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"Eu sou a primeira mulher a administrar a Sociedade Protetora dos Desvalidos em 183 anos

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Academic year: 2022

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"Eu sou a primeira mulher a administrar a Sociedade Protetora dos Desvalidos em 183 anos”

Durante a sua gestão na SPD, Lígia Margarida conseguiu ampliar os projetos sociais, reparar parte do acervo histórico e trazer a igualdade de gênero para o instituto

CAMILA CARRERA

Retrato da atual gestora da SPD, Lígia Margarida, na sacada da instituição (Foto: Camila Carrera)

Ao caminhar sob os paralelepípedos do Pelourinho, na região do Largo do Cruzeiro, em Salvador, é possível avistar um casarão de cor azul clara, com dois andares e rodeado por vendedores ambulantes, que fica próximo à Igreja e Convento de São Francisco. Neste casarão, pouco conhecido pelos soteropolitanos, é onde se encontra a atual sede da Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD), fundada em 1832 período em que a lei de proibição ao tráfico negreiro foi regulamentada no Brasil e, que, atualmente, é gerenciada por Lígia Margarida de Jesus (67), também conhecida como a primeira mulher a administrar o instituto em 183 anos.

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Graduada em psicologia e biologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), instituição onde também realizou o seu mestrado em Desenvolvimento e Gestão Social, a atual dirigente da SPD, a partir do ano de 2015, passou a se dedicar à administração do instituto, no que tange o planejamento e a execução dos projetos sociais os principais motivadores da criação da Sociedade Protetora dos Desvalidos e a manutenção da estrutura dos bens materiais e imateriais.

“Por um lado, me sinto confortável, porque eu estou num espaço em que a minha ancestralidade esteve e, por outro, é um desafio, já que temos que enfrentar uma série de problemáticas sociais. Por isso, enquanto gestora da Sociedade Protetora, não tenho nenhum temor. Eu tenho vontade de acumular e renovar as energias para seguir em frente”, comenta.

Segundo Lígia, uma de suas prioridades, desde o início de sua gestão, foi e ainda é dar destaque aos trabalhos sociais direcionados à população negra em condição de vulnerabilidade social, incluindo às comunidades quilombolas da Bahia. “Como mulher negra, criada no subúrbio de Salvador, eu entendo que o trabalho realizado pela SPD com os desvalidos que, no momento, está sendo adaptado conforme a realidade contemporânea, precisa de continuidade já que ainda há muita desigualdade social por aí”, relata.

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A gestão de Lígia Margarida

Lígia Margarida ao lado do seu troféu “Sua Raiz. Sua Identidade” (Foto: Camila Carrera)

No decorrer dos seis anos que está à frente da instituição, junto com os seus companheiros (as) de trabalho, Lígia conseguiu ampliar as parcerias da SPD e criar relações com organizações nacionais, como a Coalizão Negra por Direitos, que ajuda na captação de recursos revertidos em alimentos repassados por meio da instituição a trabalhadores (as) autônomos, comunidades quilombolas e pessoas em situação de rua. Devido a realização do cadastramento, o instituto tem o controle em relação a quantidade de doações e beneficiados (as). Atualmente, a SPD ajuda cerca de 150 famílias e fornece 150 de cestas básicas, auxiliando uma média de 500 pessoas mensalmente.

Além da captação dos recursos, os programas de apoio também foram ampliados, como o incentivo ao projeto “Hoje Menina, Amanhã Mulher”, que visa fomentar discussões sobre a defesa dos direitos das mulheres negras. Através desta parceria, os professores colaboradores da SPD passaram a intermediar as rodas de conversa e fornecer orientações às garotas. O grupo de terapia destinado a mulheres negras vítimas de agressões físicas, psíquicas e

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sexuais, conduzido por profissionais da área de psicologia associados ao instituto, também foi instalado. A partir deste projeto, foi possível criar uma rede de apoio.

“Eu me orgulho de ter aberto a SPD para discutir sobre a defesa dos direitos das meninas e mulheres negras. É uma forma de alimentar os seus sonhos, de apoiá-las e prepará-las para os desafios”, comenta Lígia. O espaço de apoio a jovens empreendedores negros, instalado no prédio ao lado que pertence à organização, também foi implantado, além da casa de apoio voltada a estudantes africanos e quilombolas. “Por meio destes programas, os jovens passaram a ter acesso a conhecimentos voltados ao empreendedorismo, e os estudantes quilombolas a um local para ficar enquanto estudam ou realizam atendimentos médicos nos hospitais da capital”, informa.

