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Impacto das políticas sociais e das mudanças demográficas na saúde do brasileiro: desafios para o SUS

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IMPACTO DAS

POLíTICAS SOCIAIS E DAS

MUDANçAS DEMOGRáfICAS

NA SAúDE DO BRASILEIRO:

DESAfIOS PARA O SUS

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das mudanças demográficas na saúde:

desafios para o sistema de saúde brasileiro

Mônica Viegas Andrade Cristina Guimarães Rodrigues Ana Carolina Maia

um dos debates recentes no campo das políticas públicas voltadas para saúde refere-se ao impacto decorrente de mudanças demográficas e epidemiológicas sobre os sistemas de saúde (FIN-LAYSON et al., 2004). Diversos países têm passado por alterações na estrutura etária e no padrão de mortalidade e morbidade de sua população, com consequências sobre custos e utilização de serviços (LLOYD-SHERLOCK, 2000; REINHARDT, 2003; CuTLER, 2006; STRuNK et al., 2006). A transição demográfica, que tem sido observada em vários países desenvolvidos e em desenvolvimento (GOL-DSTEIN et al., 2009; BONGAARTS, 2008), é explicada por mudanças no comportamento histórico das taxas de mortalidade e fecundidade, sendo o início de todo processo, em geral, a queda sustentada da mortalidade (ALVES, 2008). No entanto, é a redução da fecundidade a grande responsável pela desestabilização da estrutura etária, com encurtamento da base da pirâmide e aumento relativo de idosos no conjunto da população, acarretando o denominado envelhecimento populacional (CAR-VALHO; GARCIA, 2003).

No Brasil, a transição demográfica teve seu início tardio nos anos 1940, com o decréscimo da mortalidade, intensificando-se a partir do final da década de 1960, com a queda vertiginosa da fe-cundidade. A taxa de fecundidade total, de 5,8 filhos por mulher em 1970, passou para 2,4 em 2000, o que representou um declínio de quase 59% (CARVALHO, 2004) e culminou em um rápido processo de envelhecimento da população brasileira. Em 1940, as pessoas com mais de 60 anos correspon-diam a cerca de 4% da população total, passando em 2000 para 8,6% (CARVALHO; GARCIA, 2003). Em 2050, estima-se que este subgrupo populacional represente aproximadamente 30% da população brasileira, com mais de 64 milhões de idosos (IBGE, 2008).

Além da transição demográfica, observa-se também a transição epidemiológica, isto é, uma mudança na importância das causas primárias da mortalidade e da morbidade (OMRAN, 2005). Na

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transição epidemiológica, o peso das doenças infectoparasitárias transfere-se gradualmente para as doenças crônicas e as causas externas.

Os impactos das mudanças demográficas na demanda por serviços de saúde são diretos e se traduzem tanto em uma mudança no perfil dos serviços utilizados, que passam a se caracterizar por serviços ambulatoriais e de internação para cuidados principalmente crônicos de saúde, como em um aumento no uso geral de serviços, uma vez que a população idosa é mais consumidora de serviços de saúde do que os demais grupos etários (COSTA-FONT et al., 2008).

Concomitante a essas mudanças demográficas, entretanto, o sistema de saúde brasileiro tem passado por alterações institucionais importantes, que envolvem a organização da oferta dos serviços no Sistema único de Saúde – SuS e no Sistema de Saúde Suplementar, o que pode afetar a oferta desses serviços nas redes pública e privada. No Brasil, as políticas públicas têm contribuído para um melhor acesso aos serviços de saúde, especialmente entre os pobres. O governo vem fazen-do esforços no sentifazen-do de aumentar a cobertura de cuidafazen-dos primários, principalmente por meio dos Programas Saúde da Família – PSF e Agentes Comunitários da Saúde, que foram criados com o intuito de melhorar o acesso aos serviços de prevenção e cuidado primário. Centrado na família, o PSF enfatiza o atendimento ambulatorial em detrimento da lógica hospitalocêntrica, historicamente experimentada no Brasil. A cobertura desse programa é consideravelmente alta, principalmente em áreas rurais e pobres do país, em grande parte contribuindo para a redução das desigualdades no acesso aos cuidados de saúde no Brasil.

No sistema de saúde suplementar, a principal mudança tem sido a consolidação do marco regulatório do setor de planos e seguros de saúde, com a criação da Agência Nacional de Saúde Su-plementar. Neste setor, chama a atenção o problema de seleção adversa de beneficiários que pode afetar a sustentabilidade das carteiras de planos e seguros de saúde. Essa seleção adversa correspon-de ao fenômeno pelo qual os planos correspon-de saúcorrespon-de tencorrespon-dem a atrair indivíduos com maior risco correspon-de utiliza-ção de serviços na populautiliza-ção, como os idosos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2008, a proporção de pessoas com 59 anos e mais com plano de saúde é quase 20% superior àquela referente à população total. No contexto do envelhecimento populacional, o problema de seleção adversa pode comprometer a saúde financeira das seguradoras.

Em relação ao uso de serviços médicos, cabe ainda mencionar a utilização cada vez mais intensiva de novas tecnologias no setor saúde. Muitos trabalhos demonstram que avanços na tec-nologia aumentam a eficiência no tratamento da saúde (FINLAYSON et al., 2004; TATE et al., 2004; MAGNuSSEN et al., 2009) e têm uma implicação clara para a demanda por serviços e gastos com saúde (BAKER et al., 2003). Mendes (2006) afirma que o envelhecimento populacional e as novas tecnologias são responsáveis pelo incremento anual de 0,5% dos custos totais do sistema de saúde nos países da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento (OECD). A introdução de novas tecnologias representa uma mudança da função de produção dos cuidados com a saúde.

