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Eixo Temático: Teoria Histórico-Cultural e Educação

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Academic year: 2022

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O DESENVOLVIMENTO DAS EMOÇÕES E SENTIMENTOS NA ESCOLA: A ARTE COMO “FORMA-CONTEÚDO” NO PROCESSO EDUCATIVO. Tatiane da Silva Pires Felix, Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho, Rodrigo Lima Nunes, Ariana Aparecida Nascimento dos Santos. UNESP/Presidente Prudente. CAPES.

tatianefelix2@gmail.com, tuimviotto@gmail.com, ronunes29@gmail.com, ariananascimentos@gmail.com.

Eixo Temático: Teoria Histórico-Cultural e Educação

DEVELOPMENT OF EMOTIONS AND FEELINGS IN SCHOOL: ART AS "FORM - CONTENT" IN THE EDUCATIONAL PROCESS.

Resumo: Este artigo tem a intenção de debater questões pertinentes às discussões realizadas em nossa tese de doutorado, que se encontra em desenvolvimento, a qual visa compreender o desenvolvimento das emoções e dos sentimentos no ambiente escolar através do ensino da arte, assim como sua importância para a construção da personalidade dos estudantes. As emoções e sentimentos são compreendidos neste artigo a partir do referencial vigotskiano que as define como elementos de uma unidade psicofísica constituinte da personalidade dos sujeitos, não estando apartados do intelecto humano, porém constituindo-se como uma função do psiquismo. É desta forma que assumimos o referencial teórico e metodológico da teoria histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica, no sentido de embasar e qualificar a defesa da necessidade de um processo educativo humanizador das emoções e sentimentos na escola.

Para tanto, intentamos enfatizar a utilização das artes como forma e conteúdo imprescindíveis, com intuito de compreender o desenvolvimento das emoções e sentimentos humanos a partir do trabalho educativo do professor na efetivação de um processo pedagógico humanizador e suas implicações na construção da personalidade dos estudantes.

Palavras-chave: Emoções e sentimentos; Artes; Educação; Teoria Histórico-Cultural.

Abstract: This article intends to discuss issues relevant to discussions in our doctoral thesis, which is in development, which aims to understand the development of emotions and feelings in the school environment through art education, as well as its importance to the character building of student’s personality. Emotions and feelings are understood in this article from the Vigotsky’s perspective that defines them as elements of a psychophysical unity constituent of the personality of the subject, not being apart of the human intellect, but establishing itself as a psychic function. This is how we take the theoretical and methodological framework of cultural-historical theory and historical-critical pedagogy, in order to qualify and to base the defense of the need for a humanizing education process of emotions and feelings in school.

Therefore, we intend to emphasize the use of the arts as form and essential content, in order to understand the development of human emotions and feelings from the education teacher working in the realization of a humanizing educational process and its implications for the construction of the personality of students.

Keywords: Emotions and feelings; Arts; Education; Historical Cultural Theory.

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2 1 Introdução

Desencanto

Eu faço versos como quem chora De desalento, de desencanto Fecha meu livro se por agora Não tens motivo algum de pranto Meu verso é sangue, volúpia ardente Tristeza esparsa, remorso vão Dói-me nas veias amargo e quente Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca Assim dos lábios a vida corre Deixando um acre sabor na boca Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

Como podemos observar, os versos escritos por Manuel Bandeira trazem consigo as emoções e sentimentos do autor ao escrever suas poesias. Através dos trechos “faço versos como que chora”, “meu verso é sangue” e “faço versos como quem morre”, podemos compreender o quanto o poeta busca expressar suas ânsias e anseios por meio da arte e, ao mesmo tempo em que a produz, parece sintetizar todas suas emoções e sentimentos.

Iniciamos este artigo com a poesia de Bandeira para elucidar como as emoções e sentimentos, assim como, as vivências especificamente humanas estão fortemente presentes nas várias obras de arte, características estas essenciais e que as tornam representativas da cultura humano-genérica universal.

