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Imaginário simbólico e esquizofrenia : um olhar da pessoa

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Academic year: 2017

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Pro-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

IMAGINÁRIO SIMBÓLICO E ESQUIZOFRENIA

UM OLHAR DA PESSOA

Brasília - DF

2011

Autora: Ana Paula Vianna de Oliveira da Rocha

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Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB 22/11/2011

R672i Rocha, Ana Paula Vianna de Oliveira da.

Imaginário simbólico e a esquizofrenia – um olhar da pessoa. / Ana Paula Vianna de Oliveira da Rocha – 2011.

125f. : il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011. Orientação: Vicente de Paula Faleiros

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ANA PAULA VIANNA DE OLIVEIRA DA ROCHA

IMAGINÁRIO SIMBÓLICO E A ESQUIZOFRENIA UM OLHAR DA PESSOA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obter o grau de mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros.

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Dedico meu trabalho às participantes desta pesquisa, porque tornaram meu estudo não somente possível, mas também uma grande experiência profissional e de vida.

Dedico ao meu marido, companheiro extraordinário, que me mostra todos os dias o quanto o amor é possível.

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros, por me conduzir nesta pesquisa de forma maestral, fazendo-me sentir livre e, ao mesmo tempo, amparada por seu conhecimento e seu carinho.

Agradeço à minha mãe, por me socorrer sempre que precisei de sua ajuda com meus filhos, deixando-me segura para entregar-me aos estudos.

Agradeço ao meu marido, por ter tornado este mestrado financeiramente possível, mas, sobretudo, por sempre acreditar no meu potencial e nunca me deixar desistir, tornando minha vida repleta de amor verdadeiro.

Agradeço aos meus filhos, por compreenderem minha ausência, mesmo ainda tão pequenos, e por se constituírem no meu maior tesouro, com eles aprendo sempre e para eles tenho o maior amor do mundo.

Agradeço aos amigos Eriane e Toty, pela amizade que torna a vida mais leve e alegre; à Eriane pela revisão gramatical; ao Toty pelas conversas terapêuticas e pelas dicas sempre preciosas.

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RESUMO

ROCHA, A. P. V. de O. da. Imaginário Simbólico e Esquizofrenia Um olhar da Pessoa.

128 folhas. Dissertação de Mestrado- UCB.

Investiga e compreende a forma como as atividades expressivas de pessoas diagnosticadas esquizofrênicas se tornam uma linguagem de símbolos e do Eu no diálogo terapêutico e como contribui para a expressão do sujeito em suas múltiplas dimensões, além da doença. Pesquisa realizada no Instituto de Saúde Mental, unidade da Secretaria de Saúde Publica do Distrito Federal, por meio de encontros para realização das atividades expressivas com cinco participantes. Analisa a produção expressiva das participantes quanto às produções de figuras coincidentes nas expressões e à maior frequência de cores utilizadas. Analise dos resultados com base na teoria analítica de Jung e na do Imaginário Simbólico de Durand. Os resultados mostram duas figuras comuns: árvore e coração, que se aproximaram por semelhanças interpretativas das cores expressadas por uma das pacientes. As interpretações apontam para expressões de símbolos da vida, do masculino/feminino, da dimensão espiritual e da integração dos diversos aspectos do ser. Sugere a possibilidade de atuação nas diversas dimensões humanas. Sugere que a esquizofrenia não aniquilou a possibilidade de comunicação ou a vontade do esquizofrênico de ‘estar’ no mundo. Os símbolos se legitimam como linguagem comunicante do mundo interno e subjetivo das participantes. Indica que o sujeito pode, através da expressividade, transcender a dor, e entrar em contato com o mundo à sua volta. A interpretação simbólica revela a sincronicidade de elementos simbólicos que apontam para a compreensão não somente em nível individual, mas também social e estruturante da sociedade. Estudos posteriores podem apontar importantes aspectos do inconsciente coletivo na constituição do imaginário simbólico da esquizofrenia. Entrevistas coletivas com as participantes demonstram o pensamento sobre o que é ser louco e ser normal, sobre a família, a residência. As somas das expressões plásticas e verbal das participantes esquizofrênicas apontam como resultado a necessidade humana de ‘pertença’. Esse sentimento permanece preservado na esquizofrenia, como forma de as participantes se afirmarem como pessoas, além da doença e do diagnóstico restritivo.

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ABSTRACT

ROCHA, A. P. V. de O. da. Imaginário Simbólico e Esquizofrenia Um olhar da Pessoa.

128 folhas. Master Degree - UCB.

It investigates and understands the way in which expressive activities from patients that present schizophrenia diagnosis become symbolic language and of the Me inside the therapeutic dialogue and how it contributes to the expression of the being in its multiple dimensions, beyond the disease. Research made by the Instituto de Saúde Mental (Mental Health Institute), Secretaria de Saúde Pública do Distrito Federal (Federal District's Public Health Office) unit, through meetings which focus was to create expressive activities with five different patients. It analyzes the expressive production from the patients regarding which images and colors appear more than once. The results' analysis was made based on Jung's analytic theory and the Symbolic Imaginary by Durand. The results showed two common images: a tree and a heart, that are brought together by similar color interpretations expressed by one of the patients. The interpretations lead towards expressions of life symbols, of the masculine\feminine, of the spiritual world and of the integration between the several aspects of the being. It suggests that schizophrenia has not wiped out the possibility of communication or the patient's will of being in the world. The symbols legitimate themselves as communicative language of the patients' inner and subjective world. It indicates that the subject may, through expressiveness, transcend pain, and get in touch with the world around him\her. The symbolic interpretation reveals synchronicity of symbolic elements that lead towards the understanding, not only, individually speaking but also socially and structuring regarding society. Follow up studies may show important aspects of the collective unconscious inside the constitution of the symbolic imaginary in schizophrenia. Group interviews with patients' families show the way of thinking about what it is to be crazy and to be normal, about family and housing. Schizophrenic patients verbal and artistic expressions when united show as a result the human need to be accepted. This feeling remains preserved in schizophrenia, as a way patients found to show themselves as people, beyond the disease and its restrictive diagnostics.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………...7

2 OBJETIVOS...12

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 153

3.1 Loucura e Reforma Psiquiátrica ... 13

3.2 Esquizofrenia ... 20

3.3 Atividades Expressivas com Esquizofrênicos ... 32

3.4 Símbolo e Imaginário Simbólico ... 39

4 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS ... 60

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS ... 708

5.1 Resultado das Livres expressões Plásticas das Participantes... 68

5.2 Análise das duas zonas de sentido comuns aos trabalhos das quatro participantes, relativas às figuras comuns da Árvore e do Coração ... 79

5.3 Análise das Zonas de Sentido - Árvore e Coração - Segundo Jung e Silveira ... 83

5.4 Análise das Zonas de Sentido - Relacionando cores e figuras segundo a interpretação simbólica e quaternária ... 86

5.5 Resultado das Entrevistas Coletivas com as Cinco Participantes dos Encontros ... 92

6 ANÁLISE DAS ZONAS DE SENTIDO ... 100

6.1 A Primeira zona de sentido: O LUGAR - é percebido em quatro subdimensões: Lugar de Louco; Hospital; Casa; Lugar de Convivência ... 98

6.2 A Segunda zona de sentido é a Família ... 99

6.3 A Terceira zona de sentido é a Loucura ... 99

6.4 A quarta zona de sentido é a Atividade ... 100

6.5 A quinta zona de sentido é a Expressão do Afeto ... 100

7 DISCUSSÃO ... 102

8 CONSIDERAÇOES FINAIS ... 109

9 REFERÊNCIAS ... 111

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Que outra liberdade psicológica temos nós, senão a liberdade de sonhar? Psicologicamente falando, é no devaneio que somos livres.

Gaston Bachelard

1 INTRODUÇÃO

O estudo de atividades expressivas com finalidade terapêutica trouxe para mim um novo mundo de possibilidades clínicas, como uma alternativa à terapia tradicional que utiliza potencialmente a fala do paciente como instrumento terapêutico.

