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Escola em tempo integral: marcas de um caminho possível

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Academic year: 2017

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Arno Francisco Lunkes

ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL:

MARCAS DE UM CAMINHO POSSÍVEL

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Jacira da Silva Câmara

Brasília

2004

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação defendida e aprovada como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre no Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Educação, defendida e aprovada em ... de ...de 2004, pela Banca Examinadora, constituída por

__________________________

Dra. Jacira da Silva Câmara

Orientadora

____________________________

Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

___________________________________

Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco

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Dedicatória

Aos Irmãos Lassalistas da Província de São Paulo, que por seu trabalho e dedicação sustentam os caminhos de minha formação.

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Agradecimentos:

A Deus, pela inteligência e saúde que me concede e pelas pessoas sábias que tem colocado nos caminhos da minha vida.

À Professora Dra. Jacira da Silva Câmara, pelo acompanhamento, incentivo e persistência na orientação deste trabalho.

À Dra. Vera Maria Nigro de Sousa Placo e ao Dr. Afonso Celso Tanus Galvão, integrantes da Banca Examinadora, pelo entusiasmo que me transmitiram na análise do projeto inicial.

Às professoras e professores do programa de Mestrado em Educação da UCB, pela luz do saber que me souberam instilar.

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RESUMO

Escolas de tempo integral tem sido organizadas no Brasil por iniciativa de governos estaduais com a intenção declarada de oferecer às crianças e jovens melhores condições de educação. Entre as condições está a de responder a uma diversidade de problemas sociais. Algumas destas experiências são relatadas e brevemente analisadas, com base em estudos de caso que apontam vantagens e desvantagens. Elas são elogiadas porque oferecem, à população mais pobre, acesso a condições de aprendizagem que de outra forma não teriam. São questionadas porque estariam ultrapassando a função específica da escola de instruir e socializar e porque estariam carregadas de ideologias de interesse político, alheias à educação. O presente estudo de caso contempla uma experiência de iniciativa privada que se atribuiu a denominação de “Escola em tempo integral”. Fundamentada na teoria construtivista de Jean Piaget e no interacionismo de Lev Semyonovitch Vigotsky, a Proposta Pedagógica, pretende oferecer uma alternativa educacional holística e centrada nas necessidades, interesses e capacidades do aluno. Servindo-se de entrevistas e questionários dirigidos a docentes, alunos e pais, além de análise documental e observação, a pesquisa detecta situações que favorecem e que prejudicam o alcance dos propósitos e aponta caminhos de viabilização da Proposta Pedagógica.

Palavras Chave: Escola em tempo integral; Construtivismo; Sócio-interacionismo.

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ABASTRACT

Full-time schools have been organized in Brazil by state governements in declarated intention of offering children better educational conditions. Among the conditions we may find an response about several social problems. Some of those experiences are reported and breviously analised, based on case studies that aim at advantages and disadvantages. They are praised because they offer access to apprendiceship conditions the poorest population couldn’t have in other ways. They are questioned because they could be surpassing the especific school functions that are instructing and socializing, and because they were carrying political interests foreign ideologies to education. This case study consider an experience of prived school that assigns to itself the denomination of “School in full time”. Based on construtctivist theory of Jean Piaget and on interaccionism of Lev Semyonovitch Vigotsky, the Pedagogic Proposal intend to offer an holistic educational alternative, centered in student needs, interests and capacities. The search uses interviews and questionary for teaching body, some students and some parents, documental analysis and local observation in order to detect situations that improve and situations that prejudice the aimed proposits, and show ways to realize the Pedagogic Proposal.

Key Words: Full-time schools; construtctivism; interaccionism.

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Sumário

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA 1

CAPÍTULO I - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E CONSTRUÇÃO

DO QUADRO TEÓRICO 4

1.1 - Introdução 4

1.2 - Dizem que... Revisão histórica 4

1.3 - Eu fiz a minha parte - Experiências no Brasil 7 1.4 - Nos bastidores e por baixo dos panos: ideologias, filosofias e

intencionalidades 9

1.5 - As bases teóricas que fundamentam a proposta 18

1.6 - Considerações Reflexivas 26

CAPÍTULO II - NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA 33

2.1 - Situando a pesquisa 33

2.2 - Epistemologia do método 35

2.3 - Participantes da pesquisa, instrumentos de coleta de dados,

procedimentos e estratégias de análise 38 CAPÍTULO III - ANÁLISE DOS DADOS. ESCOLA PARTICULAR

EM TEMPO INTEGRAL: A VOZ DE UMA PRÁTICA 41 3.1 - Análise documental: A Proposta Pedagógica 41 3.2 - Análise documental: Os planejamentos dos professores 47 3.3 - Análise documental: Os boletins bimestrais dos alunos 53 3.4 - Análise dos dados do questionário 56 3.5 - Análise dos dados das entrevistas 59

3.6 - Análise dos dados da observação 70

CAPÍTULO IV - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES 77

4.1 - Coerência da Proposta Pedagógica 77

4.2 - Coerência do discurso e das práticas dos educadores 79 4.3 - Sejam vigilantes: Situações problemáticas 84 4.4 - Na sala de aconselhamento: Orientações 90 4.5 - No banco de reservas - Novas pesquisas 93 4.6 . Conclusão: Marcas de um caminho possível 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99

Apêndice - Homenagem à Escola: "Fantasiando" 102

Anexos 103

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LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS

Página Tabela 1 - Quantidade de indicadores por categoria e por série 54 Gráfico 1 - Comparativo dos indicadores por séries 54 Gráfico 2A - Distribuição dos indicadores - 5ª a 8ª série 55 Gráfico 2B - Distribuição dos indicadores - 1ª a 4ª série 55 Gráfico 2C - Distribuição dos indicadores - Educação Infantil 55 Quadro 1 - Compreensão dos participantes sobre a Proposta Pedagógica 57 Quadro 2 - Vantagens e desvantagens do tempo integral segundo os pais 62 Quadro 3 - Presença de alunos em atividades programadas para

Cumprimento de tempo integral na escola 71

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INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

As expectativas da sociedade em relação ao papel social da educação "enriqueceram" a sua história com inúmeras e freqüentes alterações na legislação, pretensamente destinadas a garantir, em conformidade com as projeções teóricas, a melhor formação acadêmica, profissional e humana do alunado e sua integração social.

Várias abordagens teóricas têm sido discutidas e apresentadas por educadores e estudiosos e institucionalizadas pelos órgãos competentes, buscando oferecer alternativas para a concretização do processo educacional. Soluções têm sido buscadas, dentre as quais a ampliação do tempo de permanência da criança na escola.

A idéia da educação integral, de desenvolver um processo educativo em todos os aspectos e níveis da vida de uma pessoa, desde a infância até a vida adulta, tem se tornado importante eixo das teorias e práticas educativas. Com esta linha de visão espera-se que a escola em tempo integral - ou seja, a ampliação do espaço temporal de prepsença na escola - possa ser, da melhor forma possível, direcionada em favor da melhoria do processo educativo.

Esses dois enfoques, educação integral e tempo integral, foram a fonte motivadora para o presente estudo, que deseja identificar as condições de possibilidade de sucesso de uma proposta pedagógica aplicada numa escola de tempo integral de iniciativa privada. Ao longo do estudo este propósito passou a adquirir um viés que poderia ser traduzido na questão: “Em que condições o período integral é adequado para o cumprimento de uma Proposta Pedagógica?”

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Considerada original por seus idealizadores, a proposta enfrentou dificuldades em sua execução e questionamentos quanto a sua validade.

Assim o estudo pretende, por um lado, identificar problemas que têm dificultado a execução da Proposta Pedagógica e, por outro, estabelecer algumas marcas que ajudem a traçar caminhos de implementação do propósito de ser escola em tempo integral. Implícita a esta busca está a intenção de detectar situações que podem dificultar e as que podem impulsionar o processo educativo.

