i UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS,LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL -DOUTORADO
NÚCLEO DE PESQUISA VULNERABILIDADES E PROMOÇÃO DA SAÚDE
O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice
Josevânia da Silva
JOÃO PESSOA-PB
ii Josevânia da Silva
O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Psicologia Social.
Profa. Dra. Ana Alayde Werba Saldanha Pichelli (Orientadora)
iii UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA -CCHLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL -DOUTORADO
NÚCLEO DE PESQUISA VULNERABILIDADES E PROMOÇÃO DA SAÚDE
O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice
Autora: Josevânia da Silva
BANCA AVALIADORA
Profª Drª Maria do Carmo Eulálio (UEPB, Membro)
Profª Drª Suy-Mey Carvalho de Mendonça Gonçalves (UNIPE, Membro)
Profª Drª Evelyn Rúbia de Albuquerque Saraiva (UFPB, Membro)
Profº Drº Leôncio Camino (UFPB, Membro)
Profª Drª Ana Alayde Werba Saldanha (UFPB, Orientadora)
S586a Silva, Josevânia da.
O impacto da AIDS na saúde mental e qualidade de vida de pessoas na maturidade e velhice / Josevânia da Silva.- João Pessoa, 2011.
200f.
Orientadora: Ana Alayde Werba Saldanha Tese (Doutorado) – UFPB/CCHLA
1. Psicologia Social. 2. HIV/AIDS – saúde mental – maturidade - velhice. 3. HIV/AIDS – qualidade de vida – maturidade - velhice.
U
UFPB/BC CDU: 316.6(043)
iv
À Ana Alayde,
Por tudo e tanto. De quem tenho a honra de ser
a primeira doutora sob sua orientação.
v
AGRADECIMENTOS
À DEUS, meu PAI, presença constante em minha vida.
À LUCIANO, fonte de saúde mental e qualidade de vida, pelo amor e
companheirismo, por me forçar, mesmo contra a minha vontade, a parar para
comer, parar para dormir e até sorrir. Amo todas as suas formas de amor.
À CÉLIA, mainha, por me amar, por cuidar de mim, ainda que distante. Obrigada por
entender minhas ausências com paciência e serenidade.
Aos meus sobrinhos JANIELE, JANIELISSON, TAINÁ e CAIO VINÍCIOS, uma das
razões do meu viver. Obrigada por me receberem com alegria e entusiasmo a cada
novo encontro, por entenderem minhas ausências, pois, como vocês disseram: é
que tia está escrevendo um livro grande . Amo vocês.
À Profª Drª ANA ALAYDE, fonte constante de amparo, amor e incentivo, por toda
orientação e amizade compartilhada. Obrigada por me acrescentar à sua família que
agora considero minha. Ao Paulo, Rafinha, Dany e Michele... minha eterna gratidão.
Ao Profº LEÔNCIO CAMINO, cuja prática profissional inspira, por me acompanhar
desde a graduação, obrigada pela amizade e contribuições.
À Profª Drª SUY-MEY, pelas valiosas contribuições desde a qualificação. Agradeço
vi
À Profª Drª CARMITA EULÁLIO, com quem compartilho a luta pela promoção de um
envelhecimento com qualidade de vida. Obrigada pela disponibilidade e pela
atenção carinhosa que me dedicou enquanto estive na UEPB.
À Profª Drª EVELYN SARAIVA, que esteve comigo nos primeiros passos, durante a
graduação. Obrigada por estar comigo nesse momento, por me incentivar com sua
tranquilidade e sorriso frequente.
À HENRY PONCIO, fonte inesgotável de amizade, por se fazer presente e sempre.
Aos AMIGOS do Núcleo de Pesquisa Vulnerabilidades e Promoção da Saúde (NVPS),
Aline, Amanda, Bruno, Camila, Cássio, Celestivo, Degmar, Elís, Flávio, Gleyde, Iria,
Isabelle, Jackeline, Juliana, Karla, Laudicéia, Lidyanne, Marina, Michael, Pollyanna,
Regina, Roberta, Sandra, Tereza... Sou um pouco de cada um de vocês!
Aos PROFESSORES do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (UFPB),
que permitiram compartilharmos conhecimentos, bem como pela compreensão e
atenção.
À ISRAEL, profissional da instituição de pesquisa, pelo carinho a atenção.
Aos PARTICIPANTES desta pesquisa que com sua experiência e sabedoria me
vii
8 SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ... 10
LISTA DE FIGURAS ... 11
LISTA DE ABREVIATURAS... 12
RESUMO... 14
ABSTRACT ... 15
APRESENTAÇÃO... 16
Capítulo I ENVELHECIMENTO E HIV/AIDS... 24
1.1 Vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas na maturidade e na velhice ... 29
1.2 Maturidade, velhice e saúde mental: implicações no contexto do HIV/AIDS... 38 1.3 Saúde Mental de pessoas com HIV/AIDS: considerações acerca dos Transtornos Mentais Comuns... 42 Capítulo II APORTE TEÓRICO ... 52
2.1 QUALIDADE DE VIDA... 50
2.1.1 Operacionalizando o construto... 50
2.1.2 A medição da Qualidade de Vida... 60
2.1.3 Avaliação da Qualidade de Vida no contexto do HIV/AIDS... 65
2.2. OBJETIVOS... 71
2.2.1 Geral ... 71
2.2.2 Específicos ... 72
2.3. HIPÓTESES ... 72
Capítulo III MÉTODO ... 73
9
3.2 Participantes... 74
3.3 Instrumentos... 76
3.4 Procedimentos... 80
3.5 Análise dos dados... 81
3.6 Aspectos Éticos... 85
Capítulo IV RESULTADOS E DISCUSSÕES 86 4.1 Perfil sociodemográfico e Clínico... 87
4.2 Transtornos Mentais Comuns e sintomas de ansiedade e depressão em pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS ... 98 4.3 Qualidade de Vida em pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS 111 4.4 Variáveis explicativas da Qualidade de Vida em pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS... 123 4.5 Aspectos psicossociais AIDS na perspectiva dos participantes: implicações para a Saúde Mental e Qualidade de Vida... 130 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 159
10 LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Etapas e Procedimentos da Análise Categorial Temática...83
Tabela 2 Perfil dos participantes segundo frequência das variáveis sociodemográfica....89
Tabela 3 Perfil dos participantes segundo frequência das variáveis clínicas...92 Tabela 4 Avaliação dos participantes acerca da saúde e do considerar-se doente...94 Tabela 5 Média Global e por Fatores no SRQ-20...99
Tabela 6 Frequência das respostas afirmativas por itens do SRQ-20, com diferenças
significativas entre os participantes com mesmo diagnóstico...100
Tabela 7 Frequência das respostas afirmativas por itens do SRQ-20, com diferenças
significativas entre os participantes de mesma faixa etária...102
Tabela 8 Prevalência de sintomas de Ansiedade, de Depressão e Co-morbidade...103
Tabela 9 Médias nos Fatores sintomas de Ansiedade e Sintomas de Depressão...104
Tabela 10 Frequência de Transtorno Mental Comum em relação às variáveis
sociodemográficas...105
Tabela 11 Frequência de Transtorno Mental Comum em relação às variáveis
clínicas...106
Tabela 12 Média Geral e por Fatores dos participantes para a escala de Qualidade de Vida
...112
Tabela 13 Relação entre os Fatores do Psicológico e Ambiental e a variável renda...120 Tabela 14 Correlações entre a Qualidade de Vida e as variáveis antecedentes...125
Tabela 15 Regressão múltipla da Qualidade de Vida em relação às variáveis
11 LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Domínios e Facetas do WHOQOL-HIV...67
12 LISTA DE ABREVIATURAS
ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
AMP Associação Mundial de Psiquiatria
ANOVA Análise de Variância
AVAI Anos de vida ajustados por incapacidade CD4 Cluster of differentation4
CID Código Internacional de Doenças
DP Desvio Padrão
DSTs Doenças sexualmente transmissíveis
HAD Escala de Ansiedade e Depressão
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana HNRC Neurobehavioral Research Center
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MOS SF-36 Medical Outcome Study Short From -36
MS Ministério da Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan-Americana da Saúde PLWHA People Living with HIV/AIDS
PN-DST/AIDS Programa Nacional de DST/AIDS
Q-LES-Q Quality of Life Enjoyment and Satisfaction Questionnaire
QV Qualidade de Vida
13
SAE Serviço de Atendimento Especializado
SAS Secretaria de Assistência Social
SPSS Statistical Package for Social Sciences
SRQ Self-Reporting Questionnaire
TARV Terapia Antirretroviral
TMC Transtorno Mental Comum
UDI Usuários de drogas Injetáveis
UNAIDS Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
VA Variáveis Antecedentes
VC Variável Consequente
WHOQOL World Health Organization Quality of Life Instrument WHOQOL Group World Health Organization Quality of Life Group
14 Silva,J.(2011). O impacto da AIDS na Saúde Mental e Qualidade de Vida de pessoas na maturidade e velhice. Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba.
