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TRABALHO E FAMÍLIA SOB A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

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TRABALHO E FAMÍLIA

SOB A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

Lilia Montali

1 INTRODUÇÃO

O conhecimento sobre as alterações no mercado de traba-lho e no emprego sob a reestruturação produtiva e organizacional vem se consolidando tanto na literatura especializada internacional, como na produção científica brasileira. São poucos entretanto os estudos que procuram conhecer como os impactos do proceso de reorganização das atividades produtivas afetam a relação família-trabalho e os ar-ranjos familiares de inserção no mercado de trabalho.

Esse é o tema que se propõe a tratar neste artigo, trazendo resultados de um projeto de pesquisa de mais longo prazo sobre os

anos 901. Como momento inicial de um mesmo projeto analisamos na

tese de doutoramento a relação família-trabalho na crise econômica de 1981-1983. São apresentados aqui resultados do estudo que abran-ge o período 1990 e 1994, que são os primeiros anos a partir dos quais se intensifica o proceso de reestruturação das atividades produtivas na Região Metropolitana de São Paulo e, de forma pontual, alguns resultados preliminares referentes a 1997.

1 “Projeto: Família, trabalho e condições de vida na Região Metropolitana de São Paulo: um estudo da mudança na família e na relação família-trabalho no contexto da transformação das atividades econômicas”. O estudo do período 1990-1994 foi financiado pelo CNPq, através de Bolsa Recém-Doutor e desenvolvido junto ao NEPP/UNICAMP. MONTALI, L. Trabalho e família na Região Metropolitana de São Paulo na primeira metade dos anos 90: instabilidade e reestruturação

pro-dutiva. Campinas: NEPP/UNICAMP, fev. 1988. (Relatório Final apresentado ao CNPq).

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O período estudado, 1990-1994, é de extrema relevância por possibilitar apreender aspectos das estratégias de vinculação das famílias ao mercado de trabalho sob a reestruturação produtiva. Esse processo que se inicia nos anos 80, asssume maior vulto a partir de 1990, com a abertura da economia nacional e a busca pela competiti-vidade dos produtos no âmbito internacional, impondo mudanças ao mercado de trabalho.

As conseqüências da reestruturação produtiva e organiza-cional sobre o mercado de trabalho se expressam no crescente desem-prego e no aumento da precarização do trabalho. As alterações na estruturação das famílias na Região Metropolitana de São Paulo já anunciadas nos anos 80 também se evidenciam com mais clareza nos primeiros anos da década de 90: redução na proporção das famílias compostas por casais e filhos e crescimento das famílias nucleadas por “chefes de família” sem cônjuge, quer sejam masculinos ou femininos, embora a predominância dos últimos, bem como o crescimento de domicílios unipessoais. Estes dois processos, que se interligam na relação família-trabalho, vão explicar em grande parte as possilibida-des de vinculação ao mercado de trabalho percebidas como possíveis pelas famílias com diferentes formas de estruturação dos núcleos domiciliares e em diferentes etapas do ciclo da vida familiar. As formas de vinculação dos componentes da família ao mercado de trabalho são também resultantes das relações de gênero vigentes tanto no âmbito familiar como no do mercado, que atuam restringindo as mulheres a determinadas atividades e setores e a funções que dificultam seu acesso a cargos de chefia e de direção. No processo de reordenamento das atividades produtivas as mulheres são, por um lado favorecidas com a menor redução de postos de trabalho nas atividades nas quais se concentram mas, por outro lado, sofrem restrições para desenvolver novas habilidades técnicas (Posthuma, Lombardi, 1997).

Entre 1994, último ano analisado (Montali, 1998), e 1997, ano que será analisado em etapa posterior, a reorganização das ativi-dades econômicas difundiu-se em todos os setores de atividade e se aprofundou o desemprego, fragilizaram-se as formas de contratação e cresceu o trabalho autônomo. Estas tendências associadas à continui-dade na Região Metropolitana de São Paulo da redução de postos de trabalho principalmente para os homens, suscita questões relativas aos arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho, às mudan-ças provocadas nas relações internas às famílias em decorrência dos

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novos arranjos familiares de inserção – com possíveis rupturas de relações hierarquizadas – e às condições de vida das mesmas.

A Região Metropolitana de São Paulo é um espaço privile-giado para este estudo pelo fato de ser, desde os anos 50, o principal pólo industrial do país e onde vem sendo bastante intensa a redução do emprego industrial sob a reestruturação das formas de produção e de gestão. Tanto a redução do emprego industrial, que se acentua especialmente a partir dos últimos anos da década de 80 e nos anos 90, bem como a expansão e consolidação das atividades de serviços moldam as oportunidades de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo e, também, as oportunidades diferenciadas por sexo.

A principal base empírica utilizada neste estudo é a

Pes-quisa de Condições de Vida realizada pela Fundação SEADE2 em dois

anos do início da década: 1990, caracterizado como o início de um novo período recessivo (1990-1992), e 1994, ano de recuperação econômica sob a vigência da reestruturação produtiva, ambos momentos de elevados níveis de desemprego e com indícios de empobrecimento para a população da Região.

2 REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO: MUDANÇAS NAS ATIVIDADES ECONÔMICAS E NAS OPORTUNIDADES DE TRABALHO

A Região Metropolitana de São Paulo vem passando por profundas transformações em suas atividades econômicas nos anos 80 e 90. A análise das transformações recentes nesta região metropolita-na deve levar em conta processos relaciometropolita-nados: a desconcentração in-dustrial, o desenvolvimento do terciário e a reestruturação produtiva. A Região Metropolitana de São Paulo se mantém como o principal centro industrial do país, apesar do processo de desconcen-tração industrial em curso. A partir dos anos 80, se investe de uma nova centralidade, ao concentrar atividades do terciário superior e, dentre estas as atividades de gestão, ou seja, passam a se concentrar

2 O referencial empírico para as análises foram dois levantamentos amostrais realizados pela Pesquisa de Condições de Vida na Região Metropolitana de São Paulo/SEADE, realizados em 1990 e 1994 (PVC-90 e PCV-94). A partir dos bancos de dados disponibilizados pela Fundação SEADE procedeu-se ao processamento e elaboração das variáveis.

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na Grande São Paulo as sedes das principais empresas industriais e financeiras sediadas no Brasil3. No bojo desse processo reduzem-se os empregos industriais e crescem os empregos no terciário.

As transformações recentes vão no sentido de apontar uma nova centralidade, na qual a Grande São Paulo se consolida como metrópole nacional, assumindo papéis de cidade mundial (Cordeiro, 1993; Bogus, Montali, 1994; Véras, 1996). Somando-se ao inegável peso de seu parque industrial no âmbito nacional, apesar da redução relativa de sua importância, consolida-se o terciário nesta região, sediando um conjunto de atividades altamente sofisticadas, diversifi-cando seu aparato de serviços e concentrando em seu território parte significativa das transformações mais dinâmicas do terciário (Araujo, 1992). Crescem as atividades terciárias como conseqüência de a Região Metropolitana de São Paulo ter se tornado o centro financeiro e de gestão empresarial do país, da diferenciação do consumo de segmentos de rendas médias e altas, da diversificação das estruturas de comércio tanto atacadista como varejista, marcada por processo crescente de modernização. Crescem também como conseqüência das transforma-ções na própria indústria: a reestruturação parcial de setores indus-triais mais tradicionais e a implantação de segmentos mais modernos como a microeletrônica, aeronáutica, química, ao propiciarem ocupa-ções mais qualificadas na indústria, impulsionam o setor terciário, exigindo sua ampliação e modernização (Cano, Semeghini, 1991); a reestruturação produtiva ao terceirizar e subcontratar atividades desenvolvidas em áreas de apoio e em áreas produtivas também impulsiona o crescimento e a diversificação dos serviços.

A reorganização produtiva no Brasil apontada por vários estudos de caso inicialmente (durante os anos 80) como inovações tecnológicas, com distintas fases, acelera-se a partir do final dos anos 80, com mudanças organizacionais mais profundas (Pires, 1994; Lo-pes, 1994; Matesco, 1995) e manifesta-se desde esse momento na Região Metropolitana de São Paulo. A flexibilização da produção tem sido acompanhada por terceirização e subcontratação da produção e de serviços, resultando na criação concomitante de setores informais modernos.

3 Dentre os estudos que apontam estes processos podem ser mencionados Araujo, 1992; Cordeiro, 1993; Pacheco, 1993; Bogus, Montali, 1994; Cano, Semeguini, 1991; EMPLASA, 1994.