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Se-gundo Weisbrod (1991), quando uma tecnologia médica é introduzida, há um aumento da demanda de pacientes e provedores por essa nova tecnologia, que altera o tipo e a intensidade dos proce-dimentos adotados no diagnóstico e tratamento de doenças, medicamentos, bem como a forma como o cuidado é oferecido. A tecnologia médica é percebida de modo bastante homogêneo entre os diversos tipos de países. No setor saúde, diferentemente de outros setores industriais, o gap tec-nológico é mais reduzido entre países com diferentes níveis socioeconômicos, o que se explica pelos impactos diretos de bem-estar decorrentes da disponibilidade de oferta de serviços de saúde. O uso mais intensivo de tecnologias é heterogêneo entre os tipos de cuidado e se dá de forma importante principalmente nos serviços hospitalares.

Neste trabalho levantamos algumas questões relacionadas aos impactos das mudanças de-mográficas no sistema de saúde brasileiro, em particular sob a ótica da utilização de serviços hospita-lares e do financiamento. No Brasil, a demanda por serviços de saúde é financiada de forma pública e privada, com participação praticamente igualitária. O financiamento privado ocorre de duas formas: por meio de planos e seguros saúde e por desembolso direto. No sistema público, enfatizamos os efeitos do envelhecimento sobre a utilização de serviços hospitalares, bem como os gastos com serviços hospitalares, que representam maior parte da despesa pública com saúde e são majoritaria-mente financiados no âmbito do Sistema único de Saúde. No setor de planos e seguros saúde, abor-damos o impacto do envelhecimento populacional na sustentabilidade das carteiras, considerando principalmente os planos por adesão individual. Por fim, cabe também mencionar os impactos no âmbito dos gastos pessoais com saúde, que constituem a terceira parte do tripé do financiamento dos serviços de saúde no Brasil.

Impactos no SUS: utilização de serviços hospitalares

um impacto direto do envelhecimento populacional é o aumento da demanda por serviços de saúde decorrente da relação positiva entre idade e taxa de utilização de serviços. Como os indi-víduos idosos são os que utilizam com maior intensidade os serviços hospitalares, é esperado que o processo de envelhecimento resulte em crescimento de demanda. O efeito puro do envelhecimen-to populacional sobre a demanda por serviços de saúde pode ser mensurado pela multiplicação de taxas de utilização correntes por projeções populacionais. Esse pressuposto é razoável em um ambiente com poucas mudanças institucionais e tecnológicas. Entretanto, o cenário da demanda por serviços de saúde mais próximo da realidade deve combinar informações sobre projeções po-pulacionais e tendências na utilização de serviços. Dada a incerteza sobre a utilização de serviços no futuro, é fundamental que as projeções incorporem um componente estocástico.

Nesse trabalho, analisamos o impacto isolado do envelhecimento populacional na utilização de serviços hospitalares no Estado de Minas Gerais e o efeito do envelhecimento combinado com

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mudanças nas taxas de utilização de serviços hospitalares observadas na última década. O méto-do que incorpora a tendência das taxas de internação emprega tanto a abordagem determinística como a estocástica, segundo a proposta de Rodrigues (2010).

A análise das taxas de utilização de serviços hospitalares, entre 1993 e 2007, evidencia uma tendência clara de redução das internações em Minas Gerais, que acompanha a tendência observa-da para o Brasil (Gráfico 1). Em parte, essa diminuição deve-se às muobserva-danças institucionais ocorriobserva-das nesse período, como a fixação e redução gradual de quotas de autorizações de internações hospita-lares no Estado. No Brasil, o financiamento público dos serviços hospitahospita-lares utiliza como critério de distribuição dos recursos o tamanho da população. O volume de recursos repassado pelo Ministério da Saúde é definido em função de um percentual da população preestabelecido. Historicamente, o que se observou foi uma redução desse percentual no Estado de Minas Gerais. Por outro lado, de-vem também ser ressaltadas as mudanças no modelo de cuidado, que reduziram principalmente as internações sensíveis à atenção ambulatorial (PERPÉTuO; WONG, 2006).

GRáfICO 1

TAxAS DE INTERNAçãO TOTAIS PADRONIzADAS POR 100 HABITANTES ESTADO DE MINAS GERAIS E BRASIL – 1993-2007

Fonte: Ministério da Saúde. Sistema de Informações Hospitalares do Sistema único de Saúde (SIH/SuS); IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – 1993 a 2007.

A Tabela 1 apresenta a variação no número de internações hospitalares, em Minas Gerais, entre 2007 e 2050, segundo os diferentes métodos de projeção utilizados. O método da taxa fixa provê o impacto do efeito demográfico puro. Nesse caso, o envelhecimento e o volume populacional determi-nariam um aumento significativo do total de internações. Considerando-se o período de 2007 a 2050,

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o envelhecimento populacional representaria um incremento de 58% no volume total de internações. Os resultados para os métodos que incorporam a tendência de taxa da utilização de 1996 a 2007 são bastante distintos do método de taxa fixa. Nesse caso, o impacto no uso dos serviços hospitalares é praticamente compensado pela redução observada na taxa ao longo do tempo. Esse padrão de resul-tado é robusto independentemente de o método de tendência ser determinístico ou estocástico.

