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3º Seminário de Relações Internacionais: Repensando interesses e desafios para a inserção internacional do Brasil no século XXI

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Academic year: 2021

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3º Seminário de Relações Internacionais: Repensando interesses e

desafios para a inserção internacional do Brasil no século XXI

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis

De 29/09 a 30/09 de 2016

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA MOEDA CHINESA E SEUS

IMPACTOS SOBRE O SISTEMA MONETÁRIO INTERNACIONAL

Área temática: Economia Política Internacional

Mirko Levis Gonçalves Pose

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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A internacionalização da moeda chinesa e seus impactos sobre o Sistema Monetário Internacional

Mirko Pose

Este artigo trata do processo de internacionalização do renminbi e de seus impactos sobre o Sistema Monetário Internacional (SMI). Assume-se aqui que a moeda é um aspecto de poder dentro do Sistema Internacional; portanto, uma maior utilização da moeda chinesa em âmbito externo seria um indício da ascensão chinesa à uma maior proeminência mundial. O objetivo do trabalho é entender quais mudanças podem ser ocasionadas no SMI pela concretização desse processo de internacionalização e qual a relação entre o espectro monetário e a posição de um Estado dentro do Sistema Internacional. A hipótese apresentada é de que a internacionalização do renminbi tem caráter defensivo e não deve competir com o dólar norte-americano nem provocar mudanças significativas no SMI, no curto prazo. Para identificar as tendências do processo, são levantados aspectos teóricos acerca da conformação do SMI e de como a questão da moeda internacional se apresenta dentro desses marcos. Após isso, é investigado o processo de internacionalização da moeda chinesa como percebido até o presente momento: suas motivações, interesses, estratégia, discurso, ações concretas e implicações. Com isso, pretende-se formar um quadro sobre o andamento desse processo, e então apontar a situação atual e perspectivas futuras. Visando alcançar tais objetivos, o trabalho se vale de uma revisão bibliográfica, análise de discursos, e levantamento e análise de dados quantitativos. Como conclusão parcial, entende-se que o processo de internacionalização do renminbi, conforme transcorreu até o presente momento, ainda está aquém dos objetivos propostos pelas autoridades chinesas. Apesar de ter obtido um aumento de seu uso na região do Leste Asiático, onde aponta tornar-se uma moeda importante, tem encontrado dificuldades de aceitação global. Assim, não parece haver perspectivas de que a moeda chinesa possa causar mudanças significativas no SMI, num horizonte possível de análise.

Palavras-chave: China; Sistema Monetário Internacional; Internacionalização; Renminbi.

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2 1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o processo de internacionalização da moeda chinesa (o renminbi, doravante RMB) e seus impactos no Sistema Monetário Internacional (SMI). Com base nessa perspectiva, discute-se a arquitetura do SMI e a inserção da China na ordem econômica atual. A hipótese é que tal processo tem um caráter defensivo, buscando tentar proteger o país dos desequilíbrios e crises do atual padrão. A questão que guia o trabalho, então, é responder quais mudanças esse pode trazer para a China e para o SMI.

A arquitetura monetária e financeira mundial historicamente refletiu as relações de poder no Sistema Internacional (SI). Portanto, mais do que apenas uma especificidade técnica da organização econômica das trocas entre os agentes, as relações monetárias internacionais se dão por considerações políticas (CINTRA; MARTINS, 2013; CONTI; PRATES; PLIHON, 2013; CHEY, 2013; FIORI, 1999; STRANGE, 1971; TAVARES, 1998). A evolução do SMI acompanha, em certa medida, a distribuição de capacidades no sistema. Analisar a estrutura do SMI deve revelar algo sobre a correlação internacional de forças.

Dentro desse enquadramento, o caso da China é interessante. A ascensão do país e a acumulação de capacidades dos últimos anos deu-se em um quadro geopolítico e econômico específico. Em especial para este trabalho, o desenvolvimento chinês ocorreu quando da desestruturação de um padrão monetário (o regime de Bretton Woods) e da emergência de um novo (o padrão dólar-flexível). E a acumulação de capacidades nos últimos quarenta anos, por parte desse Estado, tem mudado a correlação de forças no Sistema Internacional. Portanto, esse processo tem de lidar com as estruturas e regimes que o sistema apresenta no momento. É desse ponto que o artigo parte. A internacionalização do RMB é um dos aspectos do crescimento econômico e da importância política que a China vem demonstrando. A questão é saber como isso procederá, em face do atual padrão monetário internacional, e como essa questão se relaciona com os outros desdobramentos que a ascensão chinesa impõe sobre o sistema.

Para responder essa questão, o artigo está dividido em mais três sessões, além desta introdução. A segunda sessão traz uma conceituação teórica sucinta, sobre pontos relativos ao SMI e à moeda internacional. A apresentação desse arcabouço e a definição do que se entende sobre tais conceitos guiará a discussão sobre a internacionalização do RMB e suscitará a conclusão. A terceira parte busca analisar mais detalhadamente o processo de internacionalização do RMB – suas motivações, estratégias e instrumentos. Por fim, apresentam-se as conclusões e apontam-se horizontes possíveis para pesquisas futuras.