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“Os programas de racionalização adotados pe-las empresas, denominados de maneira acríti-ca como produção enxuta, provoacríti-cam a desver-ticalização das grandes plantas com externali-zação de parte de suas atividades, tornando-as importantes subcontatantes de produção, força de trabalho e serviços. Reduzem sua responsa-bilidade no processo produtivo, sem diminuir o volume de bens e serviços que ofertam nos mercados em que atuam” (Dedeca, Baltar, 1997, p. 12).

Em decorrência, sob a reestruturação produtiva, são esta-belecidas novas relações entre os segmentos organizado e não organi-zado. As atividades informais tornam-se um elemento importante na lógica de produção do setor moderno. Além de seu conhecido papel de receber trabalhadores em momentos de crise ou ajuste econômico, que também desempenham ao absorver trabalhadores demitidos no pro-cesso de racionalização produtiva, as atividades informais são incor-poradas ao seu ciclo produtivo (Dedeca, Baltar, 1997, p. 12). A informalização passa a crescer rapidamente e, através do crescimento dos pequenos negócios se estabelece uma rede de produtores e de prestadores de serviços organizada sob relações de trabalho fortemen-te precárias (Dedeca, Baltar, 1997, p. 12).

Internamente às empresas, esse processo que reduz cus-tos, tarefas, fornecedores e mão-de-obra excedente, atendendo aos requisitos da produção flexível, requer um novo perfil de trabalhador mais qualificado, com novos saberes e capacidades individuais. Na indústria, a reorganização das estruturas ocupacionais e salariais passa pela redução dos níveis hierárquicos, produzindo demissões nas gerências, nos escalões intermediários e também nos operários de produção (Pires, 1994). Também nos serviços a reestruturação se processa, merecendo destaque o setor financeiro onde se opera a automatização e a reestruturação das formas de gestão do trabalho e dos serviços oferecidos. Neste setor acentua-se a redução do emprego, sem reversão a partir de 1990 (DIEESE, 1993; SEADE, 1994b; Folha de São Paulo, 15 fev. 1998). No entanto, são os serviços que mantém o nível de emprego na Região Metropolitana de São Paulo nos anos 90 (PED) e, já entre 1980 e 1989, foram os serviços os responsáveis por 90% das novas ocupações na região (Pacheco, 1992).

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Análises recentes indicam entretanto o arrefecimento na capacidade dos serviços de gerarem emprego na Região Metropolitana de São Paulo. Segundo dados do acompanhamento mensal da Pesquisa de Emprego e Desemprego – SEADE/DIEESE, a partir de agosto de 1997 as atividades ligadas aos serviços não estão mais gerando empre-gos em número suficiente para compensar as reduções no emprego industrial (SEADE, Home Page, 1997; Folha de São Paulo, 1 jan. 1998).

A reestruturação produtiva que se instala com maior in-tensidade nos anos 90, anuncia alterações no patamar de desemprego nesta região. Na seqüência da racionalização das atividades como forma de sobrevivência à recessão do início da década (1990-1992), na qual os diferentes setores implementaram mecanismos conhecidos (demissões e contratacões mais frágeis), os produtores de bens e serviços, frente à ameaça de perda de competitividade interna e externa – colocadas pelas alterações na política econômica e abertura da economia ao comércio internacional –, foram induzidos à moder-nizar suas atividades de forma acelerada. A modernização, com as implicações nas formas de utilização da mão-de-obra, já mencionadas, resultaram do ponto de vista do emprego, menor dinamismo na geração de postos de trabalho e em especial do emprego industrial (SEADE, 1994a). Dessa maneira, apesar da recuperação econômica que se deu partir de 1993 até 1995, diferentemente do que ocorreu na recuperação dos anos 80, não houve redução da taxa de desemprego ao nível prévio à recessão e nem ocorreu elevação do emprego formal (Baltar, 1996). Os dados recentes relativos a 1997 confirmam a manu-tenção das duas tendências apontadas por Baltar.

A partir de 1989, momento que marca a intensificação da reestruturação da produção e das formas de gestão do trabalho nesta Região Metropolitana tanto na indústria como nos serviços cai pro-gressivamente a participação da indústria na composição do nível de emprego regional: de 33% em 1989, chega a 23% em dezembro de 1996 e a 20% em dezembro de 1997. Em contraposição, a participação do emprego nos serviços cresceu de 41,3% para 48,8% entre 1989 e 1996 e atinge 50,8% em dezembro de 1997. Incluindo-se os empregos do comércio (14,8% em 1989 e cerca de 17% em 1996 e 1997), o conjunto dos empregos do setor serviços representam 56,1% dos postos de trabalho em 1989, 65,8% em dezembro de 1996 e 68,2% em dezembro de 1997 (SEADE, 1997, Home Page; Folha de São Paulo, 19/12/96).

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Esse movimento de redução do emprego industrial e au-mento do emprego em serviços não representa entretanto apenas uma “migração” entre os setores, implica em uma alteração na qualidade do emprego. O emprego com registro em carteira de trabalho que predomina na indústria, vai sendo substituído por ocupações autôno-mas ou temporárias caracterizadas por maior instabilidade. “Boa parte das pessoas que perdem o emprego na indústria tiveram uma inserção precária no mercado de trabalho no setor serviços”, afirma Pedro Paulo Martoni Branco, Diretor Executivo da Fundação SEADE (Folha de São Paulo, 19 dez. 1996).

Indicações consistentes desse processo são explicitadas por estudo feito pela Pesquisa de Emprego e Desemprego – SEADE no ano de 1996 com trabalhadores que, nos anos 90, tiveram como sua última experiência de trabalho o ramo industrial metal-mecânico. Este ramo industrial de grande importância na Região Metropolitana de São Paulo, empregava em dezembro de 1989 14,4% dos ocupados da região e, em outubro de 1996, 8,3%, tendo perdido nesse período cerca de 350 mil postos de trabalho em sua maioria ocupados por trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Em 1996 esse ramo industrial empregava cerca de 600 mil pessoas (SEADE, 1997, Home Page. Press Release PED, nov. 1996). Dentre as pessoas cuja última ou atual experiência de trabalho deu-se nesse ramo de atividade, 15,6% esta-vam desempregadas – em sua maioria em desemprego aberto –, 15,5% estavam em inatividade – das quais apenas um terço por aposentado-ria. Dos atualmente ocupados 49,4% inseriu-se no setor serviços – 34,2% nas atividades de serviços e 15,2% no comércio –; 45,5% perma-neceram na indústria de transformação – 31,7% no ramo metal-mecâ-nico e 13,8% em outros ramos industriais. A vinculação dos ocupados com o mercado também mudou, pois apenas metade deles (51,6%) possuía carteira de trabalho. Os demais inseriram-se em atividades no mercado de trabalho como autônomos (22,3%), dois terços dos quais trabalhando para o público, como assalariados sem carteira de trabalho assinada (12%) e uma minoria como empregadores (6,3%) (Idem).

As transformações nas atividades econômicas que ocorrem na Região Metropolitana de São Paulo ao afetarem as possibilidades de inserção no mercado de trabalho afetam também as condições de vida das famílias. Nesse sentido, algumas das tendências verificadas nos anos 90 merecem destaque além da alteração do patamar de

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desemprego, já mencionado. São o empobrecimento da população metropolitana, a precarização das relações de trabalho e, indicando transformações no mercado de trabalho aliadas às transformações na família e na relação família e trabalho, o crescimento da participação da mulher na força de trabalho, que será tratado nos ítens seguintes. O empobrecimento da população na Grande São Paulo é visível através da tendência de queda no rendimento real dos ocupa-dos, com pequenas oscilações, demonstrado pelas séries da PED entre 1989 e 1996. Como exemplo da queda do rendimento médio dos ocupados pode-se mencionar o referente ao ano de 1994, que repre-senta 63,6% dos rendimentos médios auferidos em 1989, bem como o rendimento médio dos ocupados de 1995 e 1996, que representam 62,1% e 60,9%, respectivamente, em relação a 1989 (SEADE, 1997, Home Page).

A apresentação dos primeiros resultados comparativos da Pesquisa de Condições de Vida (SEADE, 1995) também evidencia o empobrecimento tanto através do rendimento dos ocupados, como através da renda familiar per capita. Entre 1990 e 1994 cresce a proporção de ocupados que recebem até 3 salários mínimos e a renda familiar per capita sofreu uma redução da ordem de 11,6% para o total da famílias, sendo mais intensa entre os grupos mais pobres. Outro indicador relevante apresentado pela referida pesquisa, é o aumento, entre esses quatro anos, na proporção de famílias abaixo da linha de pobreza. Isto significa dizer que cresce, entre 1990 e 1994, a proporção de famílias que não dispõem de rendimentos per capita suficientes

para suprir suas despesas com bens e serviços4. Em 1990 39% das

famílias da Região Metropolitana de São Paulo estavam abaixo da linha de pobreza e, em 1994, 47,3% delas (Brandão, Jannuzzi, 1995). A precarização das relações de trabalho na Região Metro-politana de São Paulo nos anos 90 se manifesta através de transfor-mação das vinculações ao mercado de trabalho. A redução do assa-lariamento é um dos aspectos da precarização. Os assalariados que eram 72% dos ocupados na Grande São Paulo em 1989, momento

4 A linha de pobreza adotada pela Pesquisa de Condições de Vida – SEADE “equivale ao montante necessário para atender a estrutura de despesas de famílias com rendimento entre um e três salários mínimos, calculada pela Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego na RMSP, realizada pelo DIEESE entre 1982 e 1983” Brandão, Jannuzzi, 1995.

