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POLÍTICA CAMBIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: TEORIAS E EVIDÊNCIAS PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

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POLÍTICA CAMBIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: TEORIAS E EVIDÊNCIAS PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Eliane Araújo1 Resumo

O presente artigo analisou teoricamente os objetivos da política cambial nos países em desenvolvimento, enfatizando a importância dessa política para o crescimento econômico. Além disso, o artigo explora quais os canais de influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico, ressaltando seu estímulo à variável investimento e à exportação de bens não- tradicionais, bem como sua compensação às falhas de mercado e às restrições de balanço de pagamentos características dos países em desenvolvimento. Mediante a síntese de resultados teóricos e empíricos, as considerações finais ressaltam que a política cambial é uma importante ferramenta de política econômica e sua utilização efetiva pode trazer inúmeros benefícios para os países em desenvolvimento.

Palavras-chave: política cambial, crescimento econômico, países em desenvolvimento.

Abstract

The present article theoretically analyzed the objectives of exchange rate policy in developing countries, emphasizing the importance of this policy to promote economic growth. Moreover, the article explores the channels through which exchange rates can affect economic growth, highlighting its stimulus to investment and export of non-traditional goods, as well as its compensation to market failures and to balance of payment constrains – characteristics of developing countries. Through the synthesis of theoretical and empirical results, the final considerations of this work are that the exchange rate policy is an important political economics tool and its effective utilization could bring many benefits to developing countries.

Key words: Exchange Rate Policy, Economic Growth, Developing countries.

1. Introdução

O colapso do sistema de Bretton Woods, em 1973, marcou o fim do regime de taxas de câmbio fixas entre as maiores economias industrializadas. Inicialmente, muitos países em desenvolvimento responderam a esse evento tentando sustentar a paridade fixa de suas moedas.

No entanto, com o passar do tempo, a maior parte dessas economias moveu-se em direção a regimes cambiais mais flexíveis. A conseqüência dessa mudança tem sido a ampliação do grau de volatilidade cambial nos países que, associada ao aumento dos fluxos de capitais, deu início a uma fase marcada por crises externas e financeiras com graves repercussões econômicas e sociais.

Nesse contexto, o debate relativo à política cambial tornou-se de extrema importância, em especial para os países em desenvolvimento que, na maioria das vezes, são caracterizados por baixa credibilidade, dificuldades de acesso aos mercados internacionais, efeitos adversos da volatilidade das taxas de câmbio sobre o comércio internacional, maior propensão à dolarização, maior coeficiente de repasse das taxas de câmbio para a inflação, entre outras características (HAUSMANN, PANIZZA e STEIN, 2001).

A partir de então, surgem discussões acerca de quais deveriam ser os objetivos da política cambial nos países em desenvolvimento. A literatura tradicional, representada por Corden (2002), destaca três principais abordagens: i) a da âncora nominal, na qual a escolha da política cambial deve considerar a estabilidade de preços; ii) a abordagem da estabilidade da taxa de

1 Doutoranda em Economia IE-UFRJ e IPEA.

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câmbio, que reconhece os problemas da volatilidade cambial para a economia real e iii) a abordagem das metas reais, dentro da qual a taxa de câmbio deve ser utilizada como instrumento para que o país atinja o equilíbrio macroeconômico.

Além das alternativas mencionadas, outra – denominada por Williamson (2003) de abordagem da taxa de câmbio como estratégia para o desenvolvimento (exchange rate development strategy approach) – tem-se mostrado relevante para a escolha da política cambial nos países em desenvolvimento. Segundo essa abordagem, a taxa de câmbio é uma variável- chave de política econômica. Assim, se o país a mantém em um nível relativamente competitivo, que motive suas empresas a venderem produtos outros que a tradicional exportação de commodities, isso implica aumento dos investimentos, emprego e crescimento econômico.

A referida abordagem é inspirada na observação de que os países em desenvolvimento da Ásia têm crescido mais rapidamente que os países da América Latina e da África, e a explicação para essa diferença passa pelo entendimento da forma de administração da política cambial nesses países, o que já era defendido por autores como Balassa (1978), Krueger (1982), Sachs (1985) e Dollar (1992).

A partir dessas observações, diversos trabalhos têm investigado a relação empírica entre política cambial e crescimento econômico (DOLLAR, 1992; RAZIN e COLLINS, 1997; entre outros). No entanto as explicações teóricas para essa relação, ou seja, os canais de influência da taxa de câmbio para o crescimento econômico, permanecem pouco exploradas. Sendo assim, a presente pesquisa, além de investigar os princípios que norteiam a escolha da política cambial nos países em desenvolvimento, dedica-se a explorar os canais de influência da taxa de câmbio para o crescimento econômico.

Para tanto, o artigo encontra-se estruturado em seis seções. A primeira seção discute as abordagens tradicionais para a escolha da política cambial, enfatizando a importância dessa política para a estabilidade de preços, para a estabilidade econômica e para o equilíbrio macroeconômico. A segunda parte apresenta a abordagem da taxa de câmbio como estratégia de desenvolvimento e os argumentos em prol dessa abordagem. Na seqüência, os canais de influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico são discutidos. Para completar a análise teórica, expõe-se uma síntese de trabalhos empíricos que investigaram os impactos da política cambial sobre o crescimento econômico. Por fim, na última parte, encontram-se as considerações finais da pesquisa.

2. Abordagens tradicionais para a escolha da política cambial

O pensamento ortodoxo representado por Corden (2002), Bank for International Settlements (BIS) (2005), e por Stiglitz (1999 e 2002) emprega três principais abordagens para a escolha da política cambial: a abordagem da âncora nominal, a abordagem das metas reais e a abordagem da estabilidade da taxa de câmbio; essas três abordagens são discutidas em detalhes nas próximas subseções.

2.1 Abordagem da âncora nominal

Essa estratégia é freqüentemente utilizada por países com histórico de inflação elevada.

Buscando reduzir a inflação, fixam a taxa de câmbio2 a uma moeda âncora que tenha um longo histórico de estabilidade de preços e instituições bem estabelecidas que ajudem o país a atingir seu objetivo de redução da inflação.

Segundo Bruno (1990), a redução da inflação em economias caracterizadas por processos inflacionários crônicos depara-se, em geral, com o problema da indexação, especialmente dos salários, o que leva à necessidade de um rompimento com a memória inflacionária. Nessa situação, processos formais de desindexação não são suficientes, visto que a falta de credibilidade do governo pode causar certa rigidez nominal nos preços e nos salários. Decorrente

2 Segundo Edwards e Savastano (1999), a taxa de câmbio não precisa ser necessariamente fixa para ser uma âncora, pois outros regimes, como o de bandas cambiais, também podem ser utilizados para esse fim.

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desse aspecto, advém a importância de um sinal claro de mudança na condução da política, que pode ser alcançado com a utilização de âncoras nominais.

Assim, se o objetivo é reduzir a inflação sem causar recessão e desemprego, o país precisa de disciplina e de credibilidade. Para Tavlas (2000), a disciplina se refere às restrições sobre a capacidade do governo em expandir a oferta de moeda para financiar seu déficit fiscal ou para ratificar os aumentos de salários. Já a credibilidade diz respeito ao estabelecimento de um consenso de que o déficit fiscal e/ou os aumentos de salários não serão respaldados pela expansão monetária, e que a inflação se reduzirá ou será completamente eliminada. Nesse contexto, a utilização de uma âncora cambial pode levar ao alcance tanto da credibilidade quanto da disciplina.