TABELA 1

VARIAçãO NO NúMERO DE INTERNAçõES ENTRE 2007 E 2050, SEGUNDO DIFERENTES MODELOS DE PROJEçãO

ESTADO DE MINAS GERAIS

Métodos de projeção Variação do número de internações entre 2007 e 2050 (%)

Efeito demográfico puro 58,50

Determinístico -3,60

Lee-Carter

Projeção média 4,30

Limite superior do intervalo de confiança de 95% -9,10 Limite inferior do intervalo de confiança de 95% 19,70

[Número de internações em 2007] 1.144.850

Fonte: Ministério da Saúde. Sistema de Informações Hospitalares do Sistema único de Saúde – SIH/SuS 1993 a 2007; IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 1993, 1995 a 1999, 2001 a 2007. Censo Demográfico 2000; Cedeplar e Labes/Fiocruz (2008).

Isso mostra que não se pode atribuir à demanda futura um cenário que depende, exclusi-vamente, do efeito demográfico, uma vez que este, isoladamente, não é o único responsável pela demanda por serviços de saúde. Apesar de os idosos apresentarem as maiores taxas de internação em relação aos outros grupos etários e constituírem o segmento com a maior taxa de crescimento na população, são também aqueles que têm registrado uma das maiores reduções na taxa de inter-nação entre os grupos etários. Por essa razão, o efeito demográfico sofre arrefecimento quando são consideradas as mudanças nas taxas de utilização por grupo etário.

A dinâmica da utilização de serviços é parte de um sistema complexo com vários fatores in-terdependentes. A utilização tem como elemento primário e central a necessidade pela manutenção ou melhoria do estado de saúde, sendo a necessidade dada, principalmente, por características de-mográficas e do estado de saúde. Como forma de satisfazer essa necessidade, as pessoas procuram os serviços de saúde, cujos fatores para a busca dependem, também, de aspectos socioeconômicos, culturais e institucionais, como a oferta de serviços. No caso do Brasil, é sabido que a redução obser-vada nas taxas de utilização é, em grande parte, motiobser-vada principalmente por aspectos institucio-nais do modelo de organização do cuidado do sistema público de saúde. Resta saber em que medida essa tendência é sustentável ao longo do tempo. De qualquer forma, se continuar a tendência de redução observada nos últimos 15 anos, os resultados são menos assustadores do que inicialmente se apresentavam.

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Impactos no setor de planos e seguros de saúde: seleção adversa

um fato estilizado na literatura de economia da saúde diz respeito à presença de seleção adversa em contextos de realização de seguro saúde não compulsório. Isso ocorre em situações em que o segurador, devido à presença de assimetrias informacionais, não pode discriminar os con-sumidores segundo o seu risco individual. Essas assimetrias informacionais podem ocorrer tanto pelo desconhecimento por parte da seguradora do risco dos indivíduos, como pela introdução de mecanismos institucionais (regulação, por exemplo) que podem impedir essa discriminação. Nesse contexto, a seguradora acaba por selecionar adversamente seus consumidores, ao ter que taxar os indivíduos por um risco médio associado à população. No Brasil, o sistema de saúde é misto tanto no financiamento como no provimento, sendo facultada aos indivíduos a opção de comprar plano ou seguro de saúde privado, podendo estes realizar o cuidado nos dois setores, público e privado. O setor de planos e seguros de saúde no Brasil é regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplemen-tar (ANS).

Em relação às regras de discriminação do risco para determinação do prêmio individual, somente é permitido às seguradoras discriminarem os indivíduos segundo alguns grupos etários preestabelecidos pela Agência, que atualmente correspondem a dez grupos etários. Além disso, a ANS estabelece também uma política de fixação das tarifas entre esses grupos. Segundo a legislação brasileira, qualquer plano de saúde proposto pelas operadoras deve ofertar os contratos garantindo que os prêmios cobrados dos indivíduos acima de 59 anos seja no máximo seis vezes superior ao prêmio cobrado para os indivíduos de 0 a 18 anos. O objetivo dessa regra de tarifação é implementar um subsídio entre os grupos de risco. A imposição dessa regra de precificação, aliada à maior partici-pação da população idosa nas carteiras de beneficiários de planos de saúde no Brasil, pode ampliar o problema de seleção adversa, pondo em risco a sustentabilidade financeira das operadoras de planos de saúde no Brasil.

A análise da distribuição etária da carteira de beneficiários no Brasil mostra evidências de seleção adversa no setor, uma vez que a parcela de idosos da população segurada é superior àquela observada para o total da população, nos três anos em que a Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios – PNAD apresenta informações de saúde. A participação da população idosa é próxima dos 14% em 2008, enquanto a fração de idosos na população é próxima de 11% (Tabela 2).