RESUMO: Introdução e Objetivo: Qual o impacto da AIDS para a saúde mental e a Qualidade de Vida em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos? Este estudo teve por Objetivo Geral analisar o impacto da AIDS na saúde mental e Qualidade de Vida de pessoas com idade igual ou superior a 50 anos soropositivas para o HIV (HIV+). Método: Participaram 86 pessoas HIV+ com idade igual ou superior a 50 anos. Foram constituídos, ainda, dois grupos comparativos: a) Grupo formado por 86 pessoas HIV+ com idade abaixo de 50 anos, na faixa-etária de 40 a 49 anos e b) Grupo formado por 86 pessoas com idade igual ou superior a 50 anos da população em geral, sem o diagnóstico de soropositividade ao HIV. Foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) Questionário sociodemográfico e clínico; 2) Escala Whoqol-HIV Bref; 3) Escala Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20); 4) Escala de Ansiedade e Depressão (HAD); e 5) Entrevista. Para a análise dos dados do questionário sociodemográfico e das escalas foram realizadas análises de estatística descritiva e multivariada. Já para os dados das entrevistas, utilizou-se a Análise Categorial Temática. Resultados: Quando comparado com pessoas de mesma faixa etária da população geral, as pessoas na maturidade e velhice com HIV/AIDS têm maiores prejuízos na saúde mental e na qualidade de vida, mas não mais que as pessoas abaixo de 50 anos HIV+. Na verificação das variáveis preditivas, O fator Independência (=0,414) foi o principal responsável pela explicação da variância, seguido do fator Psicológico (β=0,29), e, de forma negativa, os Transtornos Mentais Comuns (β= -0,20). A partir da análise dos relatos dos participantes, emergiram nove categorias: Contágio, Diagnóstico, Percepção da AIDS, AIDS na velhice, Enfrentamento, Suporte, Preconceito, Trabalho e Perspectivas. Conclusão: A convivência com o HIV/AIDS tem impacto em várias dimensões da vida de um indivíduo, contribuindo para a presença de Transtornos Mentais Comuns. O impacto da doença para a avaliação de Qualidade de Vida foi verificado, principalmente, quando comparado com as pessoas sem o diagnóstico da doença, corroborando a hipótese inicial do estudo. Além disso, há variações interindividual significativa em termos do impacto da doença para as pessoas, ainda que com o mesmo diagnóstico. Esta variação do impacto sugere considerar não só variáveis mensuráveis, tais como a idade, níveis de CD4 ou estágio da doença (sintomático ou assintomático), uma vez que tal variação pode estar relacionada à natureza subjetiva da resposta do indivíduo a uma complexa interação de fatores inerentes à convivência com a doença, conforme verificado nos relatos dos participantes.
15 Silva, J. (2011). The impact of AIDS on Mental Health and Quality of Life of people in their maturity and in their old age. Post Graduate Program in Social Psychology. Doctorate Thesis. João Pessoa, Federal University of Paraíba.
ABSTRACT: Introduction and Objectives: What is the impact of the AIDS on the mental health and Quality of Life in people who are equal or superior the age of 50 years? This study had as General Objective to analyze the impact of AIDS on the mental health and Quality of Life on people who are equal or superior the age of 50 years for HIV (HIV+) seropositiv. Method: A number of 86 people who are equal or superior age of 50 years, HIV+ seropositiv were the participants of this study. It was composed two comparative groups: a) Group formed by 86 people HIV+ who are age below of the 50 years, in the age band of 40 49 years and b) Group formed by 86 people who are equal or superior age of the 50 years of the population in general, without the diagnosis of the HIV seropositiv. This study counted on the following instruments:1) Socio-demographic and clinical questionnaire; 2) Whoqol-HIV Brief scales; 3) Self-Reporting Questionnaire scales (SRQ-20); 4) Scale of Anxiety and Depression (HAD); and 5) Interview. For the analysis of the data originated by the socio-demographic questionnaire and the scales it was applied the descriptive and multivariate statistics analysis. The data of the interviews, the Thematic Categorical Analysis was carried out. Results: When compared with people of same age bands of the general population, the people in the maturity and in the old age with HIV/AIDS have greater damages in their mental health and in their quality of life, but they have not more damages than the people below of the 50 years HIV+. In the verification of the predictive variables, the factor Independence ( =0,414) was main the responsible for the explanation of the variance, followed by the Psychological factor (β=0, 29), and, of negative form, the Common Mental Disorders (β= -0, 20). The analysis of the participants’ stories counted with nine emerged categories: Infect, Diagnosis, Perception of the AIDS, AIDS in the old age, Confrontation, Support, Prejudice, Work and Perspectives. Conclusions: Living with the HIV/AIDS has its impact in some dimensions of the individual’s life, contributing for the presence of Common Mental Disorders. The impact of the illness for the evaluation of the Quality of Life was verified, mainly, when compared with the people without the diagnosis of the illness, corroborating for the initial hypothesis of the study. Moreover, it has inter individual variations significant in terms of the impact of the illness for the people, despite with the same diagnostic. This variation of the impact suggests not only considering the changeable variables, such as the age, levels of CD4 or period of the disease (symptomatic or asymptomatic), a time that such variation might be related to the subjective nature of the individual’s reply to a intricate interaction of inherent factors of living with the illness, as verified in the participants’ narratives.
16 APRESENTAÇÃO
Qual o impacto da AIDS para a saúde mental e a Qualidade de Vida em pessoas
com idade igual ou superior a 50 anos?
A avaliação do impacto da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na
saúde das pessoas tem sido objeto de estudos desde o início da epidemia (Silva, &
Saldanha, 2010), na década de 80, seja a partir de uma avaliação subjetiva das pessoas, seja
considerando as implicações clínicas para o funcionamento orgânico. Dentre as
implicações para a saúde, está o impacto do adoecimento para a Qualidade de Vida que,
por sua vez, está relacionada com as implicações do HIV (Vírus da Imunodeficiência
Humana) para a saúde mental, tendo em conta que a avaliação da Qualidade de Vida é
perpassada pela dimensão subjetiva e abarca a dimensão psicológica.
A ênfase na avaliação da Qualidade de Vida tem ocorrido, sobretudo, na última
década, principalmente no contexto dos avanços da eficácia da Terapia Antirretroviral
(TARV) que contribuiu para a mudança no caráter da doença, permitindo que a mesma
fosse considerada uma patologia crônica, em detrimento a associação anterior entre AIDS
e morte iminente. Assim, o foco das ações no lidar com a infecção voltou-se para a
convivência com a doença e, nesse caso, para a manutenção da saúde mental e da
Qualidade de Vida.