Segundo Corden (2002), se o país possui um regime de câmbio fixo, os preços dos bens não podem aumentar muito acima daqueles atrelados à âncora cambial e, além disso, não existe liberdade para expansão da oferta de moeda3. No entanto, isso não significa que não existirão episódios de inflação temporários quando, por exemplo, o preço relativo dos bens não- comercializáveis com o exterior aumentar devido a um boom doméstico financiado por influxos de capitais, significa apenas que uma inflação contínua, gerada domesticamente, não será mais possível.

Já em um sistema de câmbio puramente flexível, a taxa de câmbio não pode atuar como uma âncora. No entanto, outras formas de âncora nominal podem ser utilizadas, como é o caso de uma política monetária com forte compromisso de inflação baixa. De acordo com Corden (2002), tal política pode ser executada mediante uma regra de crescimento restritiva da oferta de moeda, que era defendida pelos monetaristas desde os anos 1970 e 1980, ou também via utilização de um sistema de metas de inflação. Enquanto a primeira encontra-se em desuso na atualidade, a segunda tem encontrado grande aplicabilidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O sistema de metas de inflação – utilizado inicialmente em países industrializados, como Nova Zelândia, Canadá e Reino Unido – tornou-se uma alternativa para países em desenvolvimento, como Brasil, Chile, Polônia e África do Sul, em virtude de algumas experiências frustrantes de países da América Latina e da Ásia com regimes de taxas de câmbio fixas, que levaram a profundas crises financeiras.

Seguindo Mishkin (2000), a política de metas de inflação é composta por alguns elementos principais: i) o anúncio público de uma meta de inflação de médio prazo; ii) um compromisso institucional para estabilidade de preços como objetivo primordial da política monetária, para o qual outros objetivos são subordinados; iii) a informação de que outras variáveis, além dos agregados monetários e da taxa de câmbio, serão utilizadas como instrumento de política; iv) a elevação da transparência da política monetária por meio da comunicação para o público e o mercado sobre os planos, objetivos e decisões das autoridades monetárias e v) o aumento do compromisso do Banco Central em atingir o objetivo de inflação baixa.

Nessa estratégia de política, o Banco Central faz o compromisso de atingir uma taxa de inflação reduzida por meio de variações na taxa de juros de curto prazo. Para Corden (2002), esse é essencialmente um compromisso de médio prazo, de modo que é preciso evitar pressões políticas que façam a política monetária se desviar de seu compromisso.

No entanto esse sistema de metas de inflação não necessariamente leva à estabilidade da taxa de câmbio, o que pode resultar em desvios de curto prazo da meta, particularmente por causa da grande defasagem entre mudanças na taxa de câmbio e o resultado da inflação.

Somando-se a isso, a política de taxa de juros tem de ser baseada em previsões de qual a tendência da inflação caso não haja mudanças de política, que dificilmente estão corretas, visto que a meta de inflação tem freqüentemente uma orientação de médio prazo. No entanto, se o

3 Que é a idéia de oferta monetária endógena do modelo Mundell-Fleming (MUNDELL, 1963 e FLEMING, 1962).

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Banco Central consegue garantir a completa administração da inflação, o alcance dessa disciplina pode implicar credibilidade para a política, assim como acontece na âncora cambial.

Portanto o uso das metas de inflação como uma âncora nominal em um regime de taxas de câmbio flexíveis é um compromisso entre o governo e os formuladores de política monetária para atingir uma taxa de inflação pré-anunciada a médio e a longo prazo, e mostra-se como uma alternativa ao uso da taxa de câmbio fixo como âncora nominal.

Ao comparar os regimes de metas de inflação e de âncoras cambiais, Corden (2002) observa que, em países com sérios problemas de inflação, a meta de inflação tende a garantir menos disciplina e credibilidade que o regime de taxas de câmbio fixas. Isso ocorre porque o monitoramento da meta de inflação não é feito facilmente como o é o compromisso para a taxa de câmbio e, assim, a possibilidade de políticas inflacionárias não é completamente excluída, o que torna a credibilidade mais difícil de ser estabelecida. Portanto, se o objetivo da âncora nominal for fornecer um único critério para a taxa de câmbio e a política monetária mediante uma moeda âncora adequada, o regime de câmbio fixo é preferível4.

Porém a meta de inflação tem a vantagem de ser mais flexível que o regime de câmbio fixo. Tomando como exemplo o caso de um país que se depare com um choque negativo, tal choque pode levar a uma recessão econômica sob um regime de câmbio fixo, pois a política monetária não pode ser utilizada para amenizar a recessão. Ao contrário, em um regime de metas de inflação e taxas de câmbio flutuantes, existe um escopo para a política monetária que pode reduzir a taxa de juros e depreciar a taxa de câmbio, amenizando a depressão. Diante desse argumento, o ponto importante a ser ressaltado é que o sistema de metas de inflação é mais flexível que o regime de câmbio fixo5.

Resumidamente, a abordagem da âncora nominal como estratégia para a escolha da política cambial defende que a política cambial precisa levar em consideração a importância da taxa de câmbio como instrumento para reduzir a inflação, seja mediante uma âncora cambial ou um sistema de metas de inflação, de modo que o objetivo central da política cambial seja manter a estabilidade de preços.

2.2 Abordagem da estabilidade da taxa de câmbio

As taxas de câmbio entre as moedas têm-se mostrado altamente instáveis desde o colapso do sistema de Bretton Woods, vigente de 1946 a 1973. Sob esse sistema, as taxas de câmbio eram fixas em níveis determinados pelos governos. Já sob o sistema de taxas de câmbio flutuante, que prevalece desde 1973, essas taxas têm sido determinadas por compradores e vendedores de moeda externa, implicando grande instabilidade cambial, ao contrário do que previam autores como Friedman (1953)6 e Johnson (1969).

Nesse contexto, a abordagem da estabilidade da taxa de câmbio é defendida por autores que concedem especial importância ao problema de flutuação cambial, haja vista que a volatilidade de curto prazo e/ou o desalinhamento de médio prazo nem sempre representam movimentos corretivos ou descrevem os fundamentos da economia, como muitos economistas previam (MORENO, 2005).

Segundo Corden (2002), como exemplo de flutuação cambial, é possível citar o caso da taxa de câmbio yen-dólar, que passou de 85 dólares por yen, em junho de 1995, para 141, em junho de 1998. Outro exemplo ilustrativo é o do dólar que, baseado nos pesos do comércio, apreciou-se 50% de 1979 a 1985 e, em 1987, voltou para o patamar de 1979. Há ainda uma

4 Para maiores esclarecimentos sobre as vantagens e as desvantagens dos regimes de metas de inflação e âncora cambial, ver Mishkin (1999) e Obstfeld e Roggof (1995).

5 Para Bernanke e Mishkin (1992), por possuir essas características, o sistema de metas de inflação é considerado um caso híbrido entre uma política de regras e uma política discricionária.

6 Friedman (1953) acreditava que a taxa de câmbio deveria flutuar de forma pura, de modo que o banco central não deveria formar reservas para influenciar o preço da moeda estrangeira. No entanto, o câmbio flutuante não implicaria câmbio volátil, haja vista que os especuladores agiriam no sentido de manter a estabilidade dessa taxa.

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história mais dramática, a da rúpia indonésia, em 1998; nesse período, a rúpia passou de 8.325 por dólar, em março, para 15.000, em junho, e voltou para 8.000, no fim do ano.

É certamente plausível que essas altas e baixas são prejudiciais ao comércio e ao movimento de capitais de longo prazo, mesmo que sejam difíceis de serem mensuradas. Dentre os principais efeitos da instabilidade cambial, Esquivel e Larraín (2002) apontam aqueles relacionados aos fluxos comerciais, aos investimentos estrangeiros diretos, às crises cambiais, ao custo do serviço da dívida e aos preços das commodities.