O uso de atividades expressivas para comunicar-se com os pacientes pareceu-me uma forma alternativa de acessar os conteúdos mais doloridos para o sujeito. Por meio de expressões plásticas, os conteúdos reprimidos seriam trazidos à tona, facilitando a compreensão de seus significados tanto para paciente quanto para terapeuta, situando, muitas vezes, o adoecimento psicológico dentro de uma perspectiva da história de vida e de sofrimento psíquico dos sujeitos.

Sempre admirei o mundo das artes que, com suas inúmeras possibilidades e significados, auxiliou o homem a transcender e refletir sobre o sentido das coisas, desde a vida cotidiana até as maiores decisões políticas, como guerras e revoluções sociais.

A necessidade humana de expressar-se através de imagens está presente desde a rudimentar pintura rupestre do homem das cavernas até as mais elaboradas e belas pinturas do mundo, como a da Capela Sistina, exemplificando que muitas vezes a expressão humana precisava ir além das palavras em busca de abarcar sentimentos, emoções e pensamentos de toda uma época histórica.

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A mente humana também sempre foi um tema apaixonante para mim. Intrigavam-me as razões pelas quais algumas pessoas adoeciam psiquicamente e outras não, assim como a multiplicidade da mente e do comportamento humano. Usar expressões plásticas como uma forma de comunicação, mesmo com a mente mais dilacerada pelo sofrimento psíquico, fez-me perceber que nenhum ser humano está tão fechado em si fez-mesmo que não consiga comunicar-se de alguma forma. Cabe a nós, ‘especialistas’, encontrar formas alternativas de comunicação com nossos pacientes, não o contrário.

Então decidi pesquisar essa ferramenta expressiva realizando o mestrado, com a finalidade de investigar empiricamente o potencial de terapias expressivas, como uma forma de acessar conteúdos latentes do sujeito. A partir daí, uma grande e incrível viagem intelectual se iniciou, passando por várias estações, onde embarcaram diversas teorias que enriqueceram e aumentaram minha bagagem teórica e, claro, influenciaram minha prática profissional.

Na primeira estação, conheci a abordagem pós-moderna da terapia construtivista das narrativas, que ao reconhecer nos pacientes parceiros de diálogo, em suas diferenças e subjetividades, vem ao encontro de meus anseios acerca das diferenças individuais, dando às mesmas o respaldo acadêmico tão procurado.

No construtivismo, a teoria e a técnica devem ser questionadas ao longo do processo: são as circunstâncias e as necessidades dos sujeitos que vão validar o trabalho terapêutico, não se considerando nenhuma teoria ou técnica de mais valia por si mesma, nem generalizável a todos os sujeitos, dada a complexidade do ser humano e do trabalho terapêutico. Aqui o terapeuta sai da posição de poderoso detentor de um saber, capaz de qualificar sentimentos e desejos, ou desqualificá-los, e torna-se co-construtor no processo terapêutico. Esse pensamento me fascinou dada a leveza com que nós terapeutas podíamos conduzir o processo terapêutico sem nos sentir Godterapeutas1.

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Depois veio a estação do trabalho da psiquiatra Nise da Silveira, que, indiscutivelmente, foi responsável por mostrar o valor das imagens no trabalho com pessoas com transtorno mental, em especial com psicóticos. Foi depois do seu trabalho pioneiro, no hospital psiquiátrico de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, que os espaços de atendimento a sujeitos que apresentam transtornos mentais têm utilizado cada vez mais a arte como forma de expressão, transformando-se em campo fértil para o uso de técnicas expressivas, aplicadas com muita frequência e reconhecimento pelos doentes, pela equipe médica e pelas famílias. Foi então que minha bagagem aumentou e tornou-se mais volumosa, com todos os exemplos de trabalhos realizados por esta grande psiquiatra. Essa bagagem, na realidade, levou-me para outra estação da qual eu não poderia escapar: Jung.

A terceira estação foi o trabalho de Jung, o grande teórico no campo da psicologia, responsável pelo reconhecimento do poder das imagens no tratamento dos transtornos psíquicos. Alias não somente das imagens, mas também dos mitos, arquétipos e símbolos presentes nos desenhos dos esquizofrênicos.

Nasce com ele a psicologia analítica interpretativa, fundamental para a compreensão da psicose. Esse campo do conhecimento foi utilizado e sistematizado por Nise da Silveira como um método terapêutico, o qual, infelizmente, pouco progrediu em contribuições teóricas desde então.

Jung abriu caminho para possibilidades de compreensão da história e do sentido do trajeto da psicose para cada indivíduo, tirando o foco da doença como incurável e perversa, trazendo uma possibilidade de cura e de progressão benéfica para pessoas com esse diagnóstico. Eu poderia dizer que essa estação levou-me então para uma viagem além do previsto, porque, com ela, se abriram muitas outras perspectivas de caminhos diferentes a seguir e de estações a parar.

A quarta e última parada, até este momento, porque esta viagem continuará enquanto vida eu tiver, foi uma estação que se ramificou à estação de Jung: a estação onde encontrei o imaginário simbólico de Gilbert Durand.

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Aquela repetição sistemática havia de ter um sentido para elas e, ao mesmo tempo, queriam me dizer alguma coisa. Encontrei, na teoria do imaginário de Gilbert Durand, respostas que foram fundamentais para compreender o imaginário simbólico das pacientes com as quais eu estava lidando, principalmente porque Durand me levou de volta a um encontro revelador com Jung, no qual as imagens remetem aos arquétipos.

A escolha da esquizofrenia, em meio a tantos outros transtornos psiquiátricos, aconteceu por dois motivos principais: o primeiro porque seria muito interessante a realização de atividades expressivas com aquelas residentes que têm dificuldade de comunicação, que segundo definição médica “romperam com a realidade”. Iniciei a pesquisa querendo descobrir se há de fato um rompimento com a realidade no funcionamento dessas pessoas, e se houver rompimento, investigar se o mesmo tem caráter irreversível ou se os profissionais é que não utilizam as ferramentas de aproximação adequadas.

O segundo motivo é que ainda há muitas incertezas sobre a origem da esquizofrenia, inúmeras teorias defendem pontos de vista tão diferentes a respeito da esquizofrenia, que a tornam uma doença inconclusiva, até os dias de hoje, mesmo no Código Internacional de Doenças, conhecido como CID 10.

Estudar sobre isso me deixou curiosa por conhecer melhor essa doença, como pregam os médicos; sofrimento psíquico, como defendem os psicólogos; forma de funcionamento da pessoa, como propõe Maura Lopes Cançado; ou ainda uma forma de desneurotizar o humano, como diria Deleuze.

Nesta pesquisa pretende-se investigar as possíveis contribuições da construção de atividades expressivas no atendimento a esquizofrênicos, pensando nelas como um diálogo entre paciente e terapeuta. Os dados serão analisados com embasamento na teoria analítica de Jung e do Imaginário Simbólico de Gilbert Durand.

O objeto desta pesquisa é investigar:

a) de que forma a realização de atividades expressivas, se constituem em um diálogo entre terapeuta e participantes diagnosticadas como esquizofrênicas;

b) o que comunicam sobre cada uma das participantes as formas, figuras e cores utilizadas em seus trabalhos expressivos, constituídos como símbolos.

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Logo após, tem-se a descrição dos objetivos, o geral e os específicos, que auxiliarão na compreensão da ambição acadêmica da pesquisadora.

A fundamentação teórica vem logo a seguir, esclarecendo melhor o leitor sobre as bases ou os pilares teóricos, sustentadores da pesquisa.

Depois temos a metodologia, com o objetivo claro de esclarecer os trilhos percorridos na pesquisa, informando sobre método, instrumentos, sujeito e coleta de dados.

Após a metodologia, serão apresentados os resultados da pesquisa, ou seja, as imagens produzidas pelas participantes, agrupadas em zonas de sentido imagéticas e zonas de sentido das entrevistas.

Em seguida, inicia-se uma discussão acerca dos resultados encontrados, fazendo uma ligação com a teoria estudada, e o trabalho caminha para uma conclusão, que não tenta de forma alguma esgotar as possibilidades de estudos nesta área, ao contrário, pretende apontar novos caminhos a investigar.