Nessa direção, defenderemos neste texto a importância de um trabalho pedagógico com obras de artes na escola, entendendo-as enquanto conteúdos representativos do gênero humano, que carrega aspectos históricos, políticos, éticos, estéticos e afetivos, sendo, portanto, objetivações imprescindíveis ao processo de desenvolvimento humano que caminhe num sentido verdadeiramente humanizador.

Sendo assim, esse trabalho se configura como um ensaio teórico e tem por objetivo apresentar considerações acerca da importância do desenvolvimento dos seres humanos através de processos educativos efetivados no interior da escola com a arte, bem como do

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3 aspecto afetivo neste processo. Neste caminho, discutiremos, primeiramente, como se dá a constituição histórica social dos seres humanos, sobretudo, através de processos educativos, enfatizando, também, a importância dos afetos e da função psíquica “emoção e sentimento”

no desenvolvimento da personalidade humana. Além disso, realizaremos uma reflexão de como as artes podem ser importantes conteúdos e meios a serem utilizadas em um trabalho educativo voltado ao desenvolvimento afetivo-cognitivo humanizador.

2 O desenvolvimento humano numa perspectiva histórico-cultural: o psiquismo humano enquanto sistema interfuncional

Tendo em vista o processo de constituição do humano no homem, podemos nos pautar nas contribuições de Oliveira (1996), que nos esclarece ser importante pensarmos na ontogênese humana determinada por aspectos sociais e históricos, a partir da questão “o que é o homem”? Esta é a primeira pergunta a ser respondida ao nos preocuparmos com o processo de desenvolvimento especificamente humano e as diferentes teorias educacionais responsáveis em mediar tal processo, pois, sem este questionamento, não seria possível realizar nenhum ato educativo.

Isto se dá pelo fato de que os “homens”, ou seres humanos, não nascem humanos, mas sim se humanizam através de processos educativos. Nesta direção, Gramsci apud Oliveira(1996 p. 12) define que:

A afirmação de que a “natureza humana” é o “conjunto das relações sociais”

é a resposta mais satisfatória porque inclui a idéia de devenir: o homem

‘devém’, transforma-se continuamente com as transformações das relações sociais (...) Também é possível dizer que a natureza do homem é a sua

“história” (...), contanto que se dê à história o significado de devenir, em uma concórdia discors que não parte da universalidade, mas que tem em si as razões de uma unidade possível. Por isso a “natureza humana” não pode ser encontrada em nenhum homem particular, mas em toda a história do gênero humano.

Ou seja, a especificidade da natureza humana não pode ser encontrada na genética humana, mas sim, na história e nos produtos do gênero humano. Segundo Oliveira (1996), não é possível haver uma dissociação entre o mundo singular dos indivíduos e a universalidade do gênero humano, pois, a natureza especificamente humana, em sua totalidade, “é resultado de toda a história do gênero humano, de toda a história das relações entre os indivíduos, por outro lado, o indivíduo, isto é, cada indivíduo concreto, é resultado de

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4 um conjunto de determinadas relações sociais nas quais ele está inserido.” (OLIVEIRA, 1996;

p.13)

Importante salientar que Oliveira (1996) defende que o ser humano é constituído por múltiplas relações sociais e que não podemos reduzir nossas análises apenas às singularidades já construídas dos sujeitos. É necessário se posicionar diante do seu dever-ser, ou seja, mesmo que este ainda não tenha tido oportunidade de se apropriar das diversas objetivações humanas, há que se considerar a possibilidade de seu desenvolvimento nesta direção, no que este poderá se transformar, e é aí que a educação assume o papel de agente de transformação.

Para Oliveira (1996), a preocupação com o dever-ser humano necessita de uma práxis transformadora, deixando de lado ações que mantém o ser humano em um nível que ele já apresenta, mas que possibilitem novos aprendizados e novos patamares de desenvolvimento, sobretudo, quando nos reportamos acerca da função da escola na elevação a patamares cada vez mais complexos dos processos de desenvolvimento dos indivíduos singulares.

