentro do nosso corpo, pois possuem a capacidade de “imitarem” substâncias produzidas pelo próprio organismo do indivíduo, processo esse chamado de endocanabinoide. Possui também a função de controlarem a hiperatividade dos neurônios, o que justifica a sua aplicabilidade em casos de convulsão e epilepsia extremos. Já no caso de pacientes autistas, atua evitando ruídos mentais que corriqueiramente ocorrem em seus cérebros.

O uso medicinal da Cannabis hoje é permitido em alguns estados americanos e em países como Holanda e Bélgica, para aliviar sintomas relacionados ao tratamento de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette (que causa movimentos involuntários).

Muitos oncologistas e pacientes defendem o uso da Cannabis, ou do THC (seu principal componente psicoativo), como agente antiemético mas, quando comparada com outros agentes terapêuticos, a Cannabis tem um efeito menor do que os fármacos já existentes. Contudo, seus efeitos podem ser aumentados quando associados com outros antieméticos.

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Desta maneira, o uso da Cannabis na quimioterapia parece ser eficiente em pacientes apresentando náuseas e vômitos, sintomas que não são controlados com outros medicamentos (HONÓRIO, 2005, página 01).

Dentre os vários compostos existentes na Cannabis, destacam-se hoje o THC e CBD que são substâncias estudadas a mais tempo. O THC é uma substância euforizante, ou seja, controla a euforia, a agitação do pacientes, já o CBD é um ansiolítico, e atua diminuindo a ansiedade. É importante ressaltar que sempre que nos referimos aqui a alguma patologia, estamos tratando de casos em que a sua manifestação ocorre em proporções muito maiores do que na grande maioria de casos com diagnóstico semelhantes e que consequentemente as drogas disponíveis no mercado já não mais surtem o efeito desejado nesse pequeno grupo de pacientes e acima de tudo, o que compromete a sua qualidade de vida e muitas vezes torna o seu quadro ainda mais grave.

Uso terapêutico da Cannabis no Brasil

No Brasil a função terapêutica da Cannabis vem sendo estudada há vários anos pelos pesquisadores locais, e paralelo a isso é também o seu uso com finalidade terapêutica pelos brasileiros, que veem nessa substância, quando todas as possibilidades existentes no mercado farmacológico brasileiro já foram já testadas, a possibilidade de alívio de dor e sofrimento de pessoas que chegaram ao ápice de um quadro clínico, muitas vezes associado a questões de ordem neurológicas e que impedem ou dificultam o caminhar, pacientes epiléticos, pacientes com quadro de convulsões e ainda aqueles que sofram de efeitos decorrentes de tratamentos quimioterápicos, entre outras patologias.

Nesse cenário, existem posições extremamente antagônicas dentro da sociedade brasileira. Isso porque, temos de um lado, quando se busca conhecer o assunto, o entendimento de que muitos pacientes já estão sendo beneficiados com o uso terapêutico da Cannabis e outros tantos ainda poderiam ser, caso houvesse, de fato, a sua regulamentação e a consequente facilitação do acesso; e por outro, uma parcela da sociedade brasileira, extremamente conservadora, que não admite sequer discutir o assunto. Pessoas presas de tal forma a um estigma, que entendem apenas que Cannabis é maconha e que, portanto, não serve à sociedade dita como “de bem”. O que é um erro boçal, quando o assunto em questão

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é a saúde, afinal, não é à toa que os medicamentos que consumimos diariamente em nossas casas, são chamados de drogas.

Em seu artigo, Paulo Mattos avalia o uso de drogas, principalmente o da Cannabis medicinal, e a influência da legislação internacional no Brasil. A Cannabis, substancia ilícita mais consumida no mundo, e cada vez mais inserida no âmbito medicinal devido as suas propriedades terapêuticas, ampliando o debate sobre o tema. Embora a opinião pública se preocupe com o aumento do consumo e da violência a partir de uma possível regulamentação. (BOKANY, 2015, Página 26).