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Dize-me onde vais buscar tua psicologia e te direi quem és. JASPERS

2 OBJETIVOS

Geral

Investigar de que forma as atividades expressivas de pessoas esquizofrênicas se tornam uma linguagem de símbolos e do eu no diálogo terapêutico.

Específicos

• Compreender como essa linguagem simbólica pode contribuir para a expressão do sujeito em suas múltiplas dimensões e não como doença;

• Investigar o surgimento de símbolos nos trabalhos das participantes e o que eles querem comunicar sobre o mundo interno desses sujeitos;

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Um dos caminhos menos difíceis que encontrei para o acesso ao mundo interno do esquizofrênico foi dar-lhe a oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda a liberdade. Nise da Silveira

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Loucura e Reforma Psiquiátrica

De acordo com os relatos do surgimento e tratamento da loucura, percebemos que sua história passa por muitos estágios que vão desde a confusão de situar a loucura como de origem demoníaca, como problema da alma, de caráter, moral e como pecado, até, após fazer um longo percurso, situá-la como de origem biológica, que necessitava de cuidados médicos.

Hoje, diria que há um movimento, na psicologia e na filosofia, que busca tirar a esquizofrenia do campo médico, visto que sua origem nunca foi localizada no cérebro. A ideia destes campos do conhecimento é fazer da esquizofrenia um sofrimento psíquico grave, capaz de gerar delírios e alucinações nos sujeitos.

Durante todo esse tempo, as pessoas consideradas loucas sofreram os mais absurdos sofrimentos, desde o banimento da sociedade em embarcações marítimas, até o confinamento sem direito a liberdade nos hospitais – o que representava uma pena perpétua, excluindo, até mesmo, aquilo que nos dias de hoje nos parece o mais óbvio: o tratamento médico.

Segundo Foucault (1972), a loucura vem preencher um vazio que se estabeleceu com o fim da lepra, tanto no que diz respeito à ocupação dos hospitais antes destinados aos leprosos, quanto ao imaginário social, enquanto doentes a serem segregados da sociedade para evitar a proliferação da doença que carregavam. Assim, a loucura se situa desde o início, como doença a ser isolada da sociedade. Ele descreve a existência de um barco, chamado de Nau dos Loucos, durante a renascença, responsável por levar os insanos para longe das cidades, com a esperança de que essa fosse uma viagem sem volta.

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O autor coloca que Hipócrates (460-357 a.C.) já descrevia a loucura como uma doença, detalhando-a em quatro tipos de categoria: mania, melancolia, epilepsia e deterioração mental. Depois cita que Platão (407-347 a.C.) considerava a alma humana como constituída de duas partes: uma racional e imortal situada no cérebro e outra irracional e mortal situada no peito. A loucura viria quando a alma irracional fosse separada da alma racional, inaugurando aqui a ideia da loucura enquanto dicotomia entre mente, corpo e espírito (apud COSTA, 2003).

Ainda em Costa (2003) temos que, após os filósofos gregos, o cristianismo se esforça para levar a loucura para o contexto espiritual, classificando-a como possessão, heresia, desenvolvendo o que ele chamou de “uma demonologia descritiva”. Iniciava-se, assim, uma perseguição às pessoas que, segundo a igreja, estariam possuídas por espíritos malignos e necessitavam não de tratamento médico, mas da fogueira como única forma de extirpar o mal que havia dentro delas. O autor cita o famoso “Malleus-Maleficarium” ou “O martelo das bruxas” como a principal marca da influência do modelo espiritualista na sociedade ocidental, citado pelos textos psiquiátricos.

Em oposição à loucura enquanto “possessão”, temos a tentativa de Descartes em naturalizar a loucura, vinculando-a ao orgânico, procurando uma razão no corpo dos sujeitos que a explicasse. No século XVIII, temos Philippe Pinel que é apresentado como pioneiro ao sustentar a tese de que a loucura era causada por doenças físicas, devendo ser tratada por médicos e não pela igreja. A partir de Pinel, a loucura pôde ser conceituada como doença e tratada como tal, ele representou a entrada e a necessidade da existência de médicos dentro dos locais de internamento dos loucos, e foi um marco para o início da psiquiatria (COSTA, 2003).

Ao longo do tempo, a loucura continuou como um problema a ser resolvido, no entanto, segundo Foucault (1972), a loucura não possuía mais um lugar de adequação na sociedade e os legisladores não sabiam mais onde a situar, se na prisão, no hospital ou sob assistência familiar.

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Foucault (1972) destaca que a fundação do primeiro hospital para alienados, o Hospital Geral em Paris, inaugurou não um estabelecimento médico, mas uma estrutura semijurídica, com soberania absoluta, sem direito a apelações, uma entidade entre a polícia e a justiça, cujo papel era ao mesmo tempo de assistência e de repressão, e destinava-se aos pobres, aos desempregados e aos vagabundos. Nesse início do século XVII, os loucos eram trancafiados nos hospitais, misturados aos miseráveis, desempregados e vagabundos, que à sua semelhança também estavam incapacitados para o trabalho e para seguir os ritmos da vida coletiva.

A história percorrida pela loucura, ou melhor, sofrida por aqueles que foram considerados como loucos, mostra-nos que, a despeito da crueldade dos tratamentos psiquiátricos da época − pela crueldade, com internações perpétuas, eletrochoque, coma insulínico, lobotomia, e outras barbaridades −, a loucura ter passado para a esfera médica, em contraponto à esfera religiosa, jurídica e familiar, representa mudanças nas possibilidades de tratamento. Essa mudança representou não só tirar o poder de apenas trancafiar as pessoas como internas em locais com condições precárias de higiene e, muitas vezes, sem condição de funcionamento, com alagamentos nos quartos, pacientes mordidos por ratos, só para citar alguns exemplos, mas também possibilitar uma internação não como um banimento ou uma punição, mas como uma possibilidade de tratamento médico.

Silveira (1992), em seu livro O Mundo das Imagens, fala das consequências da introdução das relações corpo-psique, propostas por Descartes e sua influência na medicina científica até os dias de hoje. As buscas pela localização das doenças mentais no cérebro levaram a medicina a desenvolver tratamentos muito agressivos com o objetivo de extirpar o mal da loucura, como: eletrochoque, choque hiperglicêmico ou coma insulínico, lobotomia e quimioterapia.

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Drummond e Hidalgo (2006) fazem uma breve síntese da história da loucura, envolvendo o preconceito e ressaltam que o surgimento da psiquiatria teve o objetivo de anistiar os internos do pecado original do desatino, ao criar o hospício só para “alienados”. As autoras destacam que o modelo manicomial surgido tornou-se a sede de experimentações científicas como eletrochoques e lobotomias, suscitando um movimento de resistência a esses tratamentos, o qual levou à luta pela inclusão social e direitos dos usuários de saúde mental, resultando no movimento antimanicomial, cujo resultado foi a Reforma Psiquiátrica, um marco que define a saúde mental no Brasil, entre antes e depois da Lei Federal n. 10.216/2001.

A história da Reforma Psiquiátrica no nosso país contou inicialmente com iniciativas isoladas por parte de psiquiatras e trabalhadores em saúde mental, inconformados com os tratamentos dados aos doentes mentais nos hospitais psiquiátricos, fossem eles públicos ou privados. Esses movimentos começaram a surgir por todo país como uma alternativa ao tratamento tradicional.

Silveira (1992) cita a influência de Basaglia, psiquiatra italiano que liderou o movimento antimanicomial na Itália, como um dos precursores da mudança também aqui no Brasil. Segundo ela, já no ano de 1931, Ulisses Pernambuco, diretor do hospital psiquiátrico de Pernambuco, destrói calabouços e camisas de força, sendo o pioneiro desse movimento contra a crueldade no tratamento dos doentes mentais no Brasil.

A própria Nise da Silveira, no ano de 1946, também inova no tratamento aos doentes internados no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, trocando o eletrochoque, o coma insulínico e a psicocirurgia pelo uso da pintura, modelagem, música e trabalhos manuais no tratamento dos indivíduos lá internados.