Esta mudança na abordagem da doença esteve relacionada, principalmente, com o
aumento da sobrevida das pessoas, em decorrência da TARV, o que tem contribuído para
que as mesmas adentrem a maturidade e a velhice já com a soropositividade ao HIV.
Outras, porém, recebem o diagnóstico após os 50 anos ou mesmo contraem o vírus durante
17 velhice, quando não realizado de forma precoce, aumentam as chances de maior impacto
na saúde mental e, consequentemente, na Qualidade de Vida destas pessoas.
As pessoas com soropositividade ao HIV podem apresentar transtornos mentais
importantes, associados com prejuízos cognitivos significativos (Deribew et al., 2010). No
entanto, o estereótipo negativo, socialmente compartilhado, acerca da associação entre
envelhecimento e debilidade mental, reforçado, muitas vezes, por políticas públicas
direcionadas a redução de problemas de saúde mental em pessoas adultas e não em idosos
(Neri, 2001; Falcão, & Carvalho, 2010), contribui, em muitos casos, para a equivocada
naturalização dos prejuízos na saúde mental como sendo aspectos próprios do
envelhecimento. Assim, por exemplo, o diagnóstico da chamada demência associada ao
HIV pode ocorrer tardiamente em decorrência de tais estereótipos, embora se trate,
segundo CID-10, de uma demência que se desenvolve no curso da doença pelo HIV, na
ausência de qualquer outra doença ou infecção concomitante que pudesse explicar a
presença das características clínicas (OMS, 1993).
No que se refere à idade das pessoas soropositivas ao HIV/AIDS, Wong et al.
(2007) demonstraram que esta variável se apresenta como fator que aumenta as chances de
vulnerabilidade aos Transtornos Mentais Comuns sem, contudo, ser determinante. Nessa
direção, o HIV Neurobehavioral Research Center (HNRC) ressaltou que a avaliação
neuropsicológica deve considerar aspectos como cultura, idade, nível educacional e sexo,
pois estes podem interferir no desempenho cognitivo das pessoas (Ellis, 2007).
Considera-se que, dada às particularidades da história de vida e contextos específicos das pessoas, não
é possível tratar o fenômeno do envelhecimento como modelo único, mas considerar a
existência da velhice, uma vez que esta se apresenta para cada indivíduo de maneira
18 Os Transtornos Mentais Comuns caracteriza-se pela presença de sintomas diversos,
tais como: irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de concentração, esquecimento,
ansiedade e sintomas depressivos. Trata-se de sintomas não psicóticos, os quais podem
manifestar-se precedendo, acompanhando ou sucedendo quadros variados de infecções,
inclusive por HIV, ou de distúrbios físicos, sem que haja evidências diretas de
comprometimento cerebral. OTranstorno Mental Comum em pessoas com idade igual ou
superior a 50 anos com HIV/AIDS demanda impacto biopsicossocial que acarreta, dentre
outros aspectos, baixa adesão ao tratamento e demência associada ao HIV.
Dentre os Transtornos Mentais Comuns, a literatura tem apontado a ansiedade e
depressão como patologias frequentes em pessoas que vivem com HIV/AIDS,
apresentando, prevalência de 50% nos Estados Unidos, segundo estudo realizado com
2.864 pessoas (Ammassari et al., 2004). No Brasil, entre os transtornos psiquiátricos mais
comumentes observados em indivíduos com HIV, a depressão é o mais prevalente
(Malbergier, & Schöffel, 2001; Castanha, Coutinho, & Saldanha, 2006). Todavia, os
aspectos que caracterizam os quadros de sintomas de ansiedade e depressão nesse grupo
social, suas implicações para a adesão ao tratamento, bem como os aspectos subjacentes à
patologia, devem ser analisados numa perspectiva social do adoecimento, uma vez que a
depressão e a ansiedade podem estar associadas a fatores relacionados ao estigma da
própria doença (Deribew et al., 2010).
Em pesquisa realizada por Castanha et. al. (2006), com 91 participantes
soropositivos para o HIV, obteve-se uma prevalência de 64% de casos de sintomatologia
depressiva, destacando-se que representações sociais sobre a depressão e a AIDS estiveram
19 impacta na qualidade de vida em seus diversos fatores, tais como na produtividade e na
capacitação social.
Quanto às implicações para a Qualidade de Vida das pessoas, a presença de
Transtornos Mentais Comuns e de sintomas de ansiedade e depressão, além influenciar a
saúde mental pode reduzir a adesão à TARV, tratamento que tem contribuído, ao longo das
últimas décadas, para o prolongamento da vida e manutenção da Qualidade de Vida
(Brasil, 2005).
Embora não seja comprovado que a introdução da TARV levou a declínio nestas
desordens cognitivo-afetivas, o estudo de Ammassari et al. (2004) demonstrou que a
presença de depressão e ansiedade se constitui em importante barreira para a adesão ao
tratamento. No estudo desenvolvido por estes pesquisadores, foi analisado a associação de
sintomas de depressivos, prejuízos neurocognitivos e aderência a TARV em 135 pessoas
HIV positivas, das quais 30% afirmaram a não aderência ao tratamento. Os resultados
apontaram a presença de sintomas depressivos e prejuízos neurocognitivos em 24% e 12%
respectivamente, mas, apenas a depressão foi associada com a não aderência.
Outro estudo, realizado por Starace et al. (2002), apontou, dentre um amostra de
395 pacientes soropositivos para o HIV, a prevalência de prejuízos cognitivos em 18% e de
sintomatologia depressiva em 15%, com diferença significativa (p=0.05) entre pacientes
em TARV e aqueles que não tomavam antirretrovirais, prevalência de 14% e 24%
respectivamente.
A partir do surgimento da TARV as manifestações clínicas decorrentes da infecção
pelo HIV foram reduzidas e foi verificado melhor expectativa em relação ao prognóstico, o
que favoreceu uma melhor Qualidade de Vida das pessoas com diagnóstico positivo para o
20 da replicação viral, retardar o progresso da imunodeficiência e restaurar, tanto quanto
possível, a imunidade, contribuindo para o aumento do tempo e da Qualidade de Vida
(Brasil, 2005).
Mediante o exposto, este estudo em Psicologia Social considera que a
soropositividade ao HIV influencia o aparecimento de Transtornos Mentais Comuns e de
sintomas de ansiedade e de depressão, não estando, todavia, o aparecimento de tais
patologias associadas ao avançar da idade. Tal impacto pode contribuir para a redução da
Qualidade de Vida. No entanto, considerando o caráter subjetivo do construto, é possível
que variáveis relacionadas aos aspectos psicossociais da vida das pessoas e a adesão ao
tratamento influenciem, positivamente, na percepção dos participantes acerca da sua
Qualidade de Vida (Zeña-Castillo et al., 2009).
Embora sejam encontrados estudos na literatura das ciências da saúde (Canavarro,
2006; Fleck, 2008) acerca da avaliação da Qualidade de Vida e da saúde mental no
contexto do HIV/AIDS, a compreensão acerca dos fatores que influenciam na avaliação
dos indivíduos é de difícil consenso, principalmente quando se considera em que medida
essa percepção de Qualidade de Vida é determinada pela condição de sorologia positiva ao
HIV/AIDS ou se decorre de um conjunto de manifestações clínicas (Canavarro, 2006), ou
mesmo da associação desses aspectos com outras dimensões da vida, como a social,
psicológica e ambiental.