Como administradora dos patrimônios imateriais, Margarida também é responsável pelos artefatos históricos que compõem a SPD que, por sua vez, fazem parte do acervo da memória e da história do Brasil. “Praticamente tudo que está aqui faz parte do processo antigo. Poucas coisas foram inseridas ou modificadas, justamente para preservar a identidade do espaço. O que costuma passar por adaptações é a estrutura por uma questão de segurança, e alguns objetos, como os livros de ata, que foram revitalizados”, explica.

Devido a instituição não receber ajuda financeira do município, estado e governo federal, a gestora teve a iniciativa de inscrever a organização em editais para ir em busca de auxílio financeiro. “Felizmente, conseguimos ser apoiados e contemplados pelo edital Aldir Blanc, um projeto a nível da cultura que, através do governo estadual, repassou fundos para a SPD e algumas outras instituições históricas recuperarem os seus bens imateriais. Inclusive, foi por conta deste edital que conseguimos restaurar os livros de ata, em que consta as anotações das reuniões dos primeiros participantes do instituto”, conta. Lígia também relata que, por meio dos editais, a SPD conseguiu apoio da Fundação Brasil de Direitos Humanos e do Sesi, que colaboraram para a realização do encontro de mulheres negras urbanas e quilombolas que aconteceu 2017 na cidade de Salvador, a fim de promover trocas culturais, incidências políticas e união entre as mulheres negras.

Vale lembrar que, em fevereiro de 2020, a SPD foi notificada pela Defesa Civil de Salvador (Codesal) em decorrência de algumas danificações na estrutura do prédio. O segundo andar estava comprometido; as paredes estavam com rachaduras e os pisos de madeira

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prejudicados. Junto com os outros colaboradores, Lígia conseguiu unir forças e recursos para realizar as restaurações e dar continuidade aos projetos.

Enfim, a igualdade de gênero!

Lígia Margarida prestes a subir a escadaria da SPD (Foto: Camila Carrera)

Como a desigualdade de gênero se manteve presente na formação da coordenação do instituto por quase dois séculos, após assumir o cargo de presidente do diretório, Lígia fez questão de trazer igualdade para a Casa. Atualmente, contando com ela, só na diretoria, há mais nove mulheres, sendo que o setor é composto por 19 pessoas. “Desde a minha primeira gestão como diretora, a minha intenção foi trazer a igualdade de gênero para a SPD. Hoje, tenho orgulho de dizer que, pela primeira vez na história do instituto, a Sociedade Protetora passou a ter na diretoria homens e mulheres em quantidade mais igualitária”, enaltece.

Antes de alcançar o cargo de presidente do diretório administrativo, trabalhou como voluntária associada da instituição durante 15 anos. Em seguida, exerceu o cargo de secretária geral (a primeira mulher) e, por fim, passou a ser presidente do setor. No momento, está na sua segunda gestão e, quando for finalizada, ainda este ano, pretende se candidatar ao cargo

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de diretora geral. “Quando eu deixar a minha posição, pretendo concorrer à diretoria da assembleia e, tenho a preferência que uma mulher fique no meu lugar por estarmos em menor quantidade em relação ao cargo”, pontua.

No início da sua gestão, Lígia enfrentou alguns desafios em relação à forma de pensar de alguns companheiros de trabalho, que demonstravam não acreditar na sua capacidade frente à liderança. “Quando assumi o cargo, eu me senti muito desafiada pelo pensamento acerca da crença de que uma mulher não possui capacidade para estar onde eu estava. Além disso, eu percebia alguns comportamentos e posicionamentos dissimulados”, relata Lígia ao contar sobre uma de suas experiências em relação ao machismo.

“Houve uma reunião em que um diretor se exaltou, falando alto e se dirigindo a mim. Eu percebi que ele tentou se sobrepor a minha posição, batendo na mesa e

fazendo gestos que foram bastantes constrangedores”.

Apesar de ter encontrado algumas adversidades à sua frente, não perdeu de vista os seus objetivos que, desde o início de sua carreira na secretaria e ao longo de sua trajetória como diretora, foi preservar a memória e a visão social do instituto. “A SPD foi a primeira instituição cívil voltada à proteção do povo negro no Brasil. Aqui, os ex escravizados conseguiam um abrigo, recebiam orientações sobre possíveis formas de susbsistência e, através disso, obtinham os seus ganhos para se sustentar e ajudar na compra das alforrias daqueles (as) que ainda estavam sob condição de escravidão. Todo esse movimento foi embasado e alicerçado nas lutas de Búzios e dos Malês”, conta Lígia ao enaltecer o seu propósito e a representatividade da SPD para a história brasileira. "Não existe desenvolvimento e cultura sem história. Para ter um bom desenvolvimento social, sustentável, respeitador e integrativo tem que existir referências sobre a sua identidade. A SPD é um marco histórico do nosso país, porque a história do Brasil passa por aqui”.

Referências

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