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Três Irmãs, Três Rainhas

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Academic year: 2021

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Texto

(1)

Philippa Gregory

Três Irmãs, Três Rainhas

Tradução Mário Dias Correia

(2)

Para o Anthony

(3)

HENRIQUE VI I 1457 – Ar tur T ud or , príncipe de Gales 1486 – Isabel de Y or k 1466 – Margarida T udo r 1489 – de Aragão 1452 – Margarida Be au fo rt 1443 – ISABEL I de Castela 1451 – Edmundo T udo r c. 1430 – 145 6 Henrique T ud or , duque de York 1491 – = = = = Catarina de Aragão 1485 – Isabel Tudo r 1492 – 149 5 Maria T udo r 1496 – Edmundo T ud or 1499 – 150 0 Isabel W oo dvi ll e 1437 – 149 2 = EDUARDO I V 1442 – 148 3 Cecília de Y or k 1469 – = A na de Y or k 1475 – = Tom ás How ar d 1473 – To má s Howa rd 1496 – C atar in a de Y or k 1479 – Will ia m Cou rt en ay c. 1475 – H en ry Cou rt en ay c. 1498 –

Mais dois filhos

5P_Gregory_ThreeSisters_33556.indd 8 6/23/16 1:39 PM

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ASA DE

T

UDOR EM

1501

FERNANDO I I JAIME II da Escócia 1430–146 0 JAIME II I da Escócia 1452–148 8 JAIME IV da Escócia 1473 – Alexandre Stuart c. 1493 – Margarida Stuart c. 1497 – = = Maria de G ue ld re s c. 1434 – 146 3 Margarida da Dinamarca 1456–148 6 Catarina Stuart c. 1495 – Jaime Stuart c. 1498 – Jea n Stuart c. 1499 – Catarina Stuart c. 1500 –

Jaime Stuart, duque de Ross

1476

João Stuart, conde de Mar 1479

– Maria Stuart , condessa de Arran c. 1452–148 8 = T om ás Boy d, conde de Arran f. c. 147 3 (1 ) Jaime Ha m il to n, L or de H am ilt on c.1415–147 9 (2 )

Jaime Hamilton, conde de Arran

1475

Mais dois filhos

Alexandre Stuart , duque de A lb an y c. 1454 – 148 5 = Catarina Sin cla ir (1 ) An ne de la T ou r (2 ) João S tu ar t, duque de A lb an y c. 1482 – Margarida Stuart c. 1459 – M ar gar ida C richto n c. 1483 – Ale xan dre St ua rt 1477 – Margarida B oy d c. 1468 – Jaime Boy d c. 1468 –148 4 5P_Gregory_ThreeSisters_33556.indd 9 6/23/16 1:39 PM

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FERNANDO I I JAIME II da Escócia 1430–146 0 JAIME II I da Escócia 1452–148 8 JAIME IV da Escócia 1473 – Alexandre Stuart c. 1493 – Margarida Stuart c. 1497 – = = Maria de G ue ld re s c. 1434 – 146 3 Margarida da Dinamarca 1456–148 6 Catarina Stuart c. 1495 – Jaime Stuart c. 1498 – Jea n Stuart c. 1499 – Catarina Stuart c. 1500 –

Jaime Stuart, duque de Ross

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João Stuart, conde de Mar 1479

– Maria Stuart , condessa de Arran c. 1452–148 8 = T om ás Boy d, conde de Arran f. c. 147 3 (1 ) Jaime Ha m il to n, L or de H am ilt on c.1415–147 9 (2 )

Jaime Hamilton, conde de Arran

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Mais dois filhos

Alexandre Stuart , duque de A lb an y c. 1454 – 148 5 = Catarina Sin cla ir (1 ) An ne de la T ou r (2 ) João S tu ar t, duque de A lb an y c. 1482 – Margarida Stuart c. 1459 – M ar gar ida C richto n c. 1483 – Ale xan dre St ua rt 1477 – Margarida B oy d c. 1468 – Jaime Boy d c. 1468 –148 4 5P_Gregory_ThreeSisters_33556.indd 9 6/23/16 1:39 PM

