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João, a Testemunha, no Quarto Evangelho

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Academic year: 2021

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ISSN 1676-3742

João, a Testemunha, no Quarto Evangelho

John, the Witness, in the Fourth Gospel

Gilvan Leite de Araujo

Resumo

A fi gura de João é emblemática nos quatro Evangelhos. Habitualmente apresentado como precursor do Messias, fi lho de Isabel e Zacarias e “primo” de Jesus, ele exerce papel de protagonista. O discipulado de João perdurou até o início do segundo século da era cristã. Muitas vezes descrito como Elias retornado, vestindo peles de camelo e comendo mel silvestre com gafanhotos, é alguém que proclama a conversão através de um banho ritual único, o qual o próprio Jesus irá se submeter. Todas estas informações situam uma fi gura importante que esteve em relação com o movimento de Jesus. Sobre à missão de João Batista, os Sinóticos o apresentam como aquele que batiza Jesus no Jordão e denuncia o caso de adultério entre Herodes Antipas e Herodíades, o que resultará na sua prisão e morte. Contudo, enquanto no Sinóticos ele surge como o Batista, no Quarto Evangelho ele surge com um homem enviado por Deus para ser a testemunha do Messias.

Palavras-chave: João Batista. Quarto Evangelho. Testemunho. Messias. Abstract

John`s fi gure emblematic in the four Gospels. Currently presented as Messiah`s forerunner, Elisabeth and Zechariah`s and Jesus`s “cousin”, he plays a leading role. The John`s discipleship lasted until the second century beginning of the Christian era. It is often described as “Elijah returned”, wearing camel skins and eating wild honey with grasshoppers, he is someone who proclaims conversion through a unique ritual bath, which Jesus will submit himself to. All this information situates an important fi gure that was

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related to the Jesus`s movement. About the mission of John, the Baptist, the Synoptics present him as the one who baptizes Jesus in the Jordan and denounces the cases of adultery between Herod Antipas and Herodias, which will result in his arrest and death. However, while in the Synoptics he appears as the Baptist in the Fourth Gospel he appears as a man sent by God to be the Messiah`s witness.

Keywords: John the Baptist. Fourth Gospel. Testimony. Messiah.

Introdução

João é mencionado por dezoito vezes no Quarto Evangelho1 e, diferente dos Sinóticos que o apresentam com o Batista, neste Evangelho ele é apresen-tado com a “Testemunha” (Jo 1,8-15). Além disso, recebe particular atenção ao ser colocado em relação à pessoa de Jesus sobre o conceito de messianida-de, ao qual o evangelista dedica longas perícopes para tratar do tema.

Apesar de sua importância no Quarto Evangelho, João é descrito na sua essencialidade, diferente do Sinóticos que o apresentam como um profeta e falam de sua alimentação e de seus trajes (Mc 1,4.6; 11,32; Mt 3,4.11; 11,9; Lc 3,3).2 Além do mais, mesmo não sendo chamado de “Batista”, ele aparece na narrativa joanina executando tal função, uma vez que o autor deixa transparecer indiretamente que João batizou Jesus (Jo 1,31-34).

1. João no Prólogo Joanino (1,6-8.15)

O Prólogo do Quarto Evangelho3 compreende os primeiros dezoito versículos do primeiro capítulo e quatro deles são dedicados a João (vv. 6-8.15):

Surgiu um homem, enviado por Deus, seu nome: João. Este veio como teste-munha, a fi m de testemunhar a respeito da luz, para que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas para testemunhar a respeito da luz (1,6-8)

1 WILLIAMS, C. H., John (the Baptist). The Witness on the Threshold, p. 34. 2 WILLIAMS, C. H., John (the Baptist), p. 46.

3 A atual estrutura do Prólogo do Quarto Evangelho (Jo 1,1-18) é um tema controverso entre

os estudiosos e parece ser uma concepção atual. Um estudo detalhado sobre a evolução do Prólogo de João pode ser encontrado no artigo de WILLIAMS, P. J., Not the Prologue of John, p. 375-386.

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João testemunha a respeito dele e gritava dizendo: este era aquele do qual eu disse: O que vem depois de mim, passou à minha frente, porque era antes de mim (1,15).

A primeira informação fornecida pelo Prólogo Joanino é a de que João foi enviado por Deus ( como testemunha da luz (    ), enquanto no versículo quinze o próprio João começa anunciando a preexistência de Jesus ().

No Prólogo, João é apresentado apenas como “um homem” () enviado por Deus. No Quarto Evangelho o autor utiliza este expediente para designar alguns personagens iniciando as respectivas narrativas falando sobre “um homem” ou “uma mulher” (3,1; 4,7; 5,5; 8,3; 9,1...). Além disso, na narrativa em questão, tal expediente distingue a pessoa de Jesus em relação à pessoa de João. Neste sentido, Jesus “surge” como “A Palavra” () enquanto João “surge” como “um homem” () e sem artigo que o defi na. Deve-se notar ainda que sobre Jesus é dito que “Deus era a Palavra” (   ), enquanto que sobre João é dito que ele é “um enviado da parte de Deus” (  ). A distinção entre os dois personagens se torna clara na afi rmação “antes de mim era” (  ), ou seja, a narrativa sublinha a superioridade de Jesus sobre João.