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TABELA 2

DISTRIBUIçãO DA POPULAçãO COM PLANO DE SAúDE PRIVADO, POR TIPO DE ADESãO, SEGUNDO GRUPOS ETáRIOS

BRASIL – 1998-2008

Em porcentagem

Grupos etários

Carteira total Adesão individual Adesão coletiva

1998 2003 2008 1998 2003 2008 1998 2003 2008 0 a 18 anos 32,85 28,41 25,71 28,35 24,15 22,79 34,98 30,91 27,01 19 a 23 anos 7,88 8,67 8,23 7,18 8,08 6,90 8,21 9,02 8,82 24 a 28 anos 7,59 8,19 8,73 6,65 8,05 7,86 8,04 8,27 9,12 29 a 33 anos 8,31 8,06 8,40 6,98 7,35 7,35 8,95 8,48 8,86 34 a 38 anos 8,75 8,16 7,91 7,96 7,4 6,92 9,12 8,6 8,36 39 a 43 anos 7,97 7,98 8,01 7,86 7,47 6,99 8,02 8,29 8,47 44 a 48 anos 6,83 7,2 7,54 7,43 7,22 7,18 6,54 7,19 7,70 49 a 53 anos 5,30 6,25 6,63 6,72 7,15 7,31 4,62 5,72 6,33 54 a 58 anos 4,06 4,68 5,24 5,68 6,03 6,74 3,29 3,89 4,56 59 anos e mais 10,46 12,4 13,60 15,19 17,1 19,96 8,23 9,63 10,77 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD 1998, 2003 e 2008.

Nesse contexto, os impactos do envelhecimento populacional no setor de seguro-saúde no Brasil podem ser importantes. A agudização do problema de seleção adversa, em decorrência da presença de mecanismos regulatórios que impedem a discriminação, pode inclusive alterar a oferta de cobertura no mercado, restringindo-a a apenas alguns grupos etários. O mecanismo regulatório proposto pela ANS visa propiciar um subsídio entre os grupos etários, permitindo que os mais idosos não sejam tão penalizados devido ao seu maior risco. A dificuldade com este tipo de mecanismo é que os indivíduos mais jovens podem não estar dispostos a realizarem esse tipo de transferência. Dependendo do tipo e adesão e/ou do tempo de permanência esperado do indivíduo na carteira, esses mecanismos podem ser sustentáveis. É o caso, por exemplo, de compra de planos por adesão familiar. Na estrutura de contrato familiar, o esquema de subsídio estaria sendo implementado den-tro do próprio domicílio – os jovens pagariam um prêmio superior ao seu risco de modo a subsidiar o prêmio dos mais idosos e garantir que a razão de prêmio preestabelecida pela Agência seja cumpri-da. Da mesma forma, no caso de o beneficiário ter expectativa de permanência por longos tempos na carteira do plano, o sistema de taxação proposto significaria apenas uma transferência intertem-poral de consumo do indivíduo jovem que aceita consumir menos hoje para garantir um consumo amanhã. No contexto de planos de adesão individual, é menos provável que o arranjo de subsídio proposto seja sustentável. A análise da Tabela 3 sugere que a fração de idosos com cobertura tem crescido mais do que a de jovens, dando indícios de ampliação do problema de seleção adversa.

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TABELA 3

POPULAçãO COM COBERTURA DE PLANO PRIVADO, POR TIPO DE ADESãO DO PLANO, SEGUNDO GRUPOS ETáRIOS

BRASIL – 1998,2003 E 2008

Em porcentagem

Grupos etários

Cobertura privada de plano

de saúde Cobertura de planos de adesão individual Cobertura de planos de adesão coletiva

1998 2003 2008 1998 2003 2008 1998 2003 2008 0 a 18 anos 20,72 19,77 20,86 6,76 7,20 6,74 15,88 14,45 16,06 19 a 23 anos 21,35 22,22 24,33 7,36 8,96 7,70 16,11 15,77 19,24 24 a 28 anos 23,77 24,11 26,34 8,07 10,36 9,05 18,30 16,81 20,51 29 a 33 anos 26,63 26,02 27,85 8,91 10,61 9,46 20,95 18,90 21,96 34 a 38 anos 29,16 27,48 28,53 10,75 11,29 9,75 22,56 20,11 22,55 39 a 43 anos 30,11 28,63 29,07 12,01 12,19 9,96 22,72 20,78 23,03 44 a 48 anos 30,35 30,02 30,19 13,23 13,73 11,29 22,07 21,25 23,38 49 a 53 anos 29,77 30,58 30,39 14,75 15,73 12,95 20,06 20,25 22,35 54 a 58 anos 28,18 29,89 29,36 14,99 16,88 14,20 17,76 18,24 20,01 59 anos e mais 27,08 29,59 23,76 14,77 17,67 16,12 16,53 17,06 18,79 Total 24,49 24,56 25,91 9,44 10,75 9,76 18,0 17,01 19,45

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio – PNAD 1998, 2003 e 2008.

Impactos no gasto pessoal

No Brasil, a participação do setor privado no financiamento da saúde é bastante elevada. Esses gastos se caracterizam, principalmente, em dois tipos: gastos com planos de saúde; e desem-bolsos diretos realizados pelas famílias para pagamento de bens e serviços de saúde. Esses últimos, em grande medida, são gastos curativos, os quais ocorrem quando os indivíduos estão em estado de doença, não podendo, portanto, ser adiados. A inelasticidade do desembolso direto com saúde observada no Brasil gera iniquidades. Na medida em que é necessário que as famílias participem diretamente do financiamento de serviços de saúde principalmente curativos, esse desembolso tem impactos muito diferenciados entre os grupos socioeconômicos, representando uma parcela bem maior da renda dos grupos mais pobres. Nesse contexto de iniquidades na distribuição do gasto fa-miliar com saúde, os impactos do envelhecimento populacional podem representar perdas de bem--estar ainda maiores para as famílias mais pobres, dado o componente de ciclo de vida. Os gastos curativos com saúde apresentam um comportamento monotônico crescente com a idade, explica-do, em grande medida, pelos gastos com medicamentos realizados diretamente pelas famílias.