Por considerar vários aspectos da vida, as medidas de avaliação da Qualidade de
Vida, propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), têm permitido sua avaliação
numa perspectiva que considera as dimensões psicossociais, dada a centralidade desses
21 com a população em geral e/ou o uso de medidas que abarquem questões específicas para
contexto do HIV têm sido considerados.
O estudo dessa temática no contexto da Psicologia Social contribui, ainda, para
uma análise ampla do fenômeno, não se limitando, apenas, aos aspectos clínicos e
epidemiológicos, por considerar os significados atribuídos pelos indivíduos acerca da sua
vivência e convivência com o HIV/AIDS. Portanto, trata-se de uma análise que abarca as
condições de vida, as subjetividades que se concretizam nas demandas diárias do conviver
com uma patologia com legado histórico de preconceitos e, mais ainda, no contexto do
envelhecer.
A Psicologia Social apresenta-se como perspectiva teórico-metodológica que
possibilita a investigação de um tema complexo e que, por esta razão, requer o uso de
abordagens quantitativas (questionários, escalas) e qualitativas (entrevistas individuais),
possibilitando o conhecimento acerca dos indicadores de saúde, dos construtos medidos,
dos aspectos sociodemográficos e das vivências dos atores sociais. Espera-se, assim,
subsidiar a estruturação dos serviços em saúde para atender a novas demandas
apresentadas por pessoas que convivem com o HIV/AIDS com idade igual ou superior a 50
anos, numa perspectiva psicossocial, contribuindo para a integralidade e a melhor
qualidade da atenção em saúde.
Ante os aspectos supracitados, esta Tese tem por Objetivo Geral analisar o impacto da AIDS na Saúde Mental e na Qualidade de Vida de pessoas com idade igual ou
superior a 50 anos. Para tanto, considera os seguintes Objetivos específicos:
1) Comparar, em relação às variáveis indicadoras de saúde mental e de Qualidade de
Vida, a amostra deste estudo (pessoas com idade igual ou superior a 50 anos) com
22 (soropositividade ao HIV) e faixa etária diferente (40 a 49 anos); e o segundo,
formado por pessoas da mesma faixa etária (idade igual ou superior a 50 anos), mas
sem o diagnóstico de soropositividade ao HIV.
2) Analisar a relação entre a Qualidade de Vida e variáveis sociodemográficas e
clínicas entre os participantes HIV+ com idade igual ou superior a 50 anos;
3) Identificar as variáveis preditoras da Qualidade de Vida para os participantes HIV+
com idade igual ou superior a 50 anos;
4) Analisar, entre os participantes com idade igual ou superior a 50 anos, a relação
entre os Transtornos Mentais Comuns, os Sintomas de Ansiedade e Depressão e a
Qualidade de Vida;
5) Apreender os discursos dos participantes com idade igual ou superior a 50 anos
acerca da sua convivência com o HIV/AIDS.
O Capítulo I desta Tese versa sobre o fenômeno estudado, ou seja, as “velhices” e
o HIV/AIDS, demonstrando os aspectos considerados na delimitação do objeto de estudo,
isto é, a relação entre envelhecimento e estigmas em torno da saúde mental, bem como a
abordagem desta no contexto do HIV/AIDS. Ademais, consideram-se os aspectos da
vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos, bem
como a emergência dessa patologia nesse grupo etário.
No Capítulo II é apresentada a perspectiva teórica do construto Qualidade de Vida
que fundamenta o estudo. Discute-se o conceito de Qualidade de Vida na literatura e a
avaliação da Qualidade de Vida no contexto da AIDS. Por conseguinte, são apresentados
os objetivos da pesquisa. No método – Capítulo III – é demonstrado o delineamento do
23 o processamento e a análise dos dados. Por fim, no Capítulo IV, os resultados são
25 1. Envelhecimentos e HIV/AIDS
A emergência da do HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos e o aumento do
número de casos, na última década, ocorre em um contexto demográfico de
envelhecimento populacional. Os avanços tecnológicos na área da saúde e a melhoria de
condições estruturais das pessoas (saneamento básico, acesso à informação, etc.),
associado ao progresso da ciência em diferentes campos do saber, são aspectos a serem
considerados na explicação do aumento, sobretudo nos países desenvolvidos, da esperança
de vida da população mundial.
Embora tenha ocorrido aumento de 20 anos na expectativa de vida da população
mundial, durante a última metade do século XX, essa expectativa varia entre os diversos
locais do mundo. A OMS (2005) postula que nos países desenvolvidos, diferentemente dos
países em desenvolvimento, o envelhecimento populacional ocorre de maneira
diferenciada, uma vez que o processo é gradual, acompanhado por aumento substancial da
economia e diminuição das desigualdades sociais.
O envelhecimento individual e o envelhecimento da população são considerados,
na presente Tese, enquanto processos relacionados, principalmente tendo em vista a
influência exercida pelo envelhecimento populacional nas oportunidades de participação e
inserção das pessoas na maturidade e na velhice na dinâmica da sociedade. Nessa direção,
as recentes mudanças demográficas e suas implicações sociais e econômicas constituem
desafios para a sociedade e tem motivado reflexões de setores da sociedade acerca do papel
das pessoas idosas enquanto cidadãos e que, por isto mesmo, com elevada importância na
participação social.
No Brasil, a população de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos cresce a
26 representando 11,4% da população (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE],
2009). Quando se considera o ano de 2000, verifica-se que houve uma diminuição da
representação de grupos etários com idades até 25 anos, ao passo que os demais grupos
etários aumentaram na última década (IBGE, 2009).
À exemplo, destaca-se o grupo etário de crianças com idades entre zero a quatro
anos do sexo masculino que representava 5,7% da população tota,l em 1991, enquanto o
feminino representava 5,5%. Contudo, em 2000, houve uma diminuição destes índices
correspendente a 4,9% e 4,7%, respectivamente, com continuo declínio em 2010,
apresentando índice de 3,7% e 3,6%, respectivamente (IBGE, 2009). Não obstante,
verifica-se crescimento da participação relativa da população com 60 anos ou mais, que era
de 9,1% em 1999, passando a 11,3% em 2009 (IBGE, 2009).
No entanto, no contexto brasileiro, o fenômeno do envelhecimento populacional
ocorre em meio a elevados índices de pobreza e desigualdade social (Silva, 2005), de
problemas infraestruturais, do analfabetismo, dentre outros. Devido a esta falta de
planejamento, o desfavorável impacto socioeconômico se reflete nos serviços de saúde
física e mental destinados aos idosos, nos programas de previdência e nos diversos tipos de
apoio social (Silva, 2005). Segundo o IBGE (2009), embora a grande maioria dos idosos
(64,1%) seja a pessoa de referência no domicílio em que vivem e 77,4% deles afirmem ter
doenças, 32,5% não tinham nem cadastro no Programa de Saúde da Família nem plano de
saúde particular. Todavia, essa porcentagem diminui para idosos com rendimento
domiciliar per capita de 2 salários mínimos ou mais, apresentando percentual 19,7%, apontando para a estreita relação entre saúde e seus determinantes sociais (IBGE, 2009).
Os dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
27 sendo 42% homens e 58% mulheres (IBGE, 2004). Além disso, a média de anos de estudo
das pessoas com 50 a 59 anos é de 5,6 anos, a das pessoas com 60 anos ou mais é de 3,5
anos (IBGE, 2004). Na Região Nordeste, verifica-se que valores supracitados em relação a
essas faixas etárias são menores que a média nacional, apresentando 4 e 2,3 anos de estudo,
respectivamente, segundo o mesmo instituto.
Também foram verificadas diferenças em relação ao nível de escolaridade entre os
sexos: homens com idade igual ou superior a 50 anos são mais alfabetizados do que as
mulheres dessa faixa etária, índice de 94,61 %, em comparação com as mulheres que
apresentou índice de 85,69 % (IBGE, 2004).