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Bi sho p of Yor k Flo dd en New ca st le Edinbu rg h Carli sl e Jedbu rg h Be rw ic k Ha rbottl e Castl e Cart in gton Castl e Br ink bu rn P rio ry M or peth Ca stl e Lithlingo w Palac e Scone Palac e Methven Castl e T antallon Ca stl e Newark Castl e K el so Pi tloch ry Col dst rea m P rio ry St irlin g Castl e

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D urha m Bi sho p of Sali sbu ry ’s Ho us e Yor k Flo dd en N ew ca st le Edimburgo C ar li sl e Je dbu rg h B er wi ck Castelo de Harbottle Castelo de Cartington

Priorado de Brinkburn Castelo de Morpeth

Palácio de Linlithgow Palácio de Scone Castelo de Methven Castelo de Tantallon Castelo de Newark K el so Pi tloch ry Priorado de Coldstream Castelo de Stirling

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E

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ALES

I

NGLATERRA,

E

SCÓCIA

Palácio de Richmond Palácio de G reenw ic h Palácio de L ambet h Castelo de Baynard Abadia de We stmin ste r Casa de Dur ha m Palácio de York

Casa do Bispo de Salisbury

Palácio de Scotland Yard

C ol ly we sto n C as te lo de Windsor Castelo de L ud lo w We stho rp e Hal l Yor k

LONDRES

Comp to n W ynyat es R ichmond Palac e Greenwic h Palac e L amb et h Palac e Baynard’ s Castl e We stmin ste r Ab be y D urha m Hou se York Plac e Bi sho p of Sali sbu ry ’s Ho us e

Palace of Scotland Yar

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Castelo de Baynard,

Londres, Inglaterra,

Novembro de 1501

V

ou usar branco e verde, como a princesa Tudor que sou. Na realidade, vejo-me como a única princesa Tudor, porque a minha irmã Maria é dema-siado nova para fazer mais do que ser trazida pela ama, à hora da ceia, e levada de novo para o infantário. Certifico-me de que as amas de Maria têm bem presente que ela deve ser apresentada à nossa nova cunhada e ir-se embora. Não há proveito em deixá-la sentar-se à mesa e empanturrar-se de ameixas cristalizadas. As comidas demasiado ricas fazem-lhe dores de barriga e quando se cansa começa a chorar. Tem só cinco anos, demasiado nova para eventos de Estado. Ao contrário de mim, que vou fazer doze. Tenho de desempenhar o meu papel no casamento. Não ficaria completo sem mim. Foi a senhora minha avó, a mãe do rei, que o disse.

Então disse qualquer coisa que não consegui ouvir bem, mas eu sei que os lordes escoceses vão estar a observar-me para ver se sou suficientemente forte e crescida para casar já. Tenho a certeza de que sou. Toda a gente diz que sou uma bonita rapariga, robusta como um cavalo galês, saudável como uma leiteira, loura, como o meu irmão Harry, com uns grandes olhos azuis.

– Tu és a seguir – diz-me ela com um sorriso. – Dizem que um casamento traz outro.

– Não terei de viajar até tão longe como a princesa Catarina – digo. – Virei a casa de visita.

– Virás. – A promessa da senhora minha avó faz disto uma certeza. – Vais casar com o nosso vizinho, e farás dele um bom amigo e aliado nosso.

A princesa Catarina teve de vir de Espanha, a quilómetros e quilómetros de distância. Uma vez que temos uma querela com a França, teve de vir por mar, e houve tempestades horríveis e ela quase naufragou. Quando eu

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› philippa gregory ‹

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viajar até à Escócia para casar com o rei, será um grandioso cortejo de Westminster a Edimburgo, quase seiscentos e cinquenta quilómetros. Não irei por mar, não chegarei agoniada e ensopada, e irei e virei da minha nova casa em Londres sempre que quiser. Mas a princesa Catarina nunca mais voltará a ver a sua casa. Dizem que chorava quando conheceu o meu irmão. A mim parece-me ridículo. Tão infantil como a Maria.

– Vou dançar no casamento? – pergunto.

