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REMHU, Rev. Interdiscip. Mobil. Hum. vol.20 número38

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Rev. Inter. Mob. Hum., Brasília, Ano XX, Nº 38, p. 7-9, jan./jun. 2012

Editorial

E d i t o r i a l

Tzvetan Todorov, no conhecido livro A conquista da América,

levanta a questão sobre os desafios inerentes ao encontro com a alteridade. Analisando os escritos de Cristóvão Colombo, Todorov sustenta que para o navegador genovês os índios, às vezes, “são seres completamente humanos, com os mesmos direitos que ele, e aí considera-os não somente iguais, mas idênticconsidera-os, e este comportamento desemboca no assimilacionismo”. No entanto, outras vezes, Colombo parte da diferença cultural dos índios, “que é imediatamente traduzida em termos de superioridade e inferioridade (no caso, obviamente, são os índios os inferiores)”1. Em outros termos, em Colombo a diferença se degrada em

desigualdade, enquanto a igualdade em assimilação.

As ponderações de Todorov oferecem um ponto de partida para a reflexão contemporânea sobre a convivência entre membros de culturas diferentes: como garantir, ao mesmo tempo, a igualdade civil e a diversidade cultural?

Cabe afirmar, antes de tudo, que a diversidade étnica, cultural e religiosa não é uma novidade do mundo atual. Há séculos existem Estados com a presença de diferentes grupos étnicos, linguísticos e religiosos. No entanto, nas últimas décadas, as intensas migrações internacionais - entre outros fatores - provocaram, em muitos países, um amplo processo de “pluralização” com a consequente formação de numerosas

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minorias “estranhas” e, sobretudo, “exigentes”2, por reivindicarem o

reconhecimento público da própria alteridade.

O que está em jogo não é simplesmente a preservação de traços culturais em risco de extinção, e sim a dignidade do ser humano enquanto ser social, bem como o projeto do Estado moderno de garantir a efetiva igualdade entre todos os cidadãos.

Mas como evitar que a diversidade se torne desigualdade e a igualdade assimilação? São numerosas as respostas antropológicas, filosóficas e políticas para esta questão (cf. Paolo Gomarasca). Os que questionam os enfoques de cunho multiculturalista (cf. Loewe) geralmente sustentam que a pertença cívica deve anteceder qualquer outro tipo de identificação, caso contrário haverá riscos de “balcanização” do Estado, de etnocracia local e de retorno ao comunitarismo substancialista.

Por outro lado, os que enfatizam a necessidade de algum tipo de reconhecimento das culturas (cf. Idáñez e Buraschi; Lopes; Bäckström e Castro-Pereira) questionam a suposta neutralidade do Estado que, em nome da igualdade, estaria reproduzindo lógicas assimilacionistas e etnocêntricas de matriz colonial: a verdadeira igualdade – sustentam estes autores – implica algum tipo de reconhecimento da diversidade.

O debate não é de fácil solução, pois na opinião de alguns autores a igualdade e a diversidade seriam inversamente proporcionais: ao reconhecer a diversidade étnica, cultural e religiosa reduz-se inevitavelmente a igualdade, e vice-versa. Esta afirmação, no entanto, não é tão óbvia, pois a negação ou o menosprezo pela alteridade representam o primeiro sinal da desigualdade efetiva entre os cidadãos de uma nação.

A REMHU n.38 oferece em seu Dossiê um conjunto de abordagens

teóricas sobre o assunto, focando não apenas o debate sobre o reconhecimento da diversidade cultural por parte do Estado, mas também abordagens enraizadas em outros contextos vitais, como o mundo do trabalho (cf. Zanfrini), da educação (cf. Mungoi; Costa), da saúde (cf. Carrano e Grifo), das religiões (cf. Teixeira). Nestes espaços sociais, em que se desenvolvem as relações entre membros de diferentes culturas, entram em jogo vários fatores que acabam interferindo nos processos relacionais: fatores de ordem econômica, psicológica, afetiva e espiritual. Essas experiências concretas podem acirrar preconceitos e tipificações ou, então, fomentar o reconhecimento da unicidade da identidade subjetiva e,

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nesta ótica, constituir laboratórios concretos para a convivência simétrica de membros de culturas diferentes.

Não existem receitas infalíveis. No entanto, o grande desafio é rejeitar qualquer tipo de política assimilacionista e neocolonial, tentando conciliar igualdade cívica e diversidade étnica, cultural e religiosa, levando

em conta, como assevera o monge Enzo Bianchi3, que o caminho da

integração é sempre produto de uma reciprocidade: é a busca de um futuro em comum, entre estrangeiros e autóctones, um futuro sempre

in fieri e construído mediante uma mútua aproximação, o que implica necessariamente a superação de preconceitos e, inclusive, do medo do “estrangeiro que está em nós”; requer, nas palavras de Faustino Teixeira, a “vontade de assumir o ‘risco’ de se envolver no solo sagrado da alteridade”.

Este volume da REMHU inclui também, na seção de Artigos,

importantes contribuições sobre fundamentos bíblicos e teológicos para uma Pastoral da Mobilidade Humana (Anthony), sobre o retorno de emigrantes brasileiros de Portugal (Nunan) e sobre a inclusão de populações estrangeiras em áreas metropolitanas no Brasil (Matos e Lobo).

Finalmente, a seção Relatos e Reflexões traz contribuições sobre a acolhida (Raverty), o diálogo inter-religioso (Sahajananda) e o encontro com a alteridade na experiência pastoral de irmãs scalabrinianas (Eidt; Desamours).

A seção de Resenhas, Teses e Dissertações encerra o volume.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura!

Referências

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