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e mortalidade no Brasil

1

Rodrigo R. Soares

Melhorias significativas na saúde da população brasileira têm sido observadas no período do pós-guerra. Espera-se que essas melhorias persistam, num ritmo mais lento, pelo menos até a metade do século corrente. O Gráfico 1 ilustra essa tendência com a série de esperança de vida para a população brasileira desde 1950, juntamente com as projeções atuais até 2050. A esperança de vida do brasileiro aumentou em mais de 20 anos entre 1950 e 2010, começando em torno de 50 anos e chegando a mais de 70, e espera-se que alcance um valor próximo a 80 anos até 2050.

GRáFICO 1

ESPERANçA DE VIDA AO NASCER E PROJEçõES BRASIL – 1950-2050

Fonte: united Nations Population Division, 2008.

1 Esta nota contém um resumo das ideias principais apresentadas na sessão Impacto das Políticas Sociais e das Mudanças Demográficas na Saúde do Brasileiro: Desafios para o Sistema único de Saúde Brasileiro, do Encontro da Abep 2010. Agradeço aos participantes pelos comentários e sugestões.

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Parte dessa melhoria está associada ao crescimento econômico experimentado pelo país no período, compreendendo o milagre econômico e grande parte do seu processo de industrialização e urbanização. Mas esses avanços persistiram mesmo em momentos nos quais o país enfrentou estag-nação econômica, como no final dos anos 1980 e na década de 1990. Isso ilustra o fato de que as me-lhorias na saúde da população brasileira no período do pós-guerra não parecem ter sido derivadas exclusivamente de melhorias econômicas. uma parcela significante das reduções de mortalidade e morbidade ocorreu de modo independente de melhorias na renda e nas condições materiais de vida ao nível individual.

Nesta nota, é discutido o papel potencial das políticas sociais na determinação das mudan-ças recentes de mortalidade no Brasil. Não se pretende fazer aqui uma revisão ampla da literatura brasileira ou internacional, mas apenas apresentar algumas reflexões sobre o tema. O leitor interes-sado pode encontrar uma discussão mais aprofundada nos vários artigos disponíveis sobre o tema, como, por exemplo, Caldwell (1986), Hobcraft (1993), Palloni e Wyrick (1981), Preston (1980) e Soares (2007b). Assim, na seção a seguir, é descrito, em um pouco mais de detalhe, o padrão de ganhos de esperança de vida no país. Em seguida, discute-se o papel potencial de algumas políticas sociais de importância particular na área de saúde pública. Posteriormente apresentam-se os desafios futuros colocados por essas mudanças demográficos e, finalmente, são realizados alguns comentários finais.

A natureza da mudança na mortalidade

Como mencionado anteriormente, uma fração relevante das melhorias recentes na saúde da população brasileira parece não ter sido associada diretamente a melhorias de renda. O Gráfico 2, reproduzido de Soares (2007a), explora esse ponto em mais detalhe, apresentando dados de espe-rança de vida e renda per capita referentes a 1970 e 2000, para os municípios brasileiros, calculados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.2 O gráfico apresenta curvas logarítmicas ajustadas

à relação entre renda per capita e esperança de vida para os municípios brasileiros, em 1970 e 2000, reproduzindo nesse contexto o exercício conduzido inicialmente por Preston (1975), na comparação de renda e esperança de vida entre países.

As mudanças agregadas observadas no país durante esse período são substantivas: a renda

per capita cresce em 170%, enquanto a esperança de vida aumenta em mais de dez anos. Além disso,

o padrão das mudanças apresenta uma dimensão análoga ao que foi observado no contexto inter-nacional: existe uma dimensão de melhoria na esperança de vida entre municípios brasileiros que

2 Para propósitos de comparação, a renda per capita foi normalizada de modo que o valor observado para o Brasil em 1990 correspondesse àquele da Penn World Table 6.1, medido em dólares internacionais de 1996. A esperança de vida, por sua vez, foi normalizada de modo que a média para o Brasil naquele mesmo ano correspondesse à observada no World Development Indicators.

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não está associada a aumentos na renda per capita. Para níveis constantes de renda, a esperança de vida no período aumentou tipicamente em mais de cinco anos. Isso significa que mais de 50% dos ganhos em esperança de vida no Brasil durante esse período não foram relacionados a melhorias na renda per capita. Esse resultado é mais forte do que aquele observado entre países no mesmo perío-do, em parte em decorrência do efeito da Aids na África subsaariana.

Mas o padrão observado entre municípios brasileiros também é diferente do internacional em um aspecto importante. A relação entre renda per capita e esperança de vida é muito mais incli-nada quando comparamos diferentes países do mundo. Esse ponto é discutido em mais detalhe em Soares (2007a), mas ele sugere que existe uma dimensão de variação nos determinantes de saúde entre países que é mantida constante quando comparamos diferentes municípios do Brasil (evidên-cia semelhante é apresentada para diferentes regiões do México em García-Verdú, 2005). É também verdade que reduções em mortalidade foram muito mais homogêneas entre municípios brasileiros do que entre países do mundo.

GRáfICO 2

RENDA per capita E ESPERANçA DE VIDA MUNICíPIOS DO BRASIL – 1970-2000

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.