No entanto, segundo documento do Ministério da Saúde, apresentado na Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental (2005), somente anos mais tarde, mais precisamente no ano de 1978, surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM).

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A Reforma Psiquiátrica é um movimento complexo, que exige o envolvimento de atores diversos, como a sociedade, os profissionais e pacientes envolvidos, bem como as instâncias jurídicas e legislativas do país (Ministério da Saúde, 2005). E assim, como movimento social, a Reforma Psiquiátrica foi se construindo ao longo dos anos, eclodindo com o surgimento do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) no Brasil, na cidade de São Paulo em 1987, e com o início de um processo de intervenção, em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes.

Essas duas iniciativas demonstraram claramente a possibilidade de uma forma alternativa de cuidar da saúde mental, sem internação.

Encontramos em Amarante e Torre (2001) que a Coordenadoria de Saúde Mental do Ministério da Saúde definiu os CAPS como “estrutura intermediária” entre o hospital e a comunidade, com a finalidade de construir uma rede de prestação de serviços comunitários aos pacientes, com funcionamento de oito horas por dia, cinco dias por semana. O Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) foi definido como a própria “desconstrução do manicômio”, constituindo-se em uma instituição com funcionamento de vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana, com a disponibilidade de seis leitos, com o objetivo de superar a lógica da assistência por meio da construção de um “projeto terapêutico” que envolva cuidar e fazer-se responsável por uma pessoa, evitar o abandono e atender o paciente em crise.

De acordo com Amarante e Torre (2001), essa intervenção, com sua repercussão nacional, demonstrou de forma inequívoca a possibilidade de construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Ainda nesse período, são implantados, no município de Santos, em 1989, NAPS com funcionamento 24 horas por dia, ao mesmo tempo em que são criadas também cooperativas e residências para os egressos do hospital e associações.

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Amarante e Torre (2001) ressaltam a importância, na década de 90, da assinatura do Brasil na Declaração de Caracas, por ocasião da realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, onde nosso país se compromete em regulamentar a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e das primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.

Porém, somente em 2001, após doze anos de tramitação, a Lei Paulo Delgado é sancionada sob o número 10.216, a partir daí redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando tratamentos de base comunitária e a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais.

Pela primeira vez, em toda a história da loucura no Brasil, essas pessoas passaram a ser vistas como alguém de direito, legalmente previsto e garantido, podendo exigir que a lei fosse cumprida e os seus direitos respeitados.

Os cuidados em saúde mental se encontram em processo de mudança, muitas políticas ainda estão sendo implantadas. Cada estado da federação vem realizando a implantação de novos serviços de atendimento no seu tempo e na sua peculiaridade. Aqui no Distrito Federal, por exemplo, estamos muito atrasados em relação aos outros estados, pois vergonhosamente não possuímos nenhuma residência terapêutica em funcionamento até o dia de hoje, somente para citar um dos problemas dos cuidados em saúde mental na capital do país.

Apesar de a Lei 10.216 ter sido promulgada em 2001, a década passada representa um início de caminho para as mudanças necessárias neste campo da saúde. Costa sintetiza bem esse pensamento no trecho a seguir:

A clínica no campo da saúde mental, no século XX, tem sofrido um processo de “transição aguda” desde o modelo hospitalar-manicomial e seus fundamentos teóricos para uma clínica produzida a partir de novos pressupostos e novos atores (usuários, cidadãos, trabalhadores, familiares), novos cenários de cuidado (a comunidade, a família, o PSF, os Caps, o território), sob um novo estatuto legal (não mais “loucos de todo gênero”, mas sujeitos de direito, no contexto da vida comum), de outra política de atenção em saúde mental (não mais centrada na exclusão e hospitalização) e de novos desafios éticos e clínicos para os trabalhadores deste campo. (COSTA, 2010, p.224)

Na loucura, a esquizofrenia é o maior expoente quando comparada a outras patologias psiquiátricas, porque comumente ao se pensar em louco com delírios e alucinações, são dos esquizofrênicos que estão falando.

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O desenvolvimento de atenção à saúde mental no Distrito Federal, ainda tão precário, possui, em contrapartida, boas iniciativas nesse campo de vastas possibilidades de atuação. O Instituto de Saúde Mental (ISM), por exemplo, há quase vinte anos, realiza oficinas terapêuticas utilizando música, artesanato e costura com os pacientes, ou seja, mesmo antes da Lei do deputado Paulo Delgado ser aprovada.

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Quando um psiquiatra amaldiçoa uma pessoa, converte-a num esquizofrênico – e assim a torna portadora dos mais maléficos poderes. Tal como “divino e demoníaco”, “esquizofrênico” é um conceito maravilhosamente vago em seu conteúdo e terrivelmente

assustador em suas implicações.

Szasz

3.2Esquizofrenia

Assim, passemos neste momento para uma especificação de loucura, enquanto objeto desta pesquisa, situando-a sob o diagnóstico médico da esquizofrenia.

Explicar o que é esquizofrenia não é tarefa das mais fáceis. Até hoje, é um diagnóstico que segue despertando posicionamentos opostos entre teóricos da área médica, psicológica, filosófica e humanista.

De maneira geral, a esquizofrenia é definida como um estado psíquico no qual o sujeito perde o contato com a realidade e encontra-se sob a designação médica chamada de psicose.

Para entender o conceito de esquizofrenia e a forma como vem se construindo ao longo do século, é oportuno recorrer a relatos históricos sobre seu surgimento, sua contextualização histórico-social e sobre ideias e teorias que foram se agregando a esse conceito ao longo do tempo.

Sua origem remonta ao ano de 1809, quando Pinel já descrevia alguns casos do que chamou de idiotia. Seu discípulo Esquirol, 1938, chamou de dementes crônicos as crianças nascidas sadias, com grande inteligência e vivacidade, porém essas características esgotavam-se rapidamente. As crianças tornavam-esgotavam-se esgotavam-sem esperança, parando de evoluir, o que caracterizaria a “idiotia” acidental ou adquirida. (PAIM, I. 1990)

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Eugen Bleuler substituiu o conceito de demência precoce de Kraeplin pelo conceito de esquizofrenia, que etimologicamente significa mente fendida ou desagregada, modificando a ideia de que a aparição da doença é fatalmente precoce ou de que evolui para um estado de demência terminal, afirmando que a doença poderia estacionar em uma das fases de sua evolução ou mesmo haver a regressão dos seus sintomas. (PALMEIRA, GERALDES e BEZERRA, 2009)

Segundo Elkins (2000), Bleuler denominava a existência de esquizofrenias “devido aos subtipos”, com a descrição de um transtorno que poderia aparecer tardiamente e, sobretudo, com ênfase não no processo evolutivo no sentido demencial, mas sim na valorização de sintomas fundamentais para o diagnóstico.

Em Palmeira, Geraldes e Bezerra (2009) descrevem os quatro sintomas principais da esquizofrenia, descritos por Bleuler no início do século XX, que são utilizados como critérios diagnósticos até os dias de hoje, conhecidos como os 4 A´s de Bleuler:

a) Afrouxamento dos nexos associativos do pensamento – correspondendo a ideias que são associadas de forma errada, com prejuízo da lógica;

b) Autismo – caracterizado por um comportamento introspectivo, pelo isolamento social e dificuldade de comunicação e relacionamento social;

c) Afetividade embotada – caracterizada por uma redução das expressões emocionais, falta de empatia, afetividade ambivalente (representando a contradição de emoções e sentimentos, incluindo reações inesperadas de raiva, tristeza ou alegria, inadequadas à situação;

d) Avolição – caracterizada pela ausência de vontade, comportamento apático;

Bleuler classifica os sintomas esquizofrênicos em fundamentais e acessórios. Os

fundamentais seriam os sintomas característicos como as alterações das funções psíquicas elementares com a) perturbação das associações e da afetividade; b) predileção à fantasia em oposição à realidade; c) disposição em dissociar-se da realidade; d) ambivalência de sentimentos opostos em relação a uma mesma pessoa ou situação.