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3 2 ASPECTOS TEÓRICOS

Para avaliar as questões propostas, há que se definir os termos em que isso será feito. É necessário, para tanto, realizar uma breve retomada teórica acerca dos principais conceitos que serão utilizados no artigo. Tratar-se-á aqui brevemente do SMI, da moeda internacional, dos determinantes do uso dessa moeda e dos benefícios e custos desse uso.

Para existência de um sistema monetário internacional, é necessário existir antes (num sentido lógico) um sistema internacional. Entende-se o SMI como um subsistema que dá conta de um componente específico dentro do Sistema Internacional. Desse modo, refere-se às relações especificamente monetárias entre os Estados. Sua característica descritiva é monetária; porém, seus determinantes não são estritamente de caráter econômico. A despeito da separação analítica feita aqui, inexiste na realidade um subsistema monetário apartado de outras questões internacionais. Pelo contrário, devem ser tratadas considerações de ordem política para se apreender o problema. Apenas aponta-se que o resultado dessas múltiplas determinações, políticas e econômicas, será analisado aqui através de uma lente monetária.

O SMI, desse modo, existe dentro de uma ordem internacional mais ampla. A conformação do Sistema Internacional afetará como o SMI se configura. As características principais do sistema internacional moderno, que mais interessam a este trabalho, são a fragmentação política e a anarquia (FIORI, 2008; METRI, 2007; MEARSHEIMER, 2003). Em relação ao primeiro aspecto, não há algo como um Estado mundial: o território físico do planeta está divido em diversas unidades políticas, circunscritas e soberanas. Já em relação ao segundo aspecto, observa-se que não há uma hierarquia formal entre esses Estados, nem estão eles subordinados a qualquer autoridade supra-estatal. Como consequência, a priori não existe nenhuma força político-jurídica que garanta direitos e obrigações a essas unidades – nem mesmo sua sobrevivência. A própria continuidade da existência desses Estados baseia-se em suas capacidades (políticas, econômicas, militares, etc.). A situação de anarquia, então, faz com os Estados busquem acumular poder e competir entre si. Como a fragmentação política e a virtual anarquia mantiveram-se presentes, é a distribuição de capacidades que provoca alterações significativas no sistema – a diferença no poder relativo entre os atores seria o elemento dinâmico da evolução do SI (MEARSHEIMER, 2003; SCANDUCCI FILHO, 2013).

Além dessas relações de poder, tal sistema é marcado de maneira predominante por interações econômicas características de um modo de produção capitalista, configurando-se como um sistema interestatal capitalista (FIORI, 2008). Não havendo um poder soberano acima dos Estados, uma consequência para um sistema deste tipo é que não há nenhuma instituição para determinar a moeda a ser utilizada nas transações econômicas. A fragmentação em diversas unidades políticas faz com que haja uma miríade de moedas

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teoricamente disponíveis. O SMI é o arranjo construído sobre a conjunção dessas características, o componente que dá conta das relações monetárias dentro do SI – tendo em conta a falta de uma hierarquia explícita entre os Estados e a competição interestatal. A balança de poder e as disputas geopolíticas, fundamentos dinâmicos do sistema, irão conferir diferentes formas ao SMI.

O sistema monetário emerge, assim, na forma de “regras e instituições para os pagamentos internacionais” 1(MATEOS Y LAGO; DUTTAGUPTA; GOYAL, 2009: 5, tradução nossa). Seria uma espécie de “cola”, que mantém conectadas as economias dos diferentes países (EINCHENGREEN, 2000), através da intermediação dos intercâmbios internacionais por algum meio monetário. Essa mediação não é apenas de caráter econômico, mas também político, ontológica ao sistema na sua forma atual. Não há nem capitais nem capitalismo completamente desvinculados de uma base territorial, portanto, de algum poder político também territorial (FIORI, 2008). Todas as interações econômicas na arena internacional passam, necessariamente, pela mediação desse poder político e de sua moeda nacional – visto que essa é uma expressão do poder soberano de uma entidade política (BELL, 2001; METRI, 2007). Daí a constituição de um sistema que ordene as relações monetárias entre os agentes – e suas respectivas moedas – do SI, e a natureza política e econômica de sua construção (FIORI, 2008; METRI, 2007).

Apesar de inexistir um “Estado mundial” para determinar uma moeda a ser utilizada inequivocamente no sistema internacional, o SMI possui algum meio monetário, por definição. A questão, porém, apresenta problemas distintos de uma economia nacional que emite sua moeda. “Moeda” aqui é entendida como uma relação social de crédito-débito (BELL, 2001), que teria origem no poder de uma entidade soberana de impor tributos a seus súditos e demandar o pagamento em determinada unidade. Essa unidade então é a moeda em circulação naquela economia – aquilo que é aceito para liquidar os pagamentos devidos. A moeda é “cartal”, pois circula através de carta (metafórica) de aceitação do soberano. Tal capacidade de impor unilateralmente uma dívida advém do monopólio da violência que essa autoridade possui. A moeda da economia no território sob a autoridade de um poder soberano é aquilo que ele aceita como pagamento para si mesmo (BELL, 2001; METRI, 2007).