Há uma boa parte que considera como falida a atual política de repressão, abrindo espaço para a discussão. Como nenhuma lei internacional proíbe o cultivo para fins medicinais e científicos, e sim estabelecem regras para tal, torna-se incoerente que restrições de órgãos reguladores como a ANVISA posterguem tal tema, pertinente a milhões de pessoas. Utilizando e demonstrando exemplos de outros países, que regulamentam a produção de Cannabis para fins medicinais, o autor mostra como não há impedimento legal para a proibição da mesma para tais fins, e cobra uma postura da ANVISA, visto que “é dever do Estado para com milhares de pacientes que esperam ter seus direitos de cidadania respeitados. ” (BOKANY, 2015, Página 26).

Pesquisas recentemente realizadas em parceria pelas Fundações Perseu Abreu e Rosa Luxemburgo, concluíram, por exemplo, que a maconha é menos danosa fisicamente e causa menos dependência do quer muitas outras drogas lícitas e consumidas diariamente por muitos de nós, como exemplo o álcool e ao tabaco. Em suas pesquisas também se buscou verificar o amplo potencial medicinal que algumas substâncias possuem e que por serem consideradas ilícitas no Brasil, têm a pesquisa de sua eficácia prejudicada. Nesse cenário a Cannabis é uma delas.

Em novembro de 2016, a advogada Margarete Brito, após cultivar ilegalmente a Cannabis, conseguiu na justiça autorização para o cultivo da planta para fins medicinais em seu apartamento na Urca, bairro da zona sul do Rio. Sofia, sua filha tem menos da metade das convulsões desde que passou a usar o medicamento, conta a mãe, resultado que nunca tinha sido alcançado com os remédios disponíveis no mercado.

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Sua luta pessoal pela legalização do canabidiol e do THC tornou-se ativismo e hoje ela lidera uma associação que reúne cerca de 100 famílias de pacientes, em sua maioria, de epilepsia. (BUDDIES, 2017)

“A advogada Margarete Brito, buscou, obedecendo da legislação brasileira, importar a pasta de canabidiol para usar em sua filha, Sofia, de 05 anos, portadora da doença genética CDKL5. Ansiosa decidiu não aguardar o trâmite do seu processo quando soube de um profissional de saúde que fabricava óleo com compostos de maconha. Sofia, após 40 dias de uso desta substância já apresenta melhoras em seu quadro, ficou os últimos 04 dias sem ter crise e já está sorrindo, relatou a mãe e concluiu dizendo que são pequenas coisas que só a mãe e o pai notam” (CARVALHO, 2017)

Para que se tenha uma noção da amplitude que essa discussão precisa ter dentro da sociedade brasileira, e esse é um dos fatores que motivaram a produção deste Artigo, de acordo com a legislação sobre drogas, prescrever uma substância proibida é crime, e entidades ligadas a classe médica dizem que isso impede muitos profissionais de prescreverem ou mesmo falarem sobre o assunto com seus pacientes, temendo serem caracterizados como apologistas ao uso da maconha. O que nos faz crer que a mudança na maneira de pensar da sociedade brotará a partir de uma mudança da legislação o que trará consequentemente uma mudança na maneira de pensar de muitos profissionais médicos.

Todavia, a criminalização das drogas, embasada em uma solida e enganosa publicidade, pretende apenas vender a ideia de que constitui um instrumento necessário e idôneo para garantir a proteção da saúde pública. E, no Brasil, “o Estado, sob o pretexto de cumprir o dever de prestar proteção, está, na verdade, de forma simbólica, sobrepondo a política criminal à política social, ou, em outras palavras, está criminalizando a política social”. (BOKANY, 2015, Página 39).