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inicial da reorganização produtiva e 71,6% em 1990, reduzem-se progressivamente nos anos seguintes, chegando a 65,8% dos ocupados em 1994 e 62,8% em 1996 (SEADE, 1997, Home Page). Concomitan-temente, crescem as inserções como autônomos – tanto dos que trabalham para empresa, como dos que trabalham para o público –, passando de 15,6% dos ocupados em 1989, para 16,1% em 1990, 18,4% em 1994 e 19,8% em 1996 (SEADE, 1997, Home Page). Esta forma de inserção que envolve uma multiplicidade de profissionais e de qualifi-cação, nem sempre garante boas condições de remuneração, de esta-bilidade, nem a vinculação à previdência.

Outro indicador da precarização das relações de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo, evidenciando a redução do emprego assalariado protegido, é a redução na proporção dos assala-riados com registro em carteira de trabalho. Os assalaassala-riados do setor privado com carteira assinada eram 29,6% da PIA (População em Idade Ativa) em 1989, 28,6% em 1990, 23,6% em 1994 e 1995 e 22,3% em 1996 (SEADE, 1997, Home Page). Este indicador está refletindo mais pesadamente a redução do assalariamento com registro em carteira observado na indústria da Região Metropolitana de São Paulo, na medida em que nesse setor é mais acentuada a queda na proporção de assalariados com carteira de trabalho (estes eram 15% da PIA em 1989, 13,9% em 1990, 12,2% em 1991, 10,0% em 1994 e 8,6% em 1996). No comércio e nos serviços a proporção dos assalariados com carteira, permanece semelhante nesse período.

Somando-se a proporção de assalariados do setor privado com registro em carteira de trabalho e os assalariados do setor público, estes totalizavam 35,1% da PIA em 1989 e 27,1 em 1996. Estes números revelam uma redução percentual de 22,7% nos empregos assalariados regulamentados na Região Metropolitana de São Paulo. Para demonstrar o aumento da informalidade das ocupa-ções que vem desde os anos 80, embora se acentue nos últimos anos, a Pesquisa de Emprego e Desemprego mostra que nos 13 anos de pesquisa (desde 1985) o total de assalariados sem carteira assinada cresceu 97%, os autônomos cresceram 84% e os assalariados do setor privado com carteira assinada aumentaram em apenas 6% (Folha de São Paulo, 25/6/97).

O aumento do desemprego, a queda no emprego formal e o aumento das ocupações informais indicam deterioração das

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condi-ções de inserção no mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo nos anos 90. Tais fatos têm contribuído para a queda dos rendimentos do trabalho, indicado nesta seção. As conseqüências dessas alterações nas possibilidades de inserção no mercado de traba-lho para as condições de vida das famílias são graves, pois, como se sabe, a renda advinda do trabalho dos componentes das famílias é responsável por cerca de 80% do rendimento familiar (Brandão, Jan-nuzzi, 1995).

Mudança no patamar de desemprego, redução dos rendi-mentos médios e precarização das relações de trabalho, são algumas das conseqüências sociais da reestruturação econômica nos países centrais (Lopes, 1994). Encontramos indicações desse processo ope-rando na Região Metropolitana de São Paulo. No entanto estas ten-dências devem ser estudadas com cautela, como recomenda Lopes, pois em sua análise deve-se considerar as características de uma economia periférica onde convivem o desemprego estrutural e o novo desemprego, o “setor informal tradicional” e o “setor informal moder-no”, a pobreza estrutural e os “novos” pobres.

3 TENDÊNCIAS DA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO: OS EFEITOS DIFERENCIADOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

SOBRE O EMPREGO POR SEXO

Muitas análises estão trazendo elementos que reforçam as indicações de que

“a crise do modelo de trabalho estável atinge muito mais o modelo de trabalho masculino, uma vez que o feminino, além de crescer com maior velocidade, tradicionalmente apresenta heterogeneidade e flexibilidade maiores... si-tuação que já se manifesta com clareza na Região Metropolitana de São Paulo” (Branco, 1997).

Essa afirmação indica dois problemas vigentes na Região Metropoli-tana de São Paulo nos anos 90: evidencia por um lado a deterioração das condições do trabalho masculino e, por outro, a maior precariedade

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que marca o crescimento da incorporação do trabalho feminino, que ocorre com mais intensidade nos anos 80 e 90, caracterizados pela instabilidade, baixo ritmo de crescimento da economia e, especialmen-te, pela menor geração de empregos de qualidade.

Análise de âmbito nacional apontando mudanças na estru-tura do emprego regulamentado e no perfil dos desempregados reforça a interpretação acima ao revelar que, entre 1986 e 1995, o desemprego cresceu mais, relativamente, para pessoas com menor escolaridade, com mais de 40 anos, para homens, para chefes de família, para não brancos e para os que procuravam reemprego. Por outro lado, foi menos grave para pessoas com maior grau de escolaridade, com menos de 40 anos, para a mulher, para os não chefes de família, para os que procuravam seu primeiro emprego (Pochmann, 1997). Outro aspecto ressaltado tanto por esse estudo que trata do emprego regulamentado em âmbito nacional, como por estudos sobre a Região Metropolitana de São Paulo (Alves, Soares, 1996; Brandão, Montagner 1996), é a redução das oportunidades de emprego para os mais jovens.

Completando esse novo perfil de absorção apresentado pelo mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo Brandão e Montagner (1996) mostram para a primeira metade dos anos 90 acentuada queda na taxa de ocupação masculina, ao mesmo tempo em que se mantêm as taxas de ocupação femininas. Dessa maneira, as indicações são de que o processo de reestruturação produ-tiva intensificado a partir de 1990 tem afetado com mais ênfase os postos de trabalho masculinos.

O crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho – fenômeno relevante para se estudar as transformações na família e na relação família e trabalho – é uma tendência desde o final dos anos 70 e vem se acentuando nas décadas de 80 e 90, apesar de ambas terem sido caracterizadas pelas baixas taxas de crescimento econômico com alguns períodos de recuperação.

A participação feminina na população economicamente ativa se insere numa tendência internacional, que se manifesta tanto em países desenvolvidos como em países da América Latina desde a década de 70 e tem se mantido crescente nos períodos de recessão, como nos de expansão da economia (Posthuma, Lombardi, 1997). A taxa de atividade das mulheres no mundo desenvolvido experimentou forte progressão, passando de 38% em 1970 para 52% em 1990;

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atualmente, as mulheres representam cerca de 44% da população

econômicamente ativa (Hirata, Salariat, 19975). Na América Latina

as mulheres representavam 21,1% da PEA em 1970, passaram a 25,3% em 1980 e a 28,1% em 1990 (Valdés, Gomáriz, 1995, apud Abramo, 1997).

No Brasil o crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho intensifica-se desde o final dos anos 70. Pode-se mesmo dizer que no Brasil nos últimos 20 anos assiste-se a uma profunda mudança no padrão de emprego: em 1970, as mulheres compunham 20,4% da PEA, 27,5% em 1980 e 35,5% em 1991, tendo por referência os dados censais (Montali, 1995). Sua participação cresce em todos os setores de atividade. Na indústria sua participação é relativamente menor, porém tem experimentado crescimento [20% do setor em 1970, 23% em 1980 e 27,3% em 1990 (Abramo, 1997)].

Na Região Metropolitana de São Paulo, a participação da mulher no mercado de trabalho acentua-se a partir da década de 80:

de 36,5% da PEA em 1981 (PPVE) e 38,5% em 1983 (PPVE)6, passa

a ser em 1991 40,6%. Em 1996 as mulheres representam 42,6% (PED) das pessoas disponíveis para o mercado7. Cresce também sua presença entre os ocupados da RMSP. As mulheres são 34,6% dos ocupados em 1981 (PPVE), 37% em 1983 (PPVE) e em 1985 (PED), chegando a 40% em 1991 e 41,5% em 1996 e 41,6% em 1997 (SEADE, 1998, Home Page).

