Curso de Psicologia
Disciplina: Psicopatologia II (72 hs/aula)
Período: 6
oTema:
NOSOGRAFIA
PSICOPATOLÓGICA:
CID-10 (F00 a F09):
Transtornos mentais
orgânicos, inclusive os
sintomáticos
Transtornos mentais orgânicos, inclusive os
sintomáticos (F00 a F09):
Este agrupamento compreende uma série de transtornos mentais reunidos, tendo em comum uma
etiologia demonstrável tal como doença ou lesão cerebral ou outro comprometimento que leva à
disfunção cerebral.
A disfunção pode ser primária, como em doenças, lesões e comprometimentos que
afetam o cérebro de maneira direta e seletiva; ou secundária, como em doenças e transtornos
sistêmicos que atacam o cérebro apenas como um dos múltiplos órgãos ou sistemas orgânicos
envolvidos.
OBS.: usar código adicional, se necessário, para identificar a doença subjacente.
Este agrupamento (F00 a F09) contém as seguintes
categorias de três caracteres:
F00
Demência na doença de Alzheimer (G30)
F01
Demência vascular
F02
Demência em outras doenças classificadas em
outra parte
F03
Demência não especificada
F04
Síndrome amnésica orgânica não induzida pelo
álcool ou por outras substâncias psicoativas
F05
Delirium não induzido pelo álcool ou por outras
substâncias psicoativas
F06
Outros transtornos mentais devidos a lesão e
disfunção cerebral e a doença física
F07
Transtornos de personalidade e do comportamento
devidos a doença, a lesão e a disfunção cerebral
F09
Transtorno mental orgânico ou sintomático não
especificado
A demência
(F00
a
F03)
é uma síndrome promovida
por uma doença cerebral, usualmente de natureza
crônica
ou progressiva, na qual há comprometimento de
numerosas funções corticais superiores, tais como a
memória, o pensamento, a orientação, a
compreensão, o cálculo, a capacidade de
aprendizagem, a
linguagem e o julgamento (por pelo menos 6
meses).
Esta síndrome (a demência) não se
acompanha de obnubilação da
consciência. Ou seja, a percepção do
ambiente é preservada durante um
tempo suficientemente longo para
permitir a demonstração dos sintomas
anteriores.
Recomendação: quando há episódios de
delirium sobrepostos, o diagnóstico de
• Notemos, portanto, que nas demências o principal sintoma é a alteração da memória, podendo coexistir com algum outro sintoma cognitivo, como alterações na linguagem (especialmente anomias – dificuldades de nomear objetos, pessoas etc.) ou dificuldades práxicas (na realização de atos voluntários);
• A alteração da memória começa na memória para fatos mais recentes, progredindo para a memória de fatos mais remotos.
• Existem dezenas de causas de demência (exemplo: alterações nutricionais, endócrinas etc.). É importante pesquisar, em cada paciente, se há uma causa identificável, pois muitas causas são tratáveis, sendo possível reverter o quadro.
O comprometimento das funções cognitivas se
apresenta habitualmente e é por vezes
precedido por
uma deterioração do controle emocional, do
comportamento social ou da motivação.
A síndrome ocorre na doença de Alzheimer, em
doenças cerebrovasculares e em outras
afecções que atingem
A causa mais freqüente de demência é a doença de Alzheimer (responde por até 50% dos casos de demência). Ela não tem como ser detectada por exames de rotina, e seu diagnóstico às vezes é por exclusão, quando não achamos outra causa.
O segundo tipo de demência mais comum é a demência
por múltiplos infartos. Acontece em pessoas que têm
doenças cardiovasculares, como arritmias ou pressão
arterial elevada, o que predispõe a pequenos acidentes
vasculares
cerebrais
(AVCs,)
que
levam
progressivamente
à
demência
(evolução
“em
degraus”).
Outra causa freqüente de demência é o alcoolismo
(síndrome de Wernicke – Korsakoff). Geralmente o
principal sintoma é o prejuízo na memória recente, mas
há também alterações emocionais.