– Dançarás com o Harry – determina a senhora minha avó. – Depois de a princesa espanhola e as suas damas nos terem mostrado uma dança de Espanha. Poderás mostrar-lhe do que uma princesa inglesa é capaz. – Sorri, maliciosa. – Veremos quem é melhor.

Eu, rezo. Em voz alta digo:

– Uma basse danse?

A basse danse é uma lenta e majestosa dança de adultos que eu faço muito bem. Na realidade, é mais um passeio do que uma dança.

– Uma galharda.

Não discuto; ninguém discute com a senhora minha avó. Ela decide o que acontece em todas as casas da família real, em todos os palácios e cas-telos; a senhora minha mãe, a rainha, limita-se a concordar.

– Vamos ter de ensaiar – digo.

Consigo convencer Harry a praticar se lhe prometer que estarão todos a ver. Ele adora ser o centro das atenções e está sempre a ganhar corridas e competições de tiro ao arco e a fazer truques com o seu cavalo. É tão alto como eu, apesar de ter só dez anos, de modo que ficamos bem juntos, desde que não se ponha com disparates. Quero mostrar à princesa espanhola que sou tão boa como a filha de Castela e Aragão. A minha mãe e o meu pai são um Plantageneta e um Tudor. São nomes suficientemente grandes para qualquer pessoa. Que Catarina nem pense que lhe estamos gratos por vir até nós. Eu, por exemplo, não estou muito interessada em ter outra princesa na corte.

É a minha mãe que insiste em que Catarina nos visite no Castelo de Bay-nard antes do casamento, e ela traz consigo toda a sua corte, que a acom-panhou de Espanha até cá – à nossa custa, como o meu pai faz notar. Entram pelas portas duplas como um exército invasor, as suas roupas, a sua fala, os seus chapéus tão diferentes dos nossos, e no centro daquilo tudo, belamente

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› três irmãs, três rainhas ‹

vestida, está a rapariga a que chamam a «infanta». Também isto me parece ridículo, considerando que ela tem quinze anos e é uma princesa, e penso que eles lhe chamam «bebé». Olho para Harry, para ver se ele vai rir quando eu fizer uma careta e disser «bee-bé», que é a nossa maneira de implicar com Maria, mas ele não está a olhar para mim. Está a olhar para ela de olhos esbugalhados, como se estivesse a ver um cavalo, ou uma peça de armadura italiana, ou qualquer coisa que esteja decidido a ter. Vejo-lhe a expressão e apercebo-me de que está a tentar apaixonar-se por ela, como um cavaleiro por uma donzela numa história. Harry adora histórias e baladas a respeito de damas impossíveis fechadas em torres, ou amarradas a rochas, ou perdidas em bosques, e a verdade é que Catarina o impressio-nou quando foi ao encontro dela antes da sua entrada em Londres. Talvez tenha sido a liteira ornamentada e tapada por véus, talvez a sua erudição, pois fala três línguas. Estou tão furiosa… quem me dera que Harry estivesse mais perto de mim para poder beliscá-lo. É por isto que ninguém mais novo do que eu devia desempenhar um papel nas ocasiões reais.

Como beldade, Catarina não é nada de especial. É três anos mais velha do que eu, mas sou tão alta como ela. Os seus cabelos são castanho-claros, com um matiz acobreado, só um pouco mais escuros do que os meus. O que é, claro, irritante: quem quer ser comparada com uma cunhada? Mas mal consigo vê-los, porque ela usa um toucado e um espesso véu. Tem olhos azuis como os meus, mas umas sobrancelhas e pestanas muito louras; é evi-dente que não lhe permitem pintá-las, como eu gosto de fazer. Tem uma pele muito branca e suave, o que, suponho, é admirável. É pequena: cintura estreita, tão apertada pelos laços do corpete que mal consegue respirar, pés pequenos enfiados nos sapatos mais ridículos que vi em toda a minha vida, com biqueiras bordadas a ouro e cordões de ouro. Não me parece que a senhora minha avó me deixasse usar sapatos com cordões de ouro. Seria vaidade e ostentação mundana. Tenho a certeza de que os espanhóis são muito mundanos. E tenho a certeza de que ela é.