No Brasil, é importante ressaltar que, a Lei sobre Drogas permite o uso medicinal de substâncias como a Cannabis, necessitando, porém, de uma regulamentação sobre esse uso, necessitando que seja criada uma lei especial com essa finalidade. E por que isso ainda não aconteceu? Lembremo-nos do que citamos a pouco neste texto, que pertencemos a uma sociedade conservadora, acrescentamos mais, atrelada a valores muitas vezes de ordem dogmáticos que não nos permite enxergar que o verdadeiro dogma deve ser é o amor ao próximo, à preocupação com a dor do próximo o desejo pelo bem estar do próximo.

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Desde 2014, quando foi lançado o documentário “Ilegal” – sobre famílias brasileiras em busca de maconha medicinal cinco projetos de lei sobre a regulamentação da planta, incluindo seu uso terapêutico, foram propostos no Congresso, sendo três na Câmara e dois no Senado. Enquanto deputados e senadores não alteram as leis do país, ações judiciais garantem o acesso de pacientes aos medicamentos com THC e CBD. Só em 2015, o Ministério da Saúde foi obrigado a importar canabidiol para cumprir 11 mandados de segurança que beneficiaram 13 pessoas, gastando R$ 462 mil. Além disso, nos últimos três anos, foram autorizados pela Anvisa 2.053 pedidos de importação de produtos à base de canabidiol e THC. (BUDDIES, 2017)

E as conquistas não param por aí, o primeiro remédio à base de maconha aprovado no Brasil deve chegar às farmácias já em junho destes anos. A ANVISA aprovou recentemente o registro do medicamento Mevatyl, usado para sintomas da esclerose múltipla. Na sua composição há o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), compostos já citados neste artigo e que já estiveram na lista de proibição da agência.

A liberação do medicamento vem na esteira de decisões judiciais que permitem a pelo menos três famílias plantar maconha sem risco de serem presas por isso, pois obtiveram na justiça o direito de produzir em casa, a partir do cultivo da planta o seu extrato, como o caso da advogada Margarete, já citada.

Esses avanços no uso da maconha medicinal podem preceder o desenvolvimento de um remédio nacional, objetivo do projeto Fio-Cannabis, da Fiocruz.

Pesquisas em universidades como Unifesp, berço da Maconhabrás, e UFRJ já estudam os extratos da maconha, apesar da dificuldade de conseguir a matéria-prima ilegal no país.

O projeto Fio-Cannabis vai mais além e pretende desenvolver um medicamento nacional. Mas para isso, desenvolve em parceria com a UFRJ, um estudo que visa analisar a composição dos extratos de maconha importados ou produzidos clandestinamente no Brasil e que servirá de banco de informações sobre combinações já usadas por pacientes.

Os primeiros exames clínicos, feitos pela parceria, vão focar pacientes de epilepsia. (BUDDIES, 2017)

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desenvolve este estudo, e tem enviado técnicos para o Canadá, país que já possui esta regulação com o objetivo de se construir aqui o cenário necessário para a concretização deste objetivo. Estima-se que isso ocorra até o final deste ano.

Mundo afora, esse assunto já vem sendo discutido, e em alguns países já existem inclusive políticas de saúde definidas nesse sentido (CARVALHO, 2017), são eles:

 Canadá: É possível cultivar e consumir a erva com prescrição médica e autorização do governo. Para uso recreativo é crime;

 Estados Unidos: 22 Estados autorizam a prescrição de maconha ou de remédios com substâncias encontradas na erva. No Estado do Colorado e Washington o uso recreativo é legalizado;

 Holanda: A droga não é legalizada, mas o país adotou a descriminalização do usuário. A venda e o consumo são permitidos em locais cadastrados, os famosos “coffee shops”, mas se restringem a vender 5 gramas por cliente;

 Portugal: O usuário não é preso, mas a porção é limitada em 25 gramas de maconha por pessoa;

 Reino Unido: A agência reguladora para remédio, que equivale a nossa ANVISA, autorizou o uso do Sativex, que contém THC e CBD, no tratamento complementar da esclerose múltipla. É preciso ter autorização legal para usá-lo;

 Israel: É considerado pioneiro na pesquisa da maconha medicinal, mas a droga não foi legalizada. O uso terapêutico é permitido. Câncer e esclerose múltipla são algumas das doenças tratadas com compostos da Cannabis.