Este processo de apropriação o objetivação mencionado por Oliveira (1996), como sendo fundamental para a humanização dos seres, só é possível pelo fato de que para que o desenvolvimento ocorra é necessário um processo de internalização dos aspectos da realidade, os quais são veiculados, transmitidos e apropriados por cada sujeito singular, no bojo das relações sociais. É neste sentido que Vigotski(1996, p. 228-229) no explica, a luz das contribuições de Marx que:

Poderíamos devir que a natureza psíquica do homem é um conjunto de relações sociais transferidas ao interior, e convertidas em funções da personalidade, partes dinâmicas de sua estrutura. A transferência ao interior das relações sociais externas existentes entra as pessoas é a base da formação da personalidade, uma vez que já fora indicado há algum tempo por investigadores. «Em certo sentido –diz C. Marx–, o homem se assemelha a uma mercadoria, já que nasce sem um espelho nas mãos e não filosofa ao estilo de Fichte: «Eu sou eu». A princípio, o homem observa a outro homem como se fosse um espelho. Somente no caso de que o indivíduo Pedro considere o indivíduo Pablo como um ser semelhante a si mesmo, começará Pedro a tratar-se a si mesmo como um ser humano. Ao mesmo tempo Pablo, como tal, com toda a corporeidade de Pablo, se converte para ele na expressão do gênero humano.1

Portanto, o desenvolvimento humano, assim como o das personalidades, não pode ser pensado como algo dado e acabado a partir de características naturais, mas sim, se constitui

1 Texto traduzido do espanhol para o português. A tradução foi por nós realizada.

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5 através das vivências dos indivíduos com objetivações pertencentes ao gênero humano, internalizando-as e constituindo suas essências.

Neste sentido, Martins (2011,p.192) afirma existir um aspecto fundamental no processo de internalização: o aspecto afetivo. Nas palavras da autora:

toda essa dinâmica de internalização abarca apenas parte do processo, uma vez que nenhuma imagem se institui na ausência de uma relação particular entre sujeito e objeto. Que o objeto afete o sujeito se revela a primeira condição para sua instituição como imagem, a refletir também, além das propriedades objetivas do objeto, as singularidades da relação do sujeito com ele. Eis então a impossibilidade de qualquer relação entre sujeito e objeto isentar-se de componentes afetivos. (MARTINS, 2011)

Através desta afirmação, evidencia-se o papel fundamental dos afetos em todo o desenvolvimento da personalidade humana, visto que, é através do processo de internalização dos componentes da genericidade que esta se desenvolve, porém, este processo só acontecerá se o produto do gênero afetar o sujeito de forma significativa.

Portanto, ao pensarmos em como se formam os seres humanos, devemos compreender a relação entre afeto e cognição, não como processos dicotômicos, mas sim, como processos que se relacionam dialeticamente. Este, segundo Martins(2011), é o aspecto inicial a ser debatido no sentido de se entender o desenvolvimento das emoções e sentimentos nos indivíduos sob a base do materialismo histórico dialético, tarefa que temos nos proposto a realizar ao discutirmos práticas pedagógicas na escola através das objetivações artísticas.

Para iniciar este debate, devemos ressaltar que segundo Martins (2011) é necessário superarmos a lógica do “Ou é isso, ou aquilo” ao analisar os aspectos cognitivos e afetivos dos sujeitos, antes, devemos compreendê-los como seres constituídos de uma unidade cognitivo-afetiva. Neste sentido, Vigotski (2004) defendeu a compreensão de emoções, sentimentos e afetos como elementos da consciência e personalidade humana, desenvolvidos socialmente e essenciais para pensarmos o ser humano como totalidade psíquica.

Ressaltamos que Vigotski, se dedicou a entender o ser humano em sua complexa totalidade, buscando não dicotomizar as emoções e vivências do processo complexo de formação da consciência e personalidade. Sobre a relação intrínseca existente entre personalidade e emoções, ressaltamos, nas palavras do autor, que:

Toda emoção é uma função da personalidade, e isto é justamente o que perde de vista a teoria periférica. Assim, a teoria puramente naturalista das emoções requer a modo de complemento, uma verdadeira e adequada teoria dos sentimentos humanos (VIGOTSKI, 2004, p.214).

