• Nenhum resultado encontrado

Batismos de legítimos e naturais na freguesia de São Sebastião da Leopoldina ( )

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Batismos de legítimos e naturais na freguesia de São Sebastião da Leopoldina ( )"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

389 Batismos de legítimos e naturais na freguesia de São Sebastião da Leopoldina (1882-

1888)

Baptisms of legitimate and natural in the parish of São Sebastião da Leopoldina (1882-1888)

Gisele do Nascimento Resumo: Sabemos que os registros paroquiais são fontes imprescindíveis para a compreensão da família brasileira. A fim de aprofundar nessa temática, este artigo terá a função de analisar o perfil da família escrava, na freguesia de São Sebastião da Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, entre os anos de 1882 a 1888. Teremos o objetivo principal a análise dos índices de ilegitimidade e o perfil das relações de compadrio, vista sob uma ótica de ampliação dos laços familiares. Acreditamos que este estudo poderá alargar a compreensão da família escrava, por ser a freguesia uma das maiores áreas concentração de escravos da região no século XIX.

Palavras – Chave: Batismos; ilegitimidade; família; escravos.

Abstract: We know that parish registers are indispensable sources for understanding the Brazilian family. In order to deepen this theme, this article will analyze the profile of the slave family in the parish of São Sebastião da Leopoldina, Zona da Mata de Minas Gerais, between the years 1882 and 1888. The main objective will be the analysis of the indices of illegitimacy and the profile of the relations of compadrio, seen from a perspective of expansion of family ties. We believe that this study could broaden the understanding of the slave family, since the parish was one of the largest areas of slave concentration in the region in the 19th century.

Keywords: Baptisms; illegitimacy; family; slaves.

Introdução

O batismo constitui-se o mais importante dos sacramentos da Igreja católica, sendo definido como a salvação e a remissão dos pecados. Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, os pais deveriam batizar seu filhos e escolher seus padrinhos definidos como “pais espirituais”, no qual teriam a obrigação de ensinar aos seus afilhados os bons costumes e a doutrina cristã 1 . O parentesco que os uniria no ato do batismo também os impediria de contrair matrimônio posteriormente.

Iremos tratar neste artigo dos batismos de escravos ingênuos na paróquia Nossa Senhora do Rosário, situada na freguesia de São Sebastião da Leopoldina, Mata mineira. Para

Mestranda no Programa de Pós-graduação em História (PPGH) da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO, orientada pela Profª Drª Vitória Fernanda Schettini de Andrade, bolsista CAPES, e-mail:

giselenascimento1985@gmail.com

1

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XI, p.14.

(2)

390 darmos início a este estudo, tomamos como base a análise dos registros de batismo de crianças legítimas e ilegítimas escravas entre os anos 1882 a 1888. Trata-se de um conjunto de 1.043 registros de batismos celebrados ao longo do período acima mencionado.

Na Paróquia Nossa Senhora do Rosário encontramos apenas um livro de registro de batismos referente à escravos ingênuos. O livro é demarcado pelo número 04A e abrange todos os 1.043 registros estudados. A escrita é fácil de ser compreendida e o estado de conservação das páginas é excelente, tornando o nosso trabalho mais fácil. Quem assina todos os batismos é o vigário José Francisco dos Santos Durães, este que também realiza maior parte dos sacramentos.

O formato das anotações segue um padrão ao longo das páginas, porém, em alguns casos, o vigário deixou de mencionar dados importantes como a data de nascimento ou o nome da mãe, bem como o nome dos padrinhos ou proprietários. Essas falhas prejudicam parte da análise, tornando alguns dados inconsistentes. Mas, no geral, o vigário buscou seguir um padrão para os registros de batismo,

Aos vinte dias do mes de janeiro do no de mil oitocentos e oitenta e dois nesta freguesia de São Sebastiao da cidade de Leopoldina, baptizei solenemente e puz os santos oleos ao innocente Fulgencio, pardo, nascido no primeiro deste mez e anno e filho natural de Mathilde, escrava de D. Anna Catharina, foram padrinhos Eustacio e Justina. O vigario José Francisco dos Santos Duraes