Nesse sentido, a economia mundial nunca teve uma “moeda internacional”, prescrita por uma autoridade supranacional (AGLIETTA, 1986 apud CONTI; PRATES; PLIHON, 2013: 23). No ambiente internacional prevalece a fragmentação em várias unidades e a competição entre elas. Cada uma, por ser soberana em seu próprio território, imporia nele sua unidade monetária. Não havendo uma instituição para emitir uma moeda supranacional, os intercâmbios globais estão associados ao uso das moedas nacionais dos Estados

1 “the rules and institutions for international payments” (MATEOS Y LAGO; DUTTAGUPTA; GOYAL, 2009: 5).

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participantes do sistema (COHEN, 2011; CONTI; PRATES; PLIHON, 2013).

Entretanto, “o espaço de validade de toda e qualquer moeda cartal é, a princípio, justamente o espaço político sobre qual o soberano exerce domínio, no exato alcance dos seus instrumentos de tributação” (METRI, 2007: 35). Assim, tem-se que buscar o que dá validade a uma moeda no plano internacional. Existe aqui uma dimensão política na caracterização da ordem monetária mundial, posto que há uma disjunção entre a jurisdição das autoridades emissoras, e os territórios em que suas moedas operam (COHEN, 2009).

É a interação política entre duas autoridades soberanas que valida a utilização de uma moeda fora de seu espaço territorial. Além de seu valor econômico como ativo internacional, é levado em conta a relação entre o Estado emissor e o “receptor” dessa moeda. A competição interestatal e a distribuição de capacidades condicionam quais são passíveis de utilização além da jurisdição legal dos instrumentos de tributação e dos meios de coerção da autoridade emissora. Assim, há moedas que são utilizadas puramente por considerações econômicas, outras que o são por pressão política, e outras ainda que são determinadas por ambas considerações (CHEY, 2013; STRANGE, 1971).

Como as relações monetárias internacionais estão associadas a essas moedas, é necessário, então, que os Estados as “internacionalizem”: ajam de modo a permitir, garantir, impor, ou ao menos não impedir, que suas moedas circulem fora de suas próprias fronteiras. Entretanto, é preciso encontrar as razões que os levam a querer que sua moeda seja utilizada fora de sua jurisdição política.

Haveria custos e benefícios para um Estado ao utilizar sua moeda para transações internacionais. Esses podem ser enquadrados em econômicos e políticos (CHEY, 2013; COHEN, 2011). A literatura especializada aponta diversos deles2; o que importa reter, para o presente trabalho, é o resultado líquido de tal processo – se ter sua moeda internacionalizada é benéfico ou oneroso a um Estado. Geralmente apontam-se mais vantagens que desvantagens; entende-se assim que, em linhas gerais, há ganhos políticos e econômicos para um Estado quando sua moeda é utilizada internacionalmente (CHEY, 2013; COHEN, 2011, CONTI; PRATES; PLIHON, 2013; EICHENGREEN, 2011).

Então, a princípio, os Estados buscariam alçar suas moedas a essa condição. Novamente, não há uma autoridade superior para sancionar esta ou aquela moeda, e esses Estados tendem a competir entre si para auferir os resultados positivos. Haveria uma disputa pela utilização de sua própria moeda. Porém, impõe-se constrangimentos estruturais, que impedem que todos os Estados utilizem internacionalmente suas moedas.

Se todas as moedas dos Estados que compõem o SMI fossem utilizadas ao mesmo

2 Para um tratamento mais completo do tema, conferir Andrade, Cunha, 2010; Chey, 2013; Cohen, 2011; Conti, Prates, Plihon, 2013.

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tempo, o resultado seria ineficaz. A própria natureza da moeda é, em teoria, excludente: quanto maior a padronização e homogeneização, melhores os resultados. Existem custos crescentes para o uso de um número maior de moedas. Inversamente, quanto mais atores usam a mesma unidade, menores os custos (CONTI; PRATES; PLIHON, 2013; EICHENGREEN, 2000). E a distribuição de poder também influi no resultado: os Estados mais poderosos, a princípio, têm mais capacidade de negociar ou impor sua moeda sobre os outros. Entretanto, também existem condicionantes para o uso de mais de uma moeda. As questões geopolíticas – a busca por poder e influência – fazem com que as unidades busquem disputar a dominação completa e o usufruto dos benefícios por um único Estado. Pelo viés econômico, um maior número de moedas utilizadas pode servir para diversificar os ativos disponíveis e diminuir o risco individual. Portanto, o número de moedas internacionais efetivamente usadas tende a ser menor que o número total existente no sistema, ainda que, em princípio, maior que um (FLANDREAU; JOBST, 2009).

A seguir, tem-se que encontrar então um modo de determinar quais moedas são de fato utilizadas internacionalmente, para se entender a forma concreta que o SMI assume. Isso depende largamente do momento histórico a ser analisado – o padrão monetário vigente é resultado da conjuntura geopolítica e da distribuição de poder no sistema. De todo modo, existiria sempre uma “força maior”, de caráter político e econômico, a determinar que somente algumas moedas nacionais sejam utilizáveis em âmbito internacional (AGLIETTA, 1979 apud CONTI; PRATES; PLIHON, 2013: 24).