Essas duas observações são particularmente relevantes porque a diferença no padrão de re-dução de mortalidade entre países e dentro de um mesmo país pode revelar algo a respeito da pró-pria natureza dessas reduções em mortalidade. Mudanças que tiveram papel mais homogêneo em todo o território nacional são, portanto, candidatas naturais para explicar as melhorias em esperança de vida observadas no Brasil. Sob uma perspectiva mais geral, bens públicos associados à saúde

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po-dem estar por trás do comportamento diferenciado da relação entre renda per capita e esperança de vida entre países e dentro de um único país.

Vale ressaltar também outro fato amplamente reconhecido. Os ganhos em esperança de vida não foram devidos a reduções homogêneas na mortalidade em diferentes grupos etários. Na realida-de, a maior parte da melhoria na esperança de vida registrada até hoje decorreu de reduções na mor-talidade nos primeiros anos de vida, com um pequeno papel mais recente sendo também atribuído à mortalidade em idades mais avançadas. O Gráfico 3 ilustra o padrão recente de queda na mortalidade em três grupos etários entre 1994 e 2007: menos de um ano; entre 15 e 59 anos; e 60 anos e mais.

GRáFICO 3

TAXAS DE MORTALIDADE, POR GRUPOS ETáRIOS (1) BRASIL – 1994-2007

Fonte: Ministério da Saúde/Datasus. (1) Por mil nascidos vivos.

Mesmo com a série começando já em 1994, depois de substanciais reduções na mortalidade nos primeiros anos de vida, observa-se, ainda assim, uma redução na mortalidade infantil de aproxi-madamente 50% entre 1994 e 2007, além de certa redução também em idades mais avançadas, mas bem mais modesta, da ordem de 20% para os grupos de 15 a 59 anos e de 60 anos e mais. Vale notar que, não fosse pelo aumento da violência durante os anos 1990, uma queda bem mais significativa teria sido observada para o grupo etário entre 15 e 59 anos.

Políticas sociais

Os padrões identificados na seção anterior colocam a questão sobre quais seriam os deter-minantes das reduções de mortalidade observadas no Brasil ao longo das últimas décadas. Seriam esses fatores ainda associados majoritariamente à primeira etapa da “transição epidemiológica”,

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se-melhantes àqueles documentados na experiência anterior dos países desenvolvidos, ou haveria al-guma diferença?

uma possibilidade, por exemplo, é a expansão significativa no acesso a atenção básica e pre-venção por uma parcela crescente da população. Esse é um fenômeno recente, associado em grande parte à expansão do Programa Saúde da Família a partir de meados dos anos 1990. Mas mesmo fatores que foram importantes nos 30 anos anteriores, tais como infraestrutura de saúde pública e educação, podem ter continuado cumprindo um papel importante.

Análises sistemáticas dos estudos conduzidos nas últimas décadas, assim como novos estu-dos com metodologias empíricas robustas e comparáveis, são necessárias para que essa pergunta seja respondida de forma inteiramente confiável. Aqui, apenas são revistos alguns estudos relaciona-dos ao tema, apontando-se as conclusões sugestivas que a leitura conjunta desses resultarelaciona-dos oferece.

Soares (2007a) utiliza dados do censo e analisa reduções de mortalidade entre 1970 e 2000, tentando entender o papel da infraestrutura de saúde pública, da renda per capita e da educação na determinação das mudanças observadas. O artigo analisa dados municipais e faz uso de um pai-nel dinâmico, aplicando a estratégia sugerida por Arellano-Bond para tentar tratar, ainda que muito parcialmente, o problema de endogeneidade de algumas variáveis independentes. Os problemas empíricos típicos nesse contexto são: (i) municípios podem responder a pioras nas condições de saúde por meio de investimentos em infraestrutura de saúde pública, caso no qual as variáveis inde-pendentes seriam endógenas a mudanças na mortalidade; e (ii) municípios com melhorias em deter-minadas dimensões de política associadas à saúde podem estar experimentando avanços também em várias outras dimensões não observáveis de políticas públicas, caso no qual o efeito das variáveis independentes consideradas poderia ser sobre-estimado. A estratégia aplicada procura tratar desses problemas potenciais da melhor forma possível. Os resultados do exercício sugerem que em torno de 40% dos ganhos em esperança de vida observados entre 1970 e 2000 foram devidos a melhorias no acesso a água e saneamento e reduções na taxa de analfabetismo. Melhorias na renda per capita explicariam, adicionalmente, 35% dos ganhos registrados. Conjuntamente, os fatores considerados seriam responsáveis por quase 80% dos ganhos em esperança de vida verificados no período (outros artigos analisando temas correlatos incluem ALVES; BELuZZO, 2004; MERRICK, 1985).

Rocha e Soares (2010), por sua vez, estimam o impacto da expansão do Programa Saúde da Família (PSF) sobre mortalidade em diferentes grupos etários e por várias causas de morte. O artigo usa também dados municipais desde o início dos anos 1990 até final da década de 2000 e aplica uma estratégia de diferenças-em-diferenças, explorando o processo gradual de expansão do PSF para estimar seu impacto sobre a mortalidade. Os resultados apontam para um impacto significativo da adoção do PSF sobre a mortalidade, principalmente a infantil. Entre outras coisas, os resultados indi-cam que a expansão do PSF foi responsável por aproximadamente 65% da redução da mortalidade perinatal observada desde 1994. Numa perspectiva mais geral, o artigo sugere que a expansão do

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acesso à atenção básica, a partir dos anos 1990, pode ter sido parcialmente responsável pela intensa queda da mortalidade infantil no período (outros artigos analisando diferentes dimensões do PSF incluem AQuINO et al., 2009; MACINKO et al., 2006 e 2007).