No que se refere à relação entre volatilidade da taxa de câmbio e comércio, o argumento é que a incerteza sobre a taxa de câmbio reduz o volume do comércio, porque os agentes econômicos são avessos ao risco e não querem arriscar seu lucro esperado. No caso dos investimentos estrangeiros diretos, a idéia é de que a volatilidade cambial aumenta a incerteza sobre o retorno dos investimentos, além de ter impactos sobre a riqueza real dos investidores que podem levar a mudanças no padrão de investimento. Quanto à relação entre volatilidade da taxa de câmbio e as crises financeiras, os autores ilustram como exemplo a grande volatilidade da moeda dos países asiáticos que levou à crise de 1997. Relativamente ao serviço da dívida, como muitos países em desenvolvimento são devedores líquidos, mudanças nas taxas de câmbio podem afetar negativamente a dívida. Por fim, o preço das commodities é afetado porque variam de acordo com as variações na taxa de câmbio (ESQUIVEL e LARRAÍN, 2002).

É claro que isso implica que flutuações na taxa de câmbio nominal têm efeitos reais e, em particular, que os salários e os preços dos bens não-comercializáveis com o exterior ou mesmo o preço dos produtos que competem com as exportações são, de certa forma, rígidos, fazendo que as flutuações na taxa de câmbio nominal tenham efeitos sobre as flutuações na taxa de câmbio real.

Sendo assim, ao se levar em consideração que os movimentos na taxa de câmbio não refletem os fundamentos da economia ou as mudanças esperadas nesses fundamentos, e ainda que tais movimentos tenham efeitos adversos para a economia real, advém a relevância de se considerar a estabilidade do câmbio como fundamento para se determinar qual a política cambial que será praticada pelo país7.

Essa estabilidade pode ser obtida de duas formas: i) pela adoção de regimes de câmbio fixo e ii) pela manipulação de instrumentos de política monetária, como a taxa de juros e as reservas bancárias, com o intuito de se manter a estabilidade cambial. No entanto, os defensores da abordagem da estabilidade das taxas de câmbio ressaltam especialmente a primeira opção.

É possível considerar alguns casos distintos de instabilidade cambial apontados por Corden (2002). O primeiro deles ilustra o caso em que a flutuação cambial ocorre puramente por causa da flutuação nas expectativas de mercado sobre o futuro da taxa de câmbio, que pode, por exemplo, depender das expectativas sobre o futuro da política monetária. Se essa expectativa de flutuação é tomada como dada, então a tentativa de fixar a taxa de câmbio pode simplesmente converter a instabilidade cambial em instabilidade da taxa de juros. Por outro lado, a decisão de fixar a taxa de câmbio permanente e de forma crível, mudando para um regime de câmbio fixo ou um sistema de currency board, um país pode estabilizar as expectativas e conceder um ganho de estabilidade. Essa é a essência dos argumentos em prol da abordagem da estabilidade da taxa de câmbio.

Um segundo caso pode ser considerado, qual seja que a taxa de câmbio varie de acordo com fatores subjacentes aos fatores reais, por exemplo, uma mudança nos termos de troca. Nesse caso, a instabilidade da taxa de câmbio pode aumentar a instabilidade real, de modo que mudanças podem ser requeridas pelos fundamentos da economia, tais como as divergências nos termos de troca e nos ciclos de negócios (EDWARDS, 1989).

Por fim, um último caso a se considerar é aquele em que as taxas de câmbio flutuam puramente por causa do comportamento irracional do mercado ou comportamento de manada

7 Há uma vasta literatura referente à influência de mudanças nos fundamentos econômicos sobre a taxa de câmbio, podendo-se destacar Edwards (1989) e Hinkle e Montiel (1999).

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dos agentes econômicos. Em tal situação, a importância da estabilidade da taxa de câmbio é ampliada, haja vista que os movimentos do câmbio não dependerão nem das expectativas com relação à taxa de câmbio futura nem das mudanças nos fatores reais.

Segundo Corden (2002), outra questão importante a ser verificada dentro dessa abordagem é como o crescimento da mobilidade internacional de capitais pode afetar a escolha da política de taxas de câmbio. De acordo com o autor, é sabido que o crescimento do mercado internacional de capitais, combinado à liberalização de capital e à dificuldade de controlar esses fluxos, ampliou a especulação nos mercados financeiros8. Se essa especulação é desestabilizadora, ao invés de estabilizadora, as taxas de câmbio flutuantes tendem a se tornar mais instáveis, o que é um importante argumento em favor da estabilidade da taxa de câmbio mediante regimes de câmbio fixo em detrimento dos regimes flutuantes.

Portanto, de acordo com a abordagem da estabilidade da taxa de câmbio, a instabilidade é um dos maiores problemas que o câmbio pode trazer para a economia. Diante dessa questão, a escolha da referida política deve enfatizar sempre a estabilidade das taxas de câmbio, de modo a manter a estabilidade da economia como um todo, o que pode ser alcançado especialmente via regimes de câmbio fixo.

2.3 Abordagem das metas reais

A abordagem das metas reais como estratégia ótima para a escolha da política cambial reconhece o papel-chave da taxa de câmbio na determinação do equilíbrio macroeconômico. A taxa de câmbio é vista como um instrumento que pode ser manipulado para atingir o equilíbrio macroeconômico e facilitar o alcance de metas reais. Um exemplo de metas reais pode ser o caso de um país que se depara com um déficit em conta corrente; segundo essa abordagem, se o país realizar uma desvalorização nominal de sua moeda, isso implica uma desvalorização real, de tal forma que a competitividade externa do país é restaurada (MORENO, 2005).

De acordo com Corden (1993), a referida abordagem baseia-se em algumas hipóteses. A primeira delas é que existe certa rigidez nos salários nominais e nos preços dos bens não- comercializáveis com o exterior, de modo que a redução dos salários reais em termos desses bens, ocasionada pela desvalorização nominal, não é rapidamente revertida pelo aumento dos salários nominais. Dessa forma, desvalorizações nominais podem conduzir a desvalorizações reais, embora não necessariamente na mesma medida. Outra hipótese é que a desvalorização real tem significantes efeitos sobre o produto e o padrão de demanda; em particular, ela tende a aumentar as exportações e a reduzir as importações. Por fim, a última hipótese é que o país está sujeito a choques internos e externos, que trazem a necessidade de desvalorizações reais.

Nessa abordagem, as políticas monetária e cambial objetivam impactar variáveis reais como o produto e o emprego, que, por sua vez, dependem de muitos outros fatores reais, como o salário real. Supondo, como exemplo, um choque adverso que reduza o nível de emprego para um dado salário real. Para manter o nível desejado de emprego, o salário real deve ser reduzido.

Assumindo que o salário nominal é dado, um aumento no nível de preços domésticos, trazido por uma expansão da demanda doméstica ou pela depreciação da taxa de câmbio nominal, pode levar ao declínio desejado do salário real e então manter o nível de emprego (MORENO, 2005).

Segundo Corden (2002), existem duas hipóteses implícitas a essa abordagem. Primeiro, os salários nominais são rígidos para baixo, de modo que uma elevação nos preços é necessária para reduzir o salário real e restaurar o nível de emprego. Nesse caso, a hipótese mais comum e plausível é que, no curto prazo, pelo menos o excesso de oferta de trabalho não leve a um declínio suficiente nos salários nominais, embora o excesso de demanda possa levar a um aumento dessa variável. Assim, o salário nominal é rígido para baixo, embora seja flexível para cima. A segunda hipótese é que um declínio nos salários reais, devido a um aumento nos preços,

8 O livro de Edwards (2000) - Capital Flows and the Emerging Economies: Theory, Evidence, and Controversies - é uma boa referência sobre a crescente mobilidade internacional de capitais e suas repercussões para as economias emergentes.