Como os Estados desejariam utilizar suas próprias moedas em âmbito internacional, o problema, a princípio, seria a outra ponta da transação – encontrar o que leva outras unidades do sistema a utilizar moedas que não a sua. Porém, existe aqui uma divergência fundamental, pouco explicitada na literatura, se a determinação primordial para o uso de uma moeda internacional se dá pelo lado da “oferta” ou da “demanda” – se os Estados emissores impõem o uso de sua moeda, ou se os agentes escolhem livremente aquela que preferem usar (CONTI; PRATES; PLIHON, 2013).

Adota-se aqui a perspectiva de que é a competição e a correlação de forças entre Estados que condiciona a oferta de apenas algumas moedas (e ainda assim, com características distintas entre elas), que os outros agentes poderão fazer uso. Certamente, a demanda importa, mas as forças que operam a oferta das moedas é que conformarão quais estão disponíveis. Como colocado,

A demanda dos agentes internacionais pelas distintas moedas não é ad hoc ou fruto de preferências subjetivas, mas condicionada pelas características já instituídas do sistema monetário internacional [...] Dito de outra forma, não são os agentes privados que escolhem as moedas com uso internacional e, assim, determinam a hierarquia monetária; pelo contrário, a hierarquia monetária estabelecida – e determinada por questões geopolíticas e geoeconômicas, como se verá – é que define quais moedas

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serão demandadas pelos agentes privados para serem usadas em âmbito internacional (CONTI; PRATES; PLIHON, 2013: 56-57).

Neste ponto também a literatura especializada aponta inúmeros determinantes para o status de uma moeda como “internacional”3. Entretanto, o que fica patente é que a utilização de uma moeda, fora do seu território original, é apoiada pelo poder geopolítico do Estado emissor. Tal uso pode trazer vantagens e ser uma fonte de poder adicional para esse Estado, mas está calcado em capacidades prévias apresentadas. Uma moeda internacionalizada, portanto, é tanto uma fonte quanto um indicador de poder no Sistema Internacional. Em suma,

“Talvez haja associações entre o poderio econômico e o poderio militar de um país e o uso de sua moeda por outros países, mas é a posição de um país como grande potência que resulta no status internacional da moeda” (EICHENGREEN, 2011: 6).

O formato concreto que o SMI apresenta na realidade é derivado dessas premissas teóricas. A distribuição de capacidades e a competição interestatal afetam e alteram a configuração do sistema. Mesmo em uma dada situação geopolítica, os mecanismos de operação de um dado padrão – taxas de câmbio, fluxos de capital, veículo de pagamentos, instituições, etc. – podem variar, de acordo com a conjuntura. Mas fica claro que a moeda internacional é definida também no jogo político, e que, portanto, o padrão monetário influencia a hierarquia de poder no Sistema Internacional.

2 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO RENMINBI

Utilizando as bases conceituais propostas, será analisado então o processo de internacionalização da moeda chinesa. Como destacado acima, o SMI apresentou diferentes configurações históricas, dependendo da conjunção de variáveis políticas e econômicas e da distribuição de poder. A ascensão da China, assim, deu-se a partir de um contexto específico, e para efetuar o processo de internacionalização do RMB, tem de enfrentar a realidade do padrão monetário vigente.

Em 1971, os EUA rompem unilateralmente com o regime de Bretton Woods. A partir de meados da década de 80, tem-se o estabelecimento de um novo padrão monetário internacional, que pode ser descrito como um padrão “dólar-flexível” (CARNEIRO, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013; SERRANO, 2002, 2008). Nele, a moeda norte-americana retoma e reforça sua posição como centro de gravidade do sistema, mas agora sem outro ativo que também servisse de reserva de valor, como fora o ouro. Elimina-se assim a restrição externa aos EUA, já que o aumento da quantidade de dólares não necessita obedecer mais a nenhuma paridade. O governo americano pode assim criar liquidez, financiar déficits, e contrair ou aumentar sua dívida externa através de sua própria expansão monetária

3 Novamente, para um tratamento maior desses determinantes, consultar Andrade, Cunha, 2010; Chey, 2013; Cohen, 2011; Conti, Prates, Plihon, 2013.

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8 (CARNEIRO, 2010; SERRANO, 2002).

Como os EUA não correm o risco de default, podem incorrer livremente em déficits externos. Os agentes externos os financiam ao adquirirem ativos denominados em dólar (principalmente títulos do Tesouro) ancorados no poder econômico, político e militar do Estado norte-americano (TAVARES, 1998). Pode-se dizer que

Nesse sentido, a passagem do padrão-dólar para o atual sistema ‘dólar flexível’ correspondeu a um estreitamento da relação entre o poder político e o valor internacional das moedas. [...] o poder político e militar tenha se transformado no verdadeiro avalista do valor do dinheiro, e o inverso também se explicita, pois o dinheiro passa a assumir, de maneira mais transparente, o seu papel como instrumento do poder (FIORI, 1999: 74).