Certo é que em nossa sociedade existem muitos pontos divergentes relacionados à discussão deste assunto, gerando polêmicas na sociedade, nos órgãos do Estado, nas casas legislativas, em função de vários aspectos pelos quais a sociedade atual tem se pautado. Mas independente desses aspectos e valores, é preciso que consideremos que antes de mais nada, estamos nos referindo às vidas, é este fator que deve prevalecer. E em algum lugar existem pessoas enfermas com quadros de epilepsia, depressão, dores crônica, doença degenerativas e neurológicas, entre outras, que enxergam na Cannabis seu último fio de esperança para um ganho de qualidade de vida, por mais insignificante que pareça ser. Para

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estes pacientes as grandes vitórias estão nas pequenas conquistas.

Considerações finais

Iniciamos essas considerações finais, fazendo aqui uma autorreflexão, se teríamos conseguido até aqui atingir o objetivo proposto quando idealizamos este Artigo. Sinceramente, cremos que sim e explicamos o porquê. A grande maioria de nós foi criada em lares onde nossa educação era pautada em valores conservadores, muitas vezes com base em princípios dogmáticos ou simplesmente por aspectos morais, mas que em ambos os casos não nos permitiam à época e para alguns até os dias de hoje, qualquer tipo de questionamento sobre os mais variados assuntos.

Não é fácil se despir disso, principalmente quando o assunto é a maconha. Esse assunto é sim um tabu na nossa sociedade. Mas acredito que os ensinamentos que recebemos de nossos pais são parâmetros que nos balizarão por toda a vida, porém, a história, cada um escreverá o sua.

E é dessa forma que temos procurado fazer e assim formarmos uma opinião própria a respeito dos temas que nos cercam. É preciso dizer, porém, que nessa construção, que é diária, é preciso também estar disposto a parar e verificar se o tijolo que foi assentado está corretamente assentado, se não o está, é preciso que se reveja isso, que se reassente esse tijolo na construção de nossa história.

Em algum momento de nossas vidas, é certo que nos posicionamos inflexíveis a determinados tema, mas a maturidade, se bem aproveitada, nos torna mais sábios. E mais sábios precisamos nos dispor a termos um olhar diferenciado em relação aos fatos que nos cercam. Acrescento aqui, que a academia, o banco da faculdade, contribui e muito para esse olhar novo sobre o novo.

É passado o momento de a sociedade brasileira olhar adiante, é preciso observar o que outras nações têm feito em relação a este assunto.

É preciso que a sociedade brasileira se desprenda de certos pseudo-valores, e se abra ao novo, pois aqui estamos tratando de vidas. Posso até ousar dizer, que o objetivo deste artigo não é falar sobre a Cannabis, o objetivo deste artigo é falar sobre vidas.

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Desta feita, procuramos aqui trazer um apanhado geral sobre o uso medicinal da Cannabis, dando um enfoque especial ao que acontece hoje no Brasil.

Para tal, abordamos alguns aspectos gerais a cerca deste assunto, trouxemos aqui a fundamentação constitucional acerca da promoção social, o papel do poder judiciário na garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1.988, apresentamos à você não a maconha e sim a Cannabis, princípio ativo medicamentoso utilizado com finalidade terapêutica em vários lugares do mundo e proporcionando uma enorme qualidade de vidas e porque não dizer até mesmo de sobrevida àquelas pessoas que dela se utilizam e que começa a ser introduzida em nosso país.

Nesse contexto observamos que o Estado brasileiro tem se mostrado aberto a esta questão, embora o caminho a ser percorrido seja um caminho tortuoso, é possível sim que se consiga o acesso a essa substância, seja por meio de manifestação do poder judiciário, seja pelos avanços proporcionados pelo ente governamental, através da ANVISA.