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Schneider define, em 1948, “Sintomas de primeira ordem” (SPO), caracterizados por: ouvir os próprios pensamentos soando alto (sonorização do pensamento); escutar vozes sob a forma de argumento e contra-argumento; escutar, com comentários, vozes que acompanham as próprias atividades; ter vivências de influência corporal; ter roubo do pensamento e outras formas de influência do pensamento; sentir tudo como sendo feito ou influenciado pelos outros no campo dos sentimentos, pulsões e vontade; e ter percepção delirante. Os sintomas de primeira ordem de Schneider exerceram grande influência sobre a psiquiatria britânica,e sobre estudos com o objetivo de verificar invariantes da esquizofrenia, que constataram nos sintomas um grande poder discriminatório, mas não exclusivos da esquizofrenia. (ELKINS, 2000)

Segundo Costa (2003), enquanto Bleuler afirmava que o descompasso nas associações seria a característica principal da esquizofrenia, para Schneider os delírios e as alucinações seriam os sintomas mais importantes ao se fazer um diagnóstico.

Na perspectiva médico-fisiológica da psicopatologia clássica, a noção de humano foi introduzida por Jaspers, em 1973, responsável por contribuir para qualificação da causalidade psíquica nos processos de adoecimento mental, inclusive na esquizofrenia. Em Martins (2005, p. 207), a esquizofrenia, segundo Jaspers, faz parte de um dos três círculos das grandes psicoses: 1. Epilepsia verdadeira; 2. Esquizofrenias (hebefrenia, catatonia, formas paranoides); e 3. Doenças maníaco-depressivas.

Segundo a Elkins (2000), a incidência da esquizofrenia atinge cerca de um por cento da população mundial, ocorrendo com maior frequência em homens, cerca de 99,1% para o sexo masculino e 0,9% de incidência para o sexo feminino.

Em psiquiatria, o termo esquizofrenia é utilizado para designar uma psicose endógena, caracterizada pela apresentação de sintomas psicológicos específicos que geralmente ocasionam uma desorganização completa da personalidade.

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Pesquisas recentes confirmam que o conceito de esquizofrenia, enquanto doença continua vago e indefinido, como a conclusão do estudo de Vallada Filho e Samaia (2000): “[...] a esquizofrenia é, muito provavelmente, um transtorno etiologicamente heterogêneo, isto é, devem existir, por exemplo, casos de esquizofrenia da forma 'genética' e da forma 'ambiental'”.( p.SI 4)

No entanto, a medicina continua a diagnosticar a esquizofrenia como doença/ transtorno, seguindo a definição médica constante no Código Internacional de Doenças - CID 10 e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV.

De acordo com essas classificações psiquiátricas internacionais, consideram como sugestores, especialmente da patologia esquizofrênica, sintomas psicóticos clássicos como: ideias delirantes; empobrecimento afetivo; alucinações; perda da lógica; desorganização do discurso; perda da vontade; desorganização do comportamento e disfunção social.

No entanto, o DSM IV ressalta que "nenhum sintoma isolado é patognomônico [exclusivo] da esquizofrenia, cujo diagnóstico implica o reconhecimento de uma constelação de sinais e sintomas vinculados a disfunções sociais e ocupacionais”.

Apesar de esses dois sistemas serem aceitos pela psiquiatria mundial, o CID 10 é o mais utilizado no Brasil, servindo de base legal e previdenciária para efeitos de diagnóstico.

Ao longo do desenvolvimento do termo esquizofrenia, percebe-se que há uma luta em relação à compreensão total dessa designação médica, que leva em conta os aspectos fisiológicos da doença/transtorno psíquico, enquanto as correntes psicológicas e sociais buscam relacionar o fisiológico ao ambiental e ao relacional.

Segundo Mari e Leitão (2000), existem no panorama científico duas correntes predominantes: uma com pesquisas que buscam explicar a origem biológica da esquizofrenia, inclusive tentando encontrar uma localização fisiológica no cérebro; e outra, investigando as causas sociais, familiares e culturais. Até o momento não há consenso teórico a respeito. Apesar de alguns psiquiatras ficarem felizes por ter descoberto o que seria a tão sonhada causa orgânica dessa doença, vinculando-a irrefutavelmente ao biológico. Outros estudiosos demonstram ser o ambiente externo tão determinante na eclosão da doença quanto o fator genético.

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Do ponto de vista biológico, a explicação médica de Paim (1990) coloca a importância da dopamina como determinante no surgimento da esquizofrenia. Segundo ele, tanto a produção excessiva quanto a disfunção dos receptores desse neurotransmissor podem levar a sua absorção exagerada e, consequentemente, à eclosão da doença.

Segundo Palmeira, Geraldes e Bezerra (2009) a esquizofrenia é uma das principais doenças mentais que acometem 1% da população mundial, sem distinção de raça, cultura, condições ambientais ou sócio-culturais. Da mesma forma que mantém sua prevalência ao longo da historia, independentemente de guerras ou catástrofes. Os autores defendem a ideia de uma causa multifatorial, envolvendo fatores genéticos e ambientais, e ressaltam que a esquizofrenia atinge uma importante parcela da população economicamente ativa, em uma faixa etária que varia, na maioria dos casos, de 15 a 45 anos, tornando-se também um grave problema social.

Mari e Leitão (2000) resumiram como conclusão dos estudos epidemiológicos da esquizofrenia, o seguinte :

a) estudos avançados em mapeamento cerebral conseguiram localizar no cérebro humano não a causa biológica da esquizofrenia, mas diferenças no funcionamento do cérebro dos sujeitos esquizofrênicos em relação aos demais, demonstrando, assim, a existência de uma falha cromossômica que caracterizaria um aspecto genético da doença;

b) pesquisas recentes sobre a epidemiologia da esquizofrenia mostram que, caso haja

história familiar positiva para distúrbios psicóticos, o aparecimento de sintomas é mais precoce no homem do que na mulher;

c) a idade de início da eclosão da doença não diferirá em relação ao gênero;

d) casos novos de esquizofrenia são raros antes da puberdade e depois dos 50 anos de idade;

e) o curso da doença é mais brando e com melhores prognósticos na mulher;

f) os pacientes de países menos desenvolvidos apresentam melhores prognósticos, em relação às demais populações.

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Foucault (1994) chama atenção para o fato de que a cultura é fundamental na compreensão e na forma de lidar com a loucura, quando ressalta que “a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal.” (p.71)

A compreensão do homem integral, sem dúvida, não é tarefa fácil ou mesmo tarefa para uma única disciplina ou ramo do conhecimento, penso que há de se unirem forças, olhares e conhecimentos para buscar uma compreensão do indivíduo dentro de seus mais diversos aspectos biológico, psicológico, cultural e inter-relacional; e o mais importante de tudo, talvez, seja situar a doença/transtorno/sofrimento psíquico dentro da história de vida pessoal, levando em conta a subjetividade do sujeito.

No campo psicológico, grandes teóricos buscaram transpor a barreira do físico e do psíquico ao longo da história do tratamento da esquizofrenia.

Freud, contemporâneo de Bleuler, foi pioneiro em tentar superar a dicotomia entre o orgânico e o psicológico nos processos de adoecimento mental. Freud considera a palavra como parte fundamental da terapia, mesmo com os psicóticos. Ao contrário da corrente psiquiátrica vigente na sua época, que tratava a palavra do paciente como sintoma, a palavra para ele possuía valor em si mesma e inaugura o espaço onde a escuta tem valor predominante. (MARTINS, 2006)

Freud pode ser considerado pioneiro na substituição do espaço asilar, visto como única forma de tratar as graves doenças mentais de sua época, por um espaço mental onde a fala torna-se o objeto estruturante das emoções e do pensamento.

Jung foi colaborador de Bleuler nos estudos sobre demência precoce, que o levou a se interessar pelo tema. Em 1908, publica um livro intitulado O conteúdo das psicoses, no qual afirmava que todos os sintomas da psicose, por mais absurdos que parecessem, encerravam significações, frustrações e desejos dos doentes, como manifestações de símbolos de pensamentos “que não só podem ser compreendidos em termos humanos, mas também existem dentro de cada homem” (SILVEIRA, 1997, p. 28-29).