Dentro desse cenário, a China volta a ter uma destacada importância geopolítica. A partir da década de 70, o país inicia um vertiginoso processo de crescimento econômico e acumulação de capacidades políticas, impulsionado por reformas internas e acordos internacionais. Este processo dura, num certo sentido, e apesar de nuances e variações, até hoje (CINTRA; MARTINS, 2013; KISSINGER, 2011; MEDEIROS, 2008). Assim, o país logrou inserir-se favoravelmente na conjuntura geopolítica e auferir bons resultados do novo padrão do sistema monetário. Os saldos comerciais positivos e acumulação de reservas em dólar foram peças importantes no modelo de crescimento implementado (MEDEIROS, 1999, 2008). Entretanto, tal situação positiva não foi livre de contradições. Mesmo com um crescimento econômico expressivo, uma série de eventos contribuíram para alterar o juízo que as autoridades chinesas faziam sobre o regime monetário e financeiro internacional. Iniciando com a crise asiática de 1997 e culminando com a grande crise financeira em 2008, gestou-se um entendimento de que o atual arranjo seria essencialmente assimétrico – e desse modo, instável e injusto (CHIN; YONG, 2010). Ele concederia muitas prerrogativas aos EUA, e isso criaria uma instabilidade permanente, visto que o sistema está sujeitado em grande parte à política econômica norte-americana. Essa afeta todo o sistema, ao passo que seus objetivos podem ser estritamente domésticos. Além disso, os EUA podem executar déficits crônicos, sem precisar ajustar seu balanço de pagamentos, enquanto seu endividamento externo cada vez maior gera pressões para um realinhamento cambial e macroeconômico nos outros países (CARNEIRO, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013; SERRANO, 2002, 2008).

Outro questionamento, de ordem geopolítica, é que o atual sistema estaria defasado, em relação às características do SI contemporâneo. O padrão dólar-flexível foi gestado e consolidado num período em que a distribuição de capacidades era muito diferente. Ele refletiria o poder político e econômico dos EUA quando esse foi capaz de afirmar-se como a única potência do sistema. Em contraste, o panorama econômico e político do hoje seria mais multipolar, ou apresentaria uma tendência a isso. Uma economia mundial menos concentrada

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deveria implicar um sistema monetário também multipolar, segundo o entendimento do corpo político chinês (CHIN; YONG, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013; EICHENGREEN, 2011).

A ascensão econômica e política da China nos últimos anos fez exacerbarem essas questões. Suas capacidades atuais poderiam lhe credenciar a ter uma moeda internacionalizada. O país apresenta a segunda maior economia nacional e com perspectivas de crescimento, sendo bem integrada aos fluxos internacionais, especialmente o comércio – importa destacar que o peso e a integração da economia chinesa são ainda maiores na região do Leste Asiático. Também tem uma economia estável, crescimento do PIB acima da média mundial e baixa inflação. Seu poder geopolítico é considerável, e vem crescendo – novamente, sobretudo no seu entorno estratégico. E as autoridades chinesas parecem estar dispostas promover ativamente o uso internacional do RMB (ANDRADE; CUNHA, 2011; CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012; EICHENGREEN, 2011; KISSINGER, 2011).

Assim, o país estaria buscando internacionalizar sua moeda para diminuir sua dependência do dólar e proteger-se das crises e instabilidades do sistema, ao mesmo tempo que continua usufruindo dos benefícios que pode dele extrair. Com isso, poderia também usufruir algumas vantagens de uma moeda internacionalizada. A internacionalização da moeda chinesa, nessa perspectiva, tem um caráter defensivo (CINTRA; MARTINS, 2013). Porém, o desejo de internacionalizar o RMB choca-se com a manutenção da estratégia de crescimento atual, com autonomia da política monetária, creditícia e cambial. Esta requer uma moeda circulando quase exclusivamente em âmbito doméstico (ANDRADE; CUNHA, 2011; CINTRA; MARTINS, 2013; MCCAULEY, 2011). Os riscos associados a uma moeda internacionalizada são exatamente o que a China tem buscado evitar dentro de seu modelo de desenvolvimento (CINTRA; MARTINS, 2013; CUNHA; BIANCARELI; PRATES, 2007).

O processo de internacionalização do RMB deve então ser operado de forma gradual, controlada e com possibilidade de retrocessos, para compatibilizar os dois conjuntos de políticas. Seu objetivo não é tomar o lugar do dólar nem tornar a moeda chinesa um ativo internacional amplamente transacionado, mas sim alcançar uma “conversibilidade controlada” – conversível até um patamar em que seja passível de ser utilizada internacionalmente para o propósito que o governo deseja. Esse seria garantir um espaço de manobra e capacidade de ação autônoma dentro do SMI (CHIN; YONG, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012; EICHENGREEN, 2011).

A estratégia de internacionalização montada tem que dar conta dessas questões. Ela se ampara no peso econômico e na rede de transações internacionais para superar as dificuldades suscitadas pelos controles existentes sobre a conta de capitais e do reduzido desenvolvimento financeiro (COHEN, 2012). Tal estratégia visa equilibrar esse desenvolvimento e redução gradual dos controles – favoráveis à internacionalização – com

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políticas de manutenção do crescimento e de proteção contra instabilidades financeiras (ANDRADE; CUNHA, 2011; MCCAULEY, 2011).