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6 Desta forma, o autor nos esclarece que as emoções servem à personalidade como uma de suas funções, não estando, portanto, apartadas do psiquismo humano. Esta concepção refuta as teorias que compreendem as emoções como algo puramente biológico, inerente ao sujeito, ou como simples reflexo a determinado estímulo ambiental e enfatiza o processo histórico-social de constituição do psiquismo humano em que as emoções devem ser compreendidas como pertencente à totalidade psíquica do sujeito.

Fica evidente em Vigotski (2004) a preocupação em tornar nítida a importância dos elementos sociais na constituição das emoções e sentimentos humanos. O autor criticou as concepções dualistas das emoções e defendeu que as emoções e sentimentos deveriam ser analisados em uma unidade psicofísica, ou seja, há que entendê-las como unidade inseparável.

Neste sentido, é notória a preocupação de Vigotski (2004) em explicitar a importância da realidade e das condições sociais na concepção das emoções. Tal cuidado do autor pode ser ilustrado na citação abaixo:

Se imaginamos, diz Chabrier, a natureza infinitamente rica da emoção mais pobre, se prestamos menos atenção a suposta psicologia dos organismos unicelulares que as grandes análises feitas por romancistas e escritores, se simplesmente utilizamos a preciosa informação que nos fornece a observação das pessoas que nos rodeiam, nos vemos obrigados a reconhecer a absoluta inconsistência da teoria periférica. Em efeito, é inadmissível que a mera percepção de uma silhueta feminina provoque automaticamente um sem-fim de reações orgânicas das que poderiam nascer um amor como o de Dante por Beatriz, se não se pressupõe o conjunto das ideias teológicas, políticas, estéticas e científicas que conformavam a consciência do genial Alighieri. (VIGOTSKI, 2004, p. 213, 214)2

Ou seja, para Vigotski (2004) o simples ato de ver uma silhueta não seria suficiente para mobilizar tantas emoções em um indivíduo. As emoções mobilizadas por Dante, quando vê Beatriz, são síntese de diferentes situações e ideias políticas, científicas, estéticas, dentre outras situações históricas e sociais que constituem as emoções, sentimentos e outras funções constituintes da personalidade humana.

É importante esclarecer que Martins (2011), assim como Toassa (2009) afirmam que a posição de Vigotski, frente ao estudo das emoções e sentimentos, baseia-se nos pressupostos da teoria Espinosiana, na qual resgata a concepção de que a razão modifica a ordem, as relações e as conexões das emoções. Desta forma, o que sentimos por outra pessoa tem a ver com o que pensamos dela, ou seja, a valoração que damos a ela.

2A citação original encontra-se na língua espanhola. A tradução foi por nós realizada.

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7 Segundo Martins (2011), o enfoque dado por Vigotski (2004) às emoções e sentimentos é o mesmo que é dado aos demais processos psíquicos funcionais, a saber, um enfoque sistêmico em que essas funções psicológicas são reconhecidas na relação com as outras funções na totalidade psíquica do sujeito.

Sobre esta relação dos processos funcionais, o autor ressaltou que a linguagem tem um importante papel no desenvolvimento das emoções e sentimentos, visto que, para Vigotski (1996), assim como as vivências, os sentimentos passam a ser generalizados através da mediação dos significados das palavras. Antes da generalização, a criança é afetada por emoções ainda destituídas de significado, ou seja, pode, por exemplo, passar por situações de medo sem saber o que está sentindo, porém, quando internaliza o significado das palavras que conceituam determinado afeto/emoção, passa a conhecer e generalizar estes afetos. A partir desta generalização, a criança compreende o que sente, e é capaz de dizer que está com medo, que está triste ou feliz. Portanto, para o autor, ter conhecimento dos afetos, através de processos de internalização de seus significados sociais, resulta na produção novas formações internas e transformam qualitativamente nossas funções psíquicas de emoções e sentimentos, assim como o que passará a nos afetar.

Assim, podemos afirmar que Vigotski não dicotomiza as emoções dos demais processos psíquicos, antes, as compreende em relação com pensamento, linguagem, percepção e imaginação, ou seja, em relação com todas as funções psicológicas que sintetizam a personalidade humana (VIGOTSKI, 1996, 2004, 2009b).