Quer-se também dar um contributo à instituição mantenedora da escola que, desde suas origens, anseia por desenvolver uma educação no sentido o mais amplo possível. Se, de um lado, defronta-se com o desafio de criar alternativas à altura da educação de qualidade, sem cair na tentação do mercantilismo e do utilitarismo, por outro, a unidade que assumiu a proposta de uma escola com currículo de tempo integral, como caminho original de busca pela qualidade, vem sendo ladeada por vozes de resistência e desconfiança por uma parte dos integrantes da instituição.

As experiências mais conhecidas no Brasil de escolas de tempo integral foram patrocinadas pelo poder público e trazem em seu bojo, de forma explícita ou implícita, a pretensão de dar solução a outros problemas sociais, como segurança, alimentação, saúde, lazer. Não faltam, porém, questionamentos quanto à capacidade da escola de responder a tão ampla expectativa, uma vez que, ao tentar fazê-lo, poderia estar fugindo da responsabilidade precípua que a ela cabe na sociedade.

Várias pesquisas buscaram interpretar e explicar essas propostas levadas a efeito. A produção literária resultante desses trabalhos, revela discordâncias, em nível interno e externo, no que se refere aos efeitos educativos das propostas e às ideologias nelas implicadas. Revelam também vantagens e desvantagens, acenando para a possibilidade de servir-se das experiências realizadas para encontrar caminhos de viabilização da escola de tempo integral.

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consultadas, no intuito de obter referências bibliográficas sobre o tema. Ambas responderam não possuir tal informação.

A carência de estudos na área específica da iniciativa privada, aliada às atuais necessidades educacionais de uma boa parte da população e às diretivas emanadas das melhores teorias educacionais modernas motivam e dão força à presente pesquisa.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB alude à "escola de tempo integral" de forma bastante vaga, sugerindo mais um sonho do que uma proposta. Com efeito, o caput de seu art. 34 estabelece que, no Ensino Fundamental, o trabalho efetivo em sala de aula será de quatro horas, "sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola" e o § 2º deixa o procedimento "a critério dos sistemas de ensino".

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CAPÍTULO I

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

E CONSTRUÇÃO DO QUADRO TEÓRICO

1.1 - Introdução

Vários pesquisadores dedicam-se, no Brasil, a estudos de casos de propostas de escolas de tempo completo o que contribui para a compreensão e avaliação das experiências e de suas implicações no processo educacional. As contribuições de alguns destes estudos são discutidos neste capítulo, na forma de uma breve recapitulação histórica; apresentação sintética das experiências mais significativas; uma abordagem da ideologia inerente às propostas e a respectiva compreensão do papel da escola nela implicada. Na parte final apresenta-se uma síntese das teorias de ensino-aprendizagem que dão fundamentação teórica à Proposta Pedagógica em estudo e algumas reflexões que apontam para possíveis conseqüências no contexto mais amplo que a escola.

1.2 - Dizem que... Revisão histórica

Poderíamos falar de escola de tempo integral como uma destas antigüidades que de repente chama a atenção de algum colecionador mais astuto que percebe nela uma brecha para o sucesso. A história das civilizações poderia descortinar uma série de práticas de tempos remotos, destinadas à formação, às vezes desde a infância, de homens e mulheres objetos de seleção para funções específicas e que foram confinados em ambientes especiais para formação em tempo integral.

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"espaços isolados, tempos integrais e métodos específicos onde fossem constituídos e

formados tipos totais como os sábios, os guerreiros, os monges, os eclesiásticos, os

príncipes, os homens de armas ou de letras e, até, os operários" (p. 4).

A busca de formação integral em escolas de tempo completo remonta a tempos anteriores à preocupação com a universalização do ensino. Até a idade moderna a formação das “elites” era garantida pelas instituições totais configuradas em internatos, mosteiros, seminários e similares.

No Brasil já a Escola Nova (dos anos 30) alimentou sonhos de educação integral, mas no sentido de alterar a função social da escola elevando-lhe o nível de qualidade para garantir a formação do homem integral, do verdadeiro cidadão. Mas só conseguiu atingir a classe mais privilegiada da população. Os internatos e semi-internatos de instituições particulares foram, por muitos anos, o lugar preferido para a formação dos filhos das famílias mais abastadas, chegando a constituir-se em status social para ambas as partes. O motivo da preferência estava na dupla garantia de preservação dos bons costumes e do domínio do saber erudito.

Segundo Pipitone (1995), nos anos 50, as mudanças provocadas pela tríade industrialização/ urbanização/ capitalismo colocaram em cheque a validade das escolas de tempo integral e o ideário dos internatos das classes privilegiadas - saber erudito, ética e moral - foi transferido para as escolas das classes populares, sob o patrocínio do poder público. Aquelas instituições deixaram de ser o lugar privilegiado de formação de lideranças sociais e políticas passando a ser o lugar de educação dos filhos dos trabalhadores pobres, das crianças carentes e desprotegidas.

Ocorre uma radical inversão: Antes a elite dominante separava os seus jovens do convívio daqueles que não pertenciam a sua classe, enviando-os ao internato. Agora a mesma elite, num esforço "humanitário", recolhe ao internato os jovens que considera ser uma ameaça à sua segurança e bem-estar.

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assim, uma substituta definitiva à FEBEM. Conta, para isto, com profissionais ligados à educação e não mais com forças repressivas e procedimentos assistencialistas. Tem ela a missão de corrigir a vida das crianças, formando-as para que possam voltar a viver de forma “normal” e “adequada” integrando-se na sociedade “sadia” (que afinal produziu sua marginalização).

Hoje a escola de tempo integral localiza-se portanto, no extremo social oposto àquele de sua origem, tanto no que se refere à clientela como à mantenedora. As grandes mudanças sociais, econômicas e culturais patrocinadas pelo processo de urbanização e industrialização geraram outros referenciais de status social e tornaram o internato, além de muito oneroso, suspeito quanto aos princípios morais de sua existência bem como à sua capacidade de proporcionar melhor educação.

Paro (1988) aponta duas semelhanças entre as escolas de tempo integral das duas épocas. Ambas defendem os interesses da classe dominante: Através do internato do passado visavam preparar os jovens para bem usufruírem sua condição de classe. Hoje, em conformidade com os seus interesses a mesma classe propõe a escola de tempo integral para manter recolhidos e educar os jovens que lhe ameaçam o bem-estar e a segurança. A outra semelhança está na preocupação, em ambas as propostas, mais do que com a instrução, com a formação integral, embora o conteúdo desta formação não seja o mesmo para os dois casos.

Na ciclotimia da história, as escolas de tempo integral, tanto de iniciativa pública como particular, estão voltando a tornar-se, nos últimos anos, uma realidade e até uma proposta ideal. Contudo, a tese de Arroyo (1988) constata que a proposta original dessas escolas, isto é, o intuito de educação integral, já não está presente na lógica das atuais tendências. E acrescenta que a variedade de formas de escola de trabalho, então defendidas pela burguesia, não tiveram longa vida, uma vez que esta preferiu “fazer do trabalho a verdadeira escola, mais do que gastar recursos e tempo nas escolas de trabalho”.

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conquista de posição superior na hierarquia organizacional e por outro, de instrumentalizar-se formalmente para competir no mercado de trabalho.