Ainda para o IBGE (2004), o analfabetismo funcional, ou seja, os indivíduos que
possuem menos de quatro anos de estudo correspondem a 59,4% dos idosos brasileiros
responsáveis pelos domicílios. No entanto, deve-se considerar que esses idosos
compreendem as pessoas nascidas entre os anos de 1930 e 1960, quando o ensino
fundamental era limitado a poucas pessoas (IBGE, 2004), sendo este acesso à educação
maior para as pessoas do sexo masculino.
As possibilidades de entendimento das questões suscitadas pelo envelhecimento
populacional são limitadas quando se aborda este fenômeno, apenas, como preocupação
para os fundos de pensão, serviços de saúde ou aumento de previdenciários (Araújo, 2006).
Se faz necessário entender o envelhecimento como processo inerente ao desenvolvimento
humano e com chances de valorização das várias competências das pessoas idosas – como
o saber adquirido ao longo do exercício de várias profissões e outras atividades, dentre
outros –, como também é pertinente à inserção social do idoso enquanto cidadão
participativo nos processo decisórios no âmbito individual e coletivo, tirando-lhe o
28 No Brasil, as iniciativas do Governo Federal para direcionar as ações relacionadas à
assistência ao idoso foi regulamentada por meio da Lei 8.842/94, que cria a Política
Nacional do Idoso (Brasil, 1999). Esta lei estabelece ações nas áreas de atuação da
Secretaria de Assistência Social (SAS), do Ministério da Previdência Social, Ministério da
Educação e Ministério da Saúde. A lei 8.842/94 determina o fim do modelo de
atendimento asilar, substituindo-o por centros de convivência, bem como estende o
benefício de prestação continuada (um salário mínimo) aos idosos/idosas com renda
familiar menor ou igual a meio salário mínimo (Brasil, 1999).
O Programa Brasil Saudável criado pelo Ministério da Saúde (MS) visa à criação
de políticas públicas para promover estilos de vida mais saudáveis – prática de atividades
físicas, lazer, redução do consumo de álcool e outras drogas –, uma vez que tais questões
são consideradas necessárias para o envelhecimento saudável, ou seja, um envelhecimento
acompanhado de ganho substancial em Qualidade de Vida e saúde (OMS, 2005).
Tendo em vista o Programa Brasil Saudável, foi publicado o documento “Envelhecimento Saudável – Uma Política de Saúde”, elaborado pela Unidade de
Envelhecimento e Curso de Vida da OMS. Com base nesse documento, por meio do
Programa Brasil Saudável, o Ministério da Saúde recomenda a realização de ações
intersetoriais e transdisciplinar dos profissionais da saúde, a fim de promover o chamado “envelhecimento ativo”, compreendido como o “processo de otimização das oportunidades
de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a Qualidade de Vida à
medida que as pessoas ficam mais velhas” (OMS, 2005, p. 13).
A perspectiva do envelhecimento ativo está pautada no reconhecimento dos direitos
humanos e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e
29 Unidas (ONU) (OMS, 2005). Nesse sentido, como planejamento estratégico, o foco, antes
centrado nas necessidades e considerando as pessoas mais velhas como passivas, é
direcionado para uma abordagem baseada em direitos iguais de oportunidades,
favorecendo a responsabilidade individual e participação dos sujeitos nos processos
políticos e em outros aspectos da vida em comunidade (OMS, 2005), aspectos necessários
para a Qualidade de Vida, principalmente no contexto de pessoas com HIV/AIDS depois
dos 50 anos, conforme demonstrado a seguir.
1.1. Vulnerabilidade ao HIV/AIDS em pessoas na maturidade e na velhice
A identificação de crenças estereotipadas sobre a sexualidade na maturidade e na
velhice e suas consequências para a vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis (DST’s) tem motivado a realização de pesquisas e trabalhos que possibilitem a
desconstrução de discursos equivocados. Assim, para o entendimento das concepções
existentes na contemporaneidade sobre a sexualidade na maturidade e velhice, é preciso
considerar o processo histórico-cultural de práticas sociais subjacentes a tais concepções.
A afirmativa de que a procriação seria o objetivo da relação sexual foi
significativamente fomentada pelo Cristianismo (Risman, 2005). Tal discurso ocasionou
duas consequências: a) a associação direta entre atividade sexual e reprodução e, por
consequência da primeira, b) a exclusão do sexo enquanto manifestação de trocas afetivas
(Risman, 2005). Embora esse discurso seja datado da Idade Média, verifica-se sua
permanência em contextos nos quais o exercício da sexualidade e da troca afetiva entre as
pessoas que ultrapassam o período da possibilidade de procriação são tratadas como
30 As poucas campanhas de prevenção das DST`s destinadas às pessoas nessa faixa etária, o “silêncio social” como forma de abordagem da vivência da sexualidade e da
intimidade na velhice, são alguns dos aspectos decorrentes desse legado histórico de
práticas discursivas sobre a sexualidade (Silva 2009). Nesse sentido, Covey (1989)
afirmou que o pensamento da Idade Média, caracterizado pela ideia do desaparecimento do
desejo sexual a medida em que a pessoas vai envelhecendo e a prática sexual na velhice
como sinônimo de perversão, ainda perpassa as crenças ocidentais sobre a “assexualidade”
do idoso.
A ciência, de certo modo, também contribuiu para a elaboração de discursos sobre
a sexualidade ao longo da história (Neri, Born, Grespan, & Medeiros, 2006). Pautando-se
em aparatos técnico-científicos, classificou como casos de patologias psíquicas e físicas
não só as mulheres idosas, mas, também, pessoas homossexuais (Barbosa, 2010),
exercendo, assim, o controle das práticas sexuais por meio de dispositivos de poder
(Foucault, 1990).
Contudo, com o passar das décadas, verifica-se a ocorrência de mudanças
relacionadas à produção discursiva sobre a sexualidade, bem como sobre a vivência desta
sexualidade entre pessoas idosas. Tais transformações, segundo Ribeiro (1997), estão
relacionadas, em parte, com a mudança na função da atividade sexual, ou seja, o que antes
tinha a função de procriação, agora tem o afeto como elemento norteador de satisfação
pessoal dos relacionamentos; e com o significativo aumento dos anos na expectativa de
vida população mundial com condições – psíquica e física – satisfatórias e dispostas a
vivenciar sua sexualidade –, mas, sobretudo do surgimento da AIDS, exigindo, por parte
31 Verificou-se, sobretudo no final da década de 1980 e início da década de 1990, uma
progressiva tomada de conhecimento no mundo de uma doença imunossupressora, que
provocava deficiência de imunidade celular e humoral. No Brasil, nessa mesma década,
começa a serem publicados os primeiros casos de HIV/AIDS em periódicos científicos da
área de Medicina (Silva, 2009). A AIDS passa a ser associada a outras epidemias, como a
peste negra, a gripe espanhola e outras.
Entre as pessoas idosas, o primeiro caso diagnosticado foi publicado em 1984
(Benedict, Haight, & Johnson, 1998). Contudo, o aumento do número de casos de
HIV/AIDS nessa faixa etária não esteve associado, de igual modo, no aumento estudos que
contemplasse tal problemática, principalmente, no que se refere ao conhecimento dessa
população sobre práticas sexuais e prevenção das DST`s/Aids (Silva, 2009).
Revisões da literatura, incluindo publicações entre 1989 e 2001, realizadas por
Savasta (2004) acerca do HIV/AIDS em pessoas acima de 50 anos identificou que poucos
foram os estudos desenvolvidos sobre os riscos e as formas de transmissão do HIV.