Tendo feito tal distinção, o autor acrescenta que “João testemunha a respeito dele” (:1,15), ou seja, que a função de João é testemunhar sobre Jesus, o qual é descrito no Prólogo como luz () e como vida (),. Na relação é dito sobre João que “não era a luz” ( ), enquanto sobre Jesus é dito que “era a luz verdadeira” ( ). Williams descreve as distinções entre Jesus e João através dos paralelos descritos no Prólogo. João “surgiu” (1,6), enquanto Jesus “era” (1,1); João é um homem (1,6), enquanto Jesus é Deus (1,1); João foi enviado por Deus (1,6), enquanto Jesus estava com Deus (1,1); João é testemunha da luz (1,7-8), enquanto Jesus era a luz (1,4) e, fi nalmente, o povo chega à fé em Jesus (1,12) por meio de João (1,7).4

A passagem entre a primeira (1,6-8) e a segunda (1,15) sessão sobre João acontece através de uma notável diferença do tempo verbal. Enquanto na primeira sessão os verbos se encontram no aoristo, na segunda os verbos se encontram no presente. A transição verbal entre os vv. 5-8 e o v. 15 estabelece

4 WILLIAMS, C. H., John (the Baptist), p. 49.

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um link entre o Prólogo e o que segue nas narrativas sobre João. Segundo Williams os vv. 6-8 apresentam o seguinte esquema que serve de base para as narrativas seguintes:

a) João não era a luz (1,8a → 1,19-21; 3,28; 10,41);

b) Ele veio como testemunha da luz (1,7a.8b → 1,29-34.36; 3,26; 5,33; 10,41);

c) Ele testemunhou para que todos acreditassem na luz (1,7b → 1,35-37; 3,26; 5,34; 10,41-42);

d) João está subordinado a Jesus (1,15 → 1,27.30; 3,28-30; 5,34-35).5 Através do esquema acima, Williams sublinha como que a primeira descrição sobre João em 1,6-8.15 se torna base para a compreensão da sua pessoa e missão nos demais textos nos quais o personagem aparece.

Quanto a fi gura de João, o Prólogo informa que ele “surgiu”, “passou a existir”, resgatando o verbo  de 1,3, que afi rma que tudo passou a existir a partir do : “Tudo foi feito por meio dele e, sem ele, nada foi feito” (. ). Neste sentido, João, enquanto um homem, é, também, parte da criação, o qual possui um nome: “surgiu um homem... seu nome: João”. Este homem chamado João foi enviado por Deus para exercer uma função, ou seja, testemunhar (1,6-8) a respeito de Jesus que vem apresentado como Palavra, Luz e Vida, entre os diversos atributos que ele receberá ou se autoproclamará no Quarto Evangelho.

Boer relaciona a primeira menção a João com o início de 1Samuel:6

Surgiu um homem, enviado da parte de Deus, seu nome: João ( : Jo 1,6).

Houve um homem de Ramataim-Sofi m, da montanha de Efraim e seu nome: Elcana (         : LXX: 1Sm 1,1).

Apesar de estabelecer este contato literário, a aproximação parece mera coincidência e não proposital, pois a menção a Elcana, no primeiro livro de Samuel, é apenas para descrever a origem “miraculosa” de Samuel, ou seja, o foco não está em Elcana, mas na pessoa de Samuel. Lógico que o foco

5 WILLIAMS, C. H., John (the Baptist), p. 49-50.

6 BOER, M. C., The Original Prologue to the Gospel of John, p. 460.

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do Prólogo não está na pessoa de João, mas na pessoa de Jesus. Contudo, o contato entre as duas narrativas não é consistente.

Destaca-se na narrativa que o substantivo  e o verbo  assumem função jurídica no Quarto Evangelho. De fato, no fi nal do Prólogo o autor resgata o tema da Lei fazendo uma transição entre a Lei dada por Moisés e a Lei a ser dada pelo Filho: “Porque a Lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” ( : 1,17). Deve-se notar neste versículo que “a graça” () e “a verdade” () estão em relação com “passou a existir” (), ou seja, surgem por meio do Filho e em vista dele.

Simoens reafi rma esta ideia sublinhando que as expressões “testemunha” e “testemunhar” evocam o tema da Aliança e o processo da Aliança do Antigo Testamento.7 Assim, por exemplo, os montes Ebal e Garizim podem ser tomados como testemunhas da Aliança em Moab, segundo o livro do Deuteronômio (Dt 11,30).8 Boer destaca, ainda, com base em Boismard e Brown, que os vv. 6-8 teriam funcionado como introdução de uma primeira versão do Evangelho.9 Caso a hipótese seja correta, o texto primitivo começaria com o testemunho de João (Jo 1,6-8.15) e teria recebido posteriormente a interpolação sobre Jesus (Jo 1,9-14.17-18) e os primeiros cinco versículos, conforme se observa através do Prólogo atual.10

A concentração do substantivo  e o verbo  também quer sublinhar a missão de João. A fé em Jesus é posta em relação à missão de João à medida em que ele se apresenta como a “testemunha” (v. 7).11 Esta particularidade exalta a fi gura e a missão de João no Quarto Evangelho: ele é a testemunha por meio da qual todos chegam a crer na luz. Esta singularidade fi cará mais precisa nas duas narrativas complementares de Jo 1,19-34 e 3,22-36. Na primeira (Jo 1,19-34) virá descrito o processo da fé de João desde do seu primeiro encontro com Jesus até se tornar a sua testemunha, neste sentido, João surge como modelo daquele que crê. Na segunda (3,22-36), João reafi rma que é a testemunha do Messias.