Cuido de não deixar que os meus pensamentos se me reflictam no rosto enquanto a examino. Penso que ela teve sorte por ter vindo para cá, sorte por ter sido escolhida pelo meu pai para casar com o meu irmão mais velho, Artur, sorte por ter uma cunhada como eu, sorte por ter uma sogra como a minha mãe e – mais do que tudo – uma avó por afinidade como lady Margarida Beaufort, que se certificará muito bem de que ela não excede o lugar que lhe foi atribuído por Deus.

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› philippa gregory ‹

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Catarina faz uma reverência e beija a senhora minha mãe, e depois a senhora minha avó. É assim que deve ser; mas ela depressa aprenderá que mais lhe convém agradar à senhora minha avó do que a qualquer outra pessoa. Então a senhora minha mãe faz-me um aceno de cabeça e eu avanço, e a princesa espanhola e eu fazemos uma reverência ao mesmo tempo, com a mesma profundidade, e então ela avança e beijamo-nos nas faces. As dela são quentes e vejo que está a corar, os olhos cheios de lágri-mas como se tivesse saudades das suas verdadeiras irmãs. Mostro-lhe o meu olhar severo, como o meu pai faz quando alguém lhe pede dinheiro. Não vou apaixonar-me por ela, pelos seus olhos azuis e bonitos modos. Nem ela pense que vai entrar na nossa corte inglesa e fazer-nos parecer gordos e estúpidos.

Ela não se deixa impressionar; devolve-me o olhar. Nascida e criada numa corte competitiva com três irmãs, sabe o que é rivalidade. Pior, olha para mim como se achasse que o meu olhar severo não tem nada de inti-midante, como se fosse até um pouco cómico. É então que fico a saber que ela não é uma jovem como as minhas aias, que têm de ser gentis comigo faça eu o que fizer, ou como Maria, que tem de fazer o que eu mandar. Esta jovem é uma igual, vai avaliar-me, talvez até me critique. Digo em francês:

– Sois bem-vinda a Inglaterra.

E ela responde num inglês deturpado:

– Estou muito feliz por cumprimentar a minha irmã.

A senhora minha mãe esforça-se por ser gentil com esta nora, a sua primeira. Conversam as duas em latim e eu não consigo acompanhar o que dizem, de modo que me sento ao lado da minha mãe e olho para os sapatos de Catarina com os seus cordões de ouro. A minha mãe pede música e eu e Harry iniciamos uma ronda, uma canção popular inglesa. Somos muito afinados e a corte entra no coro e a cantiga vai de roda até que as pessoas começam a rir e perdem os seus lugares. Mas Catarina não ri. Parece nunca ser tonta e alegre como eu e Harry. É demasiado formal, claro, sendo espanhola. Mas reparo na maneira como se senta – muito quieta, com as mãos pousadas no regaço, como se estivesse a posar para um retrato –, e penso: na realidade, dá-lhe um ar muito majestoso. Acho que vou apren-der a sentar-me assim.

A minha irmã Maria é trazida para fazer a sua reverência, e Catarina torna-se ridícula ao pôr-se de joelhos para que os seus rostos fiquem à mesma altura e ela possa ouvir o seu sussurro infantil. Claro que Maria

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› três irmãs, três rainhas ‹

não entende uma palavra de espanhol ou de latim, mas passa os braços pelo pescoço de Catarina e beija-a e chama-lhe «timã».

– Eu sou tua irmã – corrijo-a, e puxo com firmeza a mão pequenina. – Esta senhora é tua cunhada. És capaz de dizer cunhada?

Claro que não é. Balbucia, e todos riem e dizem que é encantadora, e eu digo:

– Senhora mãe, a Maria não devia já estar na cama?

Então toda a gente se apercebe de como é tarde e vamos todos à luz dos archotes ver Catarina partir, como se ela fosse uma rainha coroada e não apenas a filha mais nova do rei e da rainha de Espanha, e muito afortunada por ir casar na nossa família: os Tudor.