1.3 - Eu fiz a minha parte - Experiências no Brasil

Entre os programas mais conhecidos no Brasil de extensão da jornada escolar diária, ou escolas de tempo integral, na rede pública, estão o pioneiro Centro Educacional Carneiro Ribeiro do Governo da Bahia; os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) do Estado do Rio de Janeiro; os CIACs (Centros Integrados de Atenção à Criança) depois transformados em CAICs (Centros de Atenção Integral à Criança) de iniciativa do Governo Federal sob administração de Fernando Collor; o também programa federal denominado PRONAICA (Programa Nacional de Atenção à Criança e ao Adolescente); e o PROFIC (Programa de Formação Integral da Criança) da rede estadual de São Paulo. Sabe-se também de iniciativas neste sentido por parte das Prefeituras de Curitiba e de Porto Alegre. No Distrito Federal tornou-se conhecido o sistema das Escolas Classe e Escolas Parque. Mais recentemente o Estado de Santa Catarina introduziu de forma experimental o “Projeto Escola Pública Integrada”.

O Centro Educacional Carneiro Ribeiro, criado pelo Governo da Bahia, como modelo de escola pública de tempo integral, adotou a estrutura de classe e escolas-parque. Centrada a preocupação na profissionalização, tanto dos alunos como de seus familiares, as matrículas da escola-parque se dão por faixa etária e não por série. Nos seus objetivos encontram-se a preocupação com a integração do aluno na comunidade escolar; a formação da consciência dos direitos e deveres em vista da cidadania e o desenvolvimento da autonomia, iniciativa, responsabilidade, honestidade, respeito a si e aos outros.

O sistema de escolas-classe e escolas-parque, que já integrava o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, foi escolhido para dar corpo à proposta de educação integral no Distrito Federal no início da Capital.

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Quatro escolas-classe podiam contar com uma escola-parque em sistema de revesamento com quatro horas de atividade cada uma. O objetivo geral das escolas-parque é de complementar as tarefas das escolas-classe.

Os CIEPS constituem uma tentativa de dar identidade à escola pública. Propõe a escola de tempo integral como uma saída do caos social em que estão envolvidas as crianças das classes populares.

A sua proposta está cristalizada no Programa Especial de Educação - PEE, idealizado por Darcy Ribeiro que o descreve em grande utopia:

“A diretriz básica do programa é a recuperação da escola pública, melhorando-a e

colocando-a efetivamente ao alcance de todas as crianças e jovens do Estado. O

grande objetivo, a ser cumprido dentro do quadriênio do mandato governamental, é

consolidar um ensino público moderno, bem aparelhado e democrático, capaz de

ensinar todas as crianças a ler, escrever e contar, no tempo devido e com a correção

desejável” (Ribeiro, 1986).

O PROFIC, idealizado pela Universidade Estadual de Campinas, grangeou desde o seu nascimento oposições por parte de educadores e instituições educacionais. Propõe, em síntese, que o tempo de escola não seja apenas um tempo de instrução mas também tempo de proteção, ou seja, “a transformação das escolas de primerio grau, de instituições de instrução formal da infância, em instituições para a proteção integral da mesma, para que a instrução seja

apenas uma de suas responsabilidades” (Projeto preliminar do PROFIC in ANDE, 1986). O PROFIC é assim descrito por Ferreti (1991):

“um programa de repasse de verbas a escolas das redes públicas, prefeituras ou

entidades particulares conveniadas, para receberem alunos selecionados, das

escolas da rede pública que optarem por aderir ao Programa. Durante o turno em

que estão regularmente matriculados, os alunos freqüentam as aulas normalmente

em sua escola; no período correspondente ao outro turno, entretanto, permanecem

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desenvolvem atividades complementares, como artísticas, esportivas, de lazer,

pré-profissionalizantes e de reforço escolar” (p. 6).

O Projeto Escola Pública Integrada do governo de Santa Catarina, na descrição de Vandelli (2004), deseja garantir uma formação integral no tempo em que normalmente as crianças ficam ociosas. O currículo visa o reforço à formação científica, esportes, comunicação, artes e ciências humanas. Segundo o secretário de educação do estado, não se trata de um plano piloto, mas de uma política educacional generalizada, que ultrapassa o esquema das outras experiências, em especial lembra que o projeto não é assistencial, mas essencialmente pedagógico. Inclui oportunidade de desenvolver parcerias com diferentes setores da sociedade civil, com o intuito de socializar os custos do projeto. Para que a escola não se transforme num depósito de crianças, a condição para aderir ao projeto é que a escola queira oferecer condições pedagógicas atraentes, tais como organização de currículo adequado à formação integral, viabilidade alimentar, capacitação dos professores e equipamentos.

Entre as experiências conhecidas, podemos constatar que há várias modalidades de colocar em prática a escola de tempo integral. A tendência geral parece ser a de dedicar um dos períodos (habitualmente o matutino) para as atividades escolares propriamente ditas, destinadas à transmissão do saber. A variação entre os casos está em que o outro turno volta-se, às vezes, para atividades de cunho recreativo, esportivo e cultural, outras acrescentam atividades de complementação do ensino, como reforço escolar e recuperação. Há também casos conhecidos, em que no outro turno a escola torna-se apenas um lugar onde a criança pode ficar, passando o restante do dia num ambiente de certa segurança.

1.4 - Nos bastidores e por baixo dos panos: ideologias, filosofias e intencionalidades

Quais são as intenções que movem a busca do tempo integral, por parte dos idealizadores das propostas, dos pais e dos educadores? Buscá-las é essencial, pois que

“Detectar a dimensão filosófica de uma determinada proposta é o encontro com a

própria essência que a norteia, é definir as bases em que foi gerado e a

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O pano de fundo tem sido a incompetência da escola atual de resolver uma série de problemas, supostamente de competência da escola. Na ampliação do tempo de escola estaria a solução destes problemas. Entra em jogo a questão do papel da escola na sociedade. Instrução, acesso ao acervo cultural produzido pelas gerações anteriores, transmissão dos conhecimentos, valores e costumes, de forma organizada e sistemática, são indicadas como funções que justificam a existência da escola na sociedade, como instituição educativa, considerando que tais funções não poderiam ser cumpridas pela família ou pela iniciativa unicamente individual.

No ideal social e no senso comum a função da escola poderia ser sintetizada como o “lugar do aprender”, o que inclui a transmissão do saber historicamente acumulado (aprender as coisas) e da socialização (aprender a viver). Sem escrúpulos ou receio de cometer aberrações pedagógicas, podemos pois admitir que intimamente ligada ao próprio processo da função instrucional está a força socializadora que lhe é implícita, considerando que a escola é, parafraseando Paro (1998), um espaço sócio-cultural, um lugar onde a criança tem oportunidade de experimentar vivências que lhe ajudam a formar concepções que lhe serão necessárias para viver sadiamente em sociedade, tais como o de pessoa, de relacionamento, de mundo, de comunicação, de limites.

A escola, contudo, pela quantidade de tempo oferecido, pela geração da evasão, pela qualidade do serviço e pela visão antagônica aos interesse populares que inculca, é acusada de reduzir ao mínimo a função instrutiva. Além do mais, a sua função socializadora está sendo deformada, enquanto se efetiva

“pelas práticas autoritárias correntes nas relações que se dão no interior da escola,

as quais resultam no recalcamento da personalidade e cultura do dominado, ao

mesmo tempo em que o faz sentir-se culpado pelos fracassos escolares, incutindo-lhe

um auto-conceito negativo de sua pessoa, de sua gente, de sua classe social” (Paro,

1988, p. 14).

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culturais tais como teatro e dança, além de programas relacionados ao civismo, à solidariedade, ao senso crítico e destinados à formação de atitudes valorizadas pela sociedade em que vivemos.

Tanto a proposta do PROFIC como o dos CIEPS recebem críticas por violarem duplamente a especificidade da escola, “atribuindo aos professores tarefas que não lhes competem ou, ainda, preenchendo o tempo complementar dos alunos nas escolas com atividades

que não contribuem para elevar a qualidade do ensino” (Ferretti, 1991. p. 11). Do PROFIC diz-se que não é exatamente um projeto pedagógico, mas um canal de repasdiz-se de verbas. Além disto, tem características de um programa de “ocupação do tempo”.