Após os primeiro caso de AIDS, por volta de década de 1990, a epidemia do
HIV/Aids, tornou-se pauta de ações de órgão governamentais, não governamentais e da
sociedade civil em geral, demandando vários esforços na tentativa de prevenir as DST’s
(Silva, 2009). A estimativa da OMS (1994) era de que em 1996 fossem infectados 22,6
milhões de pessoas em todo o mundo, das quais, a maioria seriam homens (12,6 milhões),
seguido das mulheres (9,2 milhões) e também acometendo crianças (830 mil). Contudo, os
dados apresentaram valores superiores ao estimado, sendo identificados 29,4 milhões de
casos de Aids notificados, cumulativamente, até o final de 1996. Destes, um total de 2,6
milhões de casos referiram-se à crianças (Colombrini, Figueiredo, & Paiva, 2001). Assim,
32 que a AIDS estivesse restrita à grupos específicos, como usuários de drogas injetáveis,
dentre outros.
Na contemporaneidade, de acordo com o Boletim Epidemiológico de DST/AIDS
(Brasil, 2010), o número total de casos de AIDS no Brasil acumulados desde 1980 até
junho de 2010 corresponde a 474.087 casos. Todavia, a estimativa é de que 630 mil
pessoas estejam com HIV/AIDS no Brasil, número que permanece estável desde 2000.
A estabilidade da incidência da doença é observada, sobretudo, entre os homens. O
número de casos registrados era de 22,3 casos por 100 mil homens em 1996 e passou para
21,1 casos por 100 mil em 2006 (Brasil, 2010). Nas mulheres, por sua vez, verifica-se
aumento na incidência dos casos que, em 1996, era de 9,1 casos por 100 mil, e aumentou
para 14/100 mim no ano de 2006 (Brasil, 2007), observando-se o fenômeno da
feminização1 da doença. No entanto, o percurso histórico de desigualdades sociais,
políticas e culturais vividos pelas mulheres corroboram a sua vulnerabilidade ao HIV
(Brasil, 2000), já que, no processo de feminização da epidemia, existe a desigualdade de
gênero, especificamente, no que diz respeito às estratégias de prevenção e tratamento das
mulheres infectadas.
Em pessoas na faixa etária acima de 50 anos, as estimativas de vulnerabilidade
tendo em vista a variável idade (Barbosa & Struchiner, 2002) tem considerado o “risco relativo de infecção pelo HIV” tem aumento a partir dos 13 anos de idade, com pico
máximo na faixa etária de 20 anos, o qual decresce até os 40 anos e volta a crescer em
seguida. Tal fato indica a necessidade de inserção desse segmento populacional em
estratégias de promoção à saúde e prevenção das DSt`s/AIDS, bem como a necessidade de
participação dos mesmos em ensaios Clínicos e projetos de intervenções.
33 Desde o advento da AIDS até 2000, o Brasil possuía cerca de 18.284 casos de
AIDS referentes às pessoas acima de 50 anos. Passados dez anos, o número de casos de
AIDS em pessoas com idade igual ou superior a 50 anos passou para 60.367, em 2010,
representando um aumento de mais de 230% (Brasil, 2010). A taxa de incidência (por
100.000 hab.) de casos de AIDS em homens na faixa etária de 50 a 59 foi de 24,9 em 2010,
índice superior à taxa de incidência dos homens na faixa etária de 20 a 24 anos, que
apresentou índice de 15,8. As mulheres de 50 a 59 anos apresentaram uma incidência de
19,3, número relativamente superior ao das mulheres com idades de 20 a 24 anos, que
apresentou uma taxa de incidência de 13,4 (Brasil, 2010). Quando se considera a
escolaridade, verifica que a incidência de AIDS é maior entre as pessoas com menos de 8
anos de escolaridade, representando 48,7% dos casos. Já as pessoas com oito anos ou mais
de escolaridade representam 27,2%, os 24,1% restante dos casos são caracterizados como “ignorado” e “não se aplica” (Brasil, 2010). Assim, mais que destacar características
epidemiológicas, demonstra-se uma patologia que se configura a partir de contextos
sociais, tendo como característica a pauperização.
Dentre as 27 federações, a Paraíba ocupa o 26º lugar no rol de incidência de casos
(por 100.000 hab.), passando de uma incidência de 7,4, em 1999, para 11,8 em 2009
(Brasil, 2010). Todavia, em termos das capitais federativas, João Pessoa ocupa o 15º lugar
com incidência de 38,9 no último Boletim Epidemiológico de DST/AIDS (Brasil, 2010).
Além disso, o número de pessoas contaminadas pelo HIV pode ser ampliado
significativamente, em decorrência da subnotificação dos casos, a qual ocorre quando os
mesmos não são comunicados ao serviço local de saúde pública, ou então, quando não há a
notificação no período de tempo estabelecido, embora os casos preencham os critérios
34 Se por um lado os dados demonstram o progressivo aumento dos casos de AIDS
em pessoas acima de 50 anos, por outro, este aumento pode estar relacionado a eficácia da
TARV, uma vez que, no Brasil, o acesso universal e gratuito aos medicamentos, garantido
pelo Programa Nacional, vem propiciando a diminuição dos casos de morbimortalidade
relacionados aos HIV/Aids (Silva, 2009). É possível que, em alguns casos, as pessoas já
adentrem a faixa etária dos 50 anos com o diagnóstico positivo para o HIV, o que aponta
demandas para o setor da saúde em termos de estratégia de prevenção que respondam às
demandas suscitadas (Silva, 2009). Nesse sentido, haja vista o aumentos de casoso de
AIDS em pessoas com idade entre 50 e 59 anos, a presente Tese contou com a participação
de pessoas acima de 50 anos e não somente, de pessoas acima de 60 anos.
Assim, após três décadas de epidemia, verifica-se maior entendimento acerca da
AIDS, maior eficácia do tratamento, aumento da sobrevida dos pacientes, contribuindo
para maior interesse pela Qualidade de Vida das pessoas que convivem com a doença. No
entanto, embora se apresente como doença, a vivência da Aids entre pessoas acima de 50
anos demonstra, ainda, os diversos aspectos a ela relacionados, tais como: contextos
sociais de pertença destas pessoas; os determinantes sociais da saúde; o acesso à
informação, à renda e à educação, dentre outros. Assim, as ações em saúde deve considerar
as dimensões objetivas e subjetivas da vida, transcendendo uma análise que se limite à
aspectos estritamente biológicos, incluindo também os aspectos psicossociais.
Em 2005, com a identificação do aumento do número de idosos com AIDS, o
Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde estabeleceu parceria com a
Coordenação de Saúde do Idoso do mesmo Ministério, objetivando desenvolver insumos
educacionais para a saúde e prevenção dirigidas a essa população e que tivesse como
35 na minimização dos casos, uma vez que a possibilidade de uma pessoa com mais de 60 anos ser infectada pelo HIV parecia ser “invisível” para a sociedade e para os próprios
idosos (Lisboa, 2007).
O diagnóstico da AIDS entre pessoas cima de 50 anos, geralmente, é detectado
tardiamente. Dentre as razões, está a falsa crença de alguns profissionais de saúde de que a
AIDS, dificilmente, ocorrerá nessa fase da vida, por acreditarem na inexistência de uma
vida sexualmente ativa nessa população (Dias, Fonseca, Renca, & Silva, 2005; Silva,
2009). No entanto, a utilização de terapias hormonais e a descoberta de novos fármacos
têm contribuído de forma significativa para uma melhoria da atividade sexual neste
segmento (Dias, Fonseca, Renca, & Silva, 2005), sendo as práticas sexuais a principal via
de contaminação da AIDS entre os idosos (Cloud, Browne, Salooja, & McLean, 2003).