Entende-se que o governo chinês determinou uma estratégia e passou a empreender ações concretas para tanto. Desse modo, uma questão importante é definir quando este processo começou. Não há uma data precisa. A expansão financeira e aceleração econômica a partir dos anos 90 apresentaram uma janela de oportunidade. Como citado, a crise asiática, em 1997, serviu para reforçar a percepção da necessidade de diminuir sua dependência frente ao dólar (CINTRA; MARTINS, 2013; CUNHA; BIANCARELI; PRATES, 2007). A intenção também precederia a crise de 2008, apesar de ter sido magnificada por ela (CHIN; YONG, 2010). As medidas políticas teriam então começado a serem tomadas entre esses dois marcos, no início dos anos 2000.

As principais medidas que contribuíram com o propósito da internacionalização são divididas aqui analiticamente três metas, a serem atingidas até 2020. Conforme a estratégia anunciada, essas metas guiariam o estágio inicial do processo: aumentar o uso do RMB na denominação e liquidação do comércio internacional; criar um mercado offshore para o RMB, com destaque para a praça financeira de Hong Kong; e desenvolver o mercado financeiro interno, culminando na transformação de Xangai em um centro financeiro internacional (CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012).

As primeiras ações que tiveram impacto deram-se no campo financeiro, entre 2002 e 2003. Anunciou-se aí a abertura controlada do setor financeiro interno, com um programa que permitia a investidores estrangeiros que satisfizessem certas condições (oficialmente, Qualified Foreign Institutional Investor – QFII) operar no mercado de títulos domésticos (ANDRADE; CUNHA, 2011; CINTRA; MARTINS, 2013; SWIFT, 2011). No ano seguinte, iniciou-se um movimento para a criação de um mercado cambial offshore, com a permissão a residentes de Hong Kong de comprarem e manterem uma quantidade de RMB – até um limite diário de transação, com um teto máximo individual e agregado (MCCAULEY, 2011).

Implementado em 2002, o programa QFII permitiu pela primeira vez empresas estrangeiras selecionadas pelo governo a investirem em títulos no mercado doméstico. Entretanto, os participantes, as cotas individuais de ativos, as possibilidades de repatriação do capital, e os valores agregados disponíveis eram rigidamente controlados e em geral muito baixos. O programa servia primariamente como uma sinalização da direção das políticas a serem implementadas. O arranjo geral do QFII persiste até hoje, com algumas modificações e um aumento gradual dos valores (ANDRADE; CUNHA, 2011; CINTRA; MARTINS, 2013).

Em 2005, não-residentes foram autorizados pela primeira vez a emitir títulos em RMB no mercado doméstico. Os títulos “Panda” eram listados na bolsa de Xangai, promovendo uma atração internacional para esse centro financeiro. O programa foi gradualmente alargado,

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possibilitando, a partir de 2009, multinacionais já instaladas na China a também realizar essas emissões (COHEN, 2012). Em consoante, a contraparte doméstica do programa de investidores qualificados foi criada em 2006. O QDII (Qualified Domestic Institutional Investor) permitia a empresas e indivíduos residentes selecionados fazerem aplicações em portfólio fora do país. Assim como o programa anterior, estava sujeito a diversos controles e regulações. O volume e o valor das aquisições eram assim pouco expressivos A iniciativa visava possibilitar maior diversificação de ativos e aquisição de liquidez pelos agentes privados domésticos (ANDRADE; CUNHA, 2011).

No âmbito do mercado offshore, em 2003 é permitida a abertura de depósitos em RMB por bancos situados em Hong Kong. Essa medida cobria pessoas físicas e algumas poucas empresas selecionadas. Era a primeira vez que as autoridades chinesas aceitavam oficialmente a retenção de moeda nacional fora do território continental chinês. O objetivo explícito era iniciar a formação de fundos fora da China, que num segundo momento serviriam para utilização num mercado financeiro a ser desenvolvido (COHEN, 2012).

A movimentação de recursos entre Hong Kong e a China continental, entretanto, continuava restrita. Isso fez com que surgisse uma taxa de câmbio diferente entre as transações efetuadas nos dois locais, atribuindo-se um código monetário diferente para o mercado cambial de RMB em Hong Kong (CNH), contrastando com o de Xangai (CNY) (CINTRA; MARTINS, 2013; MCCAULEY, 2011; SWIFT; 2011).

Com a existência prévia daqueles fundos, permitiu-se a emissão na ilha de títulos denominados em RMB – um passo importante, afigurando-se definitivamente um mercado financeiro fora da China continental. Os títulos “Dim Sum” foram aprovados em 2007, sendo emitidos apenas por bancos chineses selecionados (CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012; FAN, 2012; MCCAULEY, 2011; SWIFT, 2011). Foram os primeiros instrumentos financeiros denominados em RMB a serem emitidos fora do território continental e, portanto, do controle direto das autoridades monetárias chinesas. Entretanto, o mercado teve movimentação baixa nos primeiros anos. Em resposta, o Ministério das Finanças chinês emitiu pela primeira vez títulos públicos nesse mercado em 2009, com o objetivo de intervir para ajudar na formação de uma curva de rendimentos e de taxa de juros, e propiciar maior liquidez (CINTRA; MARTINS, 2013; FAN, 2012).