7 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 30. 8 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 30.

9 BOER, M. C., The Original Prologue to the Gospel of John, p. 460. 10 BOER, M. C., The Original Prologue to the Gospel of John, p. 461. 11 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 30.

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O primeiro testemunho de João, ainda no Prólogo (1,15), exalta a fi gura do através de três informações:

1. O que vem depois de mim (); 2. antes de mim existia (); 3. primeiro de mim era ().

Segundo Staley os três verbos usados (   ) são, também, os três verbos utilizados para descrever o / no início do Prólogo ( [2x],  [5x] e  [7x]).12 Assim, de forma indireta os verbos servem de “provas” da veracidade do testemunho de João. Pode-se indagar se o autor do Prólogo estaria utilizando expressões que pudessem, de fato, vincular a pessoa de Jesus com a pessoa do Pai. Em todo caso, a relação entre o nome de Jesus e de João fi cará clara a partir da segunda e terceira sessão. De modo análogo Cholin propõe o seguinte esquema, ao trabalhar a ideia do nome de Deus:

1. João testemunha da parte de Deus (vv. 6-8); 2. Os que creem se tornaram fi lhos de Deus (v. 12); 3. João confessa o senhorio do Filho (v. 15).13

No Prólogo, entre a primeira sessão sobre João (vv. 6-8) e a segunda (v. 15) acontece uma transição verbal do aoristo para o presente. Assim, o verbo  passa do aoristo dos versículos anteriores (6-8) para o presente, o que indica a continuidade da missão de João.14 Além do mais, a preexistência de Jesus que entra para a história através da encarnação, possui uma anterioridade de missão na pessoa de Jesus: “o que vem depois de mim passou adiante de

mim, porque existia antes de mim” (1,15). Isto indica sucessão cronológica da

história e Deus agindo nela segundo os seus planos.15 Deve-se levar em conta, que o Prólogo Joanino se compõe a partir de duas perspectivas teológicas: a criação e o Êxodo.16 Duas ações divinas que manifestam o agir de Deus. Neste sentido o Prólogo dispõe Jesus anterior ao criado, a criação surgindo em vista dele e ele entrando na criação através da encarnação. Neste percurso, João

12 STALEY, J., The Structure of John’s Prologue, p. 247. 13 CHOLIN, M., Le Prologue de L’Évangile selon Jean, p. 356. 14 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 39.

15 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 40.

16 BEUTLER, J., L’Ebraismo e gli Ebrei nel Vangelo di Giovanni, p. 9.

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surge como parte da criação ao ser apresentado como “um homem” (v. 6) que faz parte da história e entra no projeto de Deus preparando a missão de Jesus Cristo. Assim se compreende quando João afi rma, em relação a Jesus, que “existia antes de mim e passou a minha frente” do v. 15.

Partindo da proposta de Staley, os verbos utilizados na construção do v. 15 estão em direta relação com a pessoa de Jesus. Assim, a fi gura de João confi rma o que o narrador havia dito sobre o Logos na primeira parte do Prólogo.17

2. João e o anúncio do Cordeiro (Jo 1,19-34)

O autor do Quarto Evangelho dedicou duas sessões do Prólogo à pessoa de João (vv. 6-8 e 15), nos quais já transparecia a relação entre Jesus e João no que diz respeito ao direito de messianidade. O desenvolvimento do tema do direito de messianidade será trabalhado em duas sessões posteriores dedicadas, ainda, à fi gura de João (1,19-34 e 3,22-4,3a).

Na primeira sessão, do segundo bloco sobre João (1,19-34), este é interrogado por um grupo de sacerdotes e levitas enviados de Jerusalém a respeito da sua missão (v. 19). Segundo Simoens, um processo judicial é composto por três elementos: interrogatório, acusação e veredicto.18 João é posto sobre processo a partir do interrogatório.19

A pergunta feita a João,  (1,19), reaparece em relação a Jesus em 8,25 e 21,12. Em 1,19 a pergunta é feita pelos sacerdotes e levitas representando os judeus de Jerusalém a João, a segunda é feita pelos judeus a Jesus em Jerusalém (8,25) e a terceira é uma indagação feita pelos discípulos após o encontro com o Ressuscitado (21,12).20 Neste último é dito que nenhum deles ousava perguntar “quem és tu?” pois sabiam tratar-se de Jesus.

Na realidade os sacerdotes e levitas fazem três perguntas e cada uma delas é respondida no negativo e em ordem decrescente.