É importante, antes de se concluir esta análise, dizer que ainda não se tem através do Sistema Único de Saúde – SUS, a oferta gratuita destas substâncias para aqueles que dela necessitem. Para isso seria necessário que o SUS fizesse constar em sua relação de medicamentos fornecidos de alto custo.

Como nos referenciamos acima acerca do processo de construção individual, podemos utilizar essa mesma metáfora também para ilustrar o processo de construção existente hoje no Brasil acerca deste tema. Dessa forma é possível idealizarmos no futuro a garantia do fornecimento gratuito de medicamentos à base da Cannabis através do SUS, e essa é a continuidade dessa análise e que será em outra ocasião abordada.

Referências

1. MINISTÉRIO da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. Volume 2. Brasília / DF. Editora MS. 2003. 375p

2. MINISTÉRIO da Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública. Volume 2. Brasília / DF. Editora MS. 2003. 288p.

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3. FIOCRUZ, Fundação Oswaldo Cruz. Direito Sanitário em Perspectiva. Volume 2. Brasília / DF. Gráfica e Editora Ideal Ltda. 2013. 340p.

4. DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 7ª edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010. 967 p.

5. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª edição. São Paulo. Editora Atlas. 2014. 943 p.

6. ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. 2ª edição. São Paulo. Editora Formato Artes Gráficas. 2003. 96 p.

7. ALVES, Sandra Mara Campos. A formação em direito sanitário: um diálogo possível a partir da interdisciplinariedade.1ª edição. Brasília / DF. Conass. 2015. 8p.

8. BOKANY, Vilma. Drogas no Brasil: entre a saúde e a justiça: proximidades e opiniões. São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo. 2015. 270 p.

9. STONSKI, Silvio Alexandre, TEMISKI, Thalyta Machado, PRADO, Elizabete do. Aspectos Jurídicos Relevantes da Legalização da Maconha no Ordenamento Jurídico Brasileiro . 6p.

10. HONÓRIO, Khátia Maria. Aspectos Terapêuticos de Compostos da Planta Cannabis Sativa. 2015. 318 p.

11. CARVALHO, André. Anvisa aprova registro do primeiro medicamento à base de maconha no Brasil. UOL Notícias, São Paulo, 16 de janeiro de 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2017/01/16/anvisa-aprova-registro-do-primeiro-medicamento-a-base-de-maconha-no-brasil.htm. Acesso em: 03 de março de 2017.

12. BUDDIE, Smoke. Maconha medicinal no Brasil? Vitórias judiciais e pesquisas de remédio nacional aumentam esperança de pacientes. Smoke Buddies, São Paulo, 28 de janeiro de 2017. Disponível em https://www.smokebuddies.com.br/maconha- medicinal-no-brasil-vitorias-judiciais-e-epesquisa-de-remedio-nacional-aumentam-esperança-de-pacientes/. Acesso em 26 de abril de 2017.

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Vacinas, um aspecto histórico à atualidade

Juliete Martins Soares1 Isabel Cristina Rodrigues da Silva2

RESUMO: As doenças infecciosas transmissíveis, nos séculos passados, já foram grave

problema de saúde pública, podendo ser incapacitantes e até mesmo letais. Com o pouco conhecimento que se tinha sobre as mesmas, eram de difícil controle, e após o início de viagens transcontinentais, terrestres, marítimas e atualmente aéreas, estas doenças também se locomoviam juntamente com os indivíduos infectados, ocasionando surtos, epidemias e pandemias. Com a descoberta do controle de transmissão de doenças infecciosas, principalmente através da imunização, o homem conseguiu obter maior sucesso no controle de doenças, até mesmo a erradicação. Teve início com a vacina contra a varíola e atualmente existem vários outros tipos, a maioria fornecida pelo SUS e outras somente em empresas particulares.

Palavras-chaves: Vacinação; História da Vacinação Programas de Vacinação.