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não será compensado por aumentos nos salários nominais que visem aumentar o nível dos salários reais, não existindo indexação formal ou informal da economia. Em outras palavras, a hipótese é que o salário real, em contraste com o salário nominal, é flexível para baixo. Na medida em que esse conjunto de hipóteses é válido, duas assimetrias passam a existir: i) os salários nominais são rígidos para baixo, mas não para cima e ii) os salários reais são flexíveis para baixo.

Portanto, no regime de câmbio flutuante, um choque adverso que leve à recessão e ao desemprego pode ser seguido por uma expansão monetária que reduza a taxa de juros, desde que liderados por alguma expansão da demanda doméstica e/ou depreciação da taxa de câmbio nominal. A depreciação nominal, por sua vez, pode aumentar a taxa de câmbio real, tornando a economia mais competitiva e, portanto, aumentando o nível de emprego.

Sendo assim, sob o ponto de vista da abordagem das metas reais, a distinção entre regime de câmbio flutuante e fixo é importante quando o país sofre um choque negativo, pois, enquanto o primeiro regime ajuda o país a restaurar seu equilíbrio, o segundo é incompatível com essa abordagem. No entanto essa distinção não é relevante quando o país se depara com um choque positivo. Para ilustrar essa afirmação, podem ser citados dois exemplos de choques positivos ocorridos na Inglaterra e na Irlanda (CORDEN, 2002).

Considere o caso da Inglaterra, que adota o regime de metas de inflação desde 1992. Por várias razões, houve no país boom exportador, especialmente no setor financeiro, e também alguma melhora na produtividade geral que levou ao influxo de capitais e, em conseqüência, a uma apreciação da taxa de câmbio. As metas de inflação evitaram uma aceleração inflacionária, levando não somente a uma apreciação nominal, mas também a uma apreciação real da taxa de câmbio. Tal acontecimento teve um efeito adverso de “doença holandesa”9 sobre as exportações industriais, principalmente manufaturas, que não se beneficiaram significativamente de aumentos de produtividade ou de aumentos na demanda mundial. O fluxo de capital financiou o déficit em conta corrente que foi resultante de uma explosão de gastos e de uma apreciação real da taxa de câmbio.

No caso da República da Irlanda, a política monetária não era independente, haja vista que o país era um dos membros do Sistema Monetário Europeu, no ano de 2000, e praticava um regime de câmbio fixo. Assim como na Inglaterra, houve uma melhora na produtividade e, por várias razões, houve aumento no influxo de capitais, nos gastos domésticos, nos salários e nos preços dos bens não-comercializáveis com o exterior. Mesmo com o câmbio fixo, houve apreciação real da taxa de câmbio. Na verdade, o aumento da produtividade foi muito maior que na Inglaterra, isso porque a apreciação real foi trazida não só pela apreciação nominal da taxa de câmbio, mas também pelo aumento de preços domésticos. Não obstante, não existia o perigo de que as expectativas de inflação pudessem ter gerado esse processo. A participação no Sistema Monetário Europeu assegurava que não poderia existir expansão monetária outra que aquela resultante do processo de entrada de capitais.

O ponto principal é que os efeitos reais da entrada de capitais e do boom de produtividade foram qualitativamente muito parecidos nos dois países e, assim, independentes da escolha do regime de taxas de câmbio. Na Inglaterra, a taxa de câmbio nominal apreciou-se e, na Irlanda, o nível de preços domésticos se elevou, de modo que, em ambos os países, a taxa de câmbio real se apreciou. Na Inglaterra, os defensores da entrada do país no Sistema Monetário Europeu atribuíram a apreciação cambial e a perda da competitividade do país à escolha do regime de taxas de câmbio ou à decisão da Inglaterra de não ter se juntado ao Sistema Monetário Europeu.

No entanto o regime de taxas de câmbio provavelmente não fez muita diferença, pois, diante de

9 Segundo Corden e Neary (1982), o conceito econômico de “doença holandesa” tenta explicar a relação entre a exploração de recursos naturais e o declínio do setor manufatureiro. O termo foi formulado para descrever o declínio da indústria manufatureira na Holanda após a descoberta de gás natural. A teoria diz que um aumento de receita decorrente da exportação de recursos naturais irá desendustrializar uma nação devido à valorização cambial, que torna o setor manufatureiro menos competitivo.

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uma apreciação ou de um boom de gastos, uma apreciação cambial pode ser esperada sob ambos os regimes. A única qualificação a ser feita a essa conclusão é que, para um dado choque, a apreciação nominal tende a ocorrer mais rápido do que o aumento de preços domésticos.

Dessa forma, quando existe um choque positivo, a escolha do regime de taxas de câmbio não faz diferença para o alcance dos objetivos reais. Mas isso não é verdade quando o choque é negativo, haja vista a importância da hipótese, realística, de assimetria do comportamento dos salários, com rigidez para baixo do salário nominal e flexibilidade do salário real.

Em síntese, a abordagem das metas reais enfatiza que a política cambial deve ser usada para alcançar objetivos reais. No caso de choques negativos, a taxa de câmbio pode ser utilizada para restaurar o equilíbrio interno e externo, o que respalda a adoção de um regime de câmbio flutuante. O mesmo não é verdade para choques positivos, pois os resultados são bem parecidos em ambos os regimes.

3. A abordagem alternativa da estratégia de desenvolvimento via taxa de câmbio competitiva

Além das três abordagens para a escolha da política cambial apresentadas anteriormente, outra é aquela que reconhece a importância dos elementos presentes nessas três alternativas, de modo que os países, em especial os em desenvolvimento, possam adotar políticas cambiais que lhes permitam obter benefícios das três opções para a escolha da política cambial.

Dentro desse contexto, está inserida a abordagem da taxa de câmbio como estratégia de desenvolvimento proposta por Williamson (2003), que defende a importância da taxa de câmbio como variável de política econômica para os países em desenvolvimento. De acordo com essa abordagem, se o país possui uma taxa de câmbio relativamente competitiva que motive suas empresas a venderem produtos outros que a tradicional exportação de commodities, isso aumentará o investimento, o emprego e, portanto, o crescimento econômico no país.

Williamson (2003) utilizou os argumentos expostos por Balassa (1982) de que taxas de câmbio mantidas em níveis competitivos incentivam as empresas a venderem no exterior e a seguirem uma orientação para o mercado externo. Tal orientação resulta em aumento dos investimentos no país e em maior contratação de força de trabalho local, estimulando o crescimento econômico. Como exemplo dessa estratégia de crescimento, o autor menciona os países asiáticos, onde os níveis desvalorizados das taxas de câmbio real têm se associado a maiores taxas de crescimento econômico. Ao contrário, uma orientação para o mercado interno fundamentada especialmente em taxas de câmbio real valorizadas associa-se a menores taxas de crescimento econômico, como é o caso de muitos países da África e da América Latina.

Nesse contexto, Williamson (2003) sugere a abordagem da taxa de câmbio como estratégia de desenvolvimento como sendo ótima para a escolha do regime cambial nos países em desenvolvimento. Essa abordagem enfatiza a importância de preservar a competitividade das taxas de câmbio reais para promover a lucrabilidade das transações comerciais com o exterior e incentivar as firmas a ampliarem os investimentos, trazendo, em conseqüência, expansão da produção e do emprego. No entanto, para o autor, apesar da importância dessa política, muitos países em desenvolvimento não têm utilizado a taxa de câmbio como um instrumento-chave para o crescimento econômico. As discussões a esse respeito concentram-se geralmente em problemas macroeconômicos de curto prazo, enquanto a análise de longo prazo é focada mais na sustentabilidade externa do que no crescimento econômico e no emprego.