Portanto, para Vigotski (2006), as emoções e sentimentos podem ser consideradas funções psicológicas elementares e superiores. Justamente por isto, o autor não as pensa de maneira formal e dicotômica, pois, não acreditava que os sentimentos teriam um caráter superior à vida afetiva, enquanto as emoções seriam apenas respostas físicas aos estímulos sensoriais; como muitas vezes defendiam os filósofos e psicólogos de sua época.

Vigotski (2004) ressaltou que não existem emoções, por natureza, inferiores ou superiores, ou, ainda, que as emoções estão apartadas do psiquismo e podem ser compreendidas em oposição à razão. No intuito de afirmar a unidade afetivo-cognitiva e enfatizar sua importância na totalidade psíquica, Vigotski (2009a, p. 15-16) afirma que:

Quando falamos da relação do pensamento e da linguagem com os outros aspectos da vida e da consciência, a primeira questão a surgir é a relação entre o intelecto e o afeto. Como se sabe, a separação entre a parte intelectual da nossa consciência e a sua parte afetiva e volitiva é um dos defeitos mais radicais de toda a psicologia tradicional. Nesse caso, o

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8 pensamento se transforma inevitavelmente em uma corrente autônoma de pensamentos que pensam a si mesmos, dissocia-se de toda a plenitude da vida dinâmica, das motivações vivas, dos interesses, dos envolvimentos do homem pensante e, assim, se torna ou um epifenômeno totalmente inútil, que nada pode modificar na vida e no comportamento do homem, ou uma força antiga original e autônoma que, ao interferir na vida da consciência e na vida do indivíduo, acaba por influenciá-los de modo incompreensível.

Ou seja, ao compreendermos o psiquismo humano como sistema interfuncional, precisamos levar em conta os afetos no processo de ensino e aprendizagem, pois, se não buscamos desenvolver as emoções na escola, o ato educativo não terá significados e sentido aos estudantes na direção da sua humanização, como defendemos. Portanto, torna-se imprescindível defender um ensino escolar que desenvolva emoções, sentimentos e afetos entendidos enquanto funções psicológicas superiores e relacionados a processos de aprendizagem escolar.

No entanto, notamos que os sentimentos e emoções não têm sido tratados no ambiente escolar como elementos fundamentais a serem desenvolvidos através do ensino escolar, não sendo alvo de preocupação dos currículos ou projetos políticos-pedagógicos em geral; mesmo que, não raro, as queixas escolares acerca do comportamento dos alunos circundem questões afetivas da personalidade humana, alunos que se mostram violentos, tímidos, agressivos, hiperativos, dentre outros.

Embora saibamos da importância do desenvolvimento das emoções, sentimentos e afetos na educação escolar, constatamos que na maioria das vezes, estas funções psíquicas são tratadas como atributo familiar, sendo o papel da escola apenas o de desenvolver os aspectos cognitivos junto aos estudantes, explicitando a fragmentação no processo de formação humana.

Neste sentido, o reconhecimento da importância dos afetos no processo de construção do psiquismo e da personalidade humana nos mobilizou a pensar, e a questionar, a função da educação escolar nesse processo, uma vez que consideramos que as emoções e sentimentos encontram-se presentes em todo ato educativo, como funções que mobilizarão a motivação/desmotivação do estudante para a aprendizagem em um processo pedagógico.

No entanto, defendemos que as emoções e sentimentos só se desenvolverão através da mediação dos signos, ou seja, através de um processo de ensino (informal e formal) e neste artigo enfatizamos o ensino escolar como imprescindível no processo de apropriação, pelos

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9 estudantes, de conhecimentos e conceitos humano-genéricos essenciais para o desenvolvimento dessas funções psíquicas, como nos orienta Martins (2011).

Tais considerações nos levam a pensar no papel da escola e da educação escolar no desenvolvimento das emoções e sentimentos dos estudantes, considerando que estas são funções do psiquismo e seu desenvolvimento, portanto, é primordial para a construção da personalidade humana.