Por outro lado, esta melhora na qualidade da vida sexual na velhice não é
acompanhada de igual modo por uma política de saúde voltada para a prevenção das
DST`s nesta população, bem como de uma discussão ampla que considere uma melhor
compreensão do processo de envelhecimento (Souza, & Leite, 2002; Silva, 2009).
Os Programas de Terceira Idade estimulam a socialização e facilitam o surgimento
de relacionamentos que podem ou não desembocar em relacionamentos de cunho sexual
(Lisboa, 2007). Analogamente, o trabalho de valorização da autonomia das pessoas na
maturidade e na velhice deve partir, também, da consideração de que estas pessoas
possuem o direito à livre expressão da sua intimidade, à vivência subjetiva do seu corpo e
ao exercício da sexualidade (Lisboa, 2007).
Entre as pessoas de 50 anos, a emergência do HIV/Aids aponta que o exercício da
sexualidade nessa população é efetivo e revela que, com o avançar do desenvolvimento
36 risco de contrair DST`s (Butin, 2002). Nesse contexto, Ayres, França Jr e Calazans (1997)
definiram a vulnerabilidade como sendo graus e naturezas de susceptibilidade de
indivíduos e coletividades à infecção, adoecimento e morte pela infecção por HIV,
segundo particularidades formadas pelo conjunto dos aspectos sociais, programáticos e
individuais que os põem em relação com o problema e com os recursos para seu
enfrentamento. Assim, a vulnerabilidade pode expressar-se no plano individual, social e
programático/institucional.
Quando se considera o plano individual, todas as pessoas são, em algum grau,
vulneráveis à infecção por HIV e suas consequências, embora essa vulnerabilidade varie ao
longo do tempo em função das estratégias e recursos que os mesmos dispõem para se
proteger (Ayres et al., 1997). Nesse aspecto, segundo Ayres et al. (1997), a vulnerabilidade
individual está relacionada a comportamentos e práticas de risco, que podem ou não,
deixar os indivíduos suscetíveis à infecção pelo HIV.
Já no plano social, a vulnerabilidade refere-se à avaliação de aspectos relacionados
à coletividade – acesso à informação, investimento do Estado em saúde, acesso aos
serviços de saúde, aos aspectos sociopolíticos e culturais, entre outros (Ayres et al., 1997).
No contexto da maturidade e da velhice, a vulnerabilidade social pode estar relacionada à
forma como se concebe o exercício da sexualidade, uma vez que a atividade sexual não se
restringe à dimensão física e orgânica das pessoas, possuindo, também, características
psicossociais e da história de vida dos sujeitos, bem como do contexto social e cultural no
qual ele está inserido (Silva, 2009).
Por último, no plano programático, a vulnerabilidade corresponde à existência ou
não de ações institucionais direcionadas para a questão da AIDS, tais como programas de
37 caracterizada por aspectos como: compromisso das autoridades, coalização
interinstitucional, planejamento, gerenciamento das ações e capacidade de resposta das
instituições envolvidas. Sobre esse aspecto, verificou-se, nas três últimas décadas, o
crescente investimento realizado pelas autoridades governamentais no âmbito no
HIV/AIDS (Ayres et al., 1997). No entanto, o foco das campanhas educativas e de
prevenção estava centrado em públicos específicos – jovens e pessoas em idade
reprodutiva – (Contrera, 2000; UNAIDS, 2005), não contemplando, portanto, pessoas
acima de 50 anos. Além disso, verifica-se que a condução dessas campanhas ocorrem de
maneira pontual, com conteúdos diferentes e de acordo com as necessidades
epidemiológicas do momento (Silva, 2009).
As ações desenvolvidas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas HIV/AIDS
(UNAIDS, 2002) para diminuir o impacto do HIV/AIDS na população idosa compreendem aspectos como: a mudança do “estigma” acerca da sexualidade na velhice, a inclusão de
serviços que abordem a questão do HIV, a criação de programas educativos específicos
para essas pessoas e a inclusão de idosos em pesquisas sobre prevenção e assistência.
Considerando-se a concepção de vulnerabilidade supracitada, no contexto da AIDS
na maturidade e velhice, as pessoas convivem com dois fenômenos perpassados por
estereótipos negativos: a AIDS e a velhice (Silva, 2009). Trata-se de um fenômeno que
também é constituído socialmente e que, além de repercutir por meio de sintomas físicos,
tem seu impacto potencializado por crenças equivocadas que geram estigma, preconceito e
discriminação (Silva, 2009). Ademais, com o desenvolvimento da doença, ocorrerão
mudanças no estilo de vida tanto da pessoas acometida pela doença quanto dos seus
parentes e pessoas com vínculo social mais próximo, uma vez que será parte da rotina
38 aparecimento de doenças oportunistas, exigindo dessas pessoas próximas adaptação às
demandas (Silveira, & Carvalho, 2003).
Mediante tais colocações e tendo em vista que as pessoas soropositivas para o
HIV/Aids vivenciam estados de instabilidade emocional e, em alguns casos, pode ocorrer
os episódios depressivos e sintomas de ansiedade, considera-se que tais aspectos tem
impacto na Qualidade de Vida e na saúde mental destas pessoas, conforme é abordada no
tópico a seguir.
1.2. Maturidade, velhice e saúde mental: implicações no contexto do HIV/AIDS
Ao se abordar o fenômeno do envelhecimento, se faz necessário considerá-lo
enquanto condição que faz parte da humanidade, perpassado por mudanças ao longo da
vida, nas esferas biológicas, psicológicas e sociais (Falcão, & Carvalho, 2010). Em face
dessas mudanças, alguns autores (Fernandez-Ballesteros, Fresneda, Martinez, & Zamarrón,
1999) afirmaram que os sujeitos se tornam menos parecidos uns com os outros à medida
que se envelhece, dada às condições de vida e historicidade de cada pessoa.
Quando se considera a associação entre envelhecimento e a ocorrência de
patologias, segundo Fernandez-Ballesteros et al. (1999), há, ao menos, três formas de
envelhecimento, a saber: a) o normal, caracterizado pelo transcorrer da velhice sem patologias físicas ou psicológicas que possam deixar o indivíduo incapaz; b) o patológico, resultante de um organismo acometido por enfermidade e incapacidade; e c) o bem-sucedido, com reduzida probabilidade de doenças associada ao funcionamento cognitivo, capacidade física e funcional e comprometimento com a vida.
De outro modo, Neri (2001) caracteriza o envelhecimento em dois tipos: 1)
39 fenômeno universal e que afeta o funcionamento orgânico, dependendo de fatores como
estilo de vida, nível socioeconômico, entre outros; 2) o envelhecimento secundário (senilidade ou envelhecimento patológico) que estaria relacionado às alterações
decorrentes de doenças associadas ao envelhecimento, em razão da sua acentuada
prevalência em idosos quando comparado com pessoas de menos idade.
Tanto Neri (2001) quanto Fernandez-Ballesteros et al. (1999) demonstram que, a
partir de certa idade, com o processo de envelhecimento, há uma maior probabilidade das
pessoas adoecerem, quando se compara essa probabilidade em pessoas com menor idade.
Todavia, a manifestação de doenças não pode ser confundida como sendo um aspecto
próprio do envelhecimento, mas perpassados por outras variáveis, como renda,
escolaridade, suporte social, dentre outras (Silva, 2009). Assim, se por um dado os modos
de envelhecer apontam para o caráter heterogêneo do fenômeno, sendo considerada mito a
crença de que a velhice está sempre associada a profunda debilidade física e mental, visto
que várias pessoas gozam de velhices bem-sucedidas (Falcão, & Carvalho, 2010), por
outro, considera-se que a velhice dita bem-sucedida não é, em última instância, decorrente,
apenas, de uma característica biológica particular ou mesmo da vontade individual para ter
estilos de vida saudáveis.
