VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO
CONPEDI/BRAGA - PORTUGAL
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS
HUMANOS II
ELISAIDE TREVISAM
IRANICE GONÇALVES MUNIZ
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D597
Direito internacional dos direitos humanos II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UMinho
Coordenadores: Elisaide Trevisam; Iranice Gonçalves Muniz; Maria De Fatima De Castro Tavares
Monteiro Pacheco –Florianópolis: CONPEDI, 2017.
CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________
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Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-479-2
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Tema: Interconstitucionalidade: Democracia e Cidadania de Direitos na Sociedade Mundial - Atualização e Perspectivas 1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Internacionais. 2. Liberdade. 3. Constituição.
VII Encontro Internacional do CONPEDI (7. : 2017 : Braga, Portugual)..
Cento de Estudos em Direito da União Europeia
VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI/BRAGA -
PORTUGAL
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS II
Apresentação
Dentre as várias reflexões tratadas no Grupo de Trabalho Direito Internacional dos Direitos
Humanos II, que ocorreu no VII Encontro Internacional do CONPEDI, na Universidade do
Minho (UMinho), na cidade de Braga, em Portugal, foi levantada a necessidade de discutir-se
o estupro como crime de guerra no âmbito internacional em período de guerra. Após um
levantamento das situações de estupro vivenciadas em vários conflitos internacionais,
principalmente na África, concluiu-se que a prática de tal crime assume contornos de
dominação e de humilhação mais do que por motivações de ordem sexual em si mesmas.
Ficou registrado que no âmbito interno os Estados devem prever e tipificar os crimes
atentatórios da dignidade humana, nomeadamente aqueles que atentam contra a integridade
sexual dos cidadãos – situação especialmente gravosa no quadro da república do Brasil.
Quanto à problemática da universalização dos Direitos Humanos, buscou-se elucidar a
dificuldade da legitimação da perspectiva ocidental na conceptualização desses direitos. Com
efeito, os problemas da diversidade cultural e religiosa implicam questionar a imposição de
um direito universal. A busca de uma solução dos dissensos mediante o balanceamento entre
o respeito pelas identidades e o respeito incondicional da dignidade humana, que está na base
de todos os direitos humanos e na base de qualquer organização política, deve a dignidade da
pessoa humana ser o valor-limite contra as situações de aniquilação existencial e vivencial do
ser humano, pois ela tem um valor próprio que baseia o princípio antropológico inerente a
todos os direitos fundamentais e humanos. Deve, portanto, a dignidade humana ser o bem
jurídico específico que exige respeito e proteção universal. Sobre a justiça indígena em países
da América Latina, foi feito um percurso sobre o poder judiciário e o sistema carcerário na
América Latina, propondo-se um combate ao sistema da ditadura de privilégio
questionando-se como o estado de coisas inconstitucionais pode mudar o sistema carcerário e a
mentalidade social sobre tal sistema e, no que tange a situação desumana nas prisões
brasileiras, se fez referência às necessidades de reformas para humanizar o sistema atual.
Com o avanço da crise migratória na União Europeia, delimitou-se, como objeto de reflexão,
as implicações das medidas adotadas pela União Europeia (UE) sobre os Direitos Humanos
dos indivíduos. Sendo certo que a solidariedade humana implica que a protecção dos
refugiados esteja ligada à proteção internacional dos Direitos Humanos, refletiu-se sobre a
proibição das expulsões coletivas, prevista no art. 4.º da CEDH, e o princípio da
“não-repulsão”, o que demonstra que a União Europeia honra os compromissos decorrentes do
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.Sob um outro aspecto dos Direitos
Humanos, foi discutido o tema da tradição, cultura e civilização, analisando as premissas
religiosas que formam a cosmovisão da cultura judaico-cristã. Ainda que afirmando que os
direitos fundamentais devem ser intrinsecamente neutros, sustentou-se que os preceitos
cristãos fundamentaram os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do
Humanos, de 1948, e os direitos consignados no Pacto de Direitos Civis e Políticos, de 1966.
Sendo a liberdade de religião uma liberdade negativa que consiste em professar ou não uma
religião ou mudar de religião, tal significa que tal liberdade é uma liberdade de defesa frente
ao Estado. A liberdade religiosa sob a visão da União Europeia foi situada na complexidade
do cosmopolitismo e nas consequências da supressão de fronteiras europeias sobre os direitos
fundamentais, em especial sobre o exercício da liberdade religiosa. Mencionando que a
liberdade religiosa tem por fonte o art. 9.º, n.º 1, da CEDH e as tradições constitucionais
comuns dos Estados-membros da União Europeia e partindo do fato que a proteção na União
Europeia deve ser pelo menos igual à garantida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, se trata de um direito pessoal universal.
Diante das necessárias e relevantes reflexões apresentadas nos artigos desse livro, o que deve
ser salientado é que se trata de assuntos que são bases para a construção de um novo
pensamento sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, indispensáveis para a busca
de uma vivência mais justa e democrática. Os artigos aqui apresentados tem o escopo de
auxiliar os leitores e pesquisadores a estarem atentos, de forma dinâmica, às problemáticas
enfrentadas na área dos Direitos Humanos.
Boa leitura a todas e a todos!
Profa. Dra. Elisaide Trevisam (EPD e UNINOVE)
Profa. Dra. Maria de Fatima De Castro Tavares Monteiro Pacheco (UMinho)
Profa. Dra. Iranice Gonçalves Muniz (Centro Universitário de João Pessoa)
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Revista CONPEDI Law Review, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
1 Doutoranda e Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Especialista em Estado Constitucional e Liberdade
Religiosa pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista PROSUP/CAPES. Contato: natammy@hotmail. com.
1
A INFLUÊNCIA DA COSMOVISÃO CRISTÃ NA CONSTRUÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA
THE INFLUENCE OF THE CHRISTIAN WORLDVIEW IN THE CONSTRUCTION OF THE RIGHT OF RELIGIOUS FREEDOM
Natammy Luana De Aguiar Bonissoni 1
Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a ingerência da Cosmovisão Cristã no processo de
construção do direito à Liberdade Religiosa. A partir da análise da dignidade da pessoa
humana e da perspectiva da cosmovisão em questão, será realizada uma breve investigação
acerca dos enunciados descritos na Declaração Universal de Direitos Humanos, no Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, na Convenção Europeia de Direitos Humanos e
na Convenção Americana de Direitos Humanos a respeito da Liberdade Religiosa.