3 Pedagogia Histórico-crítica e o processo educativo através da arte

Ao pensarmos no papel da escola no desenvolvimento da personalidade dos estudantes, defendemos, em concordância com Saviani (2001), que a sua função deve ser a de transmitir/ensinar conteúdos que proporcionem o desenvolvimento do psiquismo dos sujeitos numa direção crítica e emancipadora.

A escola tem sido, através de décadas, a instituição de maior responsabilidade em educar, transmitir conhecimentos e formar os seres humanos. Saviani (2011), defende que sua função não é a de transmitir qualquer tipo de conhecimento ou conteúdo, e muito menos de qualquer maneira. Trata-se de trabalhar os conhecimentos universais, sistemáticos, científicos, filosóficos, artísticos, ou seja, a escola possibilita a efetivação de um trabalho educativo que possibilite que todos tenham acesso aos conteúdos clássicos da genericidade.

Esta preocupação com a transmissão dos conhecimentos científicos e artístico aos indivíduos, fora, também, preocupação de Vigotski (2009a, 2009b), pois, de acordo com este autor, tais conteúdos são responsáveis em reorganizar as funções psíquicas, transformando todo o sistema psíquico, atuando no desenvolvimento da personalidade dos sujeitos.

Ao defender os conhecimentos clássicos e universais enquanto imprescindíveis no trabalho educativo, a pedagogia histórico-crítica não visa um processo educativo conteudista, verbalista e abstrato, pelo contrário, leva em conta a dialética entre forma e conteúdo no processo de ensino-aprendizagem (MARTINS, 2011).

Desta forma, além de enfatizar a importância dos conteúdos clássicos e mais elaborados, também é preocupação da pedagogia histórico-crítica a forma com que estes conteúdos são transmitidos/assimilados na escola. Neste sentido, afirma Saviani (2011, p. 13):

O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana

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10 para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.

Ou seja, para Saviani (2011), um trabalho educativo realizado à luz da pedagogia histórico-crítica precisa selecionar os conteúdos clássicos, bem como as melhores formas de ensinar estes conteúdos com vistas à construção da consciência filosófica, crítica, coerente e de totalidade. Para o autor, a relevância dos conteúdos representa o dado nuclear da educação escolar, uma vez que, na ausência de conteúdos significativos a aprendizagem esvazia-se, transformando-se no arremedo daquilo que de fato deveria ser.

Porém, ainda de acordo com Saviani (2011), o conteúdo por si próprio, isolado, não interessa à pedagogia. O conteúdo deve ser pensado em consonância com as formas de transmissão destes aos alunos, sendo estes os meios necessários para que o professor possa trabalhar no desenvolvimento efetivo dos estudantes. Por este motivo, o autor afirma que o melhor geógrafo, historiador, letrista, não necessariamente serão os melhores professores de geografia, história e letras. Isto porque é necessário que se escolha a melhor forma, o melhor meio de ensinar tais conteúdos.

Também é preocupação da pedagogia histórico-crítica que seja levado em consideração a quem se destina o ato educativo. Assim, forma-se o que Martins(2011) chama de tríade forma-conteúdo-destinatário, onde cada um destes elementos precisam estar em relação com os demais para que, de fato, possa ser realizado um trabalho educativo significativo.

Pensando nestes aspectos da pedagogia histórico-crítica e na necessidade de desenvolver as emoções e sentimentos enquanto funções importantes ao desenvolvimento do psiquismo e da personalidade humana, nos questionamos acerca de quais seriam os conteúdos clássicos que, ao serem ensinados, poderiam promover um maior desenvolvimento destas funções; e as formas, os meios, a serem utilizados no intuito de alcançar o amplo desenvolvimento afetivo. Seguiremos, portanto, defendendo a arte enquanto uma importante ferramenta nesse processo.

Após discutir que as emoções e sentimentos são funções primordiais a qualquer ensino, que precisam de mediação para se tornarem funções psicológicas qualitativamente superiores, e de ressaltar a contribuição da pedagogia histórico-crítica para pensamos nos conteúdos e formas de ensino, abordaremos o quanto a arte é uma importante forma e

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11 conteúdo a ser ensinado na escola, no intuito de desenvolver a esfera afetiva da vida dos estudantes.