Na gênese desses programas estão geralmente motivações não de ordem especificamente educacional, mas problemas sociais das camadas mais pobres, e freqüentemente a motivação mais imediata é a questão da oportunidade de alimentação e cuidado dos filhos enquanto os pais trabalham. Desta forma o aparelho do estado tenciona servir-se da escola para suprir problemas sociais muito mais amplos, ligados ao conjunto da estrutura sócio-econômica, como habitação, emprego, transporte e segurança.

A escola de tempo integral é até mesmo considerada como uma alternativa feliz à FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), enquanto passa a assumir o papel de redentora da situação de marginalidade a que estão submetidas as crianças da classe trabalhadora. Um trecho da fundamentação teórica do PROFIC é a perfeita definição desta mentalidade:

“Será necessário que o Estado redefina a escola, transformando-a de tímido

instrumento dedicado à instrução dos rudimentos do saber, em instituição protetora,

que tenha sob sua responsabilidade não só o ensino como também o cuidado da

infância que lhe é confiada.

A escola passará a ser um lugar onde as crianças possam encontrar segurança

física: espaço tranqüilo e protegido. Ali elas estarão a salvo da violência a que sua

condição de fraqueza e desamparo as submetem; poderão usufruir as coisas próprias

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da fome, porque se determinará que a alimentação da infância seja prioridade da

administração das coisas públicas. E haverá sempre quem vele por sua saúde.

Será um aprendizado prático dos benefícios da convivência e da ordem social, sem

ameaças, sem solidão, sem desamparo e, com isto, se aprenderão também os valores

da solidariedade e da cooperação” (Mendes, sd., p. 6. Original grifado in Paro et

alli,1988, p. 16).

Não obstante os exageros, na prática educacional tem-se registrado, por parte de professores e direção, a preocupação com o aproveitamento do tempo do aluno para o processo de aprendizagem, ou seja que a escola pudesse cumprir a função social de ensinar. Isto veio confirmado por pesquisas de Ferretti (1991) que verificou a preocupação das professoras com o rendimento escolar e no empenho em manter os programas de reforço escolar nas unidades pesquisadas.

Habitualmente o discurso da defesa da função social-assistencialista da escola gira em torno da inoperância política e econômica na solução dos problemas da pobreza e de que, em conseqüência desta inoperância, ou enquanto a transformação das estruturas sociais não ocorrer, é preciso fazer algo para minorar a situação de sofrimento das crianças.

A busca de atividades suplementares, especialmente com a escola de tempo integral, deveu-se ao desejo de melhorar as possibilidades de viabilizar a transmissão do saber ou a socialização, uma vez que a ausência de condições como alimentação e saúde corroe as chances de sucesso do processo pedagógico. Assim também as propostas de tempo integral perderiam seu significado se não caminhassem na direção da universalização da escolaridade, entendida esta como real oportunidade de acesso, de permanência e de apropriação do saber e da socialização.

Quantidade significativa de estudos empíricos vem apontando vantagens e desvantagens das práticas efetivadas até então de escolas de tempo integral.

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Isto nos conduz aos bastidores ideológicos do surgimento das propostas de tempo integral, cuja aparência de instituição redentora, esconde incapacidade e inoperância política na solução de problemas sociais mais amplos por parte do poder público.

A própria satisfação da população beneficiada com o assistencialismo da escola denuncia uma defasagem entre as políticas sociais e as necessidades da população e a insatisfação desta mesma população para com a política social dos governos que promovem as propostas de escola de tempo integral. Com elas o poder público pretende resolver dois problemas de sua responsabilidade: o da educação e o da promoção social. No primeiro enfrenta a questão do fracasso escolar configurado na evasão e na repetência. No segundo contempla o abandono real ou latente a que está submetida a infância e a adolescência e os conseqüentes riscos de delinqüência. Assim

“Ao invés de fazer a escola cumprir sua tarefa de democratização dos conhecimentos

escolares, pretende-se transformá-la em provedora de todas as coisas que os

governos não estão sendo capazes de prover devido à precariedade das políticas

sociais e ao descaso para com a educação” (Ande, 1986).

Nesta linha de pensamento, Arroyo (1988), parte do princípio de que as propostas de escola de tempo integral estão diretamente relacionadas a um tipo de organização social, de compreensão das funções do Estado, das relações capital e trabalho, das relações de classe, bem como da "concepção dualista entre cultura, saber e bondade legítimos e o vulgar saber, a incultura, ignorância, perversão contaminante das massas" (p. 5).

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"o educando formará e conformará todos os seus sentidos, potencialidades, instintos

e paixões, a conduta interior e exterior, o corpo e o espírito ... a força educativa não

está tanto nas verdades transmitidas, mas nas relações sociais em que se produz

processo educativo ... Acredita-se na força educativa de experimentar, vivenciar uma

ordem, uma organização social o mais total possível" (ibidem p.4).

Aliada à preocupação com a formação, está o caráter preventivo das propostas de tempo integral. Tendo como pressuposto uma visão negativa de toda realidade social, segundo a qual não é possível adquirir senso de verdade e de bondade no contexto do dia a dia como a família, a fábrica, a rua, as relações sociais tecidas na experiência diária, é preciso prevenir nossas crianças contra os males, afastando-as de seu ambiente do dia-a-dia, que tende a deformar-lhes o caráter, em virtude da moral pouco adequada, da violência, dos costumes vulgares aí reinantes, para introduzi-las em ambientes protegidos da contaminação. Nesta linha de entendimento, Arroyo (1988) considera que, para cumprir tal papel, seria preciso que a escola deixasse de ser um instrumento dedicado exclusivamente à instrução, para tornar-se uma instituição protetora da criança, oferecendo-lhe segurança física e um espaço onde estivesse a salvo da violência a que está exposta diariamente no convívio com seu ambiente.

Nem uma proposta atual como a de Santa Catarina, que se auto-define como de objetivo não assistencial, consegue livrar-se deste estigma do afastamento cultural. Com efeito, numa certa região onde se concentram famílias oprimidas, o tempo integral representa a esperança de afastamento das crianças e adolescentes das drogas e da violência, e por isso a escola em tempo integral é reconhecida como uma forma de inclusão. Assim sendo, a inclusão ao mundo do conhecimento e da justiça social, supõe uma certa exclusão da criança do seu ambiente familiar.

De forma geral, portanto, as propostas de educação integral tendem a concentrar maior esforço na correção da pobreza moral do que na superação da pobreza material. A necessidade de transformação econômica e social, a correção das relações de trabalho e a relação capital-trabalho são questões que parecem estar ausentes.

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causadoras da pobreza e inocente no processo de produção e reprodução do sistema de exploração do trabalho, da violência, das políticas econômicas, da degradação cultural, física e moral dos trabalhadores ora necessitados de escola de tempo integral. Desta forma o Estado aparece como o protetor e educador da infância desvalida; o protetor do povo contra sua própria ignorância, imoralidade e desorganização. Com efeito, continua Arroyo em sua análise crítica, o alargamento do tempo de escola é justificado alegando a desestruturação da família operária e a violência nos lugares de moradia. Diagnósticos de semelhante natureza estariam a exigir uma escola de maior abrangência, “de modo a suprir o ambiente humano e a proteção afetiva e moral que o lar operário não tem capacidade de dar”.

Desta forma, tudo indica que

"a ampliação do tempo de escolarização não teve as motivações defendidas por

educadores, políticos ou militantes compadecidos com a infância desvalida,

embrutecida ou violenta. A história da educação escolar não tem seguido essa lógica

humanitária, protetora e formadora, mas a lógica brutal da sociedade mercantil"

(Arroyo, 1988, p.7).