Perguntas dos sacerdotes e levitas: 1. Tu quem és? ( 1,19);

17 STALEY, J., The Structure of John’s Prologue, p. 247.

18 Pode-se indagar se as narrativas de Jo 1,19-34 e 3,22-36 apresentam a estrutura formal de

um processo, mas a construção das duas sessões utiliza vocabulário de cunho jurídico o que confi rmaria tal possibilidade.

19 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 51. 20 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 51.

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2. Tu és Elias? (;,);

3. Tu és o Profeta? (;,) Respostas de João:

1. Eu Não Sou o Cristo (: 1,20); 2. Não Sou (: 1,21);

3. Não (: 1,21).

A compreensão desta ordem negativa e decrescente se torna clara a partir do capítulo três quando João fala sobre o seu rebaixamento. Além do mais, nas suas palavras já se encontra a resposta, ou seja, “quem é o Batista?” e a resposta é o “Eu Não Sou”, diferente de Jesus que é o “Eu Sou” (8,58). A negação de ser o Messias, por sua vez, terá compreensão a partir de Jo 3,22-36.

A primeira resposta é antecedida por uma tríplice afi rmação, como confi guração de ato de fé:

1. e confessou ();

2. e não negou/renegou (); 3. e confessou ().

Os sacerdotes e levitas terminam o interrogatório com uma quarta pergunta: Disseram-lhe, então: “Quem és, para darmos uma resposta aos que

nos enviaram? Que dizes de ti mesmo?” (;

; 1,22). A pergunta possui duas questões parecidas:

1. Quem és? (;);

2. Que dizes de ti mesmo? (;).

À esta dupla indagação João responde evocando um oráculo de Isaías:

Disse ele: Eu: uma voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaias (       (1,23). A citação de João é proveniente de Isaías: Uma voz clama: No deserto, abri um caminho

para Iahweh; na estepe, aplainai uma vereda para o nosso Deus (

21 A tradução para a Língua Portuguesa habitualmente possui um equívoco, ou seja, muitos

tradutores traduzem diretamente o  por “eu sou”. Tal tradução poderia ser bem acolhida caso isto não acarretasse um problema proveniente da teologia do próprio Evangelho, ou seja, a expressão “eu sou” é geralmente aplicada à pessoa de Jesus no Quarto Evangelho.

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 : LXX: Is 40,3 / Wnyhe(l{ale hL'ÞÞsim. hb'ê’êr"[]B'’ W'’rV.y: hw"+hy>> %r<D<< WNPÞ; rB'§d>MiB; arEêAq lAqå: BHS: Is 40,3).

João utiliza o verbo , enquanto o texto grego da Is 40,3 (LXX) aparece o verbo  e, no texto hebraico (BHS), o verbo hnp. O verbo , utilizado na narrativa de João, possui os signifi cados de “endireitar”, “guiar”, “pilotar” ou “conduzir”. Por sua vez, o verbo , utilizado na LXX para o texto de Isaías possui o signifi cado de “preparar”. Por sua vez o verbo hnp utilizado no texto na BHS possui o signifi cado de “virar” ou “voltar”. Segundo Simoens, o oráculo de Isaías utilizado por João no Quarto Evangelho demonstra proceder da edição da LXX, com o signifi cado de preparar.22 Desse modo, João se coloca como aquele que prepara o caminho. Deve-se levar em conta que, no Quarto Evangelho, Jesus Cristo se autoproclamará “o caminho” (14,6). Aproximando a ideia de João que prepara o caminho e Jesus que é o caminho se pode começar a individuar que João é aquele que apresenta o caminho ao mundo e, mais exatamente, como testemunha, ele apresenta a pessoa de Jesus, como se evidencia na sequência da narrativa.

A pergunta seguinte dos sacerdotes e levitas causa perplexidade, ou seja, a indagação do porquê João batiza (1,25). Deixa transparecer que o Messias, Elias ou o Profeta se manifestariam, ou atuariam, através do ato de batizar. Contudo, não existe nenhuma base no Antigo Testamento que possa fundamentar tal possibilidade, ao menos que se queira vincular ao Messias esperado os atributos de Elias e/ou de Moisés. Mesmo assim, qual seria a relação entre as fi guras de Moisés e Elias e o ato de batizar? O máximo que se pode dizer é que o batismo realizado por João é uma imagem da travessia do mar, assim, seria o retorno às origens de Israel.

A resposta de João é objetiva, ou seja, ele não é o Messias, mas este já se encontra em meio aos judeus, mas os judeus não o reconhecem (1,26). Mais adiante Jesus dirá à Samaritana que a salvação vem dos judeus (4,22). A singularidade é que tanto João como Jesus aludem ao desconhecimento dos judeus e dos samaritanos a respeito do Messias (1,26; 4,22; 7,28; 8,14; 9,30). Contudo, o Messias está entre os judeus e os samaritanos e é proveniente do primeiro grupo. A defi nição de João de que Jesus é o Messias começa a se desenvolver a partir do v. 27, no qual ele afi rma não ser apto para desatar as correias das sandálias de Jesus. Leva-se em conta que esta afi rmação não é

22 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 53.