Revelando uma nova tendência, acentua-se na RMSP a partir da década de 80 a proporção de mulheres casadas disponíveis para o mercado: 35% em 1981/83, (PPVE) e 39,5% entre 1985 e 1990. Nos anos 90 é maior a intensidade desse crescimento, pois em 1991 42,7% das mulheres casadas estão no mercado de trabalho, 44,0% delas em 1994 e 48,5% em 1996 (SEADE, 1997, Home Page).

Estudos sobre a América Latina mostram que nos anos recentes essa tendência é comum a muitos países (Oliveira, Ariza, 1997). Nos países desenvolvidos também ocorre e, cada vez mais, as

5 Hirata, 1997, apresentando dados de PNUD (1997) Rapport mondial sur le développment humain. Paris, Economica.

6 PPVE. Pesquisa de Padrão de Vida e Emprego. DIEESE, realizada em 1981 e 1983, apud Montali, 1995.

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mulheres continuam ativas mesmo com o nascimento dos filhos (Hi-rata, 1996; Posthuma, Lombardi, 1997).

Uma outra tendência observada na Região Metropolitana de São Paulo e que também é comum a outros países tanto da Europa, como da América Latina nas últimas décadas e mais especialmente nos anos 90, refere-se ao crescimento tendencial apresentado pela taxa de participação feminina, ao mesmo tempo em que a taxa masculina apresenta tendência de queda (Posthuma, Lombardi, 1997; Hirata, Salariat, 1997; Abramo, 1997).

“Nota-se uma diferença entre a natureza da participação dos homens e das mulheres na maioria dos países do mundo: a taxa feminina da força de trabalho aumentou tanto durante períodos de prosperidade como nos de recessão, enquanto a participação masculina tem decres-cido” (Posthuma, Lombardi, 1997).

Com referência à Região Metropolitana de São Paulo, as análises dos primeiros resultados da Pesquisa de Condições de Vida (PCV) indicam entre 1990 e 1994 que a ampliação da taxa de participação regional de 59% da PIA para 61,4%, “é explicada pela acentuada amplia-ção da taxa de participaamplia-ção feminina, pois a masculina decresceu entre 1990 e 1994” (SEADE, 1995, p. 78). A taxa de participação feminina passou de 43% em 1990 para 48,7% em 1994, enquanto a taxa de participação masculina, que é mais elevada, sofreu redução, passando de 76,2% em 1990 para 75,2% em 1994 (SEADE, 1995, p. 78).

Nos anos recentes se mantém a direção dessas duas ten-dências nesta Região Metropolitana, acentuando-se sua progressão. A Análise Anual da Pesquisa de Emprego e Desemprego referente ao ano de 1996 (SEADE, 1997, Home Page) mostra que a taxa de participação da região aumentou de 61,1% para 61,8% entre 1995 e 1996 em decorrência da entrada de 239.000 pessoas no mercado de trabalho “predominantemente mulheres”. Dessa maneira, a taxa de participa-ção feminina cresceu de 48,8% em 1995 para 50,2% em 1996, enquanto a taxa masculina permaneceu estável em 74,5%, em “seu mais baixo patamar nesta década” (SEADE, 1997, Home Page).

Apesar do crescimento da taxa de participação feminina Brandão e Montagner (1996) – tendo por base dados da Pesquisa de

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Emprego e Desemprego – SEADE – mostram que as taxas de ocupação para a mulher se mantiveram semelhantes, em torno de 40% entre 1990 e 1995, num período de elevadas taxas de participação da mulher no mercado de trabalho. Constata-se dessa maneira uma contínua absorção da mulher pelo mercado de trabalho, embora as autoras afirmem que não tenha havido ampliação nas oportunidades de em-prego feminino na Região Metropolitana de São Paulo. A análise das curvas de evolução das taxas de participação e de ocupação das pessoas em idades ativas da Região Metropolitana de São Paulo apresentadas pelas autoras deixa bastante claro que a queda nas taxas de ocupação ocorridas a partir de 1990 nessa região é resultado, principalmente, da redução das oportunidades de trabalho para os homens. Enfatizam em suas análises que, embora tenha crescido para ambos os sexos a parcela das pessoas em idade ativa desempregadas a partir de 1991, são distintos os determinantes básicos desemprego masculino é expli-cado pela menor disponibilidade de postos de trabalho na Região Metropolitana, sendo o crescimento do desemprego feminino explica-do pela maior oferta de mão-de-obra.

A redução do emprego masculino na reestruturação das atividades econômicas na Região Metropolitana de São Paulo e a preservação do emprego feminino guardam relação com a divisão sexual do trabalho. Existe uma “sexualização” das ocupações, ou seja, existem funções e setores de atividade que concentram diferencial-mente homens e mulheres (Bruschini, 1994). A divisão sexual do trabalho opera tanto na família como no mercado de trabalho através de conteúdos históricos e culturais. A mesma lógica da divisão sexual do trabalho atribuindo aos homens como às mulheres seus lugares respectivos na família e na produção atua conjuntamente nas duas esferas (Barrèrre-Maurisson, 1992). São os conceitos da divisão sexual do trabalho e das relações de gênero que possibilitam explicar os modos diferenciados de inserção de homens e mulheres no sistema produtivo, bem como as formas de gestão da força de trabalho também diferenciadas por sexo, que nos auxiliam a entender os efeitos diferen-ciados da reorganização das atividades econômicas sobre o emprego masculino e feminino. No setor industrial, o mais atingido nesse processo, é relativamente pequena a participação feminina, da ordem de 27% dos ocupados. Por outro lado, nesse setor de atividade é muito pequeno o número de mulheres que ocupam cargos de chefia, um dos mais afetados com a redução das hierarquias nas empresas. Dessa maneira, as duas formas de segregação (segregação horizontal e

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segre-gação vertical8 que operam no mercado de trabalho em relação ao trabalho feminino têm, neste momento, atuado no sentido de possibi-litar uma menor redução das oportunidades de trabalho para as mulheres. Na inovação de processos, com a introdução de novos equipamentos, motivo de substituição ou eliminação de homens, so-bretudo os muito qualificados, a mulher não é afetada porque, rara-mente ela opera máquinas. A adoção de novas formas de gestão da produção, por sua vez, afeta de forma semelhante homens e mulheres muito qualificados (Matesco, 1995; Lavinas, Matesco, 1996).

Dessa maneira, a divisão sexual do trabalho que opera na indústria e tem sido objeto de muitos estudos (Lobo, 1991) denunciando a desigualdade entre homens e mulheres – as distintas oportunidades de treinamento e de acesso a chefias – tem, nesta etapa da reorganização das atividades econômicas, possibilitado a redução menos drástica das atividades femininas no mercado de trabalho; favorece, entretanto, que ocorra maior precarização nas ocupações das mulheres.

O setor de serviços, que absorve a maior parte das mulhe-res ocupadas em países desenvolvidos e em países não desenvolvidos, também nesta Região concentra grande parte da força de trabalho feminina. Este setor tem continuado a oferecer oportunidades de trabalho, apesar de alguns de seus ramos também passarem por reestruturação, tais como os serviços financeiros e o comércio. As mulheres estão concentradas, portanto, em um setor com relativa expansão de oportunidades de trabalho. No entanto, no setor terciário, considerando-se sua diversidade, são maiores as possibilidades de vinculações precárias ao mercado de trabalho e esse fato, por sua vez, afeta as possibilidades de inserção da mulher e o acesso a empregos de qualidade.

8 Dentre os vários tipos de exclusão que caracterizam o trabalho feminino, como apontado por muitos estudos internacionais, a segregação horizontal consiste na “segregação ocupacional e setorial em alguns setores econômicos (no terciário e nas indústrias mais tradicionais como de alimentação, têxtil e vestuário) e em determinados grupos de ocupações (especialmente administrativas, da saúde e da educação)” (Posthuma, Lombardi, 1997, p. 130). A segregação vertical por sua vez, refere-se às “pequenas chances que a mulher tem de ascender profissional-mente, assumindo maiores responsabilidades e qualificações especializadas e, como conseqüência, auferindo maiores ganhos. Mesmo quando homens e mulhe-res trabalham em níveis hierárquicos iguais, os rendimentos femininos são em geral significativamente inferiores” (Posthuma, Lombardi, 1997, p. 130).

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Análise possível com base em informações disponibilizadas

pela PED9, mostra em 1996 uma maior semelhança entre homens e

mulheres nas proporções de inserção regulamentada e não regulamen-tada e evidencia que o perfil ocupacional na Grande São Paulo em 1996, que

“resulta de uma evolução regional nos anos 90, embora não tenha eliminado a maior fragili-dade estrutural da inserção das mulheres na força de trabalho, tornou os homens mais se-melhantes à destas últimas” (SEADE, Home Page, 1997. Estudo Especial10, p. 1).