E analisando a relação entre a indústria capitalista e a condição sócio-econômica da classe trabalhadora, Arroyo conclui que

"o movimento operário não caiu na cilada de que sua condição tenha sido causada

pela sua pobreza moral, nem que a educação integral possa resolver sua condição

material de miséria enquanto classe. Ele mostrou, em sua história de lutas, estar

ciente de que sua elevação cultural, intelectual e moral se dava no mesmo movimento

de destruição das determinantes de sua condição material" (p.7).

(24)

A eficiência da escola de tempo integral, especialmente quando atende adolescentes, é ameaçada permanentemente pelo monstro da insuficiência da renda familiar. Pesquisas de Paro e colegas (1988) apontaram que em escolas que atendem 5ª a 8ª série, a freqüência é problemática porque em certas ocasiões os alunos são requisitados para o trabalho em favor do sustento familiar.

Outra deficiência apontada pelas mesmas pesquisas refere-se à insatisfação em relação à qualidade dos serviços educacionais oferecidos nas escolas de tempo integral. Registram que em alguns casos a comunidade buscou alternativas em certos “núcleos de vivência”, fora do contexto escolar, em que monitoras faziam as vezes de mães e também ensinavam o que as crianças não conseguiam aprender na escola. E ainda registra a triste constatação de que “à escola elas não gostam de ir”, e conclui que “a realidade parece mostrar que, em alguns casos, a escola é exatamente a alternativa a ser evitada” .

Enquanto entendida como solucionadora de problemas sociais, a escola corre sempre o risco de hipertrofiar a função supletiva e atrofiar o papel pedagógico. Assumir a função supletiva pode até ser o necessário “mal menor” ante a premência de alguma situação. “Mal menor”, mas altamente suspeito por falta de garantias de que seja realmente o menor e na medida em que representa desconexão com propostas radicais de solução e de longo prazo. Assim, na tentativa constante e prolongada de ajudar a dar solução paliativa a problemas com raízes profundas na estrutura social, a escola acaba por contribuir para a protelação da transformação desta estrutura.

(25)

A favor do período integral e da responsabilidade da escola no cumprimento de funções que não lhe são específicas, está o argumento da participação da escola no atendimento ao direito de cidadania. Alega-se a necessidade de justiça social para com os menores abandonados e com as classes desfavorecidas, a fim de proporcionar-lhes oportunidade de lazer, proteção contra a violência, formação moral, socialização, etc. A isto acrescenta-se ainda a importância de maior tempo necessário para a aprendizagem dos conteúdos mínimos para o crescimento intelectual seguro e a formação acadêmica posterior, para o que o período de quatro horas diárias é considerado insuficiente.

Se nas condições presentes, essa função da escola (de apropriação do saber) só pode se viabilizar se ela toma para si funções supletivas que estejam ao seu alcance e que,

de resto, contribuem para o exercício de suas funções pedagógicas, não há por que

omitir-se, deixando de cumprir com sua parcela e concorrendo para o agravamento

da situação de enormes contingentes da população” (Paro, 1988, p. 15).

Este limite, da necessidade para a defesa da instrução e da socialização, deve pois ser mantido para que a escola não perca sua função, como alerta Paro (1988) na seqüência de sua abordagem:

“... na medida em que a hipertrofia das atividades supletivas se dê em detrimento da

função de socialização do saber, aquelas é que passam a ocupar o lugar desta,

descaraterizando, portanto, a instituição escolar enquanto instância privilegiada de

apropriação do saber sistematizado” (p. 15).

Tratando-se do tempo integral destinado especialmente às classes menos favorecidas, alega-se também que se trata de um meio de equalização das condições e oportunidades de acesso a outras alternativas de desenvolvimento sócio-cultural, como o exemplifica Coelho (1997):

“... não se deve prescindir de atividades complementares que ampliem e aprofundem

a construção de conhecimentos e que, de certa forma crianças das classes

privilegiadas possuem: oportunidade de rever dúvidas com professor específico, de

(26)

aprender outra língua; de descobrir tendências, mediante o desenvolvimento de

atividades artísticas, científicas e técnicas, por exemplo” (p.55).

Importância significativa poderá também adquirir a questão curricular no contexto do período integral. Dentro da compreensão de que todo contexto físico e social, e não só a sala de aula, faz o processo educativo, há que se admitir o impacto positivo da possibilidade de aproveitamento de outros espaços no trabalho escolar, ampliando o universo de referências da criança. Supõe-se aqui certamente a existência de uma unidade curricular envolvendo todas as atividades segundo metodologias e princípios estabelecidos pela proposta pedagógica.

Na medida em que se puder sustentar o sonho do serviço em tempo integral dos profissionais dedicados a tais escolas, não haverá como não registrar aí uma vantagem consistente com os interesses de um projeto pedagógico. Ampliam-se os espaços para oportunidades de formação continuada, de estudo conjunto das problemáticas educativas, de planejamento integrado com outros profissionais, de interdisciplinaridade, de melhoria das condições pessoais de exercício profissional.

No rol das vantagens é preciso ainda citar os resultados recentes de estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que apontam que em vários países crianças que tiveram a oportunidade de tempo integral na escola obtiveram 20% de renda melhor na vida adulta. Até mesmo o desenvolvimento econômico de países como o Chile, Coréia, e outros da Europa, foram aliados à dupla jornada escolar praticada há anos nesses países.

1.5 - As bases teóricas que fundamentam a proposta

A Proposta Pedagógica da escola sob estudo apresenta da seguinte forma a referência às bases teóricas em que se fundamenta:

Observamos que durante muitos anos a prática pedagógica brasileira focou o

processo de ensino no professor, mas hoje a aprendizagem ganha nova força nas

discussões e a perspectiva da construção do conhecimento (teoria cognitivista)

(27)

Lev Vigostsky, trazem à tona um novo foco: a importância da atividade mental

construtiva nos processos de aquisição dos conhecimentos. Assim, este conhecimento

não é mais visto como algo externo ao indivíduo ou exclusivamente interno; ele é

algo que se constrói a partir de referências históricas e sociais, interferindo neste

processo fatores culturais e psicológicos. Nesta abordagem devemos ainda enfocar:

a) a interpretação do erro como algo inerente ao processo de aprendizagem e

ajustar a intervenção pedagógica para ajudar a superá-lo;

b) a atuação do próprio aluno não pode ser substituída, ainda que o professor ou

colegas e materiais ajudem neste processo;

c) o desenvolvimento pessoal como processo mediante o qual o ser humano assume a

cultura do grupo onde vive;

d) o conceito de aprendizagem significativa – diante de um problema posto, o aluno

precisa elaborar hipóteses e experimentá-las;

e) distinção entre o nível de desenvolvimento real e potencial. O primeiro se

determina como aquilo que o aluno pode fazer sozinho e o último pelo que o aluno

pode fazer ou aprender diante da interação com outra pessoa;

f) a organização e o funcionamento da instituição escolar e os valores implícitos que

permeiam as relações entre os membros.

Como se vê, é explícita a referência a Jean Piaget e Lev Vigotsky, o que leva o presente estudo a uma breve abordagem dessas duas teorias da corrente cognitivista.

A teoria cognitivista

Em síntese a teoria cognitivista considera que os processos centrais, como a memória, o processamento de informações, o estabelecimento de relações e as expectativas são os mediadores fundamentais no processo de aquisição de novos conhecimentos. Acresce a

(28)

solução de problemas como o melhor modo de compreender relações necessárias para a solução de novos problemas.

Neste conjunto de preferências o cognitivismo difere da visão comportamentalista que vê na seqüência de estímulos e respostas, isto é em meios produzidos mecanicamente, o caminho que conduz ao objetivo desejado; na aquisição de hábitos o objetivo primeiro da aprendizagem e no ensaio e erro a alternativa para dar solução a novos problemas que se apresentem.

O centro de interesse de cada uma das teorias poderia ser assim resumida: No comportamentalismo “aquilo que acontece”, no cognitivismo “como e porque acontece”. Na primeira, o conhecimento é “dado”, na segunda ele é “construído”.