Detalhes sobre a Demência na doença de Alzheimer
(F00)
A doença de Alzheimer é uma doença
cerebral degenerativa primária de
etiologia desconhecida com aspectos
neuropatológicos e neuroquímicos
característicos.
O distúrbio é normalmente insidioso
no início e se desenvolve lenta mas
firmemente , durante um período de
vários anos.
Progride depois para sintomas ainda
mais graves: idéias deliróides,
agitação, comportamento inadequado
(desinibido), o paciente pode perder-se
na rua (ou mesmo em casa), começa a
desconhecer os mais próximos, etc.
• Para o paciente, o início do quadro é angustiante, pois ele mesmo percebe que está perdendo a memória. Nas fases seguintes da doença, ele pode perder esta percepção de si e o quadro clínico começa a ser mais problemático para sua família;
• Atinge cerca de 1% das pessoas na faixa de 60 anos. Nas com 85 anos, este índice chega a 20%.;
• Em pessoas com baixa atividade intelectual durante a vida, o transtorno tem evolução pior;
• A sobrevida dos pacientes é menor que da população na mesma faixa etária.
F00.0 * Demência na doença de Alzheimer de início precoce (G30.0) : Demência na doença de Alzheimer com
início antes dos 65 anos de idade , com um curso de deterioração relativamente rápido e com transtornos múltiplos e marcantes das funções corticais superiores .
F00.1 * Demência na doença de Alzheimer de início tardio (G30.1): Demência na doença de Alzheimer com
início após 65 anos de idade , geralmente no final dos anos 70 ou depois, com uma progressão lenta, com perda
de memória como o recurso principal.
F00.2 * tipo de demência na doença de Alzheimer , forma atípica ou mista ( G30.8): forma atípica da
demência, mas ainda preenchendo critérios do tipo Alzheimer
F00.9 * Demência na doença de Alzheimer não especificada (G30.9)
Notas sobre ‘Delirium não induzido pelo álcool ou por
outras substâncias psicoativas’:
F05
• Os delirium são também chamados genericamente de estados confusionais (uma vez que as alterações da consciência implicam em quadro de confusão mental);
• A alteração orgânica promovedora do delirium usualmente é exterior ao sistema nervoso central (por isso, estamos às voltas com disfunções neurofisiológicas temporárias, ao invés de alterações neuroanatômicas como ocorre nas demências);
• Os delirium costumam ter início súbito e curso breve (e flutuante), com oscilações ao longo do dia;
• São frequente as perturbações do ritmo do sono; • Costuma não deixar sequelas após o tratamento;
Critérios diagnósticos propostos pela CID 10 para
F05
:
• A) Há obnubilação da consciência (com capacidade reduzida de focar, manter ou mudar a atenção);
• B) A perturbação da cognição é manifesta por ambos:
1) comprometimento das memórias imediata e recente, com memória remota relativamente intacta e 2) desorientação temporal, espacial ou pessoal.
• C) Pelo menos uma das seguintes perturbações psicomotoras está presente: 1) mudanças rápidas e imprevisíveis de hipo a hiperatividade; 2) tempo de reação aumentado;
3) aumento ou diminuição do fluxo da fala; 4) intensificação da reação de susto;
• D) Há perturbação do ciclo sono-vigília, manifestada por pelo menos um dos seguintes:
1) insônia (pode, em casos mais graves, envolver total perda de sono) com ou sem sonolência diurna, ou reversão do ciclo sono-vigília;
2) piora noturna dos sintomas;
3) sonhos perturbadores e pesadelos, os quais podem continuar como alucinações ou ilusões após o despertar;
• E) Os sintomas têm início rápido e mostram flutuações ao longo do dia;
• F) Há evidência objetiva a partir da história do paciente e de exames de uma doença cerebral ou sistêmica (outra que não relacionada à substância psicoativa) que pode ser presumida como responsável pelas manifestações clínicas nos critérios A a D.