2

Neste registro podemos identificar o nome da criança, cor, data de nascimento, nome da mãe, proprietário, padrinhos e a condição de natural. A designação natural ou legítimo está presente em todos os registros, sendo citado apenas o nome da mãe para a primeira e o nome do pai e da mãe no segundo caso. Utilizando-se do conceito de Tarcísio R. Botelho e Douglas Cole Libby 3 , crianças naturais eram os frutos de uniões não reconhecidas pela Igreja, seja uma união entre senhor e escrava, seja entre casais amancebados ou outro tipo de união ilícita, mal vista aos olhos da Igreja. Essas crianças naturais, uma vez reconhecidas pelos pais, teriam seus direitos garantidos perante a justiça no momento da partilha dos bens. Renato Pinto Venâncio, atribuiu a ilegitimidade ao concubinato e às ligações fortuitas, alegando o fato de ambas práticas coexistirem 4 . No que diz respeito à legitimidade entende-se pelos filhos de pais casados perante a Igreja, através de união lícita.

2

Registro de batismo de inocentes da Paróquia Nossa Senhora do Rosário. Livro 04A, 20/01/1882, p.2.

3

LIBBY, Douglas Cole Libby; BOTELHO, Tarcisio R.. Filhos de Deus Batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Varia História, nº31, Janeiro, 2004.

4

VENÂNCIO, Renato Pinto. Ilegitimidade e concubinato no Brasil Colonial: Rio de Janeiro e São Paulo,

1760-1800. São Paulo: Estudos CEDHAL, nº1, 1986.

(3)

391 Todos os batismos constantes no livro estudado foram realizados na paróquia, exceto um batismo realizado no curato de Campo Limpo no ano de 1875, assinado pelo vigário José Francisco dos Santos Durães. Este registro consta na última página do livro ao final de todas as anotações da paróquia Nossa Senhora do Rosário.

Quanto à idade dos batizandos, esta variava entre 0 a 4 anos. De acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, editadas em 1707, as crianças deveriam ser batizadas até os oito dias depois de nascidas, ou seus pais deveriam pagar a quantia de dez tostões à paróquia caso não cumprissem com as normas. E persistindo no erro, seriam mais severamente castigadas 5 . Não temos comprovações se os proprietários desses escravos foram punidos por não cumprirem com as normas, apesar de já terem se passado mais de cem anos da elaboração das Constituições Primeiras. Em se tratando da condição social das mães e pais dos batizandos, todos os registros os designam como escravos, exceto pelos casos onde o pai foi designado como liberto, sendo registrado um caso dentre todos aqui analisados 6 . A condição das mães em todos os casos foi dada como escrava, designação que não se estendeu aos batizandos. Às crianças, atribuiu-se a cor da pele apenas, mas convém lembrar que uma vez a mãe sendo escrava, consequentemente seus filhos também seriam propriedade deste mesmo senhor. Segundo afirma Elizabeth Anne Kusnesof , um batismo de escravo era uma prova de posse de um novo bem, era a comprovação da propriedade que teria sobre esta criança dali em diante 7 .

Nos registros de batizados legítimos sempre constava o nome do pai e da mãe e a condição de escravos na sequência. Esta qualificação por condição social foi vista em todos os registros, corroborando com a suposição de Botelho e Libby, que diziam representar um esforço por parte do clero em fazer com que as pessoas se sentissem envergonhadas perante a sociedade, encorajando-as a formalizar suas uniões. Dentre os registros analisados, obtivemos as seguintes porcentagens no tocante aos batismos de legítimos e naturais, bem como os registros onde o vigário não indicou nem o nome da mãe, nem o nome do pai ou sua condição:

5

Ibid, p.173.

6

Registro localizado na p.205, 26/02/1888. Batizanda Paula, filha legítima de José, liberto e Clemencia, escrava de Antônio Ferreira Netto.