Já no campo comercial, a primeira medida tomada foi um acordo em 2004 entre o banco central chinês (BPC), de um lado, e bancos centrais de países da ASEAN e Hong Kong, de outro, para a realização de swaps cambiais e o início da liquidação do comércio nas moedas nacionais (MCCAULEY, 2011). O fornecimento de reservas nas moedas nacionais permitia que os Estados tivessem recursos para liquidar o comércio nelas, ao mesmo tempo em que esse fluxo comercial demandava mais reservas pelos países deficitários e permitia a

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acumulação delas nos países superavitários (SWIFT, 2011).

Mas o processo, em geral, havia progredido pouco até 2008. Com a erupção da crise, o BPC viu-se impelido a realizar ações para conter os efeitos da recessão e evitar uma desaceleração maior das exportações chinesas. A internacionalização acelera-se a partir de então. (ANDRADE; CUNHA, 2010; CHIN; YONG, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013). Iniciando ainda em 2008, a China realiza uma série de novos acordos de swaps cambias com parceiros comerciais. O objetivo declarado era propiciar fundos em RMB para que esses países continuassem a realizar suas importações. Além disso, a provisão de reservas serviu como um estímulo velado à maior utilização do RMB nas transações desses países (CARNEIRO, 2010; CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012; FAN, 2012).

Na esteira da crise e das linhas de swap, tendo como base os acordos prévios de liquidação comercial, a China lançou um programa de vulto em 2009. O programa-piloto para liquidação do comércio (oficialmente, Cross-Border Trade Settlement Pilot Scheme) permitia que empresas de cinco regiões dentro do país denominassem e efetuassem em RMB o pagamento de suas importações e exportações com as regiões administrativas especiais de Hong Kong, Macau, e também países-membro da ASEAN. O programa foi expandido em 2010 e novamente em 2011, abarcando, por fim, o comércio de todo o país com o restante do mundo. Assim, a partir de 2011, todo o comércio externo chinês pode ser denominado e pago em moeda nacional, se desejado pelos agentes. (CINTRA; MARTINS, 2013; COHEN, 2012; FAN, 2012; MCCAULEY, 2011; SWIFT, 2011). Até 2015, cerca de 25% desse fluxo comercial era denominado em RMB (PRASAD, 2016).

Uma iniciativa de grande impacto financeiro foi tomada em 2010, quando empresas estrangeiras selecionadas e bancos centrais foram licenciados a investir no mercado interbancário chinês (CINTRA; MARTINS, 2013; FAN, 2012; SWIFT, 2011). O setor bancário doméstico é altamente concentrado, com grande presença de bancos públicos e regulação estrita em vários componentes (ANDRADE; CUNHA, 2011; CINTRA; MARTINS, 2013). A presença de agentes estrangeiros permite que esses comprem e vendam ativos em um dos segmentos mais importantes para o desenvolvimento do setor financeiro.

Naquele mesmo ano, os depósitos estrangeiros em RMB passaram a poder ser canalizados para dentro do setor bancário chinês através de Hong Kong (ANDRADE; CUNHA, 2011). Desde então, o governo central vem gradualmente permitindo uma aproximação entre o sistema financeiro doméstico e o mercado offshore de Hong Kong. A confluência crescente entre as taxas de câmbio CNY e CNH parece apontar nesse sentido (MCCAULEY, 2011).

Outra medida tomada foi a regulação de fluxos de Investimento Externo Direto (IED) diretamente em RMB, em 2011. Esta abrangia tanto os investimentos originados na China quanto os que se destinavam ao país. Desse modo, além de os agentes externos poderem

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destinar seus excedentes comercias acumulados em RMB para investimentos, os residentes podem realizar também investimentos produtivos diretamente em sua moeda. A medida serviu tanto para estimular o uso internacional do RMB quanto indiretamente de estímulo ao aumento do IED chinês (CINTRA; MARTINS, 2013; FAN, 2012; SWIFT, 2011).

A partir de 2012, a política de criação de um mercado cambial offshore deixou de concentrar-se apenas em Hong Kong. Foi aprovada a instalação de câmaras de compensação para as transações em RMB, não tendo essas que serem remetidas mais à China. As operações são feitas por bancos comerciais chineses ou suas filiais locais. Tais centros de compensação encontram-se bem distribuídos geograficamente e incluem algumas grandes praças financeiras internacionais. Em 2015, o BPC emitiu pela primeira vez títulos em um desses centros – sendo também a primeira oferta pública em uma praça diferente de Hong Kong, com uma oferta de RMB 5 bilhões em Londres (PRASAD, 2016).

Estas foram as medidas que tiveram maior impacto, direta ou indiretamente, para a internacionalização do RMB, até aqui. É necessário então fazer uma avaliação do processo hoje, em comparação com os objetivos propostos. Entretanto, recorda-se que o projeto de aumentar o uso internacional da moeda chinesa não foi dado por encerrado. Os próximos anos devem presenciar a continuidade dessas medidas, em maior ou menor grau – ou então, caso contrário, uma reversão total da trajetória, caso o processo estagne. Resta acompanha- las para compreender a real dimensão da expansão chinesa e os impactos disso para o SMI.