No entanto, além da maior fragilização das inserções mas-culinas no mercado de trabalho e apesar das semelhanças aparentes, permanecem vigentes a segregação horizontal e a segregação vertical, referidas anteriormente, restringindo a participação das mulheres a determinados setores e ramos de atividade e a funções definidas, tendo por referência atributos de gênero e representações acerca destes. O resultado dessas formas de segregação, caracterizando o que

Posthu-ma e Lombardi (1997) denominam de “inserção incluída”11, são as

remunerações para as mulheres, mais baixas que as masculinas,

9 No ano de 1996, 38,3% das mulheres ocupadas estavam inseridas em ocupações precárias (assalariadas, sem carteira assinada e autônomas: 25,8%; empregadas domésticas sem carteira de trabalho e diaristas: 13%) e 35,4% dos homens (assalariados, sem carteira assinada e autônomos: 35%; empregados domésticos sem carteira de trabalho e diaristas: 0,4%). Comparando-se com os valores observados em 1989 verifica-se que apesar das maiores proporções de mulheres em inserções precárias que os homens, tanto em 1989 (34,2%), como em 1996 (38,3%), foi menor a intensidade do crescimento de inserções precárias no período para as mulheres (de 12%), do que para os homens (de 36%). Dentre os homens ocupados, estavam em inserções precárias 26% em 1989 e 35,4% em 1996, com base nos dados da PED (SEADE, Home Page, 1997).

10 SEADE, Home Page, 1997. Estudo Especial. ”A maior inserção das mulheres em postos não regulamentados”, p. 1.

11 As autoras, utilizando como referências Gore (1995, p. 95) e Rogers (1995, p. 45), definem quatro formas de exclusão social em relação ao mercado de trabalho: desemprego aberto; formas precárias de inserção no mercado de trabalho; formas de trabalho não remunerado; e exclusão das oportunidades para desenvolver novas habilidades. As três últimas formas, que comumente envolvem o trabalho feminino, “poderiam constituir-se em uma espécie de ‘inserção incluída” (Posthu-ma, Lombardi, 1997, p. 125).

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apontadas pelo estudo especial da Fundação SEADE citado anterior-mente que expressam para a Região Metropolitana de São Paulo um fato que vem sendo registrado pela literatura especializada tanto para o Brasil, como para a maior parte dos países do mundo, incluindo-se nestes os desenvolvidos.

As tendências de absorção pelo mercado de trabalho aqui apresentadas sinalizam profundas modificações nas formas de inser-ção no mercado na Região Metropolitana de São Paulo e se refletem nos arranjos familiares para garantir a sobrevivência. A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho é um fato impor-tante na alteração dos arranjos familares de inserção percebidos como possíveis para as famílias. Nesse sentido, dois aspectos devem ser considerados na análise do crescimento da participação da mulher em atividades remuneradas: por um lado a seletividade do mercado tendo por base um novo padrão de absorção da força de trabalho tem possibilitado a manutenção e o crescimento da participação da mulher; por outro, alterações nos valores em relação ao papel da mulher na sociedade e alterações na estruturação dos núcleos domésticos têm aumentado a disponibilidade da mulher, em todas as idades e posições na família para o trabalho remunerado.

Nesse contexto, a análise da inserção no mercado de tra-balho considerando o gênero e a posição na família, que é a proposta deste estudo, possibilita perceber de que maneira o grupo familiar doméstico responde ao novo padrão de incorporação da força de trabalho, quais os reflexos da seletividade do mercado de trabalho nos rearranjos de inserção internos à família e quais as conseqüências disso na divisão sexual do trabalho na família, nas transformações das relações hierarquizadas de gênero e nas condições de vida.

4 TENDÊNCIAS DA INSERÇÃO DOS COMPONENTES DA FAMÍLIA NO MERCADO DE TRABALHO

NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO NOS ANOS 90

O comportamento da inserção no mercado de trabalho, considerando-se a posição na família, guarda relação com a divisão sexual do trabalho que opera conjuntamente na família e no mercado e com as relações de gênero que a fundamentam.

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A disponibilidade dos diferentes componentes da família para o mercado de trabalho é diferenciada, pois ao expressar a posição na família, expressa relações de hierarquia, relações de gênero e atribuições que tecem as relações familiares e que definem as possibi-lidades de inserção em atividades remuneradas. Por outro lado, é afetada pelo padrão de absorção da força de trabalho pelo mercado, que define as possibilidades de emprego desses componentes. Como resultado da disponibilidade diferenciada dos componentes da família oriunda de suas relações internas e das restrições e possibilidades de inserção no mercado de trabalho que têm atuado também de forma diferenciada para cada um deles no período analisado (1981-1997), são observadas as alterações relativas ao peso dos componentes entre os ocupados da família.

O momento de crise entre 1981 e 1983, mostrou-se um momento importante para se estudar modificações na relação família e trabalho, especialmente quando analisada através da tipologia cons-truída que tem por referência o ciclo vital das famílias (Montali, 1995). As análises da mobilização dos componentes da família nesse momen-to de crise mostraram a importância da mobilização dos filhos e especialmente das filhas e, também da mobilização da cônjuge, com maior ênfase em determinados tipos de família.

Estudos sobre a década de 80, inclusive o mencionado acima, mostram o crescimento da participação dos componentes da família no mercado de trabalho além do chefe. Estudos do IBGE (1995) mostram que na década de 80 cresce no país, o número de componentes da família que trabalham, reduzindo-se assim a proporção de famílias em que apenas uma pessoa trabalha, de 46,8% em 1981 para 42,4% em 1989. Cresce, por outro lado, o percentual daquelas onde duas ou mais pessoas trabalham, passando de 44,3% das famílias em 1981, para 48,5% em 1989.

No bojo desse processo, constata-se nas regiões metropoli-tanas do país, e com maior intensidade naquelas do Sudeste, o cresci-mento entre 1978 e 1986 das taxas de participação da família na força de trabalho, em função do aumento da participação da mulher-cônjuge e dos filhos (Jatobá, 1990).

Assim, os estudos sobre a década de 80 apontavam para a tendência de redução do peso do chefe entre os ocupados da família e de crescimento da importância dos demais componentes da família.

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No entanto, nos anos 90 altera-se essa tendência. Anali-sando-se a tendência a partir dos dados agregados relativos à Região Metropolitana de São Paulo nota-se o estabelecimento de um outro padrão, onde a participação dos chefes de família se mantém em torno de pouco mais que a metade dos ocupados da família (46%) e cai progressivamente a participação dos filhos, mais especialmente a partir de 1992. Configurando um fato novo, cresce progressivamente a participação da cônjuge entre os ocupados da família (Tabela 1).

O peso da participação da mulher-cônjuge entre os ocupa-dos da família apresenta tênue tendência de crescimento entre 1981 e 1985, passando de 13,5% no primeiro momento da crise a 14% no ano de início da recuperação econômica. Passa a 15,6% no ano de 1986, caracterizado como de expansão da economia e mantém esse patamar até 1990. Sua participação entre os ocupados continua a crescer nos anos recessivos do início da década de 90 (1990-1992) e nos subseqüên-tes, aparentemente compensando oscilações na participação ora dos filhos, ora dos chefes de família (Tabela 1). A partir de 1992 muda seu patamar de participação entre os ocupados da família ultrapassando os 17%; já nos anos de 1995, 1996 e 1997 sua participação supera os 18%.

Tabela 1

DISTRIBUIÇÃO DOS OCUPADOS, SEGUNDO POSIÇÃO NA FAMÍLIA

REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO – 1981-1997

(em porcentagem) Posição

na família

Distribuição dos Ocupados

1981 1983 1985 1986 1987 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997(1) Chefe 45,3 42,2 47,1 47,0 45,4 46,3 45,5 46,2 45,9 46,9 46,0 46,6 46,0 Cônjuge 13,5 13,6 14,0 15,6 15,6 15,3 16,2 17,4 17,7 17,9 18,3 18,7 18,9 Filhos 31,8 36,4 28,7 27,6 29,0 27,5 27,6 25,6 26,5 25,6 25,6 24,5 25,0 Outros 9,4 7,8 10,2 9,9 10,0 10,8 10,7 10,8 9,9 9,7 10,1 10,2 10,1 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: DIEESE, PPVE – 1981 e 1983. Fundação Seade, PED-1985 a 1996. Dados consolidados até 1991 apud Montali, 1995. Elaboração: Montali,L., NEPP/UNICAMP, 1997.

Nota: Os dados de 1981 são de março/abril; os de 1983 março e junho; os de 1985 a 1996 são referentes ao tri-mestre móvel fevereiro-março-abril.