7

KUZNESOF, Elizabeth Anne. Ilegitimidade, raça e laços de família no Brasil do século XIX: uma análise da informação de censos e de batismos pra São Paulo e Rio de Janeiro.In: NADALIN, Sérgio Odilon ET.

All (coord.). História e população: estudos sobre a América Latina, São Paulo: Fundação Sistema Estadual de

Análise de Dados, 1990

(4)

392 Tabela 1: Batismos de escravos ingênuos legítimos e naturais na Paróquia Nossa Senhora do

Rosário, 1882-1888 Paróquia Nossa

Senhora do Rosário

Legítimos Total

% Naturais % Pais

N/I

% Total

geral %

233 22,3 804 77 6 0,5 1.043/100

Fonte: Livro de Registro de Batismos de escravos ingênuos da paróquia Nossa Senhora do Rosário, 1882-1888

É perceptível o elevado número de batismos de filhos naturais na população escrava da paróquia Nossa Senhora do Rosário. A margem de 77% nesses nascimentos naturais nos sugere que nesta freguesia possa ter sido comum o concubinato ou outras formas de união não aprovadas pela Igreja. Kuznesof, atribui esses altos níveis de ilegitimidade ao fato de que o matrimônio possa ter deixado de ser uma norma na sociedade brasileira do século XIX, comprovando que a Igreja talvez não tenha sido bem sucedida ao instituir que o casamento era a única forma de união aceitável na sociedade 8 . Eni de Mesquita Samara ,também aponta para o fato de o casamento ser uma opção apenas para uma parte da população, visto que nem todos poderiam arcar com os custos matrimoniais 9 . Sendo assim, a maioria da população preferia permanecer solteira ou manter uniões consensuais, tidas como ilícitas pela Igreja.

Autores como Tarcísio R. Botelho, trouxeram o concubinato como hipótese na solução dessa elevada ilegitimidade. Segundo o autor, o casamento atendia aos interesses da família, já o concubinato satisfazia os interesses pessoais ou sexuais. O concubinato com um homem livre poderia proporcionar à mulher de cor o acesso à mobilidade social, uma vez que seu senhor poderia reconhecer a paternidade de seu filho trazendo assim, benfeitorias à ambos.

Esses filhos ilegítimos poderiam então ser filhos de seus senhores ou mesmo de outro homem livre ou forro que talvez já fosse casado e que não pudesse ou quisesse expor sua situação assumindo a paternidade.

Uma possibilidade desses benefícios que nós podemos observar nos registros, é a alforria obtida na pia baptismal. Apesar de poucas alforrias terem sido concedidas 10 , podemos supor que haveria algum laço entre a mãe e seu senhor, ainda que a alforria tivesse sido concedida por gratidão aos serviços prestados ou mesmo se a criança fosse filha deste senhor.

Convém destacar que os registros de batismos quase não oferecem indícios sobre as motivações que levaram às alforrias e para um melhor entendimento seria necessário o

8

Ibid., p.167.

9

SAMARA, Eni de Mesquita. Casamento e papéis familiares em São Paulo no século XIX. Revista de Estudos e pesquisas em Educação. Cad. Pesq., São Paulo, (37): 17-25, maio 1981.

10

Dentre os registros analisados, ocorreram 4 alforrias num total de 1.043 batismos, sendo 3 no ano de 1882 e

uma no ano de 1885.

(5)

393 cruzamento dos registros de batismo com outras fontes documentais, como os testamentos ou inventários por exemplo.