Ela despede-se de toda a gente com um beijo e quando chega a minha vez, encosta a face quente à minha e diz: «Boa noite, irmã», com aquele seu estúpido sotaque e os seus modos superiores. Então recua e vê a minha cara zangada e solta uma pequena gargalhada. «Oho!», diz, e dá-me uma palmadinha na face como se o meu mau génio não a perturbasse. É uma autêntica princesa, com uma realeza tão natural como a da minha mãe; é a rapariga que vai ser rainha de Inglaterra, e por isso a palmadinha, mais uma carícia do que uma palmadinha, não me ofende. Descubro que gosto e não gosto dela, tudo junto e ao mesmo tempo.

– Espero que sejas gentil para com Catarina – diz-me a minha mãe quando saímos da sua capela privada depois das laudes na manhã seguinte.

– Não se ela pensa que vai chegar aqui e mandar em toda a gente – digo, brusca. – Não se ela pensa que vai agir como se estivesse a fazer-nos um favor. Vistes os cordões dos sapatos dela?

A minha mãe ri, divertida.

– Não, Margarida, não vi os cordões dos sapatos dela, nem te pedi uma opinião sobre Catarina. Disse-te da minha esperança: que sejas gentil para com ela.

– Com certeza – digo, a olhar para as jóias que enfeitam a capa do meu missal. – Espero ser gentil para com toda a gente.

– Ela está longe de casa e habituada a uma família grande – diz a minha mãe. – Vai com certeza precisar de uma amiga, e talvez tu aprecies a com-panhia de uma rapariga mais velha. Eu tinha imensos irmãos em casa quando estava a crescer, e aprendi a dar-lhes valor, mais e mais a cada ano

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que passava. Talvez tu também descubras que as tuas companheiras são as tuas mais verdadeiras amigas, que as tuas irmãs são as guardiãs das tuas recordações e das tuas esperanças para o futuro.

– Ela e Artur vão ficar aqui? – pergunto. – Vão viver connosco? A minha mãe pousa a mão no meu ombro.

– Bem gostaria que pudessem ficar; mas o teu pai é de opinião que devem ir para o principado de Artur e viver em Ludlow.

– E que pensa disso a senhora minha avó?

A minha mãe faz um pequeno encolher de ombros. Significa que foi decidido.

– Diz que o príncipe de Gales deve governar Gales.

– Continuareis a ter-me em casa. – Ponho a mão em cima da dela, para a manter perto. – Continuarei aqui.

– Conto contigo – diz ela, num tom tranquilizador.

Tenho apenas um momento a sós com o meu irmão Artur antes do casa-mento. Passeamos os dois pela comprida galeria. Ouvimos, lá em baixo, os músicos atacarem mais uma dança e o rumor das pessoas a beber e a conversar e a rir.

– Não precisas de fazer-lhe vénias tão fundas – digo, abrupta. – O pai e a mãe são recém-chegados aos seus tronos, como o nosso pai. Não tem nada de que orgulhar-se muito. Não são melhores do que nós. Não são uma linhagem antiga.

Ele cora.

– Acha-la orgulhosa?

– Sem razão. Ouvi a minha avó dizer isto à senhora minha mãe, de modo que sei que é verdade.

Mas Artur argumenta.

– Os pais conquistaram a Espanha e retomaram-na aos mouros. São os maiores cruzados do mundo. A mãe é uma rainha governante. Têm uma riqueza incalculável e dominam metade do mundo conhecido. Acho que há aqui alguns motivos para orgulho, não te parece?

– Há isso, suponho – digo, de má vontade. – Mas nós somos Tudor. – Somos – concorda ele, com uma pequena gargalhada. – Mas isso não impressiona toda a gente.

– Claro que impressiona – digo. – Sobretudo agora…

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› três irmãs, três rainhas ‹

Nenhum de nós diz mais; estamos ambos conscientes de que há muitos herdeiros do trono de Inglaterra, dezenas de rapazes Plantageneta, os parentes da nossa mãe, ainda a viver na nossa corte ou fugidos para o exí-lio. O pai matou os primos da mãe em batalhas, e destruiu mais de um pretendente: há dois anos, mandou executar o nosso primo Eduardo.

– Acha-la orgulhosa? – diz ele, a desafiar-me. – Foi mal-educada para ti?

Abro as mãos no gesto de rendição que a minha mãe costuma fazer quando lhe dizem que a senhora minha avó a desautorizou.