Síntese distintiva entre Delirium e Demência:
Delirium
• Etiologia freqüentemente extra-encefálica;
• Geralmente não há substrato cerebral histopatológico;
• Costumam ser quadros agudos e reversíveis
• Afetam sobretudo o nível de
consciência (orientação e atenção
• Exemplo: delirium conseqüente à abstinência de substâncias psicoativas Demência • A participação etiopatogênica do cérebro é primária • O substrato histopatológico
cerebral costuma ser irreversível
• São quadros crônicos, com agravamento progressivo
• Afetam sobretudo a inteligência e a memória
Fragmento clínico número 1:
Senhor X., 51 anos, sexo masculino.
Mora em um asilo; há alguns meses vem apresentando
comportamento alterado (há relatos de estar se envolvendo
em confusões, ameaçando outras pessoas e recusar comida).
Nesta entrevista, mostra certo descuido com a higiene; está
calmo e colaborativo. Foi atendido em um serviço público
especializado em saúde mental.
-Por que veio parar aqui?
-Tem um rapaz lá (no abrigo) que não trabalha, ele veio
de outro lugar e foi pra lá, só faz confusão, ele é meio
doente. Aí entrei no meio da conversa, aí a Patrícia disse
que eu tava meio doente e me trouxe pra cá, pra tomar
uns remédios. Tou precisando só de umas vitaminas.
-Você estava andando com um pau?
-Pois é! Uma vez um cachorro quase me mordeu, aí
passei a andar com um pau pra espantar os cachorros.
Mas não vou fazer nada com ninguém.
-Você bateu em alguém? Ameaçou alguém?
-Não! Não! Deus me livre!
-Falaram que você disse que não era comida lá, era
lavagem, e não estava comendo...
-Não, é que depois a gente pega a comida e dá pros
porcos. Vim pra tomar umas vitaminas, parece
que a comida não tá descendo. Se a gente não
come, não fica vivo, né?
-O senhor sabe que dia é hoje? O ano que a gente está?
-1984... Agosto. Dia 6. [OBS.: data da entrevista: 27 de maio de
2005]
-Quando o senhor nasceu?
-Março de 88.
-O senhor estudou?
-Até o segundo ano.
-Ficou quanto tempo na escola?
-Cinco meses.
-O senhor está há quantos dias aqui?
-Eu vim na segunda. Segunda, terça, quarta, 4 dias. [OBS.:
esta sessão ocorreu em uma sexta-feira] -Vou falar 3 palavras para o senhor guardar...
OBS.: entrevista realizada no dia seguinte, com o mesmo paciente: -Quando o senhor nasceu mesmo?
-Março de 1947. (Segundo os registros: 1954)
-Qual a idade do senhor?
-47.
-Que ano o senhor nasceu mesmo?
-48.
-O senhor sabe em que ano estamos?
-1948. 44.
-O senhor se lembra de mim?
-Já me atendeu lá na minha cidade, né? Eu já tive aqui. Acho que me atendeu foi aqui mesmo.
-Tem quanto tempo?
-Uns 4 meses, uns 5 meses...
-O senhor estudou até que série?
-Segunda.
-Aprendeu a ler e escrever?
-O que está escrito aqui? (Examinador mostra nome da clínica, escrito em letras grandes e de fôrma)
-Não sei não...
(Insiste-se com a pergunta e se obtém a mesma resposta)
-O senhor é casado? -Sou.
-Tem quantos filhos? -Dois.
-Qual o nome dos seus filhos? -Manoel e José.
-E netos? -Tem um.
-Qual o nome? -José.
-É o mesmo nome do seu filho? Como chamam seus filhos?
-Manoel e Pedro.
-Qual o nome dos filhos do senhor?
-José e Pedro.
-E do seu neto?
-Francisco.
-E dos seus filhos?
-Manoel e José.