A arte pode ser considerada um meio fundamental para o desenvolvimento das emoções e sentimentos, pelo fato dos objetos artístico-culturais integrarem dialeticamente forma e conteúdo, possibilitando vivências estéticas significativas no desenvolvimento das emoções. Segundo Vigotski (2001, p.12) “a arte sistematiza um campo inteiramente específico do psiquismo do homem social – precisamente o campo de seu sentimento”.

A afirmação acima, nos remete à importância das artes no ensino de formas e conteúdos que desenvolvam, sistematizem e reelaborem os sentimentos e emoções humanas, além de reafirmar a defesa psicofísica das emoções, pois Vigotski(2001) defende o campo do sentimento como campo do psiquismo humano, ou seja, não dicotomiza emoções e sentimentos dos demais processos psíquicos.

Vigotski (2001) nos leva a compreensão de que a obra de arte é um importante meio de sensibilização, por ter em sua concretude a imagem diretamente ligada ao conteúdo. Ou seja, acreditamos que ao vivenciarem determinadas manifestações artísticas, os estudantes poderão ter um contato com o conteúdo escolhido de forma muito significativa, desde que sejam afetados pela vivência de objetos artísticos na escola.

Afirma o autor que nas artes podemos encontrar estampadas esteticamente emoções tais como de “alegria, tristeza, amor, ódio, admiração, tédio, orgulho, cansaço” Vigotski(2009 b, p.22). O autor ressalta ainda que a fantasia proporcionada pela manifestação artística, ainda que seja apenas uma representação da realidade, é capaz de nos provocar sentimentos reais e nos dá o exemplo de um ator, que em sua encenação necessita chorar, ainda que o choro se mostre enquanto cena teatral, a emoção é vivida verdadeiramente.

Vigotski também nos dá motivos para defender as manifestações artísticas como instrumento e conteúdo pedagógico das emoções, quando afirma que a arte transforma os sentimentos de quem a vivencia. Afirma Vigotski (2001, p. 307) que:

[...] a verdadeira natureza da arte sempre implica algo que transforma, que supera o sentimento comum, e aquele medo, aquela mesma dor, aquela mesma inquietação, quando suscitadas pela arte, implicam o algo a mais, acima daquilo que nelas está contido. E este algo supera esses sentimentos, transforma a sua água em vinho [...].

Ou seja, assim como a própria arte é uma manifestação da transformação dos sentimentos e emoções do artista que a produziu, podemos “transformar a água em vinho” no

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12 que se refere às emoções e sentimentos dos sujeitos ao proporcionar um trabalho pedagógico e intencional, através de obras clássicas que retratam a genericidade humana.

Ainda neste sentido, para Vigotski(2001, p.315) “A arte é o social em nós”, ou seja, para o autor o aspecto social sempre se encontra presente nas obras de arte, isto porque o autor nos explica que na arte, o sentimento do artista é objetivado em sua obra e, posteriormente, quando nos deparamos com sua produção, seus sentimentos se convertem em componentes que passarão a fazer parte de cada um de nós, ou seja, nos apropriamos das vivências e sentimentos expressos na arte, desde que tais vivência se deem dentro de um processo educacional que proporcione tal apropriação.

Desta forma, Assumpção e Duarte (2016) nos explicitam que, para Vigotski, a arte é a técnica dos sentimentos, pois constrói uma existência social objetiva das emoções e sentimentos humanos, o que possibilita que os demais sujeitos se apropriem desses sentimentos como algo já objetivado em determinada obra de arte.

Além de objetivar os sentimentos, segundo Duarte (2016), a obra de arte supera os elementos da cotidianidade e do imediatismo, pois, reelabora conteúdos relacionados com a realidade objetiva, por conter em suas formas e conteúdos os conhecimentos relacionados com a história da humanidade, assim, carrega, em si, significados históricos e axiológicos que podem ser transmitidos a outros indivíduos, e desta forma, contribuir para sua humanização.