ABSTRACT: Transmissible infectious diseases, in the past centuries, have already been a serious public health problem, and may be disabling and even lethal. With little knowledge about them, they were difficult to control, and after the beginning of transcontinental, terrestrial, maritime and now air travel, these diseases also moved along with the infected individuals, causing outbreaks, epidemics and pandemics. With the discovery of transmission control of infectious diseases, mainly through immunization, man has achieved greater success in disease control, even eradication. It started with the smallpox vaccine and there are currently several other types, most of them provided by SUS and others only in private companies. Keywords: Vaccination; History of Vaccination; Vaccination Programs.

Introdução

Com a evolução da espécie humana, descobertas transcontinentais, revolução industrial e urbanização, evoluíam também o surgimento de novas doenças transmissíveis, através de vírus e bactérias, que juntamente com os viajantes, vagavam de pais em pais, continente em continente. A exemplo a peste negra, que surgiu na Ásia, matou milhões de pessoas entre o oriente, Europa e América (Gonçalves, 2014).

A história da imunização surge através da doença variólica, causada pelo vírus Poxvirus variolae, responsável por várias epidemias e mortes, esta foi declarada, pela OMS, erradicada

1 Licenciada em Enfermagem pelo Centro Universitário UNIEURO de Brasília. Aluna de Especialização em Vigilância

Sanitária pela Universidade Católica de Goiás/IFAR 2Orientadora

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mundialmente em 1980, como resultado de anos de campanhas nacionais de vacinação através do Programa Global de Erradicação da Varíola (Junior, 2005). A variolização antecedeu a vacinação, era um método que se consistia em introduzir no humano o vírus da varíola de forma mais branda, porém tratava-se de um método ainda inseguro, onde os contaminados ainda eram transmissores da doença, bem como corriam risco de apresentar a doença na forma mais grave.

A primeira vacina foi descoberta em 1976, pelo médico inglês Edward Jenner, que sistematizou os conhecimentos empíricos e criou a vacina, de forma a prevenir a varíola, a partir da pústula formada pelo vírus vaccinia nas tetas das vacas. Ele identificou que o comportamento da doença variólica era mais brando em pessoas que tinham contato com vacas infectadas pela varíola, e que as mesmas não manifestavam novamente a doença. Contudo, médico inoculou o vírus do animal em uma criança e como resultado obteve imunização sem manifestação e transmissão da doença, resultando em um procedimento mais seguro. Originalmente, o termo vacina refere-se à varíola da vaca, do inglês, vaccine (Brasil, 2011).

No Brasil os movimentos para vacinação foram iniciados no início do século XIX, em 1804 por inciativa do Barão de Barbacena, chegou a vacina contra a varíola, tendo a mesma passado por melhorias em sua cadeia de produção, onde passou-se a ser produzida mediante técnica de vacinação em animais e não mais braço a braço, técnica esta insegura e importante transmissora de outras doenças.

A campanha de erradicação da varíola no Brasil, ocorreu entre o ano de 1966 a 1973, tendo vacinado e revacinado mais de 80 milhões de pessoas (Hochman, 2011). A demanda de oferta pelo poder público, de outras vacinas foi aumentando, com isso, em 1975 foi criado o Programa Nacional de Imunizações.

Os séculos XIX e XX foram marcados por muitas descobertas de várias vacinas, bem como pesquisas e evolução das mesmas. Em 1885 Luis Pauster descobriu a vacina contra a raiva, em 1983 a vacina contra a cólera foi descoberta por Waldemar Mordecai, dois anos após, em 1984, o soro antidiftérico foi descoberto por Pierre Paul Émile Roux. Em 1906 Léon Charles Albert Calmette e Jean-Marie Camille Guérin iniciaram o desenvolvimento da vacina