-O que o senhor veio fazer aqui?
-Vim pra ver se já está bom. Eu quebrei o pé, vim fazer a revisão. Tem que trabalhar, tenho que ir embora já, tem mandioca pra limpar...
-O senhor é aposentado?
-Sou, pelo BNH. Faz muito tempo.
-Aposentou por quê?
-O senhor mora com quem?
-Sozinho. Minha mãe e meu pai mora lá. Mas tou
recebendo ainda não. Os documentos tão lá no BNH.
-O senhor mora com quem?
-Minha mãe, minha irmã...
[Solicita-se ao paciente que faça uma cópia de um
desenho simples, de uma casa, que lhe é mostrado. O
resultado são rabiscos ovalados que não se parecem
claramente com nada. O mesmo se dá com o desenho de
uma árvore].
Análise do fragmento clínico número 1 (Senhor X.):
S
intomas:• agressividade (relatada);
• déficit importante de memória de evocação, com fabulações; • dissimulação (?) de sintomas (nega todos os fatos relatados); • desorientação temporal significativa (inclusive com erros na
própria data de nascimento);
• memória de fixação de curtíssimo prazo ocasionalmente prejudicada.
Comentários objetivando a elaboração de uma hipótese
diagnóstica:
• Os principais problemas deste paciente encontram-se no campo da memória. E não são brandos. Consegue, alguns segundos após ter dito o nome dos filhos, dar outros nome para os mesmos e, logo em seguida, outros nomes diferentes dos iniciais;
• Os problemas na memória geralmente começam para as memórias de fatos recentes. As mais antigas estão mais consolidadas e sua perda é mais difícil;
• Este paciente tem problemas na memória de curto prazo. Pedimos para que guardasse 3 palavras. Conseguiu. Porém, algum tempo depois (não transcrito no relato da entrevista), já havia esquecido. E, como visto, consegue esquecer coisas que acabou de falar – como o nome dos filhos e o ano em que nasceu (“1988”, “1947”, “1948”). Não consegue lembrar-se bem onde e quando viu o psicólogo.
• Há também outras circunstâncias clínicas que atingem as memórias de longo prazo. Isto faz com que o caso seja grave; • Daí termos questionado se há ou não dissimulação (negar os
sintomas), quando diz que não agrediu ninguém. Ele pode não estar fingindo, e simplesmente ter, realmente, esquecido que fez isto;
• De qualquer forma, para ele não há esquecimentos: ele não chega a dizer “não sei, não lembro”. A cognição deste paciente encontra-se tão alterada que não acreditamos que ele pense “não sei, mas vou inventar alguma coisa para não perceberem que não lembro”. Não, o processo parece-se mais com um automatismo. As respostas “surgem”, em sua mente, logo após a pergunta, retirando de uma memória altamente fragmentada qualquer nome, qualquer número, qualquer fato que tenha algo a ver com o que é indagado. Nasceu quando? “47”, “88”. Qual o nome dos seus dois filhos? “Manoel, José, Pedro...” E do seu neto? “José, Francisco...”. Isto é fabulação; • Destacamos também a enorme apraxia: foi incapaz de copiar,
ou mesmo desenhar sozinho (pois poderia não ter conseguido por problemas na visão), uma casa, uma árvore;
• Enfim, somando-se os sintomas e a idade, podemos propor a hipótese de demência.
• A questão mais importante aqui é: qual tipo de demência? Qual a possível causa?
• Porque há demências tratáveis (reversíveis) e outras não. • Devemos pensar primeiramente nas causas mais comuns:
Alzheimer, múltiplos infartos, alcoólica. Pensamos na demência por múltiplos infartos quando há história de hipertensão arterial importante, antecedentes de AVC, etc.
• Este paciente tem 51, e, caso confirme-se o diagnóstico, com uma evolução tão rápida até aqui apresentada, o prognóstico não poderá ser otimista.
•
Hipótese diagnóstica: demência não especificada