Conjuntamente, os resultados desses e de outros estudos sugerem que uma combinação de fatores tipicamente identificados nas primeiras reduções de mortalidade no Brasil (e em outras expe-riências históricas relativas ao primeiro estágio da transição epidemiológica) e expansão no acesso a serviços de atenção básica pode estar por trás dos ganhos em esperança de vida observados nas últimas décadas.

Os Gráficos 4 a 7 mostram que a melhoria em algumas dessas dimensões desde os anos 1990 foi realmente substancial. A porcentagem de domicílios cobertos pelo Programa Saúde da Família, por exemplo, aumentou de zero no início da década de 1990 para mais de 90% já a partir de 2005. A cobertura média do programa por município foi de aproximadamente 40% da população em todo o período. Ao mesmo tempo, a população vivendo em domicílios com acesso a água potável na rede geral aumentou de menos de 70% no início dos anos 1990 para mais de 90% em 2007, enquanto a população em domicílios com instalação adequada de esgoto passou de menos de 50% para apro-ximadamente 70%. Finalmente, a população acima de 15 anos analfabeta foi reduzida de próximo a 20% para 10%.

GRáFICO 4

MUNICÍPIOS COBERTOS PELO PROGRAMA SAúDE DA FAMÍLIA BRASIL – 1993-2006

Fonte: Rocha; Soares (2010).

uma análise estatística cuidadosa é necessária para identificar o papel desses diferentes fa-tores na redução recente da mortalidade no Brasil. Mas, a título de ilustração, podemos utilizar os

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dados apresentados nos Gráficos 4 a 7 e as estimativas de efeitos obtidas a partir dos estudos citados anteriormente para sugerir as magnitudes dos efeitos que, a princípio, podem ser esperados a partir das mudanças retratadas nesses gráficos.

GRáFICO 5

POPULAçãO EM DOMICÍLIOS COM ACESSO A áGUA POTáVEL NA REDE GERAL BRASIL – 1988-2007

Fonte: Ipeadata; IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.

GRáFICO 6

POPULAçãO EM DOMICÍLIOS COM INSTALAçãO ADEqUADA DE ESGOTO BRASIL – 1988-2007

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GRáFICO 7

POPULAçãO ACIMA DE 15 ANOS ANALFABETA BRASIL – 1988-2007

Fonte: Ipeadata; IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.

Adotando esse tipo de procedimento para fazer um cálculo sugestivo do efeito dessas mu-danças observadas ao longo das últimas décadas, podemos grosseiramente atribuir um papel aos diferentes fatores e tentar decompor a redução de mortalidade entre 1995 e 2007 nos seus deter-minantes potenciais. Para facilitar a discussão, concentremo-nos na mortalidade infantil. No período em questão, foi registrada uma redução de aproximadamente 18 óbitos por mil nascidos vivos na mortalidade antes de um ano de idade. As estimativas dos estudos citados anteriormente, junta-mente com as mudanças registradas nos gráficos, sugerem que a implantação do Programa Saúde da Família teria sido responsável por 28% dessa redução, enquanto a expansão de acesso a água e saneamento e a melhoria educacional seriam responsáveis por outros 22% desse total. Ou seja, conjuntamente, a melhoria na infraestrutura de saúde pública, na educação e no acesso a serviços básicos de saúde primária teriam sido responsáveis por uma diminuição de 9 óbitos por mil nascidos vivos na mortalidade infantil, aproximadamente 50% da mudança observada entre 1995 e 2007.

Estrutura demográfica e desafios

As reduções de mortalidade observadas no Brasil ao longo das últimas décadas trazem tam-bém consigo implicações sobre a estrutura demográfica que colocam uma série de novos desafios à continuidade das melhorias na saúde da população. O decréscimo recente da mortalidade infantil, por exemplo, afeta diretamente a incidência de causas de morte e, portanto, implica que ganhos futuros na esperança de vida deverão necessariamente advir de novas frentes.

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De forma mais concreta, sabemos que a queda substantiva no número de mortes por afec-ções no período perinatal esteve em parte associada ao papel essencial do PSF. Essas foram reduafec-ções na mortalidade decorrentes da expansão inicial do programa e, dada a queda na incidência, é impro-vável que decréscimos de semelhante magnitude na mesma causa de morte continuem sendo ob-servados por muito tempo. um pouco mais indiretamente, reduções de mortalidade implicam um envelhecimento da população que, por si só, também acarreta mudanças na importância agregada de diferentes causas de morte.

GRáFICO 8

DISTRIBUIçãO DA POPULAçãO, POR GRUPOS ETáRIOS BRASIL – 1950-2050

Fonte: united Nations Population Division, 2008.

O Gráfico 8 ilustra a mudança na composição etária brasileira a partir de 1950 e também apresenta as projeções correntes até 2050. O envelhecimento populacional ao longo do período é óbvio, com a parcela da população abaixo de 14 anos sendo reduzida de mais de 40% para algo em torno de 15%, enquanto o segmento acima de 60 anos passa de 5% para 30%.