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de ordem moral, um comportamento de humildade, mas possui signifi cado jurídico. A expressão , usada na narrativa por João, é diferente do  utilizado pelos Sinóticos e pertence ao vocabulário jurídico, enquanto indica direito de posse. A compreensão desta afi rmação de João está vinculada à narrativa de Jo 3,22-36, no qual ele se apresenta como o amigo do noivo. Na realidade João está evocando a Lei do Levirato (Dt 25,5-10; Rt 4) segundo a qual um contrato entre partes, inicialmente de direito matrimonial e posteriormente para outras causas, era selado quando a parte cedente outorgava a sua sandália para a parte contratante. A parte outorgada, tendo recebido a sandália da parte outorgante, passava a ter posse defi nitiva do bem em questão. Neste sentido, João só pode arrogar o direito de ser Messias se Jesus, que é o legítimo “proprietário” da messianidade, outorgar a sua sandália para o mesmo. Assim, Jesus ab-rogaria o direito e João adquiriria o direito legítimo de messianidade. Quando João, portanto, afi rma não ser digno de desatar as correias da sandália de Jesus, ele afi rma, na realidade, que o direito legítimo pertence à pessoa de Jesus e ele não pode tomar posse daquilo que não lhe pertence por direito.

3. O Testemunho de João

Como se dá o testemunho de João? Ele próprio faz a experiência pessoal a partir do encontro com Jesus. Isto é visível através dos verbos , (1,29) (1,32),  (1,34). Os três verbos apresentam uma progressão entre um simples enxergar a pessoa de Jesus a se tornar sua testemunha:

No dia seguinte, ele vê Jesus aproximar-se dele ( : 1,29).

Vi o Espírito descer como uma pomba vindo do céu, e permanecer sobre ele ( : 1,32).

E eu vi e dou testemunho que ele é o Eleito de Deus (   : 1,34).

O verbo  indica o simples ato de ver alguma coisa. Por sua vez, o verbo possui o signifi cado de contemplar ou observar atentamente; o verbo indica o ato de provar, compreender, dar-se conta, ter uma visão. Neste sentido, João faz uma experiência pessoal de encontro com a pessoa de Jesus e, progressivamente vai conhecendo-o até se tornar sua testemunha. Segundo La Potterie, o autor do Quarto Evangelho é um contemplativo e,

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além disso, os diversos verbos “ver” presentes na língua grega são utilizados pelo autor para expressar a acolhida do Logos.23 Enquanto nos Sinóticos o anúncio se dá pela escuta, no Quarto Evangelho ela também se dá pela visão da Palavra.

João amplia o conceito de testemunho ao tornar aqueles que o ouvem ou veem as suas testemunhas: “Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse...” (1,28), ou seja, aquele que recebe o testemunho, no Quarto Evangelho, também se torna uma testemunha. Mas como os ouvintes de João se tornam testemunhas? Na medida em que aceitam o seu testemunho expresso pelo verbo  no imperativo aoristo traduzido por “vê” ou “eis” (   ), ou seja, João aponta para a razão do seu testemunho, que é a pessoa de Jesus Cristo. Desse modo, se alguém quiser seguir João será conduzido diretamente para do seu testemunho, ou seja, a pessoa de Jesus.

4. Último Testemunho de João Batista (Jo 3,22-36)

Na segunda sessão (3,22-36) do segundo bloco, João se encontra batizando em Enom perto de Salim24 (v. 23). Este é o seu último testemunho no Quarto Evangelho.25 A chegada de Jesus na região acontece no momento em que se desenrola uma discussão entre os discípulos de João e certo judeu sobre o tema da purifi cação. Após a discussão, os discípulos vão ao encontro de João para partilhar o tema da discussão e aproveitam para lhe comunicar que Jesus também batiza e reúne mais discípulos do que ele. João reage ao anúncio através de um ensinamento.

A narrativa de Jo 3,22-36 coloca João em relação à pessoa de Jesus através do tema do batismo.26 Na narrativa em questão os dois personagens são descritos batizando, o que gera incômodo nos discípulos de João, que veem o fato como concorrência na qual Jesus está levando a melhor.27

Moloney propõe a seguinte divisão da narrativa de Jo 3,22-36:

23 LA POTTERIE, I., Studi di Cristologia Giovannea, p. 294-295.

24 Existem diversos debates sobre esta localização e o signifi cado de Enom e Salim. Autores

como Barret comentam que Salim aparece em Gn 14,18 em relação à Abraão e Melquisedec e no Sl 76,3. Quanto à Enom, no geral são concordes em afi rmar o signifi cado de “fontes”, ou seja, lugar de muitas fontes. BARRET, C. K., El Evangelio según San Juan, p. 331.

25 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 116.

26 BARRET, C., K., El Evangelio según San Juan, p. 329. 27 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 106.

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a) vv. 22-24: Introdução: tempo, lugar e atividade; b) vv. 25-30: Testemunho de João

vv. 22-26: observação dos discípulos vv. 27-30: resposta de João;

c) vv. 31-36: Discurso vv. 31-35: revelação

vv. 36: salvação/condenação.28

Nesta narrativa se observa que Jesus e João estão à frente dos seus respectivos discípulos.29 A ideia de Jesus à frente de um grupo de discípulos já tinha aparecido no início da narrativa das Bodas de Caná (2,2). Além disso, tanto João como Jesus estão batizando. O fato de Jesus batizar parece ser uma incongruência, motivo pelo qual, ao início do capítulo seguinte, é dito que o batismo não era realizado por ele, mas por seus discípulos (4,2).