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Dessa maneira, em 1997 observa-se como tendência, desde 1992, um padrão de ocupação dos membros da família em que a participação do chefe fica ao redor de 46% dos ocupados, a participação da cônjuge ao redor de 18% dos ocupados e a dos filhos cerca de 25%, outros parentes e não parentes, oscilam ao redor dos 10% dos ocupa-dos. Padrão bastante distinto da composição dos ocupados da família de 1981, quando o chefe representava 45,3% dos ocupados, a cônjuge 13,5% e os filhos 31,8% (Tabela 1).

A análise das tendências recentes apresentadas pelos dife-rentes componentes da família a partir destes dados agregados e também do conjunto dos resultados desta pesquisa mostram que, de maneira crescente a responsabilidade pela manutenção da família é partilhada entre os componentes da família e, em especial pelo casal, no caso das famílias biparentais, que são as predominantes na Região Metropolitana de São Paulo, em oposição ao modelo do chefe provedor. O rearranjo de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho nos anos 90 apresenta desta maneira tendência distinta da observada na década de 80, momento em que por caracte-rísticas da composição familiar, como das maiores possibilidades de emprego para os mais jovens, era maior a presença dos filhos entre os ocupados da família. Dessa maneira, a tendência é de maior presença do casal (chefe e cônjuge) entre os ocupados da família: em 1981 o casal compunha cerca de 60% dos componentes ocupados da família, em 1992, 63,6% e, em 1997 por 65% (Tabela 1).

5 MUDANÇAS NA RELAÇÃO FAMÍLIA-TRABALHO: 1990 – 1994

Uma das conclusões de nosso estudo sobre os anos 1981-1983, considerando também tendências mais recentes e outros estu-dos sobre família no Brasil, refere-se à impossibilidade concreta de realização do padrão de família baseado no chefe provedor (Montali, 1995). Esse padrão de família referido em vários estudos como “família tradicional” (Durhan, 1980; Sarti, 1993, dentre outros) e presente fortemente no imaginário sobre família no país tem por base uma divisão sexual do trabalho, na qual ao homem é atribuída a responsa-bilidade pela manutenção da família e ao qual é atribuída autoridade sobre a família. À mulher é atribuída a responsabilidade sobre a casa

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e sobre o cuidado dos filhos. Esse padrão de família ideal define os valores que pautam o comportamento e expectativas sobre as figuras da família.

O estudo evidenciou através dos diferentes tipos de família construídos como aproximação aos momentos do ciclo vital das famí-lias, as maneiras distintas como se manifestava a impossibilidade concreta de manutenção da família pelo padrão do “chefe provedor”. Em alguns dos momentos do ciclo vital das famílias a impossibilidade de manutenção da família apenas pelo chefe foi evidenciada através da análise da mobilização dos seus componentes para atividades remuneradas nos anos da crise (1981-1983) – mobilização que se dá de forma marcada pelas relações famíliares hierarquizadas – como é o caso das famílias no momento intermediário do ciclo, quando o casal tem entre 35 e 49 anos e convivem no domicílio filhos crianças, adolescentes e jovens; é também o caso das famílias velhas, quando existe a presença de filhos jovens e adultos. Em determinadas etapas do ciclo vital das famílias, a impossibilidade concreta de que a família seja mantida apenas pelo chefe foi evidenciada pela insuficiência dos rendimentos do trabalho deste, quando, em decorrência da composição da família e dos arranjos de inserção adotados – como é o caso das famílias jovens com filhos pequenos – esta responsabilidade recaía primordialmente sobre o chefe de família (Montali, 1995).

A impossibilidade concreta de realização desse padrão ideal, possibilita que se questione sobre possíveis mudanças nas hie-rarquização das relações internas da família. Não se supõe que essa mudança se dê de maneira mecânica desde que rompida a possibilidade de manutenção da família pelo chefe. O que nos propomos a discutir, a partir das evidências empíricas, é que a permanência e a mudança na família passam pela rutptura da possibilidade objetiva de efetivação desse padrão culturalmente dominante. Essa mudança em grande medida provocada pela mudança na relação família-trabalho, provo-cará uma nova divisão do trabalho na família, levando a longo ou a médio prazo a uma nova divisão sexual do trabalho no interior desta, com a redefinição das responsabilidades e dos papéis masculino e feminino.

A questão colocada a partir da análise daquele momento tem sua pertinência reafirmada quando se considera, no decorrer dos anos 80 e anos 90, a importância da participação do conjunto dos componentes da família para sua manutenção. Nos anos 90, a

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invia-bilidade da realização do padrão de família do chefe provedor é acentuada pela conjuntura na qual cresce o desemprego masculino e dos chefes de família. Não é apenas a situação de desemprego que ameaça a possibilidade de realização desse padrão de família. A qua-lidade da ocupação obtida após o desemprego industrial, por exemplo, em muitas situações não consegue reproduzir a situação anterior.

Por outro lado, nos anos 80 era possível maior acesso dos filhos e filhas ao emprego e esse fato viabilizava a incorporação mais gradual da mulher-cônjuge ao mercado de trabalho. Com a acentuação da redução das oportunidades de trabalho para os jovens – fato que já se anunciava nos anos 80 (Saboia, 1986) –, intensifica-se a entrada da mulher-cônjuge no mercado de trabalho, que nem sempre se dá através de inserções qualificadas e estáveis. Como já nos ensinavam Hirata, Humphrey (1986) em seu estudo sobre as famílias trabalha-doras na crise dos anos 80, “não existe permutabilidade dos diferentes membros da família no que concerne ao acesso ao emprego”, na medida em que a posição no interior da família impõe de diferentes maneiras, principalmente para o homem e a mulher do casal, pressões e limitações no acesso ao emprego.

Estas novas tendências dos anos 90 parecem nos encami-nhar para uma divisão do trabalho na família percebida por Barrère-Maurisson (1984) na França, ocorrida com a transformação da relação salarial e a precarização do emprego. Esse processo, que se inicia a partir de 1975 naquele país, levou ao crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho e a família dominante passa a ser aquela com dois mantenedores. No entanto, apesar dos novos arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho apenas lentamente se transformam as relações internas da família “conjugal” (entendido nos padrões fundados pela família tradicional) para o padrão “associa-tivo”. Essa transformação mais lenta das relações internas à família é em grande parte devida, segundo interpretação de Barrére-Mauris-son, ao fato de as mulheres se vincularem ao mercado através de empregos em tempo parcial, ou empregos não qualificados. Em outras palavras, essas formas de vinculação ao mercado de trabalho “inferio-rizam” as mulheres e não possiblitam que ocorra uma “ruptura brutal” de um tipo de organização familiar a outro (Barrère-Mauris-son, 1984).

Indicações sobre as tendências da inserção dos componen-tes da família na Região Metropolitana de São Paulo nos anos anos

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90, bem como os resultados desta pesquisa referente aos anos de 1990 e 1994, trazem informações relevantes sobre as alterações na relação família-trabalho que ocorrem no bojo da reestruturação produtiva e, também, sobre as formas de inserção dos componentes da família, oferecendo assim elementos para a discussão dessas questões em relação à esta área metropolitana.

6 EFEITOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NAS OPORTUNIDADES DE INSERÇÃO

DOS COMPONENTES DA FAMÍLIA

A pergunta que se faz frente às tendências do crescimento do desemprego e de redução das possibilidades de emprego regulamen-tadas nos anos 90 – que embora sejam tendências gerais, apresentam especificidades por sexo – é como essas restrições ao trabalho incidem sobre os diferentes componentes da família e quais os efeitos desses fatos na divisão do trabalho na família, nas suas relações hierárquicas e sobre suas condições de sobrevivência.

A análise desse período tem por suposto que a diferencia-ção interna à família com base nas relações de gênero

“limita o comportamento indiferenciado dos membros da família como uma pura ‘força de trabalho’, mobilizável em caso de necessidade econômica” (Hirata, Humphrey, 1994).

Não se supõe neste estudo, portanto, o ingresso indiferenciado no mercado de trabalho de mais membros da família em caso de necessi-dade material, ou mesmo a substituição de um componente por outro, enquanto força de trabalho permutável.

Ao levar em conta este balizamento e a divisão sexual do trabalho, que atua conjuntamente nas atividades produtivas e no interior da família, definindo os lugares de homens e mulheres nessas duas instâncias (Barrère-Maurisson, 1992), a análise dos resultados desta pesquisa evidencia a diferenciação da mobilização dos compo-nentes das famílias especialmente quando se consideram o gênero e os papéis familiares, bem como as especificidades da mobilização nos diferentes momentos do ciclo de vida familiar.

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Considerando que os arranjos familiares, nos quais estão compreendidos o trabalho doméstico e o trabalho para o mercado, apresentariam especificidades importantes nos diferentes momentos da vida familiar, utilizou-se como recurso metodológico o ciclo de vida familiar como referência para a análise da relação família-trabalho.