A ascensão social era um fator muito visado entre a população escrava, sendo também muito vista no apadrinhamento. Toda criança batizada, de qualquer condição ou cor deveria ter um padrinho. De acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia:

[…] mandamos , que no Baptismo não haja mais que um só padrinho, e uma só madrinha, e que se não adimittão juntamente dous padrinhos, e duas madrinhas, os quaes padrinhos serão nomeados pelo pai, ou mãe, ou pessoa, a cujo cargo estiver a criança, e sendo adulto, os que elle escolher.[…]

11

A escolha do padrinho e da madrinha envolvia diversos fatores. Silvia Maria Jardim Brügger,define o compadrio como uma “aliança para cima”, onde os padrinhos se encontravam provavelmente em patamares superiores ao das famílias dos batizandos 12 . Esse laço que se iniciaria a partir do apadrinhamento poderia trazer benefícios sociais aos afilhados ou aos pais, portanto, ter uma pessoa de prestígio como padrinho poderia ser uma possível ajuda nas condições de vida do afilhado e sua família. Segundo Jonis Freire, a importância do batismo se dava em toda a esfera social, desde os livres até os escravos, significando a

“entrada do pagão no seio da igreja” 13 .

Havia casos onde os proprietários também apadrinhavam. Nos registros da paróquia Nossa Senhora do Rosário esses proprietários apadrinharam em 1,6% dos casos. Esses homens e em alguns casos mulheres, eram pessoas poderosas, pertencentes à famílias tradicionais na freguesia e homens de grandes posses e vasta escravaria. Era uma época onde o nome era carregado com sinal de respeito e autoridade, visto que, uma família que possuía muitos escravos era detentora de grande riqueza e influência na elite dominante da freguesia de São Sebastião da Leopoldina e região. Para os senhores o apadrinhamento poderia significar um maior controle sobre sua escravaria, uma vez que sua obrigação como padrinho era proteção, ainda que espiritual sobre seu afilhado. Funcionava talvez como uma aproximação entre escravo e padrinho. Era comum também a escolha de membros da Igreja como padrinhos, uma vez que estes eram “intermediários entre Deus e os homens” 14 , bem como uma possibilidade de se obter auxílio material, apesar de as Constituições Primeiras do

11

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, Título XVIII, p.26.

12

BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal. Família e Sociedade (São João Del Rei – séculos XVIII e XIX), São Paulo: Annablume, 2007.

13

FREIRE, Jonis . Legitimidade e casamento na Zona da Mata mineira: estudos sobre a família escrava. In: SOUSA, Jorge Prata de; ANDRADE, Rômulo Garcia de. (Org.). Zona da Mata Mineira: escravos, família e liberdade. 1ed.Rio de Janeiro: Apicuri, 2012, v. 1, p. 161-200.

14

Ibid., p.304

(6)

394 Arcebispado da Bahia proibirem o apadrinhamento por parte de religiosos 15 . O vigário José Francisco dos Santos Durães foi tomado como padrinho em 0,5% dos casos analisados.

Seguidos pela fé ou em busca de proteção divina, no intuito de obterem um interventor entre Deus e a criança, os pais muitas vezes tomavam como madrinhas figuras santas, como Nossa Senhora. Nos registros de batismo da paróquia Nossa Senhora do Rosário, a santa foi tomada como madrinha em 8 casos, sendo 6 deles sob a designação de Nossa Senhora, 1 caso registrado como Nossa Senhora das Dores e 1 caso sob Nossa Senhora da Conceição. Em todos os casos havia o padrinho físico e a madrinha no plano espiritual.

Brügger atenta para o fato de que tanto em grandes como em pequenas escravarias, o apadrinhamento por pessoas livres era predominante. Cativos pertencentes à mesma escravaria eram padrinhos na maioria das vezes nas unidades maiores, como no caso da freguesia de São Sebastião da Leopoldina.

Natania Aparecida da Silva Nogueira, revela que a freguesia de Leopoldina, no final do século XIX, possuía uma das maiores escravarias de Minas Gerais e do Brasil 16 . Maria do Carmo Salazar Martins (2002), por sua vez, ao se valer do Censo de 1873 aponta que Leopoldina era uma das freguesias onde se possuía maior número de escravos comparado ao de pessoas livres. Esse significativo número de escravos se dá pelo crescimento econômico da região da Zona da Mata, que ocorreu de forma acelerada devido à sua produção cafeeira e agrícola e a proximidade com o Rio de Janeiro. O motivo para tal crescimento seria a busca por melhores terras para o plantio e à construção de estradas de ferro que facilitariam o embarque de mercadorias para a exportação. Para Vitória Fernanda Schettini de Andrade,“Unido à ocupação e ao desenvolvimento econômico da Zona da Mata mineira, estava o transporte das mercadorias, bem como sua modernização, além do desenvolvimento de implementos agrícolas para a produção de café” 17 .