O tema do batismo aparece indiretamente, pois o foco que gerou as discussões é o da purifi cação. Este tema já tinha indiretamente aparecido em Caná (2,1-12) e na purifi cação do Templo (2,13-22). Outro contato com a narrativa da Bodas de Caná é o tema matrimonial. No relato das Bodas não é indicado a identidade dos noivos e, na narrativa do testemunho, João afi rma que quem tem a noiva é o noivo, novamente sem identifi car quem sejam os noivos (3,29).30

Qual seria a relação entre purifi cação e batismo na narrativa de Jo 3,22-26? A esse respeito, Schnackenburg menciona que, em 2,13, o autor já mencionara o tema da Páscoa, na qual se exigia, do participante, o grau de pureza.31 Assim, a narrativa da purifi cação do Templo de Jo 2,13-22 se insere nessa perspectiva. Portanto, quando certo judeu entra em debate com os discípulos de João, o debate é sobre o tema do ritual do batismo ou do ritual de purifi cação da Páscoa?32 Moloney indaga sobre o contato entre purifi cação e batismo em relação aos banhos rituais práticos pelos essênios.33 Em todo caso o debate sobre o tema da purifi cação serve apenas de expediente para inserir o fato de que Jesus também batiza e que “todos vão até ele” (v. 26). João não

28 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 91. 29 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 116. 30 SIMOENS, Y., Évangile selon Jean, p. 117-118.

31 SCHNACKENBURG, R., Il Vangelo di Giovanni, p. 619. 32 ARAUJO, G. L., Páscoa ou Páscoas Judaicas, p. 78-97. 33 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 95.

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se prende em responder a questão, mas passa a tratar do tema da revelação do messias através de um longo discurso.34

Segundo Moloney, o que determina os papéis de João e de Jesus não é o rito do batismo, mas “o que foi dado do céu” (v. 27).35 Assim, tendo estabelecido o próprio papel de enviado por Deus sem ser o Cristo (v. 28), João descreve a sua relação com Jesus. Nesse sentido, ele se apresenta como o amigo do noivo (v. 29) que se alegra (v. 29) e se abaixa (v. 30).

Na primeira parte do discurso de João (vv. 27-30) é resgatada a temática que havia iniciado na narrativa anterior sobre ele, ou seja, a prerrogativa messiânica. No início do discurso ele reafi rma o que tinha sido dito a seu respeito no Prólogo, ou seja, de que ele é um “homem” e que testemunha o que recebeu “do céu” através de uma frase negativa: Não pode um homem

se apoderar de nada a não ser que lhe seja dado do alto / não pode um homem receber coisa alguma a não ser que lhe seja dado do céu (

           : 3,27). Deve-se destacar o verbo  indicando força operatriz, a partir da capacidade humana, ou seja, poder fazer algo. Neste sentido, não se trata de esforço humano () por meio do qual se alcança algo, mas de um dom () concedido por Deus. João afi rma, assim, que o “ser Messias” não depende de capacidade humana, mas de um dom dado do alto, do qual ele é a testemunha daquele que possui este dom, que é o próprio Jesus.

Como visto anteriormente, o direito de messianidade é apresentado por João através do tema da aliança matrimonial a partir do conceito da Lei do Liverato, que já transparecia na segunda narrativa (1,19-34). Deste modo quem tem a sandália é Jesus e quem tem a esposa, portanto, é ele. Sendo Jesus o esposo é, portanto, detentor da sandália, João se coloca na condição de amigo do esposo (3,29).

Ainda na narrativa sobre Jesus e João no capítulo três no qual está em jogo o direito de messianidade a pergunta dos discípulos sobre o batismo, faz com que João concentre a resposta não no fato de batizar, mas sobre que é do céu36 (Jo 3,25-28).

Na segunda parte (vv. 31-36), Beutler propõe uma divisão entre os vv.

34 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 92. 35 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 92. 36 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 92.

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31-33 e 34-36 e a correspondência entre eles.37 Na primeira parte do discurso de João (vv. 31-33), ele afi rma que a mensagem vem do alto, de Deus, como testemunho ou palavra. A esta palavra ou testemunho, segue-se uma resposta positiva ou negativa (vv. 34-36).38

Os vv. 31-33 tem início com uma distinção entre o que vem do alto e o que é da terra. No diálogo com Nicodemos, Jesus havia estabelecido tal distinção (3,1-21). No diálogo com Nicodemos o tema do “nascer do alto” está em relação com a ação do Espírito Santo. Além disso, desde o início do Quarto Evangelho, o autor vem apresentando realidades provenientes do alto, ou seja, além do Espírito Santo, Jesus (1,9-14) e o próprio João (1,6), segundo suas respectivas dignidades e missões.