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Instituto Pauter, em Paris, no Brasil a vacinação contra a tuberculose iniciou-se em 1927, com a vacina BCG, na liga Brasileira contra a Tuberculose. Em 1923, Ramon e Glenny descobriram o toxoide contra a difteria e a vacina contra coqueluche. A vacina contra a febre amarela foi descoberta em 1937 por Theiler e Smith. Em 1954, ocorreu a apresentação, por Jonas Salk, dos resultados de sua vacina contra a poliomielite de vírus inativados (VIP), que foi introduzida no Brasil em 1955, em clínicas privadas e por algumas secretarias estaduais e municipais de saúde, dois anos depois, em 1957 foi descoberta a vacina oral contra a poliomielite (VOP), por Albert Sabin, licenciada em 1960, nos Estados Unidos. Neste mesmo ano foi desenvolvida a vacina efetiva contra o sarampo por Enders & Peebles, que haviam isolado o vírus em 1954. Em 1961 foi introduzida no Brasil a VOP, com a realização de vacinações em municípios de SP e do RJ. Em 1962 Meyer, Parkman e Hobbins desenvolveram a vacina contra rubéola. Em 1967 foi introduzida a vacina contra o sarampo no Brasil. Em 1986 a vacina contra hepatite B por DNA recombinante foi introduzida, assim, caracterizando o início da geração de vacinas desenvolvidas por engenharia genética (Brasil, 2013).

Para o devido controle epidemiológico do controle de doenças transmissíveis, bem como dos processos de vacinação, foram criados o calendário de vacinação e o sistema de notificação compulsória, ambos dependentes, o calendário muda todos os anos, de acordo com o comportamento das doenças imunopreviníveis. Atualmente várias doenças são preveníveis por meio da vacinação, e as descobertas e melhorias das mesmas evoluem a cada ano.

Metodologia

Foi realizada revisão sistemática da literatura publicada em inglês e português, abrangendo o período compreendido entre 2000 a 2017, na base PubMed, publicações indexadas no Medline, Lilacs e sites da OMS e Ministério da Saúde, de janeiro de 2000 a julho de 2017.

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Principais vacinas disponíveis na atualidade

As vacinações sistemáticas são aquelas que demonstram ser eficazes contra as doenças transmissíveis de reservatório humano e transmissão inter-humana, que se encontram incluídas no calendário vacinal da comunidade, e que são aplicadas universalmente na população. Já as vacinas não sistemáticas são aquelas que não se encontram incluídas no calendário vacinal da comunidade.

No Brasil existem dois calendários de vacinação, o Calendário de Vacinação do Programa Nacional de Imunização e o Calendário da Sociedade Brasileira de Imunização. A diferença entre ambos é que o Calendário PNI visa a saúde coletiva e o Calendário SBIM a saúde individual.

Existem ainda diferenciações nos calendários por faixa etária, bem como por grupos conforme riscos são exemplos o Calendário de Vacinação Neonatal, Calendário de Vacinação da Criança, Calendário de Vacinação do Adolescente, Calendário de Vacinação do Adulto, Calendário de Vacinação do Idoso, Calendário de Vacinação da Mulher, Calendário de Vacinação do Homem, Calendário de Vacinação da Gestante, Calendário de Vacinação de Imunodeprimidos, Calendário de Vacinação para Profissionais de Saúde, Calendário de Vacinação para Exposição Ocupacional, Calendário de Vacinação para Viajantes, Calendário de Vacinação para Militares, Calendário de Vacinação de Coletores de Lixo, Calendário de Vacinação e Calendário de Vacinação de Praticantes de Esporte.

A vacina BCG protege o indivíduo das formas mais graves da tuberculose, como a miliar e a meníngea, em conjunto às medidas de controle disponíveis, o diagnóstico e tratamento precoce e o tratamento da infecção latente. Seu agente etiológico é o Mycobacterium tuberculosis (Brasil, 2014).

Segundo Pereira SM et al, 2007, entre 1906 e 1919, Camille Calmett e Albert Guerin desenvolveram a vacina BCG, no Instituto Pasteur, em Paris. A utilização da vacina BCG foi adotada largamente a partir de 1920, incentivada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e United NationsChildren’s Fund (Unicef) a partir de 1948. Em 1974, o Programa Ampliado de Imunizações (PAI) da OMS ao incluiu em seu calendário.