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Existe um longo caminho a percorrer até que a fisiologia e a patologia do cérebro, de um lado, e a psicologia do inconsciente, de outro, venham a dar as mãos. Até lá, elas devem trilhar caminhos separados. No entanto, a psiquiatria, que precisa se ocupar de todas as pessoas e está comprometida com a tarefa de compreender e tratar os doentes, se vê obrigada a considerar tanto um lado quanto o outro, apesar do abismo existente entre esses dois aspectos do fenômeno psíquico. Embora nosso estágio atual de conhecimento não nos forneça uma ponte capaz de ligar as duas margens – isto é, a natureza visível e palpável do cérebro e a aparente insubstancialidade das formas psíquicas – possuímos a certeza inabalável da existência de ambas. (JUNG, 2011, p.306)

Jaspers (2000) também ressalta que seria um erro sugerir que, em relação à psicopatologia, o setor da compreensão seja o psíquico e o setor da explicação causal seja o físico. Afinal, segundo ele, ambos não são excludentes entre si, e a compreensão do indivíduo deve abarcar todo o alicerce do psiquismo, na totalidade de conexões compreensíveis que acontecem com o sujeito, na personalidade.

Foucault (1994) também defende a visão integral do homem, quando coloca que tanto as designações psicológicas quanto as orgânicas da doença remetem à situação global do indivíduo no mundo. É sua reação na sua totalidade psicológica e biológica o que implicaria a necessidade de encarar como um todo, a unidade do ser humano.

Academicamente, a psicologia vem tentando “desmontar” o conceito de esquizofrenia as suas restrições e prognósticos negativos.

Discussões filosóficas têm sido levantadas a respeito do conceito de esquizofrenia, com questionamentos até mesmo acerca de sua existência enquanto doença, como faz Szasz, categórico em sua afirmação:

Em suma, isso que chamam de esquizofrenia não existe. Esquizofrenia não é uma doença, mas apenas o nome de uma suposta doença. Embora não exista esquizofrenia, existem, é claro, inúmeros indivíduos que são chamados de “esquizofrênicos. (SZASZ, 1978, p.193)

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Compartilho com Costa a importância de fugir do estreito diagnóstico dado à esquizofrenia, no sentido de rótulo, que marca e delimita as possibilidades e o prognóstico do paciente, limitando-os sempre como ruins e incuráveis, conforme literatura médica.

O autor lança mão do termo “sofrimento psíquico grave” para designar tudo o que esteja sob o domínio da definição de psicose, com o intuito de resgatar, através do uso do termo sofrimento, uma dimensão normal e inerente a todos os seres humanos.

Para Costa, o nível de sofrimento psíquico pode variar do suportável ao desorganizador, afastando o estranhamento que o termo esquizofrenia nos traz, aproximando-nos do sofrimento dos esquizofrênicos, demonstrando que a forma com que o sofrimento é vivenciado e a forma como o sujeito se desestabiliza frente ao insuportável, muitas vezes sem defesa, leva-o à desorganização de sua integralidade, e de seu modo de funcionar a nível individual, familiar e social.

No livro, Da Fala ao Sofrimento Psíquico Grave, Costa resume:

Com o termo sofrimento psíquico grave busco me reportar a toda manifestação aguda da angústia humana (seja pela linguagem seja pelo comportamento) que não é – ou não tem sido – bem compreendida pelos demais... Ao me referir a sofrimento psíquico grave estou tentando preservar muitas das possibilidades de expressão e de abordagem que os conceitos seculares já não mais o fazem. (COSTA, 2010, p.51). Segundo Costa, o uso do termo sofrimento psíquico grave, em detrimento à esquizofrenia, aproxima o sujeito que possui o diagnóstico de esquizofrênico do humano que há em nós, apenas diferindo-o no grau de modulação com que vivencia esse sofrimento.

Jung (2011) traz em uma conferência em Zurique, no ano de 1908, essa ideia defendida por Costa (2003), quando faz o relato de dois estudos de caso, nos quais a primeira hipótese diagnóstica seria a demência precoce. No entanto, uma investigação mais profunda das reações e do adoecimento de cada um dos pacientes, revelou que os sintomas eram, na verdade, uma reação emocional: “Quando, porém, penetramos nos segredos do doente, percebemos que a loucura possui seu sistema próprio e passamos a reconhecer na doença mental apenas uma reação inusitada a problemas emocionais que pertencem a todos nós.” (JUNG, 2011, p.185)

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Afinal, encontrar novos termos de designação da esquizofrenia, seja ela transtorno do tipo psicótico ou sofrimento psíquico grave, não seria a designação de uma nova nomenclatura e, portanto, igualmente uma forma de rotular as pessoas?

Penso que o melhor caminho para os sujeitos esquizofrênicos seja aquele em que a ciência busque encontrar formas alternativas de comunicação, possibilidades terapêuticas que proporcionem o diálogo necessário para se conhecer a história de vida desses sujeitos, quando e como irromperam os primeiros sinais de psicose, e compreender a forma como tudo isso afeta o funcionamento psíquico e o modo de viver dessas pessoas.

González-Rey (2007) não fala propriamente da esquizofrenia, mas complementa o pensamento acima ao trazer a ideia da importância da subjetividade para uma compreensão patológica menos restritiva, de forma a não perder de vista a ação humana na sua complexidade. Segundo o autor, o que o “distância do termo patologia é seu caráter universal e padronizado”(p. 158). Afirma que devemos acreditar em “patologias” com figurações subjetivas diferenciadas, que podem ter elementos comuns, mas que absolutamente não se resumem à soma desses elementos, uma vez que a subjetividade é necessariamente singular e, dessa forma, impossível de ser pensada dentro de normas gerais.

A esquizofrenia também pode ser compreendida sob um aspecto relacional conforme aborda Palazzoli (1998), enfatizando como se dá o processo de origem e a manutenção da esquizofrenia dentro da família.

Segundo Jung, a descrição da esquizofrenia poderia ser a de um indivíduo que mergulha no inconsciente e se perde em seus labirintos. Na psicose, o ego encontra-se fragmentado, como um espelho partido em estilhaços, e a personalidade consciente, que é centrada no ego, sucumbem às forças do inconsciente. Isso pode acontecer por incapacidade de suportar a tensão de certas situações existenciais, pelo envolvimento em relações interpessoais destituídas de amor, frustrantes ou opressivas, ou devido ao impacto de emoções violentas ou afetos intensos, levando a libido a introverter-se e ativar o inconsciente. (SILVEIRA, 1981)

Martins (2005) define as psicoses numa perspectiva semiológica, como o pensar como problema radical, já que, para o autor, boa parte dos signos descritos das psicoses relaciona-se com o pensamento e com a linguagem.

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Segundo esse autor, devemos entender por completude a participação efetiva do sujeito nas dimensões estética, moral, ética e lógica, bem como o sentido que ele atribui aos seus projetos e a forma como experimenta as “situações essenciais do vir a ser gente: o gozar, o amar, o trabalhar e o comunicar.” (2005, p.287). Segundo Martins, quando não levamos em conta essas explicações, não conseguimos elucidar a questão páthica.

As definições de esquizofrenia, em que há perspectiva cultural, com a pressuposição de um sujeito total, em seus aspectos biopsicossocial, para compreensão do transtorno, sugerem cada vez mais que o transtorno esquizofrênico não pode ser analisado em relação a um grupo ou padrão de comportamentos patológicos, mas somente na relação do sujeito consigo mesmo.

Essa singularidade fá-la escapar completamente do aprisionamento de apenas um ramo do conhecimento, uma vez que a medicina não consegue comprovar suas causas biológicas; os psicólogos não conseguem precisar as predisposições psicológicas para doença; os filósofos questionam sua existência. Isso demonstra que o caminho está na união de forças para compreensão desse sofrimento ou transtorno psíquico, incluindo aqui formas de acesso alternativas para o trabalho com os esquizofrênicos.