Estando a freguesia em pleno desenvolvimento econômico, consequentemente havia muitas pessoas de grandes posses e prestígio social, sendo estas muitas vezes escolhidas como padrinhos e madrinhas. Para Brügger,

15

Ibid., p.26.

16

NOGUEIRA, Natania A. S.. Fragmentos da História: O Leopoldinense (1881). 1ª Ed. Leopoldina. Ed. Do autor, 2014. V.3, 60p.

17

ANDRADE, Vitória Schettini de. Tropas e tropeiros numa economia nascente: São Paulo do Muriahé, 1848 a

1888; in: As várias faces de Minas: traços locais e regionais. ANDRADE, Vitória Schettini de; LAMAS,

Fernando Gaudereto; SILVA, Rodrigo Fialho. (Orgs.). Belo Horizonte: EdUEMG, 2017.

(7)

395 [...] o padrinho, segundo a própria doutrina católica, constituía-se em um segundo pai, em um com-padre: ou seja, alguém com quem, de algum modo, se dividia a paternidade. Nada mais “normal” do que a pretensão de que esta divisão pudesse ser feita com homens situados socialmente num patamar superior e que pudessem dispor de mais recursos – não só financeiros, mas também políticos e de prestígio – para o “cuidado” dos afilhados.

18

Homens com patente militar ou doutores também permeavam entre os padrinhos, ainda que em poucos casos:

Quadro 2: Padrinhos com patente militar ou doutores 1882-1888

PATENTE DOUTOR CAPITÃO TENENTE CORONEL MAJOR

8 1 1 1 4

Fonte: Livro de Registro de Batismos de escravos ingênuos da paróquia Nossa Senhora do Rosário, 1882-1888

Podemos observar que estes padrinhos totalizavam 15 casos ou 1,4%. São poucos diante dos 1.043 registros, porém significativos, uma vez que, sendo a freguesia pequena em dimensão territorial, porém detentora de uma vasta escravaria, ter padrinhos com tamanho prestígio era bastante relevante para os escravos que buscavam estabelecer sua liberdade.

Os escravos também tomavam seus “irmãos de cativeiro” como padrinhos, talvez por assim reforçarem os laços de afinidade que mantinham no cativeiro, ou mesmo laços consanguíneos. Nos registros não se especifica o grau de parentesco entre padrinhos e os pais, ou se os primeiros eram escravos ou livres. Deduz-se que eram escravos por ter sido descrito apenas o prenome. Quando havia nomes completos dos padrinhos podemos imaginar que sejam pessoas livres ou forras, uma vez que ao escravo dificilmente se atribuía sobrenome.

Para as madrinhas, muitas traziam a nomeação de “dona” após o nome completo. “Dona” era utilizada como uma qualificação para as senhoras mais abastadas ou casadas com homens importantes, como uma espécie de diferenciação perante as outras senhoras mais simples e que não possuíam muitos bens. Esta designação aparece em 21,1% dos registros.

18

Ibid., p.286.

(8)

396 Tabela 2: Panorama geral dos batismos em São Sebastião da Leopoldina, 1882-1888

TotaisTotais %%%

Nº legítimos 233 22,3

Nº naturais 804 77

Mães listadas 1.035 99,2

Pais listados 136 13

Proprietários listados 1.028 98,5

Nº padrinhos 1.028 98,5

Nº madrinhas 1.022 97,9

Total de batismos no período: 1.043

Fonte: Livro de Registro de Batismos de escravos ingênuos da paróquia Nossa Senhora do Rosário, 1882-1888

Nesta tabela temos uma visão geral dos batismos na paróquia Nossa Senhora do Rosário. Percebemos o alto grau de ilegitimidade nesta freguesia, sugerindo-nos que talvez este fator se deva à condição de escravos, à dificuldade da vida no cativeiro ou ao concubinato entre escravas e senhores como dito anteriormente. As informações faltantes nos registros podem ter sido falha do vigário ao anotar os batismos no livro. Por vezes ele deixou de anotar a data de nascimento da criança, ou mesmo o seu nome. A partir do ano de 1886 até 1888 não há anotação de cor do batizando, totalizando 485 casos. Não temos justificativa concreta para este fato, cabe-nos indagar se o vigário, em determinado momento julgou desnecessária esta anotação.