Procedeu-de à diferenciação entre as famílias no enfrenta-mento cotidiano das condições de existência através do recurso analí-tico dos arranjos familiares nos diferentes momentos do ciclo de vida familiar, identificados por uma tipologia de família. Essa abordagem mostrou-se um fio condutor enriquecedor das análises sobre como sobreviveram os trabalhadores na Região Metropolitana de São Paulo durante a conjuntura marcada por recessão e crise econômica do início dos anos 80 (Montali, 1995). Essa mesma proposta de análise vem sendo aplicada no estudos dos anos 90.

A divisão sexual do trabalho definida a partir das atribui-ções dos gêneros, que, sob a concepção tradicional da família, destinam o homem ao trabalho e a mulher à família, é evidenciada, por um lado, pelas mais elevadas taxas de participação dos membros masculinos adultos, sejam eles chefes, filhos ou outros parentes adultos, registra-das em todos os tipos de família. Por outro lado, as limitações que as representações das atribuições femininas impõem à inserção das mu-lheres-cônjuges e mães em atividades remuneradas são evidenciadas pelas taxas de ocupação mais baixas por elas apresentadas tanto em relação às de outras mulheres em distintas posições familiares, tais como filhas adultas e mulheres-chefes de família, como em relação às de maridos e de filhos adultos. Não obstante isto, registra-se nesse período e de maneira mais intensa em alguns tipos de família, o acentuado crescimento de sua participação em atividades no mercado. Os resultados do estudo sugerem que ocorreu um rearran-jo entre os diferentes componentes da família frente ao recrudesci-mento do desemprego e as novas características dos desempregados. Como será visto, a mobilização dos componentes da família para o mercado de trabalho neste período de elevado desemprego – que se acentua a partir de 1992 até o momento presente – é bastante diferen-ciada daquela que foi analisada por ocasião do momento recessivo de 1981-1983. Mais que as características da composição familiar, apesar da acentuação de algumas tendências na sua estruturação, da pequena redução no seu tamanho e da mais significativa redução na proporção de filhos menores de 10 anos, alterou-se o padrão de absorção da força

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de trabalho vigente na década de 90 em relação aos anos iniciais de 80. E, nessa nova realidade do mercado de trabalho alteram-se os arranjos de inserção dos componentes da família.

Enquanto as análises a partir do mercado de trabalho indicam as tendências do emprego e do desemprego, a análise a partir da unidade familiar permite conhecer as respostas das famílias e dos sujeitos com diferentes atribuições familiares à conjuntura que condi-ciona as possibilidades de emprego.

Nesse sentido, a análise das formas de vinculação ao mer-cado de trabalho dos componentes da família mostra que delineiam-se padrões que caracterizam as inserções predominantes dos componen-tes da família, ao mesmo tempo em que mostra os efeitos diferenciados da redução das oportunidades de trabalho e da precarização que cada um deles sofre nos anos 90, tomando por indicadores: setor de ativi-dade, posição na ocupação, existência de registro profissional em carteira de trabalho e continuidade/descontinuidade no trabalho.

Sintetizando as indicações sobre as formas de vinculação ao mercado e a precarização no trabalho observadas (Montali, 1998), parece evidente que os componentes da família que estão sendo mais afetados no acesso a empregos de qualidade são os jovens e os muito jovens. Os filhos e filhas maiores de 18 anos, que apresentam elevadas taxas de participação e crescente taxa de desemprego, têm sofrido a perda do assalariamento no setor privado, especialmente na indústria onde apresentam concentração mais elevada que a média da Região Metropolitana e buscam inserção no setor de serviços, embora parte deste permaneça na indústria de transformação. Ainda que apresen-tem proporções acima da média regional com carteira de trabalho assinada, sofrem acentuada redução na vinculação regulamentada ao mercado de trabalho e crescimento da proporção de assalariados sem carteira de trabalho. Considerando-se as especificidades por sexo, no caso dos filhos maiores masculinos, além dessa tendência chama a atenção o crescimento mais acentuado das vinculações não regulamen-tadas não assalariadas. Os filhos maiores, de ambos os sexos, apresen-tam aumento na instabilidade do emprego, no entanto, no caso das filhas maiores de 18 anos, além da maior proporção em descontinui-dade na ocupação, apresentam maior parcela de desempregadas. Este conjunto de indicadores mostra, em comparação ao filho do sexo masculino, maior fragilização da vinculação desta componente adulta da família no período analisado (Montali, 1998).

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A situação mais grave em relação à instabilidade é apre-sentada pelos ocupados menores de 18 anos, sejam eles filhos ou parentes. Estes, que apresentavam proporções em dobro maiores que a média regional de descontinuidade no trabalho em 1990, mostram agravamento da instabilidade em 1994. Somada ao conjunto de indi-cações sobre a situação dos filhos e filhas menores e, especialmente sua concentração em atividades assalariadas não regulamentadas, a maior descontinuidade na ocupação reafirma a precariedade da inser-ção do adolescente no mercado de trabalho e, por outro lado, evidencia as restrições que sofre no acesso ao trabalho.

As chefes femininas e as cônjuges, ambas componentes responsáveis pela família, vêm apresentando elevação em suas taxas de participação, de ocupação e de desemprego de forma semelhante, ainda que com intensidades distintas. Apresentam semelhanças tam-bém em seu perfil de inserção. Estão em sua grande maioria ocupadas no setor de serviços. Apesar das indicações de vinculações precárias, têm sofrido poucas alterações na sua forma de vinculação ao mercado no período estudado (1990-1994) e apresentam continuidade no tra-balho em proporções mais elevadas que a média regional.

Os chefes masculinos, um dos principais componentes responsáveis pela família, apresentam uma das mais elevadas taxas de participação e de ocupação. No entanto têm sofrido o aumento do desemprego com maior intensidade em decorrência da redução dos postos de trabalho na indústria, onde se concentram em proporções acima da média da Região Metropolitana. Têm perdido postos de trabalho regulamentados, com acentuada redução naqueles com re-gistro profissional em carteira de trabalho e conseqüente aumento nas inserções assalariadas sem carteira de trabalho assinada e em vincu-lações precárias, principalmente como autônomos (Montali, 1998).

Constata-se com base no conjunto de indicadores analisa-dos sobre as alterações nas formas de vinculação ao mercado de trabalho no período, que houve clara deterioração da qualidade do emprego na Região Metropolitana de São Paulo entre 1990 e 1994. Os impactos foram sentidos em todos os ocupados quando diferenciados por sua posição na família, idade e sexo.

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7 OS ARRANJOS FAMILIARES DE INSERÇÃO NOS NOVOS TEMPOS DO DESEMPREGO

A análise dos arranjos familiares de inserção no mercado de trabalho por tipo de família possibilita verificar alguns dos efeitos sobre o grupo familiar das alterações das possibilidades de emprego oferecidas pelo mercado de trabalho, como decorrência do baixo ritmo de expansão da economia e da mudança do padrão de incorporação da força de trabalho introduzido a partir da reestruturação produtiva nos diversos setores de atividade.

Apesar da mobilização familiar para atividades de geração de renda, que fica evidente ao se analisar as taxas familiares de participação, ocupação, desemprego e inatividade constata-se que, apesar do aumento da disponibilidade para o mercado de trabalho de seus componentes, em todos os tipos de família, com a exceção daquela

da chefe feminina sem cônjuge12, não ocorreu expansão da absorção

desses contingentes pelo mercado de trabalho (expressa pelas taxas de ocupação), resultando em mais elevadas taxas de desemprego em 1994 (Tabela 2).

Uma evidência disso é a manutenção nos anos de 1990 e 1994 do número médio de pessoas ocupadas apresentada por todos os tipos de família. Também não ocorre nesse período aumento no número médio de pessoas com rendimento na família, evidenciando as restrições colocadas pelo mercado para que sejam exercidas ativi-dades eventuais que possibilitem complementar os rendimentos fami-liares (Montali, 1998). Frente ao desemprego de parte dos com-ponentes da família e a dificuldade em aumentar o número de pessoas ocupadas das unidades familiares, as informações sobre o crescimento da absorção de alguns de seus componentes como é o caso da mulher-cônjuge, sugere que esteja ocorrendo na verdade um rearranjo na inserção dos componentes.

A dinâmica da economia e a dinânica das relações familia-res e das relações de gênero definem os atuais arranjos e rearranjos de inserção dos componentes da família no mercado de trabalho.

12 Só não ocorre aumento das taxas de participação para as famílias do tipo chefe feminino sem cônjuge, que eram as mais elevadas dentre os diversos tipos de família em 1990 e a segunda mais elevada em 1994.