Segundo Lukács(1978), os conhecimentos/conteúdos advindos da ciência e a criação artística são elementos da universalidade, ou seja, do gênero humano, e se diferenciam dos conhecimentos de senso comum, da cotidianidade. Pois, para Lukács (1978, p. 159-160):

O conhecimento ligado à prática cotidiana se fixa em qualquer ponta, a depender de suas tarefas concretas e práticas. O conhecimento científico ou a criação artística (bem como a recepção estética da realidade, como na experiência do belo natural) se diferenciam no curso do longo desenvolvimento da humanidade, tanto nos limites extremos como nas fases intermediárias. Sem este processo, jamais se teria concretizado a verdadeira especialização destes campos, a sua superioridade em face da práxis imediata da vida cotidiana, da qual ambos paulatinamente surgiram.

Ou seja, para o autor, a base das obras de arte está na vida e na realidade dos homens.

Neste sentido, Lucáks (1978) nos faz refletir que estes conteúdos contidos na arte são históricos, pois, discutem a questões referentes a situações oriundas da realidade da época em que foram criados. Para o autor:

Toda obra de valor discute intensamente a totalidade dos grandes problemas de sua época: tão-somente nos períodos da decadência estas questões são

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13 evitadas, o que se manifesta, nas obras, em parte como carência de real universalidade, em parte como enunciação nua de universalidade não superadas artisticamente (falsas e distorcidas como conteúdo)”.

(LUCÁKS,1978, p. 163)

A partir destes pressupostos, defendemos que os conteúdos advindos das artes, quando trabalhados em um processo educativo humanizador, podem contribuir para a compreensão da realidade social de diversas épocas, os valores sociais e éticos da humanidade, bem como podem contribuir para com a apropriação de vivências e de sentimentos e emoções humanas essenciais para o processo de humanização dos sujeitos na escola.

Podemos afirmar assim, que as obras de arte, por carregarem consigo conhecimentos históricos, estéticos e éticos, bem como, constituírem-se como a própria objetivação dos sentimentos, ao serem apropriadas de forma significativa, podem contribuir para um desenvolvimento afetivo-cognitivo humanizador e, desta forma, possibilitar a formação do psiquismo numa direção humano-genérica (DUARTE, 1993).

Desta forma, defendemos a importância dos processos educativos no desenvolvimento das personalidades e da humanização dos seres humanos. Mais que isso, defendemos uma educação que promova o desenvolvimento das emoções e sentimentos, bem como dos demais processos funcionais do psiquismo humano, visto que todos nós somos formados por uma unidade cognitivo-afetiva, não podendo ser dicotomizada.

4 Considerações

Enfatizamos que para a teoria histórico-cultural as emoções e sentimentos são funções do psiquismo, estão relacionados intrinsecamente com os demais processos funcionais e são condição para o desenvolvimento da personalidade dos sujeitos, personalidade esta, que se constitui através das relações de cada sujeito com o mundo e com os objetos da cultura historicamente elaborada, acumulada e transmitida pelos próprios homens.

Sendo as emoções e sentimentos funções psicológicas, devemos reconhecê-las como funções a serem desenvolvidas através da mediação dos signos da cultura humana, dentro de processos de ensino aprendizagem escolares. Desta forma, o processo pedagógico se constitui como essencial no ensino e desenvolvimento desta função, tão necessária para o desenvolvimento dos sujeitos em uma direção emancipatória, livre e universal.

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14 Ao pensar no processo educativo, a partir da pedagogia histórico-crítica e da teoria histórico-cultural, nos deparamos com a necessidade de contemplar no processo de ensino e aprendizagem das emoções e sentimentos, os conteúdos (elaborados, sistematizados e clássicos) e as formas (meios) que melhor representem a esfera afetiva da personalidade humana.

Além disso, um trabalho educativo pautado na pedagogia histórico-crítica, utilizando da arte como forma-conteúdo a ser apropriada neste processo, pode possibilitar a objetivação pelos sujeitos de questões históricas, políticas, éticas e estéticas; bem como possibilitar que os mesmos passem a compreender, representar, manifestar, e até mesmo transformar suas vivências, sentimentos e emoções em uma direção genérica e humanizadora.

Referências

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______________.Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Campinas, SP:

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Referências

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