Silveira (1994) faz uma associação da esquizofrenia com a produção de imagens no consciente:

Assim, na esquizofrenia, o mundo de imagens avassala o campo da consciência tendo por consequência a perda da adaptação e do contato com a realidade. A libido está investida no mundo interno, em tão larga extensão e profundeza que o sonho torna-se para esses pacientes mais real que a realidade externa. (SILVEIRA, 1981, p.109).

Segundo essa psiquiatra, o mundo interno e inconsciente do paciente psicótico e o mundo externo, ou mundo consciente, não se encontram separados por barreiras intransponíveis, mas podem se interpenetrar em graus diferentes, através das obras de arte, nas artes plásticas e na literatura.

Ainda segundo ela, para Jung, a esquizofrenia pode ser tratada e curada por meio psicológico, no entanto, ele não fornece roteiros preestabelecidos para que isso aconteça.

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Segundo Silveira (1981), a comunicação com os esquizofrênicos, em casos graves, tem uma probabilidade de êxito muito pequena, se for somente a nível verbal. Principalmente nesses casos, as atividades expressivas ofereceriam a possibilidade de vivências não verbalizáveis pelo sujeito que se acha mergulhado nas profundezas do inconsciente, ou seja, no mundo arcaico dos pensamentos, emoções e pulsões que fogem ao alcance das elaborações da razão e da palavra.

Martins (2006) chama-nos atenção para o fato de que, na psiquiatria moderna, a linguagem dos pacientes ocupa um lugar de destaque na avaliação e na dinâmica esquizofrênica, sendo a principal via de acesso para apreender os sintomas da esquizofrenia. Ocorre que a linguagem do paciente deixa de ser levada em conta como um meio de expressão e é colocada no mesmo nível de outras faculdades mentais como memória, humor e afetividade, por exemplo. A palavra passa a ser vista como um sintoma da doença.

É nítida a importância da linguagem no diagnóstico e tratamento da esquizofrenia, como foi citado acima. No entanto, a comunicação humana vê-se alvo de tantos equívocos e peculiaridades, repleta de subjetividade, que em vez de se tornar um limitador, a linguagem deveria ser um facilitador da comunicação humana, o que não é tarefa fácil e, como regra, não ocorre facilmente nem quando os indivíduos estão sãos, muito menos quando estão sofrendo psiquicamente.

As atividades expressivas, enquanto expressões não verbais possibilitam a comunicação com pessoas que não respondem à linguagem verbal. Essa linguagem torna-se, então, capaz de estabelecer diálogo terapêutico entre esquizofrênico e terapeuta, como um recurso alternativo à fala, enquanto instrumento de acesso ao mundo interno desses sujeitos.

Talvez a inversão de o porquê usar atividades expressivas no diálogo terapêutico movimente-nos mais: por que não usarmos atividades expressivas como linguagem no processo de terapia?

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O preconceito parece ser mais cômodo do que a verdade. C. G. Jung

3.3 Atividades Expressivas com Esquizofrênicos

Após uma breve reflexão acerca do histórico da esquizofrenia e das diversas discussões acerca desse conceito-diagnóstico, trabalharemos agora os conceitos de atividades expressivas e sua utilização com a finalidade terapêutica junto a pacientes esquizofrênicos.

Nesta pesquisa, vamos nos centrar nos valores da expressão artística enquanto representação simbólica e como instrumento de comunicação com o mundo interno das participantes.

A necessidade de expressar-se visualmente é então uma condição presente no homem, desde sua origem ou desde que se tem notícia. Os registros, nas paredes das cavernas, expressavam as atividades e os elementos que compunham suas vidas como uma forma de escrever a história de suas vidas e de se comunicar com o devir.

Embora as obras das pacientes não sejam consideradas, nesta pesquisa, como obras de arte e sim como materiais de livre expressão, utilizaremos conceitos sobre arte para iniciar um pensamento das expressões artísticas como processo de auto cura, como uma possibilidade de transformação de emoções e alivio das tensões.

Thomas Man (apud LANGER, 2006) nos coloca que a arte é inteira e completa em si mesma, sem que seja preciso somar as suas diferentes partes. Langer (2006) define a arte como totalmente expressiva e simbólica: “Uma obra de arte é muito mais simbólica do que

uma palavra, que pode ser aprendida e mesmo empregada sem qualquer conhecimento de seu significado [...]” (p.62). Para ela, a obra de arte é um símbolo indivisível e único, embora altamente articulável, podendo, por isso mesmo, ser analisada.

Gadamer (2010) percebe a essência da arte como constitutivamente simbólica, porque nos remete a uma instância além dela mesma, que depende de uma outra pessoa, de um intérprete, para recuperar sua integridade.

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Apenas a arte, que cria seus elementos ao invés de tomá-los do mundo, pode exibir tensão e solução simultaneamente, através da ilusão de “tensões-espaços” e “tensões-solução” [...] Se sentimento e emoção são realmente complexos de tensões, então toda experiência afetiva deveria ser um processo desse tipo determinado de modo único; então toda obra de arte, sendo uma imagem de um tal complexo, deveria expressar sem ambigüidade um certo sentimento particular. (LANGER, 2006 )

As tensões-soluções de Langer podem se equivaler a ideia de Jung de quando o inconsciente pessoal vai buscar no inconsciente coletivo as imagens mitológicas como uma forma de auto cura.

A psicologia analítica de Jung embasava todo seu trabalho, levando a reflexões acerca do simbolismo dos trabalhos produzidos pelos pacientes, bem como elementos da mitologia reconhecidos como pertencentes ao inconsciente coletivo, existente em todas as pessoas.

Jung (apud SILVEIRA, 1993) jamais pretendeu opinar sobre o valor estético das obras de arte ou explicar o fenômeno arte, seu interesse sempre foi em processos de atividade criadora e aspectos psicológicos da estrutura da produção artística. Sob esse ponto de vista, Jung distinguiu dois processos diferentes na criação:

a) obras resultantes de processos psicológicos, que seriam compreendidas pelo público em geral, sem maiores dificuldades, pois tratam de paixões, sofrimentos, tragédias e destino;

b) obras de arte visionárias, que seriam as causadoras de perturbação e estranheza, cujos conteúdos não nos são familiar e parecem surgir das profundezas de outras eras ou de mundos de sombras.

Aquele que executa uma obra de arte mergulha até as profundezas do inconsciente, lhe dá forma e traduz na linguagem de seu tempo, tornando acessível às fontes profundas da vida.

Os sonhos, para Jung, tem a função geral de tentar restabelecer a nossa balança psicológica, no sentido do equilíbrio psíquico total, ao trazer o simbolismo inconsciente, carregado de energia psíquica para o consciente. A arte também pode exercer essa função, uma vez que, segundo esse autor, quando nos esforçamos para compreender os símbolos, somos confrontados não somente com o próprio símbolo, mas com a totalidade do indivíduo que o produziu.

No livro O Mundo das Imagens, Nise da Silveira expõe com propriedade:

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Ela foi não só a pioneira, mas também a grande expoente do uso da terapia expressiva no Brasil, responsável pela criação do Museu do Inconsciente, cujo acervo conta com cerca de trezentas mil obras confeccionadas por pacientes psiquiátricos da Dra. Nise, as quais servem como documento plástico a retratar aqueles que as confeccionaram e suas histórias de vida.

Assim, embasando o estudo no conceito de arte como dinâmica do sentir, propomos pensar na arte enquanto diálogo possível com as pessoas em geral, e, especialmente, as que estejam em sofrimento psíquico.

No caso específico desta pesquisa, com o esquizofrênico, não como uma proposta nova, mas como uma opção terapêutica séria e viável de acesso aos conteúdos internos dos pacientes, capaz de viabilizar o diálogo e a troca terapêutica.

Gadamer (2010) coloca que a obra de arte enseja a interpretação e convida à tarefa hermenêutica da autocompreensão, conforme transcrição abaixo:

A obra de arte diz algo a alguém, e isso não apenas como um documento histórico diz algo ao historiador – ela diz algo a cada um como se isso fosse dito expressamente a ele, enquanto algo atual e simultâneo. Desse modo, vem à tona a tarefa de compreender o sentido daquilo que ela diz e de torná-lo compreensível – para si e para os outros. Por isso, mesmo a obra de arte não linguística cai no âmbito propriamente dito das tarefas da hermenêutica. Ela precisa ser integrada à autocompreensão de cada um. (GADAMER, 2010:6)

Valladares (2004) coloca que as atividades expressivas, criativas e produtivas ocupam lugar de destaque no atendimento psiquiátrico e, assim como produção simbólica, através do dispositivo visual, permite a desconstrução de preconceitos e a desmistificação de rótulos estigmatizadores da perspectiva patológica.