Considerando agora a abordagem assumida pela Proposta Pedagógica em estudo, enfocam-se brevemente alguns pontos de vista das duas teorias apontadas como suas inspiradoras, limitados aos interesses da presente pesquisa. Para a teoria sócio-interacionista de Lev Semyonovitch Vigotsky, segue-se estudos de Oliveira (1992) e a própria obra de Vigotsky (2000). A teoria de Jean Piaget sobre o desenvolvimento e conhecimento humano e os princípios do pensamento construtivista será apresentada com base no estudo de Wadsworth (1997) e de Mizukami (1996).

O sócio-interacionismo

Lev Semyonovitch Vigotsky - professor, pesquisador, filósofo e advogado - nasceu na Rússia, em 1896, e faleceu em 1934 aos 37 anos de idade.

No contexto pós-revolução, marcado, além do mais, por conflitos nas posições sobre o estudo científico do homem, com uma corrente defendendo que o mesmo deveria restringir-se ao corpo e a outra que caberia à filosofia o estudo da alma, Vigotsky apresenta sua apreensão pelo fato de as escolas de psicologia existentes não fornecerem bases firmes e necessárias para o estabelecimento de uma teoria unificada dos processos psicológicos humanos.

(29)

a importância dos estudos da antropologia e da sociologia como aliadas da observação e da experimentação para entender o desenvolvimento da inteligência e da consciência humanas.

Algumas idéias de sua teoria sócio-interacionista, são a seguir apontadas porquanto são consideras significativas para o estudo em questão.

Vigotsky trabalha a questão do desenvolvimento em torno de três temas: Método de desenvolvimento mental; processos mentais elevados originados em processos sociais; processos mentais só podem ser compreendidos se compreendemos os sinais/ instrumentos que os medeiam. A questão era: Como o ser humano chega a desenvolver altos processos psicológicos? Como os indivíduos durante a infância, chegam às funções cognitivas que eles exibem mais tarde?

A explicação está numa triangulação de múltiplas fontes: O processo natural de desenvolvimento através de obstáculos, ajuda externa e resolução de problemas; a história sócio cultural, que inclui a internalização dos instrumentos da cultura; a origem social do processo, isto é, o desenvolvimento individual não pode ser compreendido sem referência ao meio social no qual está inserida a criança.

Baseado na certeza de que o cérebro humano é um sistema aberto e volátil, Vigotsky defende que o desenvolvimento psicológico e social constrói-se ao longo da história de cada indivíduo, sobre o substrato biológico de uma estrutura cerebral complexa e sistêmica que é capaz de atender a diferentes e novas funções ao longo do crescimento. Duas fontes sustentam o processo de desenvolvimento: uma, inata, contém a estrutura cerebral básica da espécie e outra, que vem do princípio de transformação dos processos mentais e relações entre os vários sistemas funcionais ao longo do desenvolvimento do indivíduo.

(30)

de sua origem social, porquanto é a cultura a fonte de simbolismos e representações pelas quais a realidade é interpretada.

O desenvolvimento social e psicológico humano depende portanto do processo de internalização pelo qual atividades de origem externa tornam-se internas, isto é ações que tem sua força no interpessoal, tornam-se ações intrapessoais. Ou seja, no dizer de Oliveira (1992):

"Ao longo de seu desenvolvimento o indivíduo internaliza formas culturalmente

dadas de comportamento, num processo em que atividades externas, funções

interpessoais, transformam-se em atividades internas, intrapsicológicas. As funções

psicológicas superiores, baseadas na operação com sistemas simbólicos, são pois,

construídas de fora para dentro do indivíduo" (p.27).

Outra contribuição significativa de Vigotsky encontramos nos dois níveis de desenvolvimento: o real que contém tudo o que a criança é capaz de fazer por si mesma, e o potencial que consiste em tudo o que a criança é capaz de fazer com algum tipo de ajuda. O primeiro é como o fruto do desenvolvimento, o segundo é a flor ou o broto. Este espaço entre o real e o potencial é denominado de zona de desenvolvimento proximal. Ou seja, o espaço ou o tempo psicológico ou o momento oportuno em que uma intervenção (interação) levará a um novo conhecimento. No dizer de Vigotsky (2000):

"Usando esse método podemos dar conta não somente dos ciclos e processo de

maturação que já foram completados, como também daqueles processos que estão

em estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se

desenvolver. Assim, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o

futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando

o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como

também àquilo que está em processo de maturação" (p.113).

(31)

Essa teorização - considerando o impacto da estrutura biológica e do conjunto de dados culturais, em especial a linguagem e a interação social - reforça a importância de se valorizar a atenção tanto aos estágios de desenvolvimento como às contribuições sociais no processo educativo.

O Construtivismo

Antes de abordar os princípios construtivistas, e para sua melhor compreensão, recordam-se apenas três construtos básicos da teoria de Piaget, quais sejam: Acomodação, assimilação e desequilibração. A relação entre eles poderia ser assim sintetizada: O processo de desenvolvimento cognitivo é acionado pela desequilibração que “ocorre quando uma experiência ou pensamento revela-se inconsistente com aquilo que os esquemas da criança podem apreender

no momento” (Wadsworth, 1997, p. 165). Como o pensamento da criança não é adaptado à

realidade, ela assimila livremente esta realidade ou seja, a criança faz uma “ajeitação” da realidade para que ela caiba em seu esquema de pensamento, o que vem a ser a imaginação criativa e a fantasia. Por isso, no entender de Piaget, é a assimilação que dá origem ao pensamento criativo. Em estágio mais avançado o equilíbrio será restabelecido, fazendo, possivelmente, uma acomodação, ou seja, uma alteração nos esquemas de conhecimento existentes, para fazer a realidade caber neles. Tanto num como noutro caso, trata-se de construção do conhecimento.

Seguindo agora Wadsworth (1997), expõem-se brevemente algumas implicações da teoria de Piaget no processo educativo, e que contribuem para uma compreensão, suficiente ao presente propósito, do denominado “construtivismo”.

1. “As crianças constroem o conhecimento a partir de suas ações exploratórias sobre o meio

ambiente(p. 169), as quais podem ser mentais, como o pensamento, ou físicas, como a

exploração manual do ambiente. Se a ação provoca desequilibração, a exploração continua a fim de aplicar-lhe sentido (assimilação). E assim o conhecimento é construído.

(32)

de verificar se a criança associou algum significado à palavra que usamos para ajudá-la a construir algum conhecimento. Assim também a construção do conhecimento social não é adquirido mediante discursos. Faz-se necessário um processo vivencial de exploração da interação com outras pessoas.

2. “As crianças são motivadas a reestruturar seu conhecimento quando encontram experiências que conflitam com suas previsões e despertam sua atenção” (p 170). Tal processo chamado de desequilibração, que resulta em desequilíbrio, é decidido pelo aspecto afetivo o qual tem o ‘poder das chaves’ que permite à criança abrir-se ou fechar-se à atenção, gerando motivação. Ao educador cabe estar sempre atento para perceber o que provoca curiosidade e desequilíbrio e provocá-los efetivamente, de forma a motivar a criança a manter-se sempre no encalço de algum mistério.

3. Que as crianças queiram fazer o que fazem (p.172, cf. Piaget). Trata-se de investir nos interesses da criança, porquanto são eles que manifestam que está ocorrendo nela alguma desequilibração e portanto um conflito cognitivo. O professor criativo, construtivista, saberá colocar os interesses do aluno no centro de sua atividade educacional, engajando-o nela em prol dos objetivos escolares.

4. Ajudar o aluno a entrar em conflito cognitivo (p. 172). Mediante o método da exploração crítica, os alunos são levados a perceber que o seu raciocínio atual em torno de um conteúdo não está em acordo com a experiência objetiva. O desequilíbrio resultante do questionamento será fonte de motivação para outras explorações.