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adicionais. No Brasil a criança recebe uma dose ao nascer, em casos onde a cicatriz não é formada, é necessário repetir a aplicação, com idade limite de 4 anos, 11 meses e 29 dias.

As doenças difteria, tétano e coqueluche podem ser prevenidas através da vacina DTP, uma vacina inativada, que possui reforço a cada 10 anos. Conforme Carvalho et al, 2006,estão licenciadas no Brasil as seguintes apresentações da vacina com componente acelular da coqueluche: DTPa (internacionalmente conhecida por Pertacel®); DTPa combinada com vacina parenteral contra poliovírus inativada e contra Haemophilus influenzae tipo b DTPa-IPV-Hib (internacionalmente conhecida por Poliacel®) do laboratório Sanofi Pasteur; DTPa-IPV-Hib (internacionalmente conhecida por Infanrix®) e DTPa-IPV-Hib combinada com vacina contra hepatite B DTPa-IPV-Hib-HB (internacionalmente conhecida por Infanrix-Hexa®); dTpa-R (internacionalmente conhecida por Refortrix® ou Boostrix®) do laboratório GlaxoSmithKline (GSK).

Causada pela bactéria Corynebacterium diphtherie, a difteria é uma doença infecciosa respiratória aguda grave, transmitida pelo contato direto com secreções ou objetos contaminados, no Brasil, o número de casos vem decrescendo progressivamente, provavelmente em decorrência do aumento da cobertura pela vacina difteria, tétano e coqueluche (DTP). O tétano é causado pela bactéria Clostridium tetani, distribui-se

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difusamente na terra, água, poeira, bem como na superfície de animais, vegetais e objetos inanimados, é uma doença infecciosa aguda, não contagiosa. Sua ocorrência está relacionada às atividades profissionais que apresentem risco de ferimento, sendo o sexo masculino o mais acometido pela doença. A letalidade ainda é considerada alta no Brasil (34% em 2010). Já a coqueluche é uma doença infeciosa aguda, de alta transmissibilidade, causada pelas bactérias Bordetella pertussis e B. parapertussis, sendo o homem o único reservatório natural (Brasília, 2014).

As vacinas VOP e VIP previnem contra a doença poliomielite, a vacina oral (VOP), é uma vacina atenuada, previne contra a doença poliomielite, composta por vírus vivos atenuados, combina três tipos de vírus da pólio, tipos 1, 2 e 3. A vacina injetável (VIP), trivalente, é inativada, não tem como causar a doença (SBIM, 2016).

A poliomielite ou “paralisia infantil” é uma doença infecciosa, contagiosa, viral aguda, causada pelo poliovírus, pertencente ao gênero Enterovírus, da família Picornaviridae, composto de três sorotipos (1, 2 e 3). Os membros inferiores são os

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segmento atingido. Desde 1990, no Brasil, não há circulação de poliovírus selvagem, como resultado da política de prevenção, vigilância e controle desenvolvida pelos três níveis do Sistema Único de Saúde (Ministério da Saúde, 2017).

A varicela é uma doença infecciosa, altamente contagiosa, caracterizada principalmente pelo surgimento de exantema de aspecto máculo – papular, lesões cutâneas acompanhadas de prurido, o polimorfismodas, causada pelo vírus varicella zoster (VVZ), também conhecida como catapora, pode ser prevenida pela vacina contra a varicela (Ministério da Saúde, 2017)

Essa doença pode ser reativada na fase adulta, chamada de herpes zoster, pode ser prevenida pela vacina contra a herpes zoster, a partir de 50 anos de idade.

A vacina contra a varicela também pode ser encontrada na vacina quadrupla viral, que além da varicela contêm as vacinas contra o sarampo, caxumba e rubéola, também encontradas na vacina tríplice viral.

Referências

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