Considerações finais

Esta pequena análise dos registros de batismo da paróquia Nossa Senhora do Rosário trouxe apenas um pequeno panorama dentro das inúmeras potencialidades que eles proporcionam. Para um melhor entendimento das relações familiares entre escravos e senhores é necessário o cruzamento de outras fontes documentais como testamentos, listas nominativas, inventários, registros matrimoniais. É necessária uma investigação mais aprofundada acerca dessas famílias para que se possa compreender através de números e outros dados, como se movimentava a cidade e a importância dessas relações para na sociedade oitocentista.

O compadrio reflete as relações de poder e proteção que se adquiria de padrinho para

escravo ou os interesses entre ambas as partes. Mesmo quando se tomava a imagem santa de

(9)

397 Nossa Senhora no apadrinhamento, percebemos o desejo de proteção, como uma extensão da fé dos pais. Os interesses materiais também sobressaiam quando se tomava como padrinhos pessoas mais bem situadas na hierarquia social, que por disporem de mais recursos financeiros, poderiam ser um facilitador à tão sonhada alforria.

A alta taxa de ilegitimidade foi um fator comum no século XIX em diversas regiões do país, inclusive naquelas onde havia grandes escravarias, como em São Sebastião da Leopoldina. Apesar dos esforços da Igreja para que os casais oficializassem suas uniões, muitos não possuíam condições financeiras para arcar com as despesas matrimoniais. Em se tratando de escravos, um agravante nesta situação era o impedimento de seus senhores com relação ao casamento com escravos de outro proprietário, por não quererem abrir mão de seu escravo. Sendo assim, permaneciam concubinados ou mantinham suas relações tidas como ilícitas aos olhos da Igreja. As relações entre escravas e seus senhores também geravam filhos ilegítimos e estes certamente não se submeteriam a tal escândalo perante a sociedade, uma vez que eram homens de grandes posses e alto prestígio na freguesia.

Muitos são os relatos historiográficos acerca dessas relações ilícitas e sua grande ocorrência na sociedade colonial, bem como os inúmeros casos não descobertos que elevaram a taxa de ilegitimidade demonstrando que havia laços familiares tanto entre as famílias brancas e livres como escravas. Apesar de a família escrava ser um artifício senhorial de controle, de outro era também uma forma de o escravo manter viva sua identidade, seus laços culturais. Eram estratégias de sobrevivência, onde uma família representaria a humanidade que lhes faltava no sistema escravista brutal e degradante. Para Manolo Florentino, a família escrava operava como um “forte mecanismo de estabilização social” 19 , criando vínculos através de seus filhos.

Fonte documental

Livro de registro de batismos de filhos de escravos (ingênuos) São Sebastião da Leopoldina - Minas 1882-1888. Nº 04ª. Paróquia Nossa Senhora do Rosário

Bibliografia

ANDRADE, Vitória Schettini de. Tropas e tropeiros numa economia nascente: São Paulo do Muriahé, 1848 a 1888; in: As várias faces de Minas: traços locais e regionais.

19

FLORENTINO, Manolo; AMANTINO, Marcia. Fugas, quilombos e fujões nas Américas (século XVI –

XIX). Análise Social, 203, XLVII (2º), 2012, 236 – 267.

(10)

398 ANDRADE, Vitória Schettini de; LAMAS, Fernando Gaudereto; SILVA, Rodrigo Fialho.

(Orgs.). Belo Horizonte: EdUEMG, 2017.