Essa idéia recebe respaldo de Bresser-Pereira (2004a), o qual assevera que, embora a taxa de câmbio seja um dos principais preços da economia, permanece ainda pouco estudada e mal compreendida. Segundo o autor, nos países em desenvolvimento, a taxa de câmbio é essencialmente uma ferramenta de crescimento econômico. Primeiro, porque uma taxa de câmbio desvalorizada assegura ao país a estabilidade do balanço de pagamentos. Segundo, e principalmente, porque taxas de câmbio competitivas aumentam a poupança e o investimento.

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No que se refere à primeira razão, a taxa de câmbio competitiva estimula exportações e restringe importações, mantendo o equilíbrio em conta corrente. Na segunda razão, a taxa de câmbio competitiva mantém os salários baixos e, como o consumo agregado varia de acordo com o total de salários, este também sofre redução. Por outro lado, a taxa de câmbio competitiva cria oportunidades para investimentos em indústrias exportadoras, promovendo elevação do investimento e do PIB, o que compensa a repressão inicial do consumo.

De acordo com Bresser-Pereira (2004a), essa é uma das explicações para o sucesso das economias do leste asiático. Elas mantiveram a taxa de câmbio desvalorizada de modo a atingir altas taxas domésticas de poupança e de investimento e, também, a evitar crises de balanço de pagamentos. Segundo o autor, a compreensão do sucesso dos países do leste asiático, desde a Segunda Guerra Mundial, passa pelo entendimento de como eles usaram e ainda usam a taxa de câmbio como uma ferramenta estratégica para promover o crescimento econômico.

Dado continuidade o autor ressalta que, apesar do importante papel para o crescimento econômico, a taxa de câmbio pode ser também uma poderosa desencadeadora de crises econômicas. Isso porque os países em desenvolvimento tendem a manter a taxa de câmbio sobrevalorizada para controlar a inflação e gerar populismo10 econômico, haja vista que ela contribui para a elevação dos salários e do consumo. Se essa valorização leva a déficits fiscais e em conta corrente crônicos, o resultado tende a ser o surgimento de crises econômicas.

Portanto, para Bresser-Pereira (2004a), o ideal para os países em desenvolvimento é manter a taxa de câmbio estável e em um nível competitivo, ou seja, relativamente desvalorizado para estimular o investimento e o crescimento econômico. Observa-se que esses argumentos seguem na direção da abordagem da taxa de câmbio como estratégia de desenvolvimento de Williamson (2003), pois ambos os autores defendem a importância da taxa de câmbio e do seu papel para o crescimento e o desenvolvimento econômico de longo prazo nos países em desenvolvimento.

Também reforçando a defesa da abordagem da taxa de câmbio como estratégia para o desenvolvimento, Frenkel (2004) analisa a relação entre taxas de câmbio real e emprego e as políticas macroeconômicas intencionadas a preservar uma taxa de câmbio real competitiva na Argentina, no Brasil, no Chile e no México. Conforme o autor, existem muitas experiências com políticas cambiais no período posterior à liberalização financeira. Muitas políticas focam primariamente o controle da inflação, isto é, as taxas de câmbio são utilizadas como âncoras para a estabilização, como foi o caso da Argentina e do Chile, nos anos 1970, do México, nos anos 1980 e 1990, e da Argentina e do Brasil, nos anos 1990. Em todos os casos, as políticas adotadas levaram a crises econômicas. Mais recentemente, regimes de taxas de câmbio flutuantes foram adotados nesses países, embora as políticas macroeconômicas continuassem, na maioria das vezes, focando sempre e exclusivamente o problema da inflação, em detrimento das metas reais, como crescimento e emprego, que foram excluídos do foco principal das políticas cambiais.

Ao analisar a política cambial desses países entre 1980 e 2003, Frenkel (2004) conclui que preservar a competitividade e a estabilidade da taxa de câmbio real é uma das melhores contribuições que a política macroeconômica pode fazer para melhorar o desempenho macroeconômico nos países em desenvolvimento. Sendo assim, a política cambial deve ser apresentada como um componente de um regime de política macroeconômica apto a perseguir diversos objetivos – na maioria das vezes conflitantes – em um caminho coerente que considere o crescimento e o desenvolvimento econômico de longo prazo.

Rodrik também (2004) junta-se aos autores que defendem a importância da política cambial como uma estratégia de desenvolvimento. Segundo ele, para uma pequena economia aberta, a taxa de câmbio real é definida como a relação entre o preço dos produtos não- comercializáveis com o exterior e dos comercializáveis com o exterior. Na prática, esse preço tende a se mover simultaneamente com a taxa de câmbio nominal. Assim, se ocorrer uma

10 Segundo Bresser-Pereira (2004), o populismo cambial ocorre quando a nação gasta mais do que está ganhando; já o populismo fiscal se dá quando o Estado gasta além de suas receitas.

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desvalorização da moeda (apoiada por políticas monetárias e fiscais adequadas), isso implicará um aumento da lucrabilidade das atividades comercializáveis com o exterior. Segundo o autor, essa desvalorização tem uma série de vantagens. Uma delas é o início da diversificação das atividades dos países em direção a atividades não-tradicionais. Outra vantagem é o fato de que, uma vez que as atividades comercializáveis com o exterior se deparam com a concorrência externa, as atividades que são incentivadas com a desvalorização tendem a ser precisamente as que enfrentam a maior disciplina de mercado, o que as torna mais dinâmicas comparativamente com as demais. Por fim, a maneira pela qual a depreciação subsidia atividades comercializáveis com o exterior é completamente amigável ao mercado. Baseado nessas razões, o autor defende que uma política crível e sustentada de desvalorização da taxa de câmbio real constitui uma das formas mais eficazes de política industrial.

Continuando, Rodrik (2004) ressalta que altas taxas de câmbio reais têm desempenhado um importante papel em alguns dos processos mais recentes de aceleração do crescimento. Por exemplo, é o que aconteceu com o Chile, desde meados dos anos 1980, quando uma grande oscilação dos preços relativos em favor dos bens comercializáveis acompanhou o crescimento desse país. Uma mais que duplicação da taxa de câmbio real na seqüência da crise chilena de 1982-83 desempenhou um papel fundamental para promover a diversificação das exportações não- tradicionais e estimular o crescimento econômico.

Em suma, as análises mencionadas anteriormente ressaltam que a manutenção da taxa de câmbio em níveis competitivos pode estimular o crescimento e o desenvolvimento econômico, notadamente nos países em desenvolvimento. Sendo que esses países devem usar essa variável como uma ferramenta efetiva para impulsionar o crescimento econômico e não apenas restringi- la à obtenção de resultados de curto prazo.

4. Relações teóricas entre taxa de câmbio real e crescimento econômico

Discutidos os diferentes objetivos da política cambial, o presente trabalho filia-se àqueles que defendem a importância desta política como um instrumento impulsionador do crescimento econômico de longo prazo. Para tanto, esta seção é dedicada à investigação da relação teórica entre política cambial e crescimento econômico.

Tal pretensão justifica-se pelo fato de que, apesar da existência de muitos estudos empíricos sobre a relação entre taxa de câmbio real e crescimento econômico, análises teóricas referentes aos canais de influência do câmbio sobre o crescimento econômico são menos exploradas.

Dentro desse contexto, a visão de que a política cambial, mais especificamente taxas de câmbio competitivas, pode ser utilizada para proteger a indústria infante e estimular exportações como estratégia de crescimento econômico é complementada por outros canais de influência do câmbio sobre o crescimento econômico. Sendo assim, destacam-se, nas subseções seguintes, os canais do investimento, da exportação dos bens não-tradicionais (fundamento tecnológico), da compensação às falhas de mercado e às restrição de balanço de pagamentos.