O leitor já tinha encontrado na narrativa do Prólogo, no qual João é a Testemunha (1,6-8.15) da Palavra (1,9-14) vinda do alto, a relação entre aceitar ou negar o testemunho da Palavra e suas consequências.

João apresenta a superioridade de Jesus sobre ele através do tema do rebaixamento. Na primeira narrativa se encontra as três negações de João em ordem decrescente (1,19-21) como visto anteriormente. Agora isto é confi rmado pela expressão, “é necessário que ele cresça e eu diminua”, pois ele vem do alto e está acima de todos (v. 3,31).

Em João 3,31-32 se encontra um paralelismo:

Aquele que vem do alto está acima de todos ( )

o que é da terra é terrestre e fala como terrestre ( )

Aquele que vem do céu dá testemunho do que viu e ouviu, mas ninguém acolhe o seu testemunho (     [  ] .)

O advérbio  já tinha aparecido no diálogo entre Jesus e Nicodemos, no qual é afi rmado por Jesus, que “quem não nascer do alto não pode entrar no Reino de Deus” (3,3), que é explicado pelo próprio Jesus: “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (3,5). Na narrativa em questão João expressa:

37 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 107. 38 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 107.

(15)

aquele que vem do alto () o que é da terra ()

aquele que vem do céu ()

O paralelismo apresenta uma distinção entre o que vem do alto e o que é da terra. Leva-se em conta ainda que, aquele que vem do alto não é acolhido pelos seus (1,11), que é reconfi rmado em Jo 3,32: “ninguém acolhe

seu testemunho”. Contudo, João afi rma que “quem acolhe o seu testemunho

certifi ca que Deus é verdadeiro” (3,33). Neste sentido João é aquele que também acolheu o testemunho de Jesus, motivo pelo qual se torna testemunha.

5. João no discurso sobre a obra do Filho (5,31-36)

No capítulo cinco, após a cura de um homem doente na piscina de Bethzata (ou Betesda), Jesus profere um longo discurso sobre a missão do Filho (5,19-47). Durante o seu discurso, Jesus faz menção direta a João descrevendo a sua ação de testemunha.

Se eu der testemunho de mim mesmo, meu testemunho não será verdadeiro; Um outro é que dá testemunho de mim, e sei que é verdadeiro o testemunho que presta de mim. Vós enviastes emissários a João e ele deu testemunho dá verdade. Eu, no entanto, não dependo do testemunho de um homem; mas falo isso, para que sejais salvos. Ele era a lâmpada que arde e ilumina e vós quisestes vos alegrar, por um momento, com sua luz. Eu, porém, tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me encarregou de consumar. Tais obras, eu as faço e elas dão testemunho de que o Pai me enviou (5,31-36).

No seu discurso, Jesus afi rma que o seu testemunho, segundo a Lei de Israel, não pode ser aceito, motivo pelo qual ele reconhece que outro é que dá testemunho (5,32). Além disso salienta que o seu testemunho acontece por “imitação” do Pai: “o Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer; mas tudo o que este faz o Filho o faz igualmente” (5,19), porque o Pai mostra ao Filho tudo o que faz (5,20). Jesus não age por contra própria, não deseja manifestar a sua glória ou procurar a sua honra, mas age em vista do Pai.39 Jesus continua afi rmando que o julgamento foi confi ado a

39 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 154.

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ele por seu Pai (5,22) e que seu julgamento é justo (5,30). Após afi rmar a sua ação de “juiz”, Jesus acrescenta que o testemunho não é proveniente dele, mas de outro, ou seja, de João, apesar de que, ele, Jesus, possui um testemunho “maior” (5,36), ou seja, as obras que o Pai confi ou a ele realizar (5,36).

Sobre a descrição de João, Jesus o coloca na condição de lâmpada na qual arde a luz (5,35). Curioso é que a imagem de luz e lâmpada reaparece no Apocalipse no qual a lâmpada é o Cordeiro e a luz é a glória de Deus (21,23). Nas duas narrativas, João e o Cordeiro cumprem a função de manifestar a luz, pois se tratam apenas do meio pelo qual a luz pode ser manifestada. No Quarto Evangelho, diferente do Apocalipse, Jesus é a luz e João é a lâmpada por meio do qual a luz brilha.

Jesus se autoapresenta como a luz do mundo (8,12) conforme já anunciara no Prólogo (1,4.5.9), no qual João era apresentado como a testemunha da luz (1,8-9). No capítulo cinco Jesus profere um longo discurso e, entre os pontos abordados, ele apresenta a pessoa de João como uma lâmpada por meio do qual a luz brilhava.

O tema da lâmpada aplicado por Jesus a João é proveniente do Sl 32: “Ali farei brotar uma linhagem a Davi, e prepararei uma lâmpada ao meu

Messias” (Sl 32,17).40 Esta lâmpada serviu para uma breve alegria dos judeus (5,35) evocando ainda o Sl 132: “Vou abençoar suas provisões com largueza

e saciar seus indigentes de pão, de salvação vestirei seus sacerdotes, e fi éis exultarão de alegria” (Sl 132,15-16). Na realidade, os judeus foram capazes de

se alegrarem “um pouco” com a presença de João, que trazia um testemunho de homem, mas foram incapazes de se alegrarem com o testemunho daquele que vinha do alto. Por sua vez, João se alegrava, não com o testemunho dos homens, mas, sendo amigo e testemunha do noivo, se alegrava (Jo 3,29) com aquele que vem do alto.