BOTELHO, Tarcísio R.. A família mineira no século XIX. In: RESENDE, Maria Efigênia Lara de; VILLALTA, Luiz Carlos (Orgs.). História de Minas Gerais: A província de Minas.

1ª Ed. Autêntica; 2008. V.2, p.267-282.

BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Poder e compadrio: apadrinhamento de escravos em São João Del Rei (séculos XVIII e XIX). In: Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e social / Carla Maria Carvalho de Almeida, Mônica Ribeiro de Oliveira (Orgs.), Editora UFJF, 2006.

BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal. Família e Sociedade (São João Del Rei – séculos XVIII e XIX), cap. 5, p. 304. São Paulo: Annablume, 2007.

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, título XI, p.14 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, Livro I, Título XVIII, p.26.

FLORENTINO, Manolo; AMANTINO, Marcia. Fugas, quilombos e fujões nas Américas (século XVI – XIX). Análise Social, 203, XLVII (2º), 2012, 236 – 267.

FREIRE, Jonis. Legitimidade e casamento na Zona da Mata mineira: estudos sobre a família escrava. In: SOUSA, Jorge Prata de; ANDRADE, Rômulo Garcia de. (Org.). Zona da Mata mineira: escravos, família e liberdade. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Apicuri, 2012, v.1, p. 161- 200.

KUZNESOF, Elizabeth Anne. Ilegitimidade, raça e laços de família no Brasil do século XIX: uma análise da informação de censos e de batismos para São Paulo e Rio de Janeiro. In: NADALIN, Sérgio Odilon ET.all (coord.). História e população: estudos sobre a América Latina, São Paulo: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, 1990.

LIBBY, Douglas Cole & BOTELHO, Tarcísio R.. Filhos de Deus: batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810.

Varia História, Belo Horizonte, v.31, p.69-96, 2004.

MARTINS, Maria do Carmo Salazar; LIMA, Maurício Antônio de Castro; SILVA, Helenice Carvalho Cruz da. População de Minas Gerais na segunda metade do século XIX: novas evidências. X Seminário sobre a economia mineira. Diamantina, 2002.

NOGUEIRA, Natania A. S.. Fragmentos da História: O Leopoldinense (1881). 1ª Ed. Leopoldina.

Ed. Do autor, 2014. V.3, 60p.

SAMARA, , Eni de Mesquita. Casamento e papéis familiares em São Paulo no século XIX. Revista de Estudos e pesquisas em Educação. Cad. Pesq., São Paulo, (37): 17-25, maio 1981.

.

VENÂNCIO, Renato Pinto. Ilegitimidade e concubinato no Brasil Colonial: Rio de Janeiro e

São Paulo, 1760-1800. São Paulo: Estudos CEDHAL, nº1, 1986.

Referências

Documentos relacionados

VINÍCIUS CRUZ DE CASTRO, Prefeito Municipal de Morro Agudo, Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, faz público que a Câmara Municipal aprovou e

O SCORE é constituído por duas tabelas (cada qual relativa ao sexo masculino ou feminino), subsequentemente divididas em duas outras: fumadores e não fumadores. As

Cândida Fonseca Duração e local: 11/09/2017 a 03/11/2017 – Hospital São Francisco Xavier Objectivos e actividades desenvolvidas: Os meus objectivos centraram-se na

O percurso de vida já são evidentes no nascimento, o homem apenas transforma o que esta latente em realidade, Não há acaso na vida !.. “A realidade é meramente uma ilusão,

O pesquisador, licenciado em Estudos Sociais com Habilitação Plena em História, pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), concluiu, ainda, o curso de

Declaro que fiz a correção linguística de Português da dissertação de Romualdo Portella Neto, intitulada A Percepção dos Gestores sobre a Gestão de Resíduos da Suinocultura:

Para as duas soldaduras com aço galvanizado, o tamanho de grão na região do nugget é semelhante, sendo de

Por isso avulta-se o papel do Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS de contribuir para que os Estados, subsistemas estaduais do SUS, mais