4.1 Investimento

A importância do investimento como um canal de influência da taxa de câmbio real sobre o crescimento econômico é discutida baseando-se nos estudos de Williamson (2003) e de Gala (2007a).

Williamson (2003) investiga essa questão explorando a relação entre poupança e investimento nas teorias neoclássica e keynesiana. Segundo a primeira teoria, para que haja crescimento econômico, é necessária uma maior poupança que possa ser canalizada para investimentos. No entanto uma depreciação da taxa de câmbio melhora o resultado da conta corrente do país, o que implica um menor superávit de poupança para financiar investimento.

Dentro da referida visão, o crescimento econômico é maximizado quando os dois efeitos se equilibram.

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Nesse modelo, o crescimento econômico é uma fração do investimento desejado, que, por sua vez, depende da taxa de câmbio, sendo que uma taxa de câmbio mais competitiva induz a maiores exportações e a maiores intenções de investimento. Porém o investimento é restrito pela poupança total, que é a soma da poupança doméstica mais o déficit em conta corrente, que é uma função negativa da taxa de câmbio. O ponto de maximização do crescimento ocorre onde o investimento é maximizado, o qual se dá na interseção das funções poupança e investimento.

O raciocínio desenvolvido anteriormente assume que todos os bens são comercializáveis com o exterior; assim, uma taxa de câmbio mais competitiva necessariamente aumenta o investimento. No entanto, com a existência de bens não-comercializáveis com o exterior, é necessário investigar se, de fato, a taxa de câmbio depreciada traz impactos positivos para o crescimento econômico. Afinal, uma apreciação real pode não só reduzir os preços relativos dos bens comercializáveis com o exterior e desencorajar o investimento nesse setor, como também aumentar o preço relativo dos bens não-comercializáveis e estimular investimentos nessa área (WILLIAMSON, 2003).

No entanto, segundo Williamson (2003), existem duas razões para se esperar que o impacto líquido de uma depreciação cambial seja favorável ao investimento. Uma advém do fato de que grande parte da demanda por bens não-comercializáveis com o exterior é uma demanda derivada da demanda por bens comercializáveis, como é o caso do serviço de transporte e muitos outros serviços prestados às empresas de exportação. A outra é que o tamanho relativo do mercado para os bens comercializáveis e não-comercializáveis com o exterior é altamente diferente: enquanto no primeiro caso o mercado é o mundial, no segundo caso o mercado é restrito ao nacional.

Para o autor, o que vai determinar o investimento é o desejo de investir, como definido por Keynes (1936), e não o desejo de poupar, como postulado pela teoria clássica. Isso explica a diferente conclusão de política estabelecida pelo autor, isto é, a manutenção da taxa de câmbio em um nível mais competitivo pode ter a importante função de preservar o desejo de investir, ao invés de simplesmente disponibilizar poupança adicional para aumentar a capacidade de investimento.

Portanto, para Williamson, a taxa de câmbio pode estimular o crescimento econômico mediante o estímulo concedido aos investimentos. Dadas as características dos bens comercializáveis com o exterior de estimularem investimentos em outros setores e possuírem uma demanda relativamente maior que a dos bens não-comercializáveis, uma depreciação da taxa de câmbio aumenta os investimentos e, em conseqüência, aumenta o crescimento econômico nas economias que se utilizam de tal instrumento.

Dando continuidade às explicações teóricas referentes à relação entre taxa de câmbio e crescimento econômico, Gala (2007a) ressalta também a importância do investimento como um mecanismo de transmissão da taxa de câmbio para o crescimento econômico de longo prazo.

Seguindo Bhaduri e Marglin (1990), Gala (2007a) discute um modelo keynesiano que mostra como uma moeda desvalorizada pode contribuir para a acumulação de capital. Para isso, o autor define a função investimento como dependendo da capacidade instalada e da margem de lucro, a função consumo como dependendo dos salários reais, e introduz indiretamente o nível da taxa de câmbio real no processo de acumulação de capital. Com essa estrutura e um nível dado de produtividade, a taxa de câmbio real define o nível de salário real mediante o preço relativo dos bens comercializáveis e não-comercializáveis com o exterior.

Nesse contexto, uma apreciação relativa da moeda nacional significa menor preço dos produtos comercializáveis com o exterior, maiores salários reais, menor margem de lucro, maior consumo e menor investimento; já uma moeda depreciada significa maior preço dos produtos comercializáveis com o exterior, menores salários reais, maiores margens de lucro e investimento. Dessa forma, uma depreciação da taxa de câmbio pode contribuir para gerar mais empregos e investimentos devido ao aumento da capacidade instalada resultante de maiores

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exportações. Se o investimento é suficientemente sensível às exportações, a economia pode ingressar em um padrão de crescimento liderado pelos investimentos.

Além disso, complementa o autor, por afetar os salários reais, o nível da taxa de câmbio também influencia a poupança agregada e a dinâmica da dívida externa. Assim, um processo de liberalização da conta de capital com forte influxo de capitais leva freqüentemente a uma valorização da moeda nacional, o que aumenta o consumo dos bens comercializáveis com o exterior. O salário real, artificialmente maior devido à apreciação da taxa de câmbio, estimula o consumo no país que recebe o influxo de capitais. A dívida passa a ser usada para financiar consumo ao invés de gerar recursos que garantam seu pagamento futuro, o que pode desencadear um processo de crescimento com deslocamento de poupança externa11. A continuidade desse processo pode gerar uma dinâmica insustentável da dívida e crises de balanço de pagamentos (GALA, 2007a).

4.2 Compensações às falhas de mercado e às fraquezas no ambiente de contratos

Inserido nessa temática está o artigo de Rodrick (2007). Segundo o autor, qualquer teoria que tente explicar a relação entre taxa de câmbio real e crescimento econômico deve explicar porque os produtos comercializáveis com o exterior são especiais dentro dessa relação. Ao se entender o papel desses bens em gerar crescimento econômico, é possível desenvolver políticas nessa direção.

Rodrik (2007) sugere dois grupos de explicações para a importância dos bens comercializáveis com o exterior. Um deles enfatiza a fraqueza no ambiente de contratos (contractual weaknesses), enquanto o outro enfatiza as falhas de mercado existentes na moderna produção industrial. O autor argumenta que os bens comercializáveis com o exterior sofrem desproporcionalmente com esses efeitos; então, na ausência de políticas compensatórias, as economias em desenvolvimento devotam poucos recursos para esse setor e crescem menos rapidamente do que deveriam. Se isso ocorre, um aumento na taxa de câmbio real pode atuar como um segundo-melhor mecanismo (second-best mechanism) para estimular o setor de bens comercializáveis com o exterior e gerar um maior crescimento econômico.

Quanto ao primeiro grupo de explicações, o autor ressalta que instituições fracas geram baixas apropriações privadas dos retornos dos investimentos, o que ocorre mediante a uma variedade de mecanismos: contratos incompletos, corrupção, falta de mecanismos de proteção à propriedade intelectual, pouca efetividade dos contratos, entre outros. Tais problemas reprimem os incentivos para a acumulação e para o progresso técnico.

Se o setor de bens comercializáveis com o exterior sofre mais severamente com esse problema que o setor de bens não-comercializáveis, que é uma suposição plausível desde que o sistema de produção tende a ser mais complexo no primeiro setor, os resultados são uma má alocação de recursos nessa área e uma distorção dinâmica traduzida na forma de menores investimentos em relação ao que seria socialmente ótimo. Diante dessas condições, um aumento na taxa de câmbio pode melhorar a eficiência estática dos bens comercializáveis com o exterior e estimular o crescimento econômico por tornar elegível uma maior quantidade de investimentos direcionados para tais bens.