Bennetton complementa essa ideia e coloca (apud Valladares, 2004) que a terapia através da linguagem não verbal implica torná-la comunicação como linguagem instituída para essa relação terapêutica.

Ao pensarmos nas atividades expressivas como linguagem terapêutica não verbal, podemos pensar em uma linguagem cujo objetivo não seja representar a realidade concreta, mas sim tudo o que pertença ao mundo interno e inconsciente.

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Neubern (2005) chama atenção acerca da dimensão regulatória da psicologia clínica, marcada, segundo ele, por duas questões fundamentais que seriam a autoridade dos mestres fundadores e a dificuldade pessoal do terapeuta em encontrar espaços para reflexão questionadora da teoria e de sua prática terapêutica. É por isso que, segundo ele, a relação terapêutica até hoje apresenta tendência ao homogêneo e rejeita outras formas de auxílio.

Diante desse cenário totalitário, segundo Neubern, a prática clínica, em sua tendência em homogeneizar as pessoas e visões, exclui a subjetividade humana. Compartilho com as ideias do autor de que as terapias continuam, em sua esmagadora maioria, desprovendo o paciente da condição de sujeito concebido essencialmente como um ser doente e mantendo-o diluído em uma teia determinista, incompreendido em seus cenários de fabricação de sentido.

González-Rey (2007) faz referência à importância das primeiras teorias para o desenvolvimento das práticas psicoterápicas, mas chama atenção para a paralisia que podem também acarretar quando convertidas em dogmas:

[...] desmistificar o papel de teorias e práticas que, tendo sido extremamente valiosas na história do pensamento humano, congelam-se e esterilizam-se nas suas possibilidades heurísticas, quando convertidas em dogmas norteadores de tudo o que deve ser feito na prática. Uma prática eficiente é sempre uma produção criativa que não tolera referentes invariáveis externos a ela. (GONZALEZ REY, 2007, p.09) Como uma alternativa a esse cenário terapêutico desolador por homogeneizar esse ser plural e complexo, as atividades expressivas surgem viáveis enquanto instrumento de diálogo terapêutico, principalmente pela singularidade nas suas relações com o paciente, nas quais este é sujeito e autor de sua própria obra e, consequentemente, corresponsável pelo curso da sua terapia.

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Pensando nas expressões artísticas como linguagem, que também “falam” do mundo interno do sujeito, torna-se possível, então, fazer uma ponte entre o uso e a teoria das narrativas, que se baseia na conversação terapêutica. De acordo com Grandesso (2000), essa conversação é de natureza dialógica, estruturada nos dilemas vividos pelas pessoas, e tem como finalidade criar um contexto facilitador para a construção de novos significados, edificados em novas narrativas, que ampliam o sentido de autoria e de possibilidades existenciais.

Grandesso afirma que “um terapeuta construtivista/construcionista social é responsável por criar um espaço conversacional que permita que o novo, o inesperado, se apresente na construção de realidades alternativas mais libertadoras.” (GRANDESSO, 2000, p.37)

Assim, atividades expressivas podem servir como meio de comunicação e instrumento gerador de diálogo e construção terapêutica entre paciente e terapeuta, de forma a encontrar alternativas de socialização e de possibilidades relacionais do esquizofrênico consigo mesmo e com o outro.

A terapia narrativa busca ser uma abordagem respeitosa, que centra as pessoas como especialistas em suas próprias vidas. Ela examina os problemas como situações separadas das pessoas e pressupõe que as pessoas tenham diversas habilidades, competências, crenças, valores, compromissos e habilidades, que irão ajudá-las a reduzir a influência dos problemas em suas vidas.

Nesse sentido, o uso de recursos expressivos na terapia pode contribuir ao permitir que os pacientes entrem em contato com suas pulsões e desejos mais íntimos, expressando-os de forma criativa, no sentido de expandir suas capacidades e não de reprimí-las.

Langer (2006) chama a obra de arte de “símbolo emotivo”, cujo criador articula o que ela chama de “importe vital”, inimaginável fora de sua expressão e não dado conhecer se não fosse por meio da confecção da obra de arte.

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Acredito, que os recursos expressivos, por existirem em uma instância psíquica, fora do racional, no inconsciente, torne os sujeitos livres das “amarras” do pensamento lógico e coerente ou, como dizia Freud, longe da “censura” consciente.

Segundo meu ponto de vista, a vigilância consciente, que insiste em exterminar todo conteúdo que não faça sentido para o sujeito, é “driblada” pela expressividade plástica, que consegue, por meio dos símbolos, fazer com que as pessoas tenham a chance de entrar em contato com seus instintos, desejos e pulsões, mais profundos e intensos, e à medida que os sentimentos inconscientes vão se exteriorizando, a consciência inicia um dialogo com eles, através da diminuição do investimento de energia psíquica neles e, dessa forma, possam também aprender a lidar com essa carga de energia .

A terapia das narrativas afirma que nossas vidas contêm múltiplas histórias, que existem várias histórias ocorrendo ao mesmo tempo e que histórias diferentes podem ser contadas sobre os mesmo eventos. Nenhuma história em particular pode ficar livre da ambiguidade ou da contradição, assim como também nenhuma história pode encapsular ou manipular todas as contingências da vida.

As expressões plásticas podem ser entendidas como histórias dos sujeitos, histórias que buscam, através da sua confecção, um recontar sobre si mesmo e sobre seu sofrimento, como quando Langer fala das tensões-soluções presentes nas obras de arte e quando Jung fala da busca de imagens no inconsciente coletivo como forma de autocura em cada elaboração plástica nas psicoses.

Pergunto-me, então: por que, até hoje, a forma mais primária no sentido pulsional, a expressão plástica, nunca esteve presente nos tratamentos psicoterápicos de maneira séria e sistemática, mas sempre de forma alternativa?

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Talvez a resposta esteja em análises estreitas a respeito do ser humano, as quais geralmente buscam diluir a singularidade na homogeneidade, tentam a todo custo expressar uma verdade única e inflexível sobre a pessoa, classificando-a não mais em relação a si mesma, mas relacionando-a com tabelas e princípios médicos universais. Isso leva a conclusões igualmente estreitas, que não buscam compreender o sujeito como um todo e que muito menos levam em conta os aspectos individuais, sua história de vida e o meio histórico-social no qual o indivíduo encontra-se e do qual participa ativamente.

O uso de atividades expressivas no processo terapêutico em consonância com a terapia das narrativas acredita que, por mais que as pessoas estejam quebradas emocionalmente, há sempre o que comunicar, há um todo holístico que transcendeu a dor e é ele que pode falar desse sujeito de forma criativa, por meio da sua expressividade.

Para isso, é necessário que as atividades expressivas sejam utilizadas não como um meio em si mesmo, mas como um instrumento, cujo objetivo maior seria a condução do paciente em entrar em contato com seu mundo interior.

À medida que vão dando forma aos seus sentimentos e desejos, ainda que inconscientemente, os sujeitos vão entrando em contato com seu inconsciente pessoal e coletivo. Conforme nos fala Jung, isso, por si só, já se constitui um processo de autocura. Talvez eu mude aqui a palavra autocura, por um processo de alívio e paz interior, que se parece mais com o que as pacientes chamaram de calma, tranquilidade, conforme veremos na análise dos dados.

Para que esse diálogo seja possível, é preciso que o terapeuta consiga compreender e interpretar os trabalhos expressivos de seus pacientes dentro da história de vida de cada sujeito, não a partir de um trabalho expressivo apenas, mas dentro de um conjunto deles, de uma série como dizia Jung, permitindo que a interpretação não seja de um momento estanque, e sim de uma trajetória do indivíduo.

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