– Oh, não se dá ao incómodo de falar comigo, não se interessa por uma simples irmã. Anda demasiado ocupada a ser encantadora, sobretudo para o pai. De todos os modos, quase não sabe falar inglês.

– Não será apenas tímida? Eu sei que sou.

– Por que havia de ser tímida? Vai casar, não vai? Vai ser rainha de Ingla-terra, não vai? Vai ser a tua esposa. Por que haveria de estar outra coisa senão deliciada consigo?

Artur ri e abraça-me.

– Achas que não há no mundo nada melhor do que ser rainha de Ingla-terra?

– Nada – digo, categórica. – Ela devia compreendê-lo e estar agradecida. – Mas tu vais ser rainha da Escócia – faz ele notar. – Também é magní-fico. Podes contar com isso.

– Posso, e com toda a certeza não vou estar ansiosa, nem com saudades de casa, nem melancólica.

– O rei Jaime é um homem afortunado por ter uma noiva tão satisfeita. É o mais próximo que chego de avisá-lo de que Catarina de Aragão olha para nós do alto do seu comprido nariz espanhol. Mas eu chamo-lhe Cata-rina de Arrogante e Maria ouve-me dizê-lo, porque está por todo o lado, sempre a escutar os mais velhos e seus superiores. Apanhou as palavras e eu rio sempre que a ouço e vejo a minha mãe franzir o sobrolho e ralhar-lhe num tom calmo.

O casamento é magnificente, organizado pela senhora minha avó, claro, para mostrar ao mundo como somos agora ricos e grandiosos. O pai gastou uma fortuna numa semana de justas e celebrações e festas, as fontes jorram vinho, são assados bois no mercado de Smithfield e as pessoas rasgam

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a passadeira nupcial para poderem ter um bocadinho da glória dos Tudor nos seus aparadores. É a minha primeira oportunidade de assistir a um casamento real e inspecciono a noiva do alto do seu belo toucado de renda, a que chamam mantilha, aos calcanhares dos sapatos bordados.

Está bonita, não posso negá-lo, mas também não é caso para todos se comportarem como se fosse um milagre de beleza. Os compridos cabelos têm a cor do ouro e do bronze e caem-lhe à volta dos ombros quase até à cintura. É delicada como uma miniatura, o que me faz sentir desajeitada, como se as minhas mãos e os meus pés fossem demasiado grandes. Seria mesquinhez, e um pecado, pensar mal dela por causa disto, mas admito que será melhor para todos quando ela conceber um filho e um herdeiro Tudor, desaparecer no confinamento durante meses e sair de lá gorda.

Mal a festa acaba, as portas duplas ao fundo do salão abrem-se e entra um grande carro, puxado por dançarinos vestidos de verde Tudor. É um enorme castelo, muito bem decorado e com oito damas lá dentro. A prin-cipal dançarina está vestida de princesa espanhola e em cada torre há um rapaz do coro da capela a cantar-lhe louvores. É seguido por um outro carro arranjado como um navio, as velas de seda cor de pêssego enfunadas, tripulado por oito cavaleiros. O navio encosta ao castelo mas as damas recusam dançar, de modo que os cavaleiros fingem atacar o castelo até que as damas lhes atiram flores de papel e descem. O castelo e o navio são levados e todos eles dançam juntos. Catarina de Arrogante bate palmas e agradece com uma inclinação de cabeça ao meu pai o rei o elaborado elo-gio. Estou tão furiosa por não me ter sido dado um papel que não consigo sorrir. Apanho-a a olhar para mim, e tenho a certeza de que está a provocar--me com a honra que o meu pai lhe faz. É ela o centro de tudo. De deixar uma pessoa doente a meio da ceia.