A segunda hipótese apresentada por Rodrick (2007) são as falhas de mercado com as quais os países em desenvolvimento se deparam. São citadas como exemplo as imperfeições do mercado de crédito, o prêmio salarial12, as externalidades de coordenação13, entre outras. Esses problemas e outros similares podem interferir em todos os tipos de atividades econômicas nos países em desenvolvimento, mas seus efeitos são sentidos mais intensamente no setor de bens

11 A esse respeito, ver Bresser-Pereira (2004b).

12 O prêmio salarial pode ser entendido como o monitoramento, a rotatividade e outros custos que mantêm os salários acima do salário de equilíbrio e o emprego abaixo do nível ideal.

13 A externalidade de coordenação consiste no fato de que a criação de novas indústrias requer investimentos coordenados a montante, a jusante e lateralmente.

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comercializáveis com o exterior, o que implica um nível de produto e investimento subótimo nesses bens.

Mais uma vez, a depreciação da taxa de câmbio pode promover a capacidade de expansão do setor e, em conseqüência, ampliar o crescimento econômico. Também nesse caso, a taxa de câmbio depreciada funciona como uma segunda melhor solução, uma vez que a melhor solução seria identificar as falhas de mercado e resolvê-las com políticas industriais adequadas.

4.3 Fundamento tecnológico

Ainda no que se refere à relação entre taxa de câmbio e crescimento econômico, Gala (2007a) destaca a relevância da taxa de câmbio real em estimular a exportação de bens não- tradicionais, denominada pelo autor de fundamento tecnológico. Segundo Gala, uma moeda depreciada ajuda a estimular o setor de produtos não-tradicionais das economias em desenvolvimento, particularmente aqueles relacionados à exportação de manufaturas. A taxa de câmbio relativamente depreciada gera estímulos para o desenvolvimento de um setor de bens comercializáveis independente do setor de commodities básicas. Portanto, ao estimular a produção industrial para os mercados mundiais, uma taxa de câmbio competitiva pode ajudar os países em desenvolvimento a melhorarem seu desenvolvimento tecnológico.

Por outro lado, moedas em níveis apreciados são conseqüência da maior exportação de commodity, o que pode impedir o desenvolvimento de um setor industrial. Nesse sentido, ao evitar apreciações, a política de taxa de câmbio pode trabalhar como uma ferramenta efetiva de política industrial, de modo a estimular o crescimento econômico (GALA, 2007a). Além disso, por aumentar a produtividade e desenvolver uma dinâmica no setor de bens exportáveis não- tradicionais, a taxa de câmbio depreciada pode também elevar os salários reais, compensando o efeito negativo de uma “moeda fraca” para os trabalhadores.

4.4 A restrição de balanço de pagamentos

O ponto de partida da literatura de crescimento com equilíbrio de balanço de pagamentos foi o trabalho original de Thirlwall (1979)14. Esse trabalho demonstra que o balanço de pagamentos é um componente crucial na restrição ao crescimento de longo prazo para diversas economias, especialmente economias menos desenvolvidas.

Dentro desse contexto teórico, Barbosa-Filho (2006) analisa o papel da taxa de câmbio em um contexto de constrangimento de balanço de pagamentos. Isso porque mudanças prolongadas na taxa de câmbio real podem ter impactos permanentes na estrutura da economia e, assim, determinar o crescimento e o desenvolvimento econômico de longo prazo.

Barbosa-Filho (2006) desenvolve inicialmente uma discussão acerca dos modelos que analisam a importância do constrangimento de balanço de pagamentos sobre o crescimento econômico, destacando a elasticidade-renda da demanda por exportações e importações15. Em tais modelos, assume-se que essas elasticidades são dadas no longo prazo, de tal modo que a taxa de crescimento da economia é determinada pela taxa de crescimento mundial16.

14Dando continuidade ao trabalho original outros foram desenvolvidos, por exemplo, Thirlwall & Hussain (1982) elaboraram uma versão mais desenvolvida do modelo, incorporando a possibilidade de financiar os desequilíbrios em transações correntes mediante a entrada de capital, ou seja, incorporando a possibilidade de existência de um desequilíbrio inicial do saldo em transações correntes financiado por essa entrada de capital.

15 Entre os modelos, estão Thirlwall (1979) e Barbosa-Filho (2001).

16 A lei de Thirlwall afirma que a taxa de crescimento com equilíbrio do balanço de pagamentos depende da elasticidade-renda da demanda por importações e das exportações e da taxa de crescimento do resto do mundo.

Autores como Beko (2003) e Bértola, Hermes e Porcile (2002) testaram empiricamente a validade dos modelos de crescimento com constrangimento de balanço de pagamentos para a economia brasileira e outros países em desenvolvimento. Os resultados desses trabalhos confirmam a existência de uma relação a longo prazo entre o crescimento do PIB no Brasil, termos de troca e renda externa, como previsto pela lei de Thirlwall.

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Um dos problemas dessa hipótese é que as elasticidades-renda das exportações e importações estão sujeitas a mudanças estruturais a longo prazo, isto é, a própria restrição imposta pelas condições financeiras internacionais leva a mudanças nos preços relativos e na política econômica, que, por sua vez, geram mudanças nas elasticidades-renda e preço das importações e exportações. Além disso, é possível acrescentar que mudanças prolongadas nos preços relativos podem ser usadas para promover alterações estruturais na economia, o que torna a restrição de balanço de pagamentos endógena no longo prazo. Assim, ao invés de um efeito adverso da restrição de balanço de pagamentos sobre o crescimento econômico, esta pode ser alterada pela política econômica, como ilustrado pelo sucesso de países como China e Índia.

Ao assumir-se que os parâmetros das elasticidades das funções de demanda por exportações e importações podem ser alterados pela taxa de câmbio real, uma administração adequada dessa taxa pode aliviar o constrangimento de balanço de pagamentos, aumentando a elasticidade-renda das exportações ou diminuindo a elasticidade-renda das importações. Ao contrário, uma administração imprópria da taxa de câmbio pode agravar o constrangimento do balanço de pagamentos e reduzir a taxa de crescimento da economia.

Um dos principais resultados do artigo de Barbosa-Filho (2006) é que a taxa de câmbio pode ser um importante instrumento para estimular o crescimento e o desenvolvimento econômico, mediante mudanças temporárias, mas suficientemente longas, nos preços relativos entre os bens comercializáveis e não-comercializáveis com o exterior.

Para explicar a influência da taxa de câmbio real sobre o crescimento econômico, o autor segue Woo (2001), que sugere que o preço relativo relevante para se entender as mudanças estruturais associadas ao crescimento das exportações é a relação entre bens comercializáveis e não-comercializáveis com o exterior produzidos domesticamente. Segundo Woo (2001), por subsidiar as exportações e taxar as importações de uma forma balanceada, os países do leste asiático desenvolveram uma estratégia para manter os termos de troca domésticos e internacionais próximos uns aos outros, ao mesmo tempo em que introduziram importantes incentivos à produção dos bens comercializáveis com o mercado externo. Em outras palavras, a efetividade da política industrial dos países asiáticos vem do fato de que eles subsidiaram a produção de bens comercializáveis com o exterior.

Acrescentando, Woo (2001) argumenta que o progresso técnico e o crescimento da produtividade são geralmente maiores na produção de bens comercializáveis comparativamente aos bens não comercializáveis com o exterior; então, por estimular a produção dos primeiros, a política industrial dos países do leste asiático acabou por proporcionar uma mudança estrutural nessas economias, uma mudança na produção e no emprego, partindo de setores atrasados e com baixa produtividade para setores avançados e com alta produtividade. A idéia básica é que os incentivos concedidos aos setores produtores de bens comercializáveis com o exterior estimularam a produtividade e a competitividade da economia como um todo, gerando um círculo virtuoso nessas economias.

5. Relações empíricas entre taxa de câmbio real e crescimento econômico

Apontados os canais de influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico, esta seção apresenta uma síntese de alguns trabalhos que investigaram a relação empírica entre essas duas variáveis nos países em desenvolvimento.

Um dos trabalhos pioneiros nessa área é o de Dollar (1992). Com uma medida de distorção e variabilidade da taxa de câmbio real, o autor investiga se existe uma relação entre economias com uma orientação para o mercado externo e crescimento econômico. Para investigar essa questão, o autor utiliza dados de 117 economias desenvolvidas e em desenvolvimento entre 1976-85. Baseando-se no índice de distorção e variabilidade da taxa de câmbio real, o autor constrói um índice de orientação para o mercado externo e verifica a correlação entre esse e a taxa de crescimento econômico per capita nos países estudados. Seus resultados sugerem que essa correlação é acentuada para os 95 países em desenvolvimento da

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amostra. Para o período de 1976-85, o primeiro quartil dos países mais orientados para o exterior cresceu a uma taxa média de 2,9%; o quartil seguinte, a uma taxa de 0,9%; o terceiro quartil, a uma taxa de – 0,2% e o último quartil cresceu a uma taxa de – 1,3%. Segundo Dollar, esses resultados sugerem que a manutenção da taxa de câmbio real em um nível depreciado que possibilite uma orientação para o mercado externo pode melhorar amplamente o desempenho dos países em desenvolvimento. Ainda segundo o autor, o ganho estimado da mudança asiática para um nível de taxa de câmbio que implicou uma orientação para o mercado externo aumentou em 1,5 ponto percentual a renda desses países em comparação com os países da América Latina e em 2,1 pontos percentuais em relação à renda dos países da África.

Seguindo essa mesma linha, Razin e Collins (1997) analisam a relação entre desalinhamento da taxa de câmbio real e crescimento econômico para uma amostra de 93 países desenvolvidos e em desenvolvimento entre 1975 e 1993. As contribuições do artigo vão no sentido de desenvolver um indicador de desalinhamento da taxa de câmbio real. Após calcular esse índice, os autores estimam a relação entre ele e a taxa de crescimento econômico, encontrando forte relação entre essas duas variáveis.

Particularmente, os resultados apontam que taxas de câmbio sobrevalorizadas estão associadas a baixas taxas de crescimento econômico, enquanto as taxas de câmbio desvalorizadas associam-se a taxas maiores e mais rápidas de crescimento econômico.

Também Frenkel (2004) analisa a relação entre taxas de câmbio real e emprego na Argentina, no Brasil, no Chile e no México. O autor realiza estimações entre 1980 e 2003 e confirma sua hipótese de que as taxas de câmbio reais têm importantes efeitos sobre o produto e o emprego nos quatro países, sendo que o menor crescimento econômico resume os efeitos indiretos das taxas de câmbio sobre o desemprego.

Reforçando essa teoria, Gala (2007b) compara os níveis de taxas de câmbio na América Latina e na Ásia no período de 1970 a 1999. Segundo ele, a grande diferença entre essas duas regiões está no processo de administração das taxas de câmbio. A América Latina focou em uma estratégia com forte tendência à apreciação da moeda, já os países do sudeste asiático perseguiram uma estratégia de crescimento via exportações, com fortes estímulos ao setor exportador por meio de subsídios e taxas de câmbio competitivas. Na América Latina, houve uma recorrente tendência à apreciação da moeda; já na Ásia, verificaram-se estáveis e depreciados níveis de taxa de câmbio real, especialmente depois dos anos 1970. Enquanto a América Latina tem usado a taxa de câmbio como uma ferramenta de populismo e estabilização, os países da Ásia têm usado as taxas de câmbio para procurar demanda externa, seguindo suas estratégias de desenvolvimento. As evidências apresentadas pelo autor ressaltam a recente desvalorização da moeda nos países da Ásia frente à valorização da moeda dos países da América Latina, especialmente se levado em conta a medida de distorção que os ajustamentos das taxas de câmbio têm para os níveis de renda e produtividade. Gala conclui que a competitividade das taxas de câmbio se tem mostrado um importante fator por trás do sucesso dos países do sudeste asiático, notavelmente quando se compara aos demais países em desenvolvimento.

Completando os trabalhos empíricos acerca da relação entre nível da taxa de câmbio e crescimento econômico, cita-se o estudo de Rodrik (2007). O autor analisa a relação entre crescimento econômico e câmbio desvalorizado em 184 países entre o período de 1950 e 2004.

Com a construção de um índice de desvalorização cambial, o autor encontrou resultados que apontaram uma relação linear entre desvalorização da taxa de câmbio e crescimento econômico nos países em desenvolvimento. Aqueles países que tiveram um maior índice de desvalorização cambial cresceram a taxas mais elevadas que os demais países da amostra.

Portanto é possível constatar que a relação teórica entre política cambial e crescimento econômico recebe respaldo empírico de vários estudos que comprovaram essa relação. Mais

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especificamente, esses resultados apontam os efeitos positivos de uma taxa de câmbio competitiva para o crescimento econômico.

6. Considerações finais

O presente artigo analisou teoricamente os determinantes da escolha da política cambial nos países em desenvolvimento, enfatizando a importância dessa política para o crescimento econômico.

Na discussão das abordagens tradicionais, fundamentada especialmente na visão de Corden (2002), verificou-se que a escolha da política cambial deve servir a três principais objetivos, quais sejam: manter a inflação estável, garantir a estabilidade econômica e auxiliar no alcance dos equilíbrios interno e externo.

No entanto, segundo a abordagem da taxa de câmbio como estratégia de desenvolvimento, proposta por Williamson (2003), observou-se que a taxa de câmbio, além de servir aos objetivos citados anteriormente, pode e deve ser utilizada também como um instrumento para estimular o crescimento econômico, em especial, nos países em desenvolvimento.

Diante dessa constatação, o passo seguinte foi investigar quais seriam os canais de influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico. Dentre os canais, destacaram-se o investimento, a exportação de bens não-tradicionais e a compensação às falhas de mercado e à restrição de balanço de pagamentos.

Para dar suporte à análise teórica, resultados de trabalhos que investigaram a relação empírica entre política cambial e crescimento econômico nos países em desenvolvimento foram expostos. Mediante esses resultados, observou-se a existência de uma clara relação empírica entre taxas de câmbio competitivas e crescimento econômico nos países em desenvolvimento.

Além da existência dessa relação empírica, os autores apontam ainda outra constatação, qual seja, a existência de padrões de política cambial nos países em desenvolvimento: um asiático, baseado em câmbio desvalorizado, e um latino-americano e africano, fundamentado em taxas de câmbio valorizadas. Em termos do crescimento econômico, o sucesso dos países asiáticos tem-se destacado em relação aos demais grupos de países.

Frente aos resultados teóricos e empíricos, observa-se que a política cambial é uma importante ferramenta de política econômica, especialmente no que diz respeito a seus efeitos sobre o crescimento econômico. Sendo assim, sua utilização efetiva pode trazer inúmeros benefícios para os países em desenvolvimento.

7. Referências

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BARBOSA-FILHO (2006). Exchange Rates, Growth and Inflation, presented in the Annual Conference on Development and Change ACDC, Campos do Jordão, Brazil, November 18 – 20.

BEKO, J. The validity of the balance-of-payments–constrained growth model for a small economy in transition: the case of Slovenia. Journal of Post Keynesian Economics, vol. 26, n.1, 2003.

BHADURI, A. and MARGLIN, S. A. Unemployment and the real wages: the economic basis for contesting political ideologies. In Cambridge Journal of Economics 14, December 1990.

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