As consequências dessa mudança, em termos da importância relativa de diferentes causas de morte, já podem ser sentidas, como ilustrado com exemplos específicos no Gráfico 9, que apre-senta dois exemplos de causas de morte que têm registrado importância decrescente no total de mortes no país. Entre 1996 e 2007, os óbitos por algumas doenças infecciosas e parasitárias reduzi-ram-se de aproximadamente 6% do total para 4,5%, enquanto a mortalidade no período perinatal diminuiu de 4% do total para aproximadamente 2,5%. Ao mesmo tempo, como ilustra o Gráfico 10, neoplasias passaram de pouco mais de 11% do total de mortes em 1996 para mais de 15% em 2007, enquanto doenças nutricionais, endócrinas e metabólicas passaram de 4% do total para 6%.

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GRáFICO 9

PARTICIPAçãO DE ALGUMAS DOENçAS NO TOTAL DE MORTES BRASIL – 1996-2007

Fonte: Ministério da Saúde/Datasus.

GRáFICO 10

PARTICIPAçãO DE ALGUMAS DOENçAS NO TOTAL DE MORTES BRASIL – 1996-2007

Fonte: Ministério da Saúde/Datasus.

Comentários finais

Mudanças como as discutidas na última seção, de magnitude tão grande num período de tempo tão curto, refletem o fato de que o Brasil ainda passa por transformações demográficas

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pro-fundas. Do ponto de vista da perspectiva futura de melhorias na saúde, isso implica que ganhos adi-cionais serão muito provavelmente de natureza distinta dos ganhos observados desde o pós-guerra. Bens públicos associados à infraestrutura de saúde pública permitem ganhos em larga escala na população, sem a necessidade de melhoria imediata na renda ou condições materiais de vida dos indivíduos. Mas, uma vez exauridas as reduções em mortalidade tipicamente associadas ao primeiro estágio da transição epidemiológica, poucos ganhos adicionais podem advir dessas mesmas fontes. A partir de então, é possível que decréscimos adicionais em mortalidade – inevitavelmente em ida-des mais avançadas – passem a exigir mudanças de hábitos ou uso de novas tecnologias, ambas com custos e benefícios sendo incorridos pelos indivíduos.

O Gráfico 11 ilustra o fato de que o nível de mortalidade infantil no Brasil, apesar de ainda dis-tante daquele observado nos países desenvolvidos (OECD), tem se aproximado consistentemente des-te ao longo dos últimos 30 anos. Mas, quando considerada a mortalidade adulta (ilustrada com o caso feminino no gráfico), o gap aumenta consistentemente ao longo das últimas décadas. Isso reflete, por um lado, todas as mudanças discutidas anteriormente e o progresso observado no Brasil nas últimas décadas e, por outro, o processo já em andamento de redução de mortalidade em idades mais avan-çadas nos países desenvolvidos, que ainda não se fez sentir fortemente no Brasil. Em outras palavras, a infraestrutura de saúde pública gerou decréscimos substanciais na mortalidade, mas o escopo para ganhos adicionais vai se tornar cada vez mais limitado (para uma discussão relacionada sobre tecnolo-gias e reduções de mortalidade por causa de morte, ver VALLIN; MESLÉ, 2004).

GRáFICO 11

RAzãO ENTRE MORTALIDADE NO BRASIL E NA OECD (PAÍSES RICOS) 1960-2008

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A Tabela 1 ilustra esse ponto, apresentando a razão entre diferentes insumos de saúde no Brasil e nos países desenvolvidos (um número igual a 0,9 na tabela indica que o valor da respectiva variável no Brasil é 90% da média dos países ricos da OECD). Em dimensões como acesso a água, imunização e subnutrição, os números brasileiros não parecem tão diferentes daqueles observados nos países desenvolvidos (a despeito de uma porcentagem um pouco maior de crianças subnutri-das). A exceção em termos de infraestrutura de saúde pública diz respeito a saneamento. Nesse caso, ainda existiria espaço para melhorias consideráveis na cobertura da rede. Mas, além disso, quando olhamos para insumos de saúde mais ”sofisticados”, tais como número de médicos ou leitos hospita-lares por mil habitantes, a situação brasileira deixa muito a desejar.

TABELA 1

RAzãO DE INSUMOS DE SAúDE ENTRE BRASIL E OECD (PAÍSES RICOS) 2005-2008

água

(%pop) Subnutrição (% pop) Imunização DPT Saneamento (% pop) (1.000 hab)Médicos hospitalares Leitos (1.000 hab)

2006 2006 2008 2006 2005 2005

0,91 1,2 1,02 0,71 0,43 0,39

Fonte: Cálculos a partir de World Bank. World Development Indicators – WDI.

Tanto as mudanças no padrão de mortalidade quanto os números da Tabela 1 apontam na mesma direção. No contexto do Sistema único de Saúde, a expansão do acesso à atenção básica teve e continua a ter papel importante, principalmente no fechamento da distância entre o Brasil e os pa-íses desenvolvidos no que se refere às mortalidades infantil e materna. Mas sérias deficiências ainda persistem no que diz respeito ao acesso a esferas superiores na hierarquia do sistema de saúde (hos-pitais, leitos, tratamentos intensivos, etc.). Ao mesmo tempo, mudanças na incidência de causas de morte e na estrutura etária da população geram necessidade crescente de prover acesso a serviços de saúde mais sofisticados e custosos para uma parcela crescente da população. Esse parece ser o desafio a ser equacionado pelo Sistema único de Saúde nas décadas que estão por vir, se esperamos que aumentos na esperança de vida continuem a ser observados no futuro.

Referências

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