É então a vez de Artur. Dança com uma das damas da minha mãe, e então eu e Harry dançamos a nossa galharda. É uma dança rápida e alegre, com uma música tão tentadora como uma jiga camponesa. Os músicos impri-mem-lhe um ritmo acelerado e eu e Harry somos excelentes parceiros, bem combinados e bem ensaiados. Nenhum de nós falha um passo, nin-guém podia tê-lo feito melhor. Mas numa parte em que eu estou a rodo-piar, de braços estendidos, a fazer um pequeno passo sem sair do lugar, o redemoinhar da saia a mostrar os meus pés e tornozelos, e todos os olhos estão postos em mim – nesse exacto momento – Harry decide afastar-se um pouco, desembaraçar-se do pesado gibão e voltar a pular para junto

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› três irmãs, três rainhas ‹

de mim em mangas de camisa. O pai e a mãe aplaudem e ele está tão corado e tão bonito que todos lhe dão vivas. Eu continuo a sorrir, mas estou furiosa, e quando na dança damos as mãos, belisco-lhe a palma com toda a força.

Não estou, claro, nem um pouco surpreendida por ele me ter roubado o protagonismo; já estava à espera que fizesse qualquer coisa para atrair todas as atenções. Tem estado a remoê-lo todo o dia, o ser obrigado a fazer de segundo filho em relação a Artur. Foi ele que acompanhou Catarina pela coxia da abadia, mas no fim teve de entregá-la, recuar e ser esquecido. Agora, depois da dança contida de Artur, tem a sua oportunidade de brilhar. Se pudesse pisar-lhe os dedos dos pés pisava, mas Artur está a olhar para mim e pisca-me um olho. Estamos ambos a pensar a mesma coisa: Harry faz tudo o que quer e toda a gente menos a mãe e o pai vê o mesmo que nós vemos: um rapaz mimado para lá do suportável.

A dança chega ao fim e fazemos uma vénia juntos, de mãos dadas, for-mando um bonito par, como sempre. Olho para o lado onde estão os lordes escoceses, que me observam com atenção. Eles, ao menos, não estão interessados em Harry. Um deles, James Hamilton, é parente do rei da Escócia. Há-de ficar satisfeito por ver que serei uma rainha alegre; o primo, o rei Jaime, gosta de bailes e festas, e encontrará em mim uma parceira à altura. Vejo os lordes trocarem entre si algumas rápidas palavras e tenho a certeza de que concordarão que o próximo casamento, o meu casamento, se faça em breve. E aí Harry não dançará nem me fará sombra, porque eu não o permitirei, e Catarina terá de usar os cabelos escondidos debaixo da touca e serei eu a pôr-me de pé e a receber o barco de velas de seda cor de pêssego e todos os dançarinos.

Nem eu nem Harry somos autorizados a ficar até ao fim da festa, ao acompanhar da princesa até à cama, às orações sobre o leito nupcial. Acho que é muito errado e de muito má educação tratarem-nos como crianças. A minha avó manda-nos para os nossos quartos, e apesar de eu olhar para a minha mãe, à espera de ouvi-la dizer que Harry deve ir mas eu posso ficar, ela está a olhar para outro lado. Como sempre, a palavra da minha avó é lei: é ela o juiz que manda enforcar, a minha mãe limita-se a conceder um ocasional e raro perdão real. Por isso fazemos as nossas vénias e reve-rências ao rei e à minha mãe e à senhora minha avó, e ao querido Artur e a Catarina de Arrogante, e então temos de sair, a demorar o mais que nos atrevemos, dos salões iluminados onde as velas de cera branca ardem como

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› philippa gregory ‹

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se não custassem mais do que as de sebo, e os músicos tocam como se fossem continuar toda a noite.

– Vou ter um casamento igualzinho a este – diz Harry enquanto subimos a escadaria.

– Não nos próximos anos – digo eu para o irritar. – Mas eu casarei muito em breve.

Quando chego ao meu quarto, ajoelho-me no prie-dieu e, apesar de ser minha intenção rezar por uma vida longa e feliz para Artur, e recordar a Deus a dívida especial que tem para com os Tudor, descubro que só consigo rezar para que os embaixadores escoceses digam ao rei que me mande chamar o mais depressa possível, porque quero uma festa de casa-mento tão magnífica como esta, e um guarda-roupa tão bom como o de Catarina de Arrogante, e sapatos – hei-de ter centenas e centenas de pares de sapatos, juro, e todos eles terão biqueiras bordadas e cordões de ouro.

Referências

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