5. Um programa educacional que pretende ensinar conhecimento social deve criar

(33)

6. Investir em autonomia intelectual “requer que o professor abandone alguns de seus controles

sobre o caminho que os alunos seguem e sobre o que realmente fazem” (p. 175). Trata-se de

permitir aos alunos seguirem os interesses sentidos, expressão de seus desequilíbrios. A dimensão cognitiva da autonomia pode ser traduzida por aprender como aprender, descobrindo o que fazer em seguida, percebendo os erros, criando o auto-controle. A autonomia afetiva consiste em valores construídos, internalizados e assumidos como normas de ação. Ela é gerada onde há espaço para relações marcadas pela cooperação espontânea e pelo respeito mútuo. A formação da autonomia supõe a fé do professor nela. Cabe a ele o papel de direcionar e ao aluno o de dirigir o processo.

7. “Uma criança está cognitivamente pronta para construir um dado conceito se, e somente se, tiver adquirido os esquemas e o nível geral de raciocínio necessários” (178). Para que a criança possa construir conhecimentos novos é preciso que o programa educacional considere “quando” ela pode fazer “o quê”. Sempre que a demanda cognitiva supera as condições de assimilação ou acomodação, o aluno será levado a concluir por sua incompetência, ou procurará formas inadequadas de aprendizagem como a memorização e a cola. O engajamento vital pode ser garantido pelo equilíbrio entre o apoio e o desafio. O esclarecimento nos vem de Robert Kegan (1994):

“Os ambientes que são sobrecarregados demais quanto aos desafios (demandas

cognitivas muito altas) sem o adequado suporte, são tóxicos; eles estimulam o uso de

mecanismos de defesa e o retraimento. Aqueles que são sobrecarregados de apoio,

sem o adequado desafio, são essencialmente chatos; eles promovem a desvitalização.

Os dois extremos levam à fuga ou ao desligamento do contexto” (Wadsworth,1997 p.

178)

O que está acima da capacidade de compreensão torna-se provocador de conhecimento na medida em que houver suporte adequado, que estimule o aluno a dar um passo para além do limite presente.

8. “As habilidades de pensamento crítico e de solução de problemas são maximizadas quando há

(34)

de conhecimentos relevantes, como o desejo de resolver o problema e a fé na capacidade de fazê-lo. Tais qualidades se desenvolvem por práticas que alimentam a compreensão, a construção pessoal autônoma e a autoconfiança, e não por práticas educacionais passivas.

9. O conhecimento e o julgamento morais são construídos a partir da ação no meio ambiente (p.

183). Piaget, reportando-se a Wrigth e Dewey, insiste que o desenvolvimento moral está

intimamente relacionado a uma prolongada e contínua experiência de respeito mútuo, descartando portanto todo autoritarismo no processo. Com efeito, afirma Piaget que

“a própria vida social das crianças é suficientemente desenvolvida para dar origem

a uma disciplina infinitamente mais próxima da submissão interior que é a marca da

moralidade adulta” (Wadsworth, 1997, p.183).

Também aqui, como no desenvolvimento intelectual, a metodologia construtivista parte do princípio de que é o gosto e o desejo da cooperação inerentes ao ser humano que são os instrumentos para explorar e direcionar o desenvolvimento moral. Daí a importância de se organizar o meio social, a sala de aula e a escola para que possam ser espaço e oportunidade de justiça, cooperação, respeito mútuo e tolerância.

1.6 - Considerações reflexivas

A revisão de literatura acima apresentada, revela que parece haver um dualismo ideológico dominando as propostas de escola de tempo integral: A família, o trabalho, a convivência entre crianças e adultos e os moradores do bairro apresentam-se como lugares sociais da deformação que envolvem a vida do dia a dia do aluno, enquanto a escola é o espaço físico, social e temporal do educativo e, como tal, um bem em si mesmo.

(35)

separação e do afastamento desses contextos, e passar a fazer deles, considerados em sua concretude, um dos ingredientes do processo educativo.

Justificar a escola de tempo integral pela necessidade de conferir ao trabalhador um "carimbo" que o qualifique para o mercado de trabalho é tão aviltante quanto justificá-la pela condição de pobreza, marginalidade, imoralidade ou degradação da classe trabalhadora. Ambas as alegações não constituem justificativa adequada para a escola de tempo integral. Por outro lado a preocupação com a assimilação de maior quantidade de conteúdos é uma justificativa que também não se coaduna com a concepção de educação para este milênio. Assim não há uma relação de causa e efeito entre necessidade de aumentar os conhecimentos e a exigência de ampliação do tempo na escola. É bom lembrar, além do mais, que a escola de tempo integral não surgiu desta exigência e não tem contribuído para aumentar significativamente o nível de conhecimentos para a maioria dos alunos. Por que, então, empenhar-se por mais tempo na escola? Arroyo (1988) responde com precisão:

"De fato a escola vem se tornando uma experiência sócio-cultural cada vez mais

forte na vida das pessoas, experiência que não se esgota fundamentalmente nos

conhecimentos aprendidos nos livros ou com os mestres, mas passa pela longa

experiência das relações sociais com a instituição, com os colegas, os mestres, a

autoridade, a disciplina, a ordem, as normas, enfim, a organização do processo

educativo e as relações políticas e sociais em que se produz a educação. A escola é

de alguma forma uma experiência de produção e de trabalho onde as pessoas

terminam se produzindo como seres sociais e conscientes. Apesar dos limites das

relações pedagógicas, a escola enquanto experiência humana e social é menos

controlada e estreita do que a fábrica, daí sua força educativa" (p. 9).

(36)

dominante. E assim, em círculo vicioso, a escola vê devorada uma de suas funções cruciais na sociedade, qual seja a de sair de seu espaço para questionar, contestar e corrigir a ordem social quando ela impede os cidadãos de viverem em plenitude algum de seus direitos.

Por outro lado não se pode negar que o sistema capitalista de produção gera situações de carência material, cultural e afetiva. Neste quadro,

“descartar rapidamente soluções que, apesar de serem de curto prazo, apontam

na direção da superação de condições estruturais geradoras da pobreza (...)

substituindo-as por soluções paliativas, é uma estratégia bastante conhecida para

manter tais condições estruturais intocadas, embora fazendo um discurso que,

aparentemente, as nega” (Ferreti, 1991, p.9).

Arroyo propõe que o prolongamento do tempo na escola deveria contribuir para fortalecer política e culturalmente os trabalhadores num projeto de classe, não apenas no sentido de serem mais sabidos para lidar com a lógica mercantil, mas para que possam dominar a lógica real que regula a sociedade, a história, os processo de produção e os mecanismos de sua transformação.

"Essa proposta exige uma experiência de escola que permita ao trabalhador sua

afirmação como ser pensante e ser social e cultural. (...) Ao trabalhador ... não são

negados apenas tempos mais longos na escola, mas antes de tudo lhe são negados

espaços e tempos de afirmação política e cultural. (...) O direito dos trabalhadores à

cultura, ao saber, ao pensar, à educação não se esgota na escola, nem de tempo

integral. Esta só adquirirá seu sentido se fizer parte de uma luta mais total pelo

fortalecimento político-cultural das forças populares" (p. 10).

As pesquisas estão longe de resultados convergentes no que se refere à relação entre a escola e o status sócio-cultural. Os trabalhos de Cassassus (2002), Beust (2000) e Gomes (2003), fazem ampla análise da questão. Abordá-la não é objetivo do presente trabalho. A título de reflexão, e para ampliar a compreensão da questão, apontam-se apenas algumas considerações.