No que se refere à saúde mental das pessoas idosas, a OMS e a Associação Mundial
de Psiquiatria (AMP) consideram que o estigma e os processo de discriminação
relacionadas aos transtornos mentais contribui para, além do sofrimento, incapacidades e
as perdas econômicas (Graham et al., 2007). Assim, em 2001, para comemorar o Dia Mundial de Saúde, cujo lema foi “Não à exclusão, sim aos cuidados”, foi publicada uma
declaração técnica de consenso entre a OMS e AMP (WHO/WPA, 2001), objetivando
40 Carvalho, 2010. Dentre as diretrizes, a declaração (a) descreve a natureza, as causas e as consequências dessa estigmatização e (b) e propõe políticas, programas e ações para
combatê-la (Graham et al., 2007). A declaração conclui sugerindo “a condução de
pesquisas para identificar essa estigmatização e essa discriminação, a fim de definir o contexto em que se manifestam e medir seus efeitos” (Graham et al., 2007, p. 49). Além
disso, ressalta-se a importância dessas pesquisas na identificação dos meios de intervenção
para reduzir de modo durável as formas de estigmatização e discriminação .
Deste modo, o estudo da saúde mental em pessoas com idade igual ou superior a 50
anos no contexto do HIV/AIDS sugere debates em torno de mitos e percepções
socialmente compartilhadas, como: considerar que problemas de saúde mental em idade
avançada não são passíveis de tratamento e/ou cura; as implicações dessas crenças para as
atitudes de familiares e pessoas próximas quanto à autonomia e á tomada de decisão dos
idosos; e a banalização, por parte de profissionais de saúde, de queixas apresentadas pelas
pessoas idosas (Falcão, & Carvalho, 2010). Ademais, o debate em torno dessas crenças se
justifica pelas implicações que estas possuem para a atenção em saúde e a Qualidade de
Vida dos idosos, principalmente no contexto do HIV/AIDS, contribuindo, por exemplo,
para que a depressão e ansiedade continuem sendo vistas como condições esperadas para a
velhice.
Considera-se que em qualquer faixa etária os problemas que afetam a saúde mental
apresentam aspectos variados e heterogêneos no que se refere à duração e gravidade
(Falcão, & Carvalho, 2010). Segundo, Falcão e Carvalho (2010), as implicações podem ser
de intensidade leve ou mesmo de grave prejuízo psicossocial e econômico; outros, porém
41 tanto a saúde quanto o sofrimento mental tem perticularidade, dependendo, inclusive, dos
recursos de enfrentamento e das condições concretas de vida das pessoas.
No contexto do envelhecimento, pesquisadores (Papalia, Old, & Feldman, 2006)
demonstram que a depressão é subdiagnosticada em idosos por ser, muitas vezes,
confundida com demência ou mesmo por ser caracterizada como aspecto natural desse
grupo etário. De outro modo, na perspectiva dos próprios idosos, estes tendem a não relatar
o que estão sentindo, seja em decorrência da crença de que os sintomas desaparecerão com o decorrer dos dias, seja devido ao temor de demonstrar “fraqueza”, o que reforçaria a
crença do estar “velho” para os familiares e pessoas próximas (Falcão, & Carvalho, 2010).
Se por um lado pesquisas (Maia, Duarante, & Ramos, 2004; Leite, Carvalho,
Barreto, & Falcão, 2006) demonstram que mulheres idosas estão mais propensas a ter
problemas de saúde mental – como sofrer com isolamento e ter autoimagem mais
depreciativa, bem como percepção mais negativa acerca da velhice –, por outro, a presença
de suporte social, acesso a melhores condições de saúde e envolvimento produtivo nas
esferas sociofamiliar contribuiu para mudanças nesse quadro.
Deste modo, evidenciam-se os determinantes sociais da saúde que podem favorecer
ou ameaçar o estado de saúde de um indivíduo ou de uma comunidade, os quais podem
estar relacionados às práticas de escolha individual como, por exemplo, o consumo de
álcool ou tabaco, mas podendo também relacionar-se com características sociais,
econômicas e ambientais, para além do controle individual, tais como: classe social,
gênero, acesso à educação e aos serviços de saúde, condições de moradia, suporte social,
participação em atividades, dentre outros.
Ademais, abordar envelhecimento e sua relação com a saúde mental implica
42 de alguns processos de saúde e doença, a exemplo do HIV/AIDS, conforme demonstrado a
seguir.
1.3. Saúde Mental no contexto do HIV/AIDS: considerações acerca dos Transtornos Mentais Comuns
Para dar significados aos fenômenos que fazem parte da existência humana, como a
doença e a morte, alguns pesquisadores afirmam que os sistemas de explicação estão
relacionados às características de cada sociedade, num determinado momento histórico,
não se reduzindo, portanto, a evidências orgânicas, como fora proposto pelo modelo
biomédico (Traverso-Yépez, 2001). Nas últimas décadas, as mudanças no processo do
adoecer e seus determinantes apontam para aspectos psicológicos, bem como para a
relação destes com as práticas de saúde. Nessa direção, verifica-se que o campo da saúde
mental, ao longo da história, também foi perpassado por uma tendência a caracterizar a
saúde mental numa perspectiva psicopatológica. Todavia, a partir da década de setenta,
vem ocorrendo mudanças nessa perspectiva, principalmente ao se considerar, na avaliação
da saúde mental, vertentes mais positivas.
Considerado uma análise retrospectiva, haviam dificuldades para se estabelecer um
consenso acerca de critérios e instrumentos para avaliar e/ou medir a saúde mental,
existindo uma “heterogeneidade das medidas utilizadas por diferentes autores, desde as
mais amplas – que contemplavam um leque alargado de critérios e dimensões –, às mais
estreitas que, provavelmente, não refletiram todas as dimensões subjacentes ao construto em apreço” (Fragoeiro, 2008, p.41). Um amplo conjunto de instrumentos incluía os que
43 outros construtos psicológicos, como ansiedade e a depressão (Leal, Serpa JR., Muñoz,
Goldenstein, & Delgado, 2006).
A partir dos anos setenta, a medição da saúde mental, passou a focar,
preferencialmente, estes últimos construtos (ansiedade e depressão), que, em geral, eram a evidência expressa de “distress psicológico” (Fragoeiro, 2008, p.41), o qual está relacionado à evolução do conceito de stress (Sparrenberger, Santos, & Lima, 2003). Para
Sparrenberger et al. (2003) os diferentes fatores estressantes poderiam induzir formas
benéficas e/ou danosas de estresse (eustress e distress, respectivamente). Nesse sentido, a incapacidade para superar a vivência de experiências estressantes – como o HIV/AIDS –
contribuiria para desgaste do indivíduo, levando a uma ruptura do bem-estar individual, o
que constituiria o distress. Assim, quando prolongado, o distress pode suscitar depressão do sistema imunitário aumentando o risco de infecção.
Nesta perspectiva, considera-se que desde o momento do diagnóstico, o portador do
HIV sofre um grande impacto, gerando uma sobrecarga emocional que leva a mudanças de
comportamento e do modo de viver e perceber a vida. É sabido que pacientes infectados
pelo HIV, mesmo sem terem desenvolvido quadro característico de AIDS, podem
apresentar o chamado complexo demencial associado ao HIV (Ardila-Ardila et al., 2003).
A demência associada ao HIV está relacionada com déficit cognitivo com
implicações para a memória de evocação, apresentando, ainda, dificuldade para se
concentrar, com déficit da capacidade de abstração e planejamento (Ardila-Ardila et al.,
2003), dentre outros aspectos. O início dos sintomas são sutis e apresenta um quadro de
progressão relativamente rápido, podendo referir-se a semanas ou poucos meses. Para