Jesus começa o seu discurso evocando a lei de Israel segundo a qual o testemunho de uma pessoa não tem valor (5,31), mas depende de mais testemunhas.41 Neste sentido, ele evoca o testemunho de João (5,33), mesmo afi rmando que não depende do seu testemunho (5,34) pois as suas obras se tornam as suas testemunhas (5,36).

João Batista havia dado testemunho de que Jesus é o Cordeiro e o Filho de Deus (1,19.35) e Jesus afi rma que ele não precisa de testemunho

40 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 162. 41 MOLONEY, F. J., Il Vangelo di giovanni, p. 163.

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de homem, mas os judeus sim (3,24-25; 5,34). A singularidade da narrativa é que o testemunho de João é posto no passado. Segundo Beutler, “outro” aqui parece ser o Pai e não João.42 Em todo caso o testemunho de João é fundamental para a narrativa do Quarto Evangelho, motivo pelo qual ele não é apresentado diretamente como o “Batista”, mas como a “Testemunha”.43

Conclusão

O estudo sobre a pessoa de João no Quarto Evangelho evidenciou a distinção entre a sua missão e a de Jesus Cristo. Enquanto nos Sinóticos ele é apresentado como o profeta (Mt 11,11ss) que batiza e denuncia o adultério de Herodes Antipas, no Quarto Evangelho ele é posto diretamente em relação à pessoa de Jesus sobre a questão do direito de messianidade. Relatos, como de Flávio Josefo e outros, também apresentam João à frente de um grupo de discípulos, cuja denuncia de adultério cooperou para que Herodes Antipas viesse a perder o trono.44 Além do mais, será ele a apresentar o verdadeiro Messias se dirigindo a Jesus como “O Cordeiro de Deus” e “o noivo”, no qual, ele é apenas a testemunha fi dedigna da pessoa de Jesus a partir da vontade divina. Sendo João, a “Testemunha”, é a lâmpada na qual brilha a luz, ou seja, ele é um meio pelo qual a luz possa brilhar.

O testemunho de João, além da missão que lhe foi conferida por Deus, nasce da experiência pessoal que ele faz de Jesus Cristo, que vai desde o seu primeiro encontro até se tornar a sua testemunha proclamando-o “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,36). Ele afi rma que não conhecia Jesus, mas lhe fora anunciado que sobre quem o Espírito Santo permanece, este é que batizaria com o Espírito (Jo 1,33-34).

A narrativa sobre João, no terceiro capítulo do Quarto Evangelho, termina afi rmando que a ira de Deus permanece sobre quem não crê no Filho (3,36) que estabelece um paralelo antagônico com a afi rmação do mesmo João que afi rmara no capítulo primeiro que sobre Jesus permanece o Espírito (1,33). Aquele que crê no Filho nasce do alto ao receber o batismo do Espírito,

42 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 155. 43 BEUTLER, J., Evangelho Segundo João, p. 155.

44 Emil SCHÜRER descrevendo a história do Povo Judeu, apresenta o período de Herodes

Antipas e baseado em vários testemunhos, como o de Flávio Josefo, narra como a atividade do Batista infl uenciou no governo de Antipas, levando-o a perda do trono. SCHÜRER, E., Storia del Popolo Giudaico al Tempo di Gesù Cristo, p. 28-29.

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permitindo que ele viva e não morra, enquanto aquele que o rejeita impede que o Cordeiro de Deus o livre do pecado (1,29) e, portanto, rejeita a possibilidade dada por Deus de vida plena. Jesus, tendo o Espírito Santo, que permanece sobre Ele é o que batiza com o mesmo Espírito (1,33). João, assim, afi rma que Jesus é o Eleito de Deus, pois o Espírito Santo permanece sobre Ele (1,34).

A distinção entre o Batista e Jesus se apresenta através de um direito adquirido, via Lei do Levirato, que é evocado defi nindo juridicamente a pessoa de Jesus como o verdadeiro Messias, do qual João é apenas a testemunha deste fato. As três negações de João, que estão em relação indireta com as três negações de Pedro, evidenciam a prioridade de Jesus, de quem João é o amigo que se alegra com o noivo, a lâmpada na qual brilha a luz e a testemunha da Palavra.

João é descrito no Quarto Evangelho como modelo de fé autêntica, pronto para aceitar a Palavra, assim como a Mãe de Jesus e a Samaritana, diferente de outros personagens, como Nicodemos descrito como aquele que tem uma fé “parcial” ou os judeus que não creem. Na fi delidade, eles são exemplos daqueles que se tornam “fi lhos de Deus” (1,12).

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Gilvan Leite de Araujo

Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifi cia Universidade S.Tommaso D’Aquino (Roma) Docente no Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo / SP – Brasil E-mail: glaraujo@pucsp.br

Recebido em: 30/11/17 Aprovado em: 30/08/18

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