4 CONCLUSÃO

De modo geral, o uso internacional do RMB permanece reduzido. No campo comercial, a moeda chinesa tem obtido alguns resultados positivos. Principalmente, o programa-piloto adotado apresenta o sucesso mais expressivo. O RMB tem sido cada vez mais utilizado no comércio internacional, mormente o chinês, assim como nos serviços auxiliares a esse comércio, e também como uma parcela crescente das reservas internacionais de alguns bancos centrais. Já no setor financeiro, devido ao regime de controles vigente na conta financeira, há uma clara separação entre as iniciativas voltadas ao mercado financeiro interno e ao desenvolvimento offshore do RMB. A despeito da proposta de maior integração entre os dois, as políticas implementadas mostram que uma fragmentação ainda existe. Hong Kong tem se mostrado um laboratório propício para a experimentação de políticas. As ações apresentadas têm tido impactos auspiciosos no desenvolvimento de um mercado financeiro mais amplo e profundo, que pode ser transplantado para o continente caso os resultados forem considerados satisfatórios e congruentes com a política macroeconômica chinesa. Do mesmo modo, a região administrativa desempenha um papel de ponte entre o mercado financeiro continental e o resto do mundo. Mais recentemente, tem-se avançado em

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consolidar o RMB em outras praças financeiras internacionais, com participação em importantes centros como Londres, Frankfurt e Cingapura. As autoridades chinesas também têm tido êxito em firmar acordos para a instalação dessas câmaras de compensação em novos mercados, como a América Latina, onde a China tem grande participação comercial.

Apesar desses aspectos positivos, nota-se que o RMB não atingiu uma internacionalização expressiva, tanto no campo comercial quanto no financeiro. Ainda responde por parcela pequena do comércio mundial e das reservas declaradas. Assim como na função comercial, também manifesta diversos entraves à sua maior utilização financeira por agentes externos. As medidas implantadas têm sido extremamente cautelosas: os fluxos permitidos entre os mercados offshore e a China continental são pequenos, o volume e diversificação de ativos disponíveis a não-residentes é baixo, e as iniciativas tomadas convivem com inúmeras restrições.

Percebe-se assim que o uso do RMB na economia internacional ainda é extremamente restrito. As políticas adotadas nesse sentido indicam que as autoridades chinesas pretendem fomentar o desenvolvimento do setor financeiro doméstico e apoiar a internacionalização de sua moeda. Porém, a estratégia tem se mostrado gradual e cautelosa. O governo tem colocado a estabilidade interna e o crescimento do setor produtivo acima da expansão da esfera financeira. Como indicado, um mercado financeiro amplo e profundo é o principal entrave à internacionalização do RMB.

Há que se considerar um elemento de novidade: as reformas em direção à maior utilização da moeda chinesa iniciaram há pouco mais de uma década. Todavia, o progresso tem sido lento. Até que ponto lento demais, ou prosseguido na velocidade desejada pelas autoridades chinesas, é uma questão a ser discutida em pesquisas futuras. Provisoriamente, pode-se afirmar que o governo da China tem guiado as reformas de forma deliberadamente vagarosa, de modo a acomodar a economia interna às novas possibilidades. Portanto, o processo parece ter caminhado de forma satisfatória frente às ambições chinesas.

Os avanços no campo comercial têm sido mais significativos. De praticamente zero antes de 2009, a denominação em moeda nacional do comércio exterior chinês passou a cerca de 25% em 2015. Entretanto, apesar de crescente, esse uso ainda se restringe muito a transações diretamente com agentes residentes na China. No campo financeiro, os avanços têm sido mais lentos. O mercado offshore de RMB em Hong Kong tem exibido uma evolução desde a sua implementação: o volume de transações pode manifestar que existe uma demanda pela moeda chinesa, ainda não totalmente suprida. Porém, as medidas aplicadas continuam sendo acompanhadas de muitos controles e restrições. Os fluxos acumulados na ilha têm pouco espaço para movimento internacional, especialmente em direção ao território continental da China. As câmaras de compensação internacional são um elemento positivo,

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mas ainda não se efetivaram no maior mercado financeiro – os EUA. A falta de um centro de transação em Wall Street pode ser um grande obstáculo. Em paralelo, o sistema financeiro interno demonstrou ainda menos progresso. As reformas adotadas até aqui serviram mais como indicativos de ações futuras a serem praticadas. O RMB não se coloca atualmente como uma alternativa expressiva para a utilização no mercado financeiro internacional.

Assim, uma internacionalização mais significativa ainda é uma alternativa de longo prazo, ao menos considerando o sistema mundial. A China parece ter avançado pouco no caminho financeiro para que sua moeda ganhe destaque nesse sentido. O caminho comercial parece mais promissor. Mas para ser cumprido o objetivo proposto, medidas terão que continuar sendo adotadas nos próximos anos. Mas regulações profundas e de larga escala não parecem estar no horizonte. Do mesmo modo que o início do processo, o futuro da internacionalização do RMB vai depender da compatibilização com o modelo de crescimento vigente. No entanto, o aprofundamento de seu uso internacional pode elidir o controle sobre algumas variáveis chaves da economia, e torná-la mais suscetível a fluxos financeiros instáveis. Assim, a internacionalização deve seguir em ritmo gradual. Por enquanto, a moeda chinesa permanece escassa para os agentes externos, e ainda largamente inconversível. REFERÊNCIAS

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Referências

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