(37)

preciso reconhecer que o posicionamento de Arroyo, se tomado isoladamente, seria insuficiente para definir o papel da escola na sociedade atual, profundamente marcada pela perda ou deterioração de valores éticos, morais e religiosos que atinge a família, as instituições, o sistema político. Neste quadro, onde a família e a igreja tem perdido força socializadora e formadora de valores, a escola vem sendo sempre mais, para além da redenção social, o lugar da "redenção antropológica", posto que precisa ir além da lógica estruturalista, segundo a qual fatores sócio-culturais teriam força significativa no sucesso do educando. Cassassus (2002), em amplo estudo sobre a escola e a desigualdade, observa que o contexto sócio-cultural tem força no desempenho do aluno, mas que fatores ligados diretamente à situação da escola tem força maior na redução do impacto da desigualdade social, "A escola é geradora de equidade porque atenua o impacto negativo do contexto sócio-cultural dos alunos", conclui Cassassus.

Beust (2000), por sua vez, revendo o percurso da prática educativa, lembra que ao longo de toda história a educação se dá pela aprendizagem contextualizada - na família, na oficina, na igreja, nos artesanatos - seguindo o paradigma estigmatizado pelo ditado "filho de peixe, peixinho é". Neste processo crianças e jovens aprenderam, não só a fazer as coisas e a entendê-las, mas, com isto, aprenderam também a ser. A escola formal descontextualizada é fruto da civilização recente, "um fenômeno do século XX", diz Howard Gardner, que também reconhece que ela foi criada com o duplo objetivo de aquisição de instrução e para o domínio de disciplinas. Beust, continuando seu percurso pela história, chega aos tempos atuais e descreve a escola como "talvez o principal instrumento de socialização, de integração comunitária, de possibilidade de auto-realização", uma vez que em geral oferece um ambiente de convivência, de integração comunitária, de referenciais adultos.

Neste sentido vem bem a propósito as considerações de Coelho (1996) sobre a “produção híbrida do conhecimento” e o papel do professor na busca da “qualidade emancipatória”.

(38)

regionalismos e a experiência pessoal de vida. Não se trata de um irenismo. Com efeito, a autora considera que tal produção dá-se no conflito entre culturas, o qual o trabalho pedagógico, permeado por ações educativas marcadas pelo diálogo, saberá elaborar de forma a contribuir para a produção do conhecimento. Assim à qualidade formal do processo de socialização, ajunta-se a qualidade política, pelo pressuposto de que socializar implica em pensar histórico-social e reflexão crítica, uma dupla com força produtora de práticas intervenientes e efetivas.E explica:

"Entendemos qualidade formal como apreensão/domínio crítico de

conhecimentos/conteúdos historicamente produzidos; qualidade política como

capacidade de socializar esses conhecimentos, construindo-os no cotidiano das

relações sociais e, concomitantemente, como força motriz em direção à

transformação social" (p. 125).

Tão complexa quanto a relação de causa e efeito entre educação e realidade sócio-cultural, é a questão da homogeneidade e heterogeneiddade dos grupos de alunos. Como reconhece Cândido ( 2003), no campo estritamente técnico homogeneidade é mais fácil; mas na opção entre homogeneidade e heterogeneidade, está em jogo uma questão de valores e de objetivos que inspiram a educação. O ensino pode ser mais favorecido pela homogeneidade. A educação, contudo, só é possivel na heterogeneidade.

Voltando à reflexão de Coelho é preciso ainda acrescentar que a qualidade da educação está também relacionada à qualidade do professor no exercício de seus três papéis: Docente, porque tem efetivamente a função de ensinar; pesquisador que está permanentemente em busca de novos conteúdos, novas compreensões e novos métodos; e ator, isto é, que intervém na realidade e na sua própria condição profissional. A qualidade depende da quantidade de tempo que o professor dispõe para dedicar-se ao seu tríplice papel.

"Um professor que lecione em condições adversas, com pouco tempo para dedicar às

suas atividades de planejamento e de pesquisa; que não reflita sobre questões

conjunturais com seus colegas no trabalho, pouco acrescentará aos princípios de

(39)

O pensamento da autora poderia ser assim sintetizado: Na junção das duas forças - formal e política, quantitativo e qualitativo - está a qualidade emancipatória, que consiste na construção do homem-cidadão capaz de interferir em sua própria realidade, via socialização e produção de conhecimentos e cotidianização do pensar sócio-histórico, pressupondo a participação de todos os agentes da prática educativa (professores, alunos, comunidade).

Isto posto, é possível admitir que a escola de tempo integral poderá vir a ser o lugar do encontro entre a qualidade e a quantidade, entre o formal e o político.

É para esta linha de pensamento que a Proposta Pedagógica em estudo parece direcionar-se quando se refere a “escola em tempo integral” e não a escola de tempo integral, como o fazem as experiências anteriormente expostas. Com efeito, o propósito apontado é o de em tempo integral “ser escola”, ou seja, para que possa cumprir sua missão, estará organizada para que em tempo integral seja escola, isto é, que todos os elemento do conjunto das atividades do dia letivo integrem o currículo, e, como tal, tenham definidas suas funções educativas e recebam condições para sê-lo. A visão é bem distinta daquela que contempla o período integral como oportunidade de atividades complementares, vistas até como reforçadoras das condições de aprendizagem escolar (cf Brandão, 1988). Também o professor será profissional de tempo integral, com identidade institucional indivisa e em condições de centrar sua vida profissional na escola.

(40)

“consiste numa ação integrada de conhecer, provocar e acompanhar o ser humano

no processo de seu crescimento em direção á maturidade, no nível físico, psíquico e

espiritual e em sua dimensão cognitiva, afetiva e comportamental” .

A adoção do caminho do interaciconismo e do construtivismo implica em superar a ideologia da ordem, para reconquistar a ordem primitiva, isto é, o mandamento primeiro de criar coisas e relações. Nesta linha está o pensamento de Piaget que vê como metas da educação o desenvolvimento da capacidade de fazer coisas novas e não simplesmente de repetir o que gerações anteriores fizeram e de formar mentes que possam ser críticas, que possam verificar e que não aceitem tudo que lhes é oferecido. Homens criativos, inventivos, e descobridores é o "produto final" de uma educação levada a bom termo, poderão dizer aqueles mais dados a vocabulário do mundo capitalista.

Partir da idéia de que os conhecimentos de todo tipo, físicos, lógico-matemáticos e sociais são construídos pelo indivíduo desde tenra idade, é pressuposto básico para quem quer hoje levar a educação a sério. Trata-se de um processo espontâneo que Edelstein (em Wadsworth, 1997, p. 167) chama de “aprendizagem natural”. Quando nos referimos à educação mediante um processo construtivista e interacionista, é preciso ter em mente uma pedagogia que sabe explorar essa força criadora e construtora que é integrante da natureza do ser humano. Ou seja, a transformação está na essência do ser humano como está na essência de toda natureza.

Contudo dizer natural não é dizer automático ou mecânico. As teorias de Piaget e Vigotsky deixam claro que o sujeito humano é, desde seu nascimento, um projeto em construção mediante a interação. O conhecimento também não nasce com o sujeito, mas se constrói na interação com a realidade física e social. Os dois autores lembram que o rumo do desenvolvimento é o mesmo para todos, mas o ritmo varia, podendo ser mais lento para uns e mais rápido para outros, conscientes de que a construção depende das condições do sujeito e do ambiente.

(41)

"Construtivismo significa isto: a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e

de que, especificamente o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como

algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e

social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui

por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia na bagagem hereditária ou

no meio." (1992, p.

CAPÍTULO II

NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA

2.1 - Situando a pesquisa

O propósito original de pesquisar várias experiências de iniciativa privada consideradas como “escolas de tempo integral”, foi destituído pela ausência de estudos empíricos sobre o tema em questão. Optou-se então por um estudo de caso, direcionando a pesquisa para uma instituição na qual o pesquisador está diretamente envolvido na qualidade de diretor.

Imagem

Gráfico 1
Gráfico 2A Distribuição dos Indicadores

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