(28)

No arranjo de inserção predominante na família do tipo casal sem filhos o chefe é o principal responsável pela manutenção da família. Ele representa mais que a metade dos componentes ocupados da família (63,8% em 1990 e 56,4% em 1994, Tabela 3). Apesar do aumento da taxa de desemprego familiar, houve no período mobiliza-ção dos componentes da família na busca por insermobiliza-ção no mercado de trabalho, como evidencia o conjunto de taxas da Tabela 2. Ocorreu aumento nas taxas familiares de participação, de ocupação, de desem-prego e redução da inatividade. Houve o aumento do desemdesem-prego do chefe e redução em suas taxas de participação e de ocupação. Em movimento contrário apresentaram crescimento as taxas de partici-pação e de ocupartici-pação das cônjuges e parentes.

Tabela 2

TAXAS ESPECÍFICAS DE PARTICIPAÇÃO, OCUPAÇÃO, DESEMPREGO E INATIVIDADE

SEGUNDO TIPOS DE FAMÍLIA

REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO – 1990-1994

(em porcentagem) Tipos de Família Taxas 1990 1994 Participa ção (1) Ocupa-ção (2) Desem-prego (3) Inativi-dade (4) Parti-cipação (1) Ocupa-ção (2) Desem-prego (3) Inativi-dade (4)

Casal sem filhos 51,9 47,3 8,8 47,5 56,4 51,0 9,5 43,4

Casal até 34 anos

com filhos e par. 59,6 54,1 9,2 40,0 63,4 55,7 12,0 36,6

Casal 35-49 anos

com filhos e par. 55,4 49,9 10,0 43,7 58,9 49,9 15,3 40,9

Casal 50 anos e mais

com filhos e p. 58,0 52,0 10,3 41,8 59,5 52,1 12,4 40,4

Chefe feminino sem

cônjuge 61,8 53,6 13,3 37,4 60,3 48,2 19,9 39,6

Total (5) 58,0 52,0 10,3 41,3 60,7 51,7 14,8 39,2

Fonte: SEADE, PCV90 e PCV94. Elaboração: Montali, L. NEPP/UNICAMP. (1) PEA/PIA;

(2) Ocupados/PIA; (3) Desempregados/PEA; (4) Inativos/PIA;

(29)

Tabela 3

DISTRIBUIÇÃO DOS OCUPADOS(1), POR TIPOLOGIA DE FAMÍLIA, SEGUNDO POSIÇÃO NA FAMÍLIA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO

1981-1990-1994-1997 (em porcentagem) Posição na Família Tipologia de Família Casal sem filhos Casal de até 34 anos com filhos Casal de 35-49 anos com filhos Casal de 50 anos e mais com filhos Chefe Feminino sem cônjugue Total (2) 1981 Chefe 60,4 73,0 40,5 23,1 38,3 45,3 Cônjuge 32,8 18,7 14,9 7,6 0,0 13,5 Filhos 0,0 2,3 41,3 63,9 40,2 31,8

Parentes e não parentes 6,8 6,0 3,3 5,4 21,5 9,4

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1990

Chefe 63,8 66,3 44,4 24,6 38,8 48,0

Cônjuge 32,7 24,2 18,0 9,4 0,0 15,8

Filhos 0,0 2,4 34,4 62,7 47,1 28,8

Parentes e não parentes 3,5 7,1 3,2 3,4 14,1 7,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1994

Chefe 56,4 64,3 42,8 27,4 43,7 48,3

Cônjuge 36,5 27,8 23,2 11,4 0,0 19,2

Filhos 0,0 1,8 31,4 58,5 40,8 25,3

Parentes e não parentes 7,1 6,2 2,6 2,7 15,5 7,2

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1997

Chefe 56,3 63,4 41,6 26,5 45,1 47,9

Cônjuge 37,7 28,0 24,6 12,9 0,0 20,1

Filhos 0,0 3,2 31,6 58,8 41,6 25,5

Parentes e não parentes 6,1 5,4 2,1 1,8 13,3 6,5

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: DIEESE, PPVE81; SEADE, PCV90 e PCV94; SEADE, PED1997. Elaboração: Montali, L., NEPP/UNICAMP 1997.

(1) Ocupados/Total de Ocupados. (2) Inclui outras configurações familiares.

(30)

Embora a participação do chefe masculino componha a maior parte da renda familiar nesse tipo de família, houve entre 1990 e 1994, redução no peso de sua contribuição, de 75,8% para 71,5% e crescimento da parcela da participação da cônjuge de 19,4% para 21,2% e dos parentes, de 2,3% para 4,9% (Tabela 4).

Tabela 4

PARTICIPAÇÃO DOS COMPONENTES NA RENDA FAMILIAR TOTAL POR POSIÇÃO NA FAMÍLIA,

SEGUNDO TIPOLOGIA

REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO – 1990 – 1994

(em porcentagem) Posição na Família Tipologia de Família Casal sem filhos Casal de até 34 anos com filhos Casal de 35-49 anos com filhos Casal de 50 anos e mais com filhos Chefe Feminino sem cônjugue Total (1) 1990 Chefe 75,8 81,6 67,2 40,7 48,6 65,7 Cônjuge 19,4 14,5 14,1 7,0 0,0 11,3 Total de Filhos 0,0 0,5 15,3 47,1 34,0 16,7 menos de 18 anos 0,0 0,3 3,5 1,0 2,0 1,6 mais de 18 anos 0,0 0,2 11,8 46,1 32,0 15,1

Total de parentes e não parentes 2,6 3,0 1,9 1,8 14,8 4,6

Rendimento Patrimonial 2,3 0,4 1,5 3,4 2,6 1,6 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 1994 Chefe 71,5 77,9 66,3 51,1 59,9 66,6 Cônjuge 21,2 18,8 17,1 7,2 0,0 13,2 Total de Filhos 0,0 0,3 13,8 38,3 26,5 14,1 menos de 18 anos 0,0 0,2 2,0 0,5 2,2 1,1 mais de 18 anos 0,0 0,1 11,8 37,9 24,4 13,0

Total de parentes e não parentes 4,9 2,5 1,3 1,1 11,0 4,3

Rendimento Patrimonial 2,4 0,5 1,4 2,2 2,6 1,7

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: SEADE, PCV90 e PCV94. Elaboração: Montali, L., NEPP/UNICAMP, 1997.

Nota: O rendimento médio inclui todas as rendas e se refere aos indivíduos com indicação sobre renda, inclusi-ve renda zero. Foram excluídas as famílias em que algum componente esteja sem informação de renda. (1) Inclui outras configurações familiares.

(31)

Dessa maneira o arranjo desse tipo de família em 1994 é centrado no casal, com maior participação do homem. A comparação com o arranjo que predominava em 1981 nesse tipo de família, mostra que ocorreu uma mudança na definição dos responsáveis pela manu-tenção das famílias. A redução relativa do peso do homem entre os ocupados da família (60,4% em 1981 e 56,4% em 1994) e crescimento da participação da mulher-cônjuge entre estes (32,8% em 1981 e 36,4% em 1994), sugerem uma tendência de maior partilhamento na respon-sabilidade pela manutenção da família.

Situação semelhante de mobilização dos componentes da família nesse período é encontrada nas famílias de casais de até 34 anos com filhos, onde se observa elevação da taxa de ocupação, além da taxa de participação. Como no tipo anterior, houve pequeno acrés-cimo no número médio de ocupados da família e no número de pessoas com algum tipo de rendimento (Montali, 1998). Ocorreu aumento do desemprego do chefe e redução na sua taxa de ocupação, sem que se tenha reduzido sua participação na força de trabalho. Com o concomi-tante aumento da inserção da cônjuge em atividade de geração de renda, a participação desta na renda familiar passa de 14,5% em 1990 para 18,8% em 1994. A participação dos parentes se mantém em ambos os momentos em torno de 3%. Nessa nova composição a participação da renda do chefe cai de 81,6% para 77,9% da renda familiar nesse período.

No tipo de família casal até 34 anos com filhos o homem do casal é o principal responsável pela manutenção da família e esse arranjo familiar está relacionado com o momento de “constituição” do ciclo vital da família, etapa do nascimento da maior parte dos filhos. Também neste tipo de família ocorreu progressivamente tanto a redução na proporção do homem do casal entre os ocupados da família como o crescimento da participação da mulher cônjuge (Tabela 3). Apesar desse movimento que atenua o encargo masculino da manu-tenção da casa, este permanece ainda bastante concentrado no com-ponente masculino do casal. A comparação entre 1981 e 1994 indica também uma mudança na direção de um maior partilhamento na manutenção da família. O arranjo predominante apresentado por este tipo de família em 1981 mostra o homem do casal como praticamente o único responsável pela manutenção da família, quando representava 73% dos ocupados da família e a mulher 18,7%, configurando, ao menos nesse aspecto, o modelo de família do chefe provedor. Em 1994

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