Palavras-chave: Direitos humanos, Liberdade religiosa, Cosmovisão cristã
Abstract/Resumen/Résumé
This reasearch aims the analysis of the Christian’s Worldview influence in the process of
construction of Religious Freedom. From the analysis of the dignity of human person and
from the perspective about the worldview in question, will be realized a brief investigation
about the statements described in the Universal Declaration of Human Rights, in the
International Covenant on Civil and Political Rights, in the European Convention on Human
Rights and in the American Convention on Human Rights concerning Religious Freedom.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Human rights, Religious freedom, Christian worldview
INTRODUÇÃO
Christendom era a terminologia utilizada para fazer menção ao Ocidente durante o período medieval. Tal expressão constatou a influência que os pressupostos cristãos exerceram sobre a construção dos países europeus, até a chegada ao Novo Mundo. Ao mesmo tempo que um campo geográfico era formado por matrizes religiosas, o outro extremo era construído de forma semelhante: o Islamismo, o Hinduísmo e o Confucionismo alastravam suas fronteiras e construíam suas civilizações também firmados sobre preceitos transcendentais.
Estado e Religião são duas categorias que não são bem recebidas quando descritas juntas. Todavia, através da honesta leitura de fatos históricos é perceptível a influência da Religião sobre a construção das Famílias, Sociedades e Estados; e uma simples análise sobre as principais divergências culturais, políticas e jurídicas dos dias atuais constata a estreita ligação entre o discurso religioso e o pensamento político-jurídico.1
Portanto, a finalidade da breve pesquisa é analisar, a partir da perspectiva da Cosmovisão Cristã, a dignidade da pessoa humana no direito internacional dos direitos humanos para, posteriormente, analisar a Liberdade Religiosa a partir dos principiais instrumentos internacionais de proteção para, ao final, verificar a influência da cosmovisão religiosa pautada nos ensinamentos de Jesus Cristo acerca do exercício do direito à Liberdade Religiosa.
Registra-se que em nenhum momento o presente trabalho tem por escopo exaurir as informações colhidas e compiladas na pesquisa com relação à Cosmovisão em questão e a sua relação com a Liberdade Religiosa. Pelo contrário, o artigo visa compartilhar, a partir da coleta de dados, noções introdutórias relevantes e pertinentes referente à influência da Cosmovisão Cristã sobre o exercício do direito à Liberdade Religiosa.
Quanto à metodologia, o relato dos resultados será composto na base lógica indutiva
1. A dignidade da pessoa humana e o direito internacional dos direitos humanos
A conceituação de dignidade humana pode ser considerada fruto de inúmeras evoluções até culminar na Declaração Universal de Direitos Humanos, e passou a ganhar notoriedade juntamente com a internacionalização destes direitos, tendo em vista ser o princípio basilar para a caracterização dos direitos inatos à pessoa humana (LEBECH, 2016).
1 Em conformidade ao Documento de Área produzido pela CAPES, referente ao Direito, ano de 2017; o artigo ora
O homem tem por objetivo principal estabelecer o seu domínio (BARSA, 1992). Traduzido do vocábulo hebraico srarah (DICIONÁRIO HEBRAICO), o termo “domínio” pode significar autoridade, governo e poder, estabelecido desde o início dos tempos à vida humana e que desde então, recebe grande importância e consideração. Diante disso, Hannah Arendt apud
Celso Lafer (LAFER, 1988, p. 119) observa “que os hebreus [...] sempre sustentaram que a própria vida é sagrada, mais sagrada que tudo mais no mundo, e que o homem é o ser supremo sobre a terra”.
Como é sabido, o início da história do povo hebreu está descrito no livro de Gênesis, e foi construído a partir da afirmação de que Deus, o logos, criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança; logo, de acordo com esta perspectiva, o ser humano é caracterizado como “o resultado de um ato intencional de Deus, tendo por isso um valor intrínseco ” (MACHADO, 2013, p. 35). Por conseguinte, é a partir de uma cuidadosa exegese do livro de Gênesis que John Locke deduz o fundamento para o princípio da igual dignidade de todos os seres humanos, tanto homens como mulheres, difundindo desta forma as bases do contrato social e do governo democrático em que se alicerçam o constitucionalismo moderno. (MACHADO, 2013, p. 36)
Dentre as diversas conceituações deste princípio, tendo em vista a objetividade do presente artigo, serão apresentadas duas das concepções mais conhecidas: a teológica e a filosófica. Respectivamente, a ideia bíblica é caracterizada pelo imago Dei, ou, de acordo com o original hebraico b’tzelem Elohim, ao reivindicar que os seres humanos são criados a imagem e semelhança de Deus. A noção filosófica é apresentada por Immanuel Kant, que afirma que todo ser racional tem um fim em si mesmo, portanto carece de dignidade, e o privilégio de se atribuir um valor as pessoas seria o centro da moralidade. (DAN-COHEN, 2016)
A despeito de suas origens serem fundamentalmente divergentes, seus fins culminarão de maneira semelhante na Declaração Universal de Direitos Humanos, mesmo com Kant buscando encontrar respostas dentro do próprio homem e a Cosmovisão Cristã intentando esclarecer que o homem não é a origem e nem o fim de todas as coisas.
A Declaração dos Direitos do Homem observa inicialmente em seu preâmbulo o “[...] reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana [...]”, caracterizando a dignidade como algo indissociável da pessoa humana. Ou seja, qualquer ser humano que nasce é detentor de dignidade, da qual são provenientes direitos iguais e inalienáveis que constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. (DUDH, 2017)
de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, o documento que principiou o constitucionalismo moderno e o Estado Constitucional, que será analisado mais adiante. Em suas palavras, “We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness”. (TCOF, 2017) Para o principal autor da Declaração de Independência, “Deus era o fundamento da dignidade humana, dos direitos fundamentais, do direito da autodeterminação e independência dos povos e de resistência contra a tirania, seja esta monárquica ou parlamentar”. (MACHADO, 2013, p. 46)
Quer dizer, o fundamento para os direitos atinentes à pessoa humana é a própria dignidade existente de maneira igual em todos os seres humanos, já ratificada e reconhecida em um dos mais importantes documentos do constitucionalismo moderno. Logo, quando se pretende descaracterizar a dignidade de um ser humano, se busca extinguir o que ele tem de mais precioso, a base para todos os seus direitos: a sua dignidade.
A respeito dos direitos inerentemente humanos, Antonio Enrique Pérez Luño (LUÑO, 2005, p. 50) apresenta o entendimento de que estes seriam:
Un conjunto de facultades e instituciones que, em cada momento histórico, concretan las exigências de la dignidade, libertad y a igualdad humanas, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional.
Em suma, observa Marco Antonio Rodrigues Barbosa (BARBOSA, 1998, p. 11) que:
[...] os Direitos Humanos, além de seu conteúdo ético e moral, possuem conteúdo político, na medida em que estão inseridos em uma determinada realidade, com componentes históricos, econômicos, políticos e sociais; não são apenas mera questão teórica, de enunciados; são também de natureza prática, ou seja, é imprescindível sua plena e efetiva vigência. Não basta apenas definir os Direitos Humanos, mas assegurar a sua observância.
Assim, fundamentados na concepção de existência de direitos propriamente válidos a todos os seres humanos em vista da igual dignidade presente em qualquer indivíduo, com o passar das transformações históricas e as modificações pelas quais tanto o Ocidente como o Oriente passaram, surgiu a necessidade de normatizar tais direitos, em razão do não cumprimento efetivo dentro da própria sociedade.
A partir deste breve exposto, será analisada a evolução histórica da Liberdade Religiosa como um direito internacionalmente reconhecido, desde o início atentando para as constantes ingerências da Cosmovisão Cristã na elaboração deste direito.
2. Liberdade Religiosa e seus conceitos: uma análise a partir dos principiais instrumentos
internacionais de proteção
Após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, viu-se a
necessidade de se criar uma mobilidade de âmbito internacional para a proteção de direitos
inerentes a pessoa humana, o que resultou na criação da Declaração Universal de Direitos
Humanos. Registra-se que o artigo 6º da Declaração afirma que em todo e qualquer lugar, todo
homem detém o direito de ser reconhecido como pessoa. Neste caso é interessante notar que a
pessoa humana, além de ser considerada a legisladora universal em função dos valores a que
aprecia, também foi reconhecida como o sujeito o qual se submete voluntariamente a essas
normas valorativas. (BONISSONI, 2014, p. 414-442)
Dentre os diversos direitos resguardados pela Declaração Universal encontra-se a
Liberdade Religiosa, que atualmente goza de tutela formal em quase todos os países. A despeito
disso, se verifica que em muitos Estados há “aceitação pública teórica para não incorrer na
reprovação internacional, mas recusa prática neste campo, dentro das fronteiras. É possível
encontrar mais de 40 países nestas condições”. (ADRAGÃO, 2002, p. 121)
Em linhas gerais, a compreensão internacional sobre a Liberdade Religiosa e os seus
desdobramentos serão compartilhados conforme os documentos internacionais forem sendo
apresentados. Assim, os tópicos que seguem abaixo servirão não apenas como fundamento para
a construção legal do direito à Liberdade Religiosa, mas também evidenciará as compreensões,
conceitos e definições que tal direito caracteriza na atualidade.
2.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos
A luta pela Liberdade Religiosa é contínua durante séculos e até então, tem gerado
diversos conflitos, e, em sua grande maioria, com desfechos trágicos. Para tanto, a Organização
das Nações Unidas reconheceu a importância da liberdade de religião e de crença em diversos
tratados internacionais, declarações e convênios. Contudo, o documento originário de
reconhecimento internacional deste direito foi a Declaração Universal de Direitos Humanos.
(UM, 2017)
Aprovada sob a forma de resolução da Assembleia Geral da ONU (RAMOS, 2002, P.
apresenta força jurídica obrigatória e vinculante. Desta forma, a Declaração se impõe mais
como um conjunto de instruções para os Estados participantes da comunidade internac io na l.
(PIOVESAN, 2011, p. 205)
O documento apresenta em seu corpo um artigo específico que visa resguardar os
direitos relacionados a liberdade de pensamento, de consciência e religião, qual seja:
Artigo 18. Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Milton Konvitz, jurista norte-americano, destaca que a liberdade de religião é uma das
principais liberdades, por meio da seguinte fala:
If religion is to be free, politics must a lso be free: the free conscience needs freedom to think, freedom to tea ch, freedom to prea ch — freedom of speech a nd press. Where freedom of religion is denied or seriously restricted, the denia l or restriction ca n be a ccomplished — a s in the U.S.S.R., Yugoslavia, or Spa in — by limits or prohibitions on freedom to tea ch, freedom to preach-by restrictions on freedom of speech a nd press. Politica l a nd religious tota lita ria nism a re two sides of the sa me coin; neither ca n be a ccomplished without the other.
Iso Chaitz Scherkerkewitz (SCHERKERKEWITZ, 2017), Procurador do Estado de São
Paulo corrobora com entendimento do Dr. Konvitz e ainda afirma que não tem como separar o
direito à liberdade de religião do direito às outras liberdades, tendo em vista existir um intenso
inter-relacionamento entre todas as liberdades mencionadas pelo doutrinador norte-america no.2
Dom Silvano Tomasi, em sua fala durante a XVI Sessão Ordinária do Conselho dos
Direitos Humanos da ONU sobre liberdade religiosa e direitos humanos, destaca:
A liberdade de religião é um valor para a sociedade na sua totalidade. O Estado que defende este direito permite à sociedade beneficiar das suas consequências sociais: coexistência pacífica, integração nacional nas actuais situações pluralísticas, aumento da criatividade, pois os talentos de cada pessoa são postos ao serviço do bem comum. Pelo contrário, a negação da liberdade religiosa enfraquece qualquer aspiração democrática, favorece a opressão e reprime a sociedade inteira, que consequentemente pode explodir com efeitos trágicos. Deste ponto de vista, é também evidente que a liberdade de religião e de crença está complementar e intrinsecamente ligada ao da liberdade de opinião, de expressão e de agregação. Além disso, um contexto de verdadeira liberdade religiosa torna-se o melhor remédio para prevenir a manipulação da
2 A respeito compete relembrar que a primeira emenda à constituição dos Estados Unidos da América surgiu com
religião para fins políticos de conquista e conservação do poder e de opressão dos dissidentes, das comunidades de fé diferentes ou das minorias religiosas.
Para o All-P arty P arliamentary Group for International F reedom of Religion or Belief
(APPGIFR, 2017a), o direito de religião ou crença é um direito fundamental que não pode ser
abandonado ou ignorado, mesmo em tempos de emergência pública.3
Segundo o relatório denominado Article 18: an orphaned right, publicado no ano de
2013, quase 75% da população mundial vive em países com altos níveis de restrições impostas
pelos governos relacionadas à liberdade de crença ou religião, ou enfrentam altos níveis de
hostilidade devido as suas afiliações religiosas, e este número tende a aumentar. Ademais, em
todo o mundo há uma negação generalizada da liberdade de culto e da liberdade de ensino bem
como a liberdade de promover e expressar uma religião ou crença (APPGIFR, 2017b).
Neste sentido, uma crítica é endereçada às Nações Unidas quando se trata sobre as
tentativas de se efetivar o artigo 18 da Declaração Universal. Enquanto a ONU declara que
todos têm direito à liberdade de religião ou crença, pouco tem sido feito para tornar isso uma
realidade. Muitos dos trabalhos da ONU têm sido focados em uma questão completame nte diferente, o chamado debate da “difamação das religiões”, que foca na proteção das religiões – e não na proteção dos fiéis – perante as críticas, e torna-se um meio de restringir direitos e
liberdades, em vez de protegê-los. (FD, 2017)
2.2 O Pacto Internacional Direitos Civis Políticos
A partir da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU começou
a traduzir os princípios deste documento em tratados internacionais que protegessem direitos específicos. Tendo em vista se tratar de uma tarefa sem precedentes, a “Assembleia Geral decidiu redigir dois Pactos que codificassem as duas séries de direitos esboçados na Declaração
Universal: os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais.” (CNE,
2017)
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Político (BRASIL, 1992) exprime em seu
corpo os seguintes direitos:
Artigo 18
3 Para os membros da House of Lords e House of Commons, pertencentes ao APPGs, este direito protege as
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. 3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Em 1993, a Organizacao das Nações Unidas emitiu um Comentário Geral (DIM, 2017)
com a finalidade de apresentar uma interpretação do órgão a fim de prover orientações acerca
de sua implementação. Logo, as informações abaixo arroladas são provenientes do principa l
instrumento interpretativo deste artigo: o Comentário Geral número 22. (UNDP, 2009)
O início do artigo 18 é marcado pela proteção das liberdades de pensamento,
consciência e religião (e que também abrange a liberdade de ter convicções). Desta forma é
profundo e abrangente, tendo em vista envolver a liberdade de pensamento sobre todas as
questões, incluindo as crenças pessoais e os compromissos que envolvem essas crenças e as
convicções manifestadas individualmente ou em comunidade.
Os termos “convicção” e “religião” devem ser compreendidos em sentido lato, e protegem as convicções teístas, ateístas bem como o direito de não professar religião ou
convicção alguma. Compete ressaltar que o Comentário Geral, publicado no início da década
de 90, já apresentava uma preocupação especial com as minorias religiosas, assunto tão
debatido atualmente. O documento alertou para o fato das minorias religiosas não serem objeto
de hostilidade das religiões dominantes, fato que vem ocorrendo de maneira contínua em
diversas partes do mundo.
O artigo 18 do Pacto apresenta uma distinção entre a liberdade de pensamento, de
consciência, de religião ou entre a liberdade de manifestar tal religião e convicção. É pertinente
ressaltar que a tutela não permite nenhum tipo de limitação da liberdade de pensamento ou de
consciência ou da liberdade de ter ou adotar uma religião ou convicção de sua própria eleição.
Em contrapartida, o entendimento da Convenção Europeia de Direitos Humanos
estabelece a possibilidade de existência de algumas restrições. De acordo com o Guide to article
In a democra tic society, in which severa l religions or bra nches of the sa me religion coexist within one a nd the sa me population, it ma y be necessary to pla ce restrictions on this freedom in order to reconcile the interests of the
various groups and ensure that everyone’s beliefs are respected.
Ao reconhecer as diversas religiões e os possíveis desdobramentos de cada uma delas,
a Convenção Europeia reconheceu a possibilidade de restrições às manifestações religiosas em
respeito aos interesses de diversos grupos que possam ter por uma religião especifica, seus
direitos violados. É importante então, analisar as especificidades da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos referentes à Liberdade Religiosa.
2.3 A Convenção Europeia dos Direitos Humanos
Acoplados ao sistema normativo global dos direitos humanos surgiram os sistemas
regionais de proteção, buscando, a nível regional, a internacionalização dos direitos humanos.
Tanto o sistema global quanto o regional, são baseados nos princípios e valores já apresentados
e resguardados pela Declaração Universal. Logo, sua fundamentação está solidificada no
princípio da dignidade da pessoa humana, que reconhece a existência de direitos inalienáveis à
pessoa humana, independente de raça, religião ou gênero. Portanto, da mesma forma que a
Declaração Universal busca que todos os direitos ali tutelados sejam implementados
universalmente, a Convenção Europeia visa a tutela dos direitos ali descritas em todo território
europeu.
Muito embora o artigo 9 da Convenção Europeia se preocupe particularmente com a
liberdade de religião, a proteção alcançada por esta provisão é mais ampla do que pode parecer,
ela pode ser aplicada a todas as convicções pessoais, políticas, filosóficas, morais e também
religiosas. É consabido que a Convenção não tem competência para definir o que é religião, por
isso o entendimento da Corte não é restritivo, ou seja, não se restringe apenas às manifestações
religiosas conhecidas. No entanto, o Council of Europe reconhece que todos os casos
relacionados a este artigo são complicados, principalmente os relacionados às minor ias
religiosas e as novas religiões, também conhecidas como seitas. Perante a Convenção, todos
gozam de igual proteção. (EUROPE, 2013)
Para os juízes do Tribunal Europeu, a Liberdade Religiosa é considerada um elemento
vital para a formação da identidade dos que creem e fundamental para as suas concepções de
vida. É notório que nos últimos dez anos o número de casos examinados pelo Tribunal, sob o
disposto no artigo 9, tem crescido constantemente, e o Council of Europe acredita que este fato
pode ser explicado em razão do crescente papel que a religião e questões associadas tem tido
2.4 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Com a sistematização regional dos direitos humanos na Europa, através da celebração
da Convenção Europeia de Direitos Humanos (1953), foi adotada também no continente
americano esta tendência, tendo sido aprovada em 22 de novembro de 1969 a Convenção
Americana de Direitos Humanos.
Conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana de Direitos
Humanos, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em 22 de novembro de
1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de
seu art. 74.
A respeito da temática, a Convenção defende:
Artigo 12.
1.Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.
4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.
O Segundo Concílio do Vatican definiu a Liberdade Religiosa como uma liberdade da
coerção causada por indivíduos particulares, grupos sociais ou por qualquer força humana, tanto
que em matéria religiosa ninguém deverá ser forçado a agir de maneira contrária à sua própria
consciência ou ser reprimido por agir de acordo com a sua própria consciência, de maneira
privada ou pública, sozinho ou na companhia de outros, dentro dos devidos limites. Para a Santa
Sé, o direito à Liberdade Religiosa tem a sua base na dignidade da pessoa humana, e esta
dignidade é conhecida por meio da Palavra revelada de Deus e pela própria razão.
Consoante ao Comentário sobre a Convención Americana sobre Derechos Humanos
(STEINER, 2014), a Liberdade Religiosa pode ser caracterizada como:
observancia s religiosas la s cua les se exteriorizan positiva mente a tra vés de la libre ma nifesta ción individua l o colectiva, pública o priva da, a tra vés de diversa s concreciones particulares. El bien protegido de dicha libertad no es precisa mente la religión sino la libertad huma na ejer cida en sentido religioso, la cua l merece protección y promoción pa ra su pleno goce y ejercicio.
Tendo em vista boa parte do território da América Latina professar o Catolicis mo
como religião predominante, é perceptível uma influência dos instrumentos legais utilizados
pela Santa Sé como fundamentação para assuntos relacionados à temática. Entretanto, em
conformidade ao que já foi explanado durante o Comentário Geral número 22, desde que sejam
respeitadas as minorias, não será ocasionada a esta religião a diminuição do desfrute de
nenhuma das normas tuteladas pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Consequentemente, tais embasamentos podem continuar a serem utilizados.
A Convenção Americana é o instrumento que expressa direta e especificamente a
proteção à liberdade Religiosa em território americano. No entanto, o sistema interamerica no
mostra uma evidente carência nos casos relativos à proteção da liberdade religiosa, tanto que
no âmbito da jurisprudência da Corte encontram-se apenas referências indiretas à tutela da
liberdade de religião e apenas em caráter consultivo. As violações de Liberdade Religiosa ainda
não foram caso de apreciação contenciosa da Corte.
3. A evolução histórica dos direitos humanos e da Liberdade Religiosa sob a perspectiva da Cosmovisão Judaico-Cristã
Analisar a influência da Cosmovisão Cristã no exercício da Liberdade Religiosa somente é possível a partir de uma investigação de documentos históricos, que em sua grande parte estão vinculados ao avanço do Cristianismo e da positivação dos direitos humanos. Portanto, esta última parte tem por escopo inquirir a respeito da gênese e do processo de construção do direito à Liberdade Religiosa tendo como base a Cosmovisão Cristã.
John Adams fez uma brilhante constatação ao afirmar que a Constituição dos Estados Unidos da América “was made only for a moral and religious People. It is wholly inadequate
to the government of any other” (NATIONAL ARCHIVES), demonstrando que os valores
constitucionais resguardados pela Carta Magna recém-publicada só poderiam ser usufruídos por pessoas que, apesar da pluralidade já existente na América, comungassem de valores morais e religiosos semelhantes que considerassem os ideais de liberdades e responsabilidades apresentados pelos pais fundadores.
(OLIVEIRA, 2008) o termo foi mencionado primariamente por Immanuel Kant, em sua obra Crítica da Faculdade do Juízo. No idealismo alemão, o termo foi utilizado “para designar um conjunto de crenças que fundamentam e moldam todo pensamento e toda ação humana”. (SIRE, 2012, loc. 410)
Muito embora Kant tenha sido o primeiro a ter inserido a Cosmovisão em seu discurso filosófico, Wilhem Dilthey foi quem expôs amplamente a sua filosofia nos termos deste conceito. Para o filósofo alemão, o papel da Cosmovisão é o de “apresentar o relacionamento da mente humana com o enigma do mundo e da vida”. (SIRE, 2012, loc. 450)
Sendo a Weltanschauung considerada como uma perspectiva do mundo e das coisas, uma forma de observar o cosmos de um determinado ponto de vista individual (HIEBERT, 2016), é inconcebível, do ponto de vista filosófico, abster-se das cosmovisões para o acesso da realidade. Deste modo, o presente artigo não está sendo produzido sob a perspectiva da tábula rasa, defendida por alguns empiristas clássicos, como John Locke. Todavia, a pesquisa compreende a existência de uma Cosmovisão, uma orientação fundamental do coração sustentada por cada indivíduo acerca da “constituição básica da realidade e que fornece o fundamento no qual vivemos, nos movemos e existimos” (SIRE, 2012, loc. 2589).
Um adequado entendimento acerca do significado contemporâneo da Liberdade Religiosa requer uma compreensão sobre a sua história e institucionalização ao longo do tempo. Enquanto a ideia da Liberdade Religiosa cresce a partir das tradições Clássicas e Judaico-Cristãs, se transforma em uma grande problemática social e política durante e após a Reforma Protestante. Nos últimos dois séculos a ideia de Liberdade Religiosa avançou contra uma feroz oposição, tanto religiosa como secular, e encontrou diversas formas de expressão política. Por conseguinte, compreender a persistente discriminação e a perseguição a comunidades religiosas no mundo contemporâneo – e combatê-las efetivamente – requer um profundo conhecimento histórico (BERKELEY CENTER).
O alto valor que o Cristianismo depositou sobre a pessoa individual sempre esteve em grande contraste à cultura greco-romana, na qual o indivíduo continuamente estava subordinado ao Estado. Foi a importância que o Cristianismo dava ao indivíduo que possibilitou as condições para a liberdade concedida pela Magna Carta, pelo England’s Petition of Rights, Bill of Rights e pelo American Bill of Rights, como será visto adiante (SCHMIDT, 2001).
redundante que isso possa parecer) já a caracteriza como um ser digno e detentor de direitos inalienáveis e invioláveis (SCHMIDT, p. 260).
A partir desta compreensão, foi do seio da Cristandade que surgiram as primeiras manifestações escritas correlatas ao direito e à liberdade de adoração e manifestações religiosas. Para os antecedentes pré-cristãos, havia um uníssono referente a íntima relação entre o poder político e a função religiosa. Era assim com os judeus, gregos e romanos (MACHADO, 1996, p. 1996).
Para o advogado e escritor Tertuliano, contemporâneo do segundo século, “it is a fundamental right, a privilege of nature, that every man should worship according to his own convictions [...] to which free-will and not force should lead us”. De forma semelhante, Lactâncio defendeu a liberdade de crença religiosa. Para o conselheiro de Constantino, “it is religion alone in which freedom has placed its dwelling. For it is a matter which is voluntary above all others, nor can necessity be imposed upon any, so as to worship that which he does not wish to worship” (SCHMIDT, p. 262).
Mais tarde, próximo ao século quinto, embora Agostinho tenha sido um ardente defensor da fé cristã, nunca forçou os pagãos a aceitarem o Cristianismo. Já no século XVI, Martinho Lutero afirmou em uma carta direcionada às autoridades alemãs que não era a função do governo “forbid anyone to teach or believe or say what he wants — the Gospel or lies.” (SCHMIDT, p. 262)
Historicamente, alguns documentos foram importantes para a evolução histórica da tutela dos direitos humanos e que, consequentemente, favoreceram também a tutela da Liberdade Religiosa. O período da alta Idade Média foi marcado pelo desmanche do poder político e econômico com a instituição do feudalismo, onde a terra era a principal fonte de poder; logo, quem possuísse a maior parte do território controlava tudo e todos. Contra esses abusos de concentração de poderes, começaram a surgir manifestações de rebeldias, entre elas as manifestações que culminaram na Declaração das Cortes de Leão de 1188 e, principalmente, na Magna Carta, em 1215 na Inglaterra. (BONISSONI, 2014, p. 20-36).
É interessante ressaltar que a Magna Carta (assim como boa parte dos documentos ocidentais) possui laços estreitos com o Cristianismo. Em seu preâmbulo consta a citação “John, by the grace of God”, e ainda afirma que a mesma Carta havia sido formulada “for the honour of God”. Ressalta-se que Stephen Langton, Arcebispo de Cantebury e um dos “pais escritores” da Carta Magna, é creditado como o autor da divisão da Bíblia em capítulos. (SCHMIDT, p. 51).
Langton, John Locke, Barão de Montesquieu, Thomas Jefferson e James Madison – se basearam extensivamente na perspectiva cristã sobre as liberdades dada por Deus a humanidade, que, em boa parte da história humana nunca foram implementadas. (SCHMIDT, p. 248).
Um século antes da Revolução Francesa foi promulgada a Declaração de Direitos Bill of Rights, trazendo uma nova expectativa ao povo inglês, tendo em vista que neste momento o Parlamento contrairia mais força, em razão de que os poderes que antes eram concentrados nas mãos do monarca passariam a ser divididos. (BONISSONI, 2014, p. 20-36). A importância deste documento não foi notada somente com a instituição da separação dos poderes, tal instituto também surgiu para intensificar a instituição do júri e para reafirmar direitos fundamentais. Tamanha foi a proporção desta declaração, que até hoje permanece como um dos textos constitucionais mais importantes da Inglaterra.
Com a imigração inglesa para a América do Norte iniciou-se o processo da formação de colônias, que resultou na formação dos Estados Unidos da América. Depois de um ano repleto de debates, em 1776 foi aprovada e redigida por Thomas Jefferson a Declaração de Independência norte-americana, o primeiro documento da História Moderna a afirmar princípios democráticos (BONISSONI, 2013).
A Declaração de Independência claramente reflete o entendimento cristão acerca do Direito Natural. As palavras “the Law of Nature and of Nature’s God”, usadas e interpretadas por William Blackstone em seus Comentários sobre as leis da Inglaterra, foram descritas no documento norte-americano. Ademais, a declaração afirma que o governo deverá ser destituído quando violar os direitos inalienáveis. “Whenever any form of government becomes destructive of these ends, it is the right of the people to alter or to abolish it, and to institute new government” ratifica a importância aos conceitos cristãos medievais reconhecidos pelos pais fundadores. (SCHMIDT, p. 270)
As verdades auto-evidentes, também proclamadas, apresentam raízes cristãs que remontam aos escritos teológicos do séc. XVIII. Para os medievais, auto-evidente, de acordo com Gary Amos, “was truth known intuitively, as direct revelation from God, without the need for proofs”. O termo presumia a criação do homem a imagem e semelhança de Deus, bem como considerava como verdadeiras certas crenças acerca da racionalidade humana que podem ser encontradas em Agostinho, no início do séc. V. (SCHMIDT, p. 254)
Mundo edificaram as suas colônias fundamentadas nos ideais do Cristianismo e da liberdade, diferente da forma com que os outros países do continente americano foram colonizados. Nesse ponto, difere essencialmente da colonização do restante do continente americano, incluindo o Brasil, onde o processo foi comandado pelos governos colonizadores e iniciativas estatais, e não de indivíduos que negavam o poder do Estado sobre eles. (DE PAOLA, 2012)
Tendo em vista os peregrinos não terem levado nenhuma organização governamental à América, tiveram que aprender por si mesmos a criar um novo sistema de governo, da melhor maneira que lhes conviesse. Desta forma, a primeira e única Constituição dos Estados Unidos da América, proclamada em 1787, foi produzida por um raro grupo de indivíduos de extremo valor, os framers, e as suas leis constituídas impossibilitavam o governo de impor leis e condutas sobre os cidadãos sem o seu próprio consentimento. (DE PAOLA, 2012)
A construção do direito à Liberdade Religiosa está intrinsicamente ligada não apenas ao fundamento da Cosmovisão Cristã, que também verificou-se estar relacionada ao surgimento dos direitos humanos, mas também está diretamente ligada à fundação dos Estados Unidos da América.
O primeiro texto constitucional escrito assegurou o livre exercício dos direitos políticos e civis garantido através de normas que visavam garantir a liberdade de expressão, de imprensa, de crença religiosa, de reunião, como também garantir a inviolabilidade do domicilio e o direito a julgamento (ninguém poderia ser preso ou condenado sem o devido processo judicial). (BONISSONI, 2013)
Neste contexto, Alexis de Tocqueville (SCHMIDT, p. 270) destaca a intrínseca relação entre os princípios religiosos dos então americanos com os princípios fundadores da nova nação. Para o francês, “there is no country in the world where the Christian religion retains a greater influence over the souls of men than in America”. Tais influências não se restringiam apenas à vida privada do indivíduo. Ela era, principalmente notada na esfera pública, através dos documentos históricos e seus princípios elementares defendidos. Tocqueville também reconheceu que “Americans combine the notions of Christianity and of liberty so intimately in their minds, that it is impossible to make them conceive the one without the other.” Ou seja, a noção de liberdade desenvolvida pela nação norte-americana, fundada a partir de um contexto de perseguição, estava intimamente ligada à concepção Cristã de liberdade.
como um símbolo das liberdades fundamentais da nação. De acordo com a Primeira Emenda,
Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the
government for a redress of grievances. (CORNELL, 2017)
De acordo com a interpretação da Escola de Direito da Universidade de Cornwell, a primeira cláusula (da Primeira Emenda) se refere à proibição do governo de criar qualquer legislação direcionada a estabelecer, em território nacional, uma religião oficial, ou preferir qualquer religião em detrimento de outra. É o ponto de correspondência para a segunda cláusula, que obriga a separação entre a Igreja e o Estado. (CORNELL, 2017)
Já a respeito da cláusula relacionada ao livre exercício da religião, a intenção era tirar dos poderes legislativo, estadual e federal, o exercício de qualquer restrição ao livre exercício da liberdade religiosa. Tem por finalidade garantir a liberdade de religião individual através da proibição de qualquer tipo de invasão exercida pela autoridade civil. (CORNELL, 2017)
Desta forma, a hostilização da religião ou a sua absoluta separação da esfera pública ou política não era o objetivo geral das cláusulas contidas na Primeira Emenda. Com o intento de prevenir a coerção e evitar a discriminação religiosa, elas apresentavam a subjacente noção da existência da vida individual e coletiva para além das instituições do Estado. (MACHADO, 2013, p. 58)
Foi o forte senso de responsabilidade, encontrado nos Pais Fundadores dos Estados Unidos, fundamentado em valores cristãos, que resultou na formulação específica de direitos para a posteridade inseridos nas Emendas à Constituição dos Estados Unidos. George Washington, em seu discurso de posse como o primeiro Presidente da nação recém fundada e em sua fala de despedida, proferida em 1796, destacou a importância da religião para os Estados Unidos, então independentes.
Para o Commander in Chief do Exército Continental,
De todas as disposições e hábitos que levam à prosperidade política, a Religião e a moralidade são apoios indispensáveis. Qualquer homem que subverta estes grandes Pilares da felicidade humana, estes firmes propósitos dos deveres do homem e do cidadão, não poderá reivindicar o tributo do Patriotismo. Seu pedido será em vão. O mais simples dos políticos, igual aos homens pios, devem respeitá-los e amá-los. (...) Devemos nos acautelar quanto à suposição de que a moralidade pode ser mantida sem a Religião. (DE PAOLA, 2012)
humana, fundamento elementar dos direitos humanos e os preceitos religiosos que foram fundamentais para a construção histórica destes direitos. Como também, é verificada a relação entre a construção do direito à Liberdade Religiosa e os princípios fundadores da recém-fundada nação norte-americana. Ao levar em consideração a história que levou à formação dos Estados Unidos Americanos, é compreensível que a Liberdade Religiosa recebesse a devida importância a ponto de ter sido a Primeira Emenda à Constituição.
Como é consabido dos historiadores da Igreja, houve um tempo no período da Cristandade em que alguns bispos e governantes coercitivamente forçavam indivíduos e grupos de pessoas a aceitarem o Cristianismo. Registra-se o exemplo do Imperador Teodósio I, que expediu um edito em 380 d.C, compelindo todos os oficiais do governo a aderirem ao Cristianismo. Já no século sexto, Justiniano levou muitos à Igreja utilizando meios involuntários e, no século oitavo, Carlos Magno forçou várias pessoas a abraçarem o Cristianismo. (SCHMIDT, p. 261)
Muito embora realmente fosse o desejo de Jesus Cristo que muitos o seguissem, estes líderes – e tantos outros – não atentaram para as atitudes do seu “dito Mestre”, que nunca obrigou ninguém a segui-lo. A bem da verdade, Ele chorou diante da rejeição de Jerusalém, seu povo amado. Seu método de conversão nunca foi coercitivo, mas Ele operava por meio do ensino e da pregação. Portanto, todas as vezes que a história apresentar tentativas de conversão forçada, utilizando como pressupostos preceitos supostamente bíblicos, certamente demonstrarão o método e o espírito de Cristo sendo grosseiramente violados. (SCHMIDT, p. 261). Quando a exegese das Escrituras é realizada com precisão, é notório o entendimento dos preceitos bíblicos com relação à liberdade de consciência e, consequentemente, sobre a liberdade de religião.
A liberdade religiosa foi violada de diversas maneiras quando indivíduos foram decapitados, queimados em fogueiras por acreditarem ou ensinarem o que alguns liderem em diversos períodos da igreja reconheceram como heresias. (SCHMIDT, p. 261) Não é possível tratar de liberdade religiosa sem levar em consideração este infeliz histórico que, apesar de alguns Arcebispos e Papas terem se posicionados contrários, fizeram por diversos anos parte da Igreja, principalmente da Católica Romana no período Pré-Reforma.
Por outro lado, é clarividente que alguns proeminentes líderes cristãos proclamavam o direito dos indivíduos a agir conforme suas consciências e mantiveram suas posições mesmo acreditando e ensinando que não há salvação fora de Cristo. (SCHMIDT, p. 261)
possuindo concepções diferentes, em matéria metafisica ou religiosa, podem convergir em virtude de uma semelhança analógica de princípios práticos, na busca pela verdade, pela inteligência, pela dignidade humana, pela liberdade e pelo amor fraterno e pelo valor absoluto do bem moral. (MARITAIN, 1956, p. 130-131)
Em vista disso, melhorar as condições da vida humana e alcançar o bem comum da comunidade, de tal modo que cada pessoa, e não somente uma classe privilegiada, possa realmente alcançar aquela medida de independência, que é própria da vida civilizada (MARITAIN, 1956, p. 68), são subentendidos como finalidades do Estado, totalmente compatíveis com o ideal de Liberdade Religiosa, tendo em vista que o Estado, a serviço do povo, permitindo que este usufrua da liberdade de religião, também o possibilita a buscar o bem comum espiritual.
É conveniente ressaltar que Maritain foi um filósofo francês de orientação católica e um dos principais influenciadores da elaboração do conceito de Democracia Cristã. Sobe o assunto, H.L. Mencken, geralmente um crítico à religião, escreveu em um ensaio denominado “Igualdade perante a Lei”, publicado em 1926 que:
The debt of democracy to Christianity has always been underestimated…. Long centuries before Rousseau was ever heard of, or Locke or Hobbs (sic), the fundamental principles of democracy were plainly stated in the New Testament, and elaborately expounded by the early fathers, including St. Augustine.
A percepção de Mencken foi a mesma de Blackstone, que influenciou os pais fundadores norte-americanos que positivaram constitucionalmente o direito à Liberdade Religiosa enraizado em preceitos bíblicos. William Blackstone ainda reconheceu a intrínseca relação entre a liberdade de consciência e liberdade de religião, afirmando que:
Immunity from religious coercion is the cornerstone of an unconstrained conscience. No one should be compelled to embrace any religion against his will, nor should persons of faith be forbidden to worship God according to the dictates of conscience or to express freely and publicly their deeply held religious convictions. (WHELCHELI, 2016)
Segundo Thomas Jefferson, “The constitutional freedom of religion [is] the most inalienable and sacred of all human rights” (JEFFERSON, 2017). Ademais, o então Presidente norte-americano afirmou que “In our early struggles for liberty, religious freedom could not fail to become a primary object” e que a “Religion, as well as reason, confirms the soundness of those principles on which our government has been founded and its rights asserted.” (JEFFERSON, 2017).
temporário de algumas ideologias autoritárias e totalitárias, tornou-se perceptível que estes sistemas de ideias são avessos à liberdade individual tendo em vista tais liberdades dificultarem e impedirem os governos que as defendem de controlar expressões e movimentos dos cidadãos. Para Schmidt, ao voltar à questão da importância da liberdade individual para o alcance da liberdade, “without freedom of the individual there is no real freedom, whether it is on the economic, political, or religious level”. (SCHMIDT, p. 58) E, quando se examina o desenvolvimento da liberdade pessoal, logo se torna evidente, assim como ocorre em diversas áreas da vida humana, a grande influência do Cristianismo. Cristo, por exemplo, fortemente enfatizou a importância e o significado da pessoa individual ao tratar com seus filhos (seguidores) de forma individualizada, e não coletiva. Ele proclamou: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (BÍBLIA)
Desta forma, diante das breves considerações compiladas acerca da importância do Estudo da Cosmovisão Cristã para a formação do Estado Laico e, consequentemente para a Liberdade Religiosa, percebe-se uma notória influência de pressupostos religiosos cristãos que individualmente influenciaram grandes homens que marcaram a histórica com suas contribuições filosóficas, políticas e jurídicas e que, consequentemente, deram origem a documentos que hoje tutelam direitos e liberdades.
É importante ressaltar que o reconhecimento de que preceitos bíblicos fundamentaram documentos que ainda hoje representam o alicerce de vários Estados não invalida o conteúdo dos mesmos pela razão de seus princípios elementares terem fundamentações religiosas, até pelo fato do reconhecimento dos próprios autores de alguns manuscritos terem afirmado a Cosmovisão Judaico-Cristã como base para a formação de seus ideais, muito embora estes muitas vezes não fossem totalmente adeptos da religião, como Thomas Jefferson.
Portanto, é possível concluir através do breve histórico de informações compiladas acerca da construção dos direitos humanos, da liberdade religiosa e da elaboração de documentos políticos que a Cosmovisão Judaico-Cristã, que através de seus valores e princípios colocados em prática por meio de seus adeptos, influenciaram não apenas os direitos humanos e a Liberdade Religiosa mas, conforme afirmado por Tocqueville, foi o Cristianismo que forneceu os padrões morais para o desenvolvimento da Democracia na América, referência para as diversas nações.
Pretendeu-se, diante do artigo apresentado, verificar, a influência da Cosmovisão
Judaico-Cristã na construção do direito à Liberdade Religiosa. Diante do exposto, percebeu-se
que os documentos históricos fundamentados em preceitos bíblicos, desde os primórdios do
Império Romano, contribuíram para a compreensão do que hoje conhecemos como direitos
humanos e também foram elementares na caracterização do direito à Liberdade Religiosa.
Os fundamentos do direito à Liberdade Religiosa, conforme constatou-se, mantém
estreitas relações com a Cosmovisão Judaico-Cristã. Desenvolveu-se na Patrística e perdurou
até os tempos da Reforma, transformando-se então, a partir da emenda à Constituição
norte-americana, em um direito constitucionalmente tutelado e garantido.
Muito embora atualmente os documentos legais não façam qualquer menção aos
pressupostos basilares fundamentais para origem de tais direitos, é notório que os responsáveis
pela construção e solidificação deste direito tinham seus princípios e valores pautados em
preceitos bíblicos, indutores da Cosmovisão Judaico-Cristã e que, a despeito de não concordar
com as divergentes cosmovisões existentes, pautadas em pressupostos religiosos, defendem, a
partir dos ensinamentos de Cristo, o direito de qualquer pessoa manifestar sua religião tanto em
público, como de forma privada.
Desta forma, sem qualquer pretensão de exaurir os debates do assunto, acredita-se ser
possível constatar que o direito à Liberdade Religiosa tem suas raízes, inicialmente, nos
preceitos compartilhados por Jesus Cristo e que, com o avançar da história, apesar das
má-interpretações, perpetuaram-se e, através de diversos documentos históricos, fomentaram o
desenvolvimento de direitos e garantias para todos terem a possibilidade de expressar a sua